Kami pegou na mão da amiga.
- Agora que já conheceste todas as pessoas da aldeia, vou-te mostrar os nossos cavalos! Anda! São muito bonitos! E podes estar descansada porque são todos extremamente dóceis, e nunca deitaram nenhum de nós ao chão.
- OK! Vamos lá! – respondeu enquanto era puxada pela amiga.
Estavam as duas felicíssimas. Kami mostrou a Yania todos os cavalos, dizendo-lhe os nomes e as idades.
- A propósito de idades... reparei que na aldeia não existe nenhuma pessoa idosa... – comentou Yania.
- É verdade! Como já sabes, o espírito de uma pessoa tem um poder ilimitado para concretizar desejos, desde que esses desejos obedeçam a três requisitos: estar de acordo com o Amor, ter fé absoluta de que é possível tornar-se realidade, e ter uma grande intensidade mental. Estes três requisitos são a chave de toda a magia do Amor. É pois natural que aqui, onde todos são Espíritos do Amor, e onde todos os adultos já dominam bem os seus poderes, não exista velhice nem doença, porque ninguém quer ser velho nem doente.
- Compreendo...
- Sim, muitas das pessoas que tu conheceste há pouco tinham mais de 400 anos de vida nesse corpo físico. A Fymi é a mais velha de todos, com 532 anos. Ou seja, o tempo passa mas o corpo não envelhece nem adoece!
- Fantástico! – exclamou enquanto fazia festas num cavalo. – É óptimo saber que nunca irei envelhecer nem nunca mais fi carei doente! – pensou contente.
- O poder do Mal reside principalmente na mentira e na hipocrisia.
Como o Mal não pode vencer o Amor, então tenta neutralizá-lo espalhando falsidades por diferentes modos. Uma das mais recentes, que te devem ter ensinado na escola, é que Deus não existe e que o Homem provém do macaco!
- Nunca acreditei nisso! – afi rma prontamente Yania.
- Sim, mas muitos acreditam. Essas mentiras apenas servem para tornar as pessoas dependentes dos maus governantes, dos maus cientistas, e de toda a restante espécie de bandidos que servem a Força das Trevas. Essa é a razão pela qual, mesmo que tu não acreditasses directamente na mentira do ateísmo e do macaco, quando estavas doente procuravas a ajuda de um médico convencional. Porque inconscientemente estavas a dar crédito 36
As meninas que vieram das estrelas ao materialismo e, também sem te dares conta disso, estavas a acreditar que a tua cura se encontrava fora de ti.
- Agora compreendo. A cura está dentro de mim, e não fora de mim.
Tal como aconteceu com a mancha. – constatou enquanto passava uma mão no lugar onde antes tinha a doença de pele.
- Isso mesmo! Tudo porque o Amor é o nosso Deus, e nós Espíritos do Amor, como verdadeiros fi lhos do Amor que somos, fazemos parte de Deus-Amor, e sendo Deus-Amor imortal, também os nossos Espíritos são imortais!
- Dá muita segurança ouvir isso... que nunca iremos morrer… – respondeu olhando em volta contemplando a beleza da Natureza.
- É verdade! Podemos trocar de corpo, mas o Espírito, a nossa consciência, o nosso pensamento, ou seja, aquilo que nós somos, o nosso verdadeiro eu, esse permanece eternamente.
- E portanto o Amor é a chave de tudo!!! – exclamou enquanto passava a mão no rosto de Kami.
- Sim, Yania... – respondeu Kami agarrando na mão da amiga com carinho. – Existimos para sermos felizes e fazer que os outros o sejam também!
- Ai!!! Está a me puxar a camisa! – gritou Yania que estava de costas para o cavalo enquanto este a tentava levantar do chão.
- Quer brincar contigo! Anda Tito, queres que a Yania te monte? – disse enquanto dava palmadinhas no focinho do cavalo, que era todo branco.
- Tenho receio Kami. – confessou Yania algo embaraçada.
- Não, não tenhas!!! Todos os nossos cavalos foram ensinados com muito Amor, e como tal são todos muito fofi nhos!
- Há quem diga que os animais têm espírito, mas eu não posso acreditar nisso…
- E tens toda a razão Yania! São apenas mais mentiras para nos tentarem confundir! É claro que os animais não têm espírito! Porque haveria um Espírito do Amor escolher encarnar num cavalo, num cão, numa rã ou num gafanhoto? Seria uma autêntica estupidez! Só o corpo humano oferece as condições físicas para receber e dar felicidade, não só devido a ser a mais bela criação material, como também devido à forma como interage com os outros. Por exemplo, posso decidir... te fazer cócegas... – desatou a fazer cócegas em Yania debaixo dos braços e na barriga com muita rapidez, enquanto esta se ria sem parar. – E um cavalo, um cão, uma rã ou um gafanhoto não o podem fazer! Nem mesmo um macaco, porque não 37
Marcos Aragão Correia
tem agilidade sufi ciente para fazer este tipo de movimentos de forma tão rápida! – concluiu enquanto ria de tanto ver a amiga rir.
- Muito convincente! – exclamava Yania ainda às gargalhadas, enquanto tentava se recompor das cócegas da amiga.
- Os animais e as plantas devem ser bem tratados porque fazem parte da Natureza, e a Natureza deve ser preservada e respeitada porque a Natureza existe para contribuir para a felicidade dos Seres Humanos.
Não é lindo podermos olhar para a beleza deste prado, com estes cavalos magnífi cos a pastar e aquelas montanhas ao fundo repletas de árvores lindas? – questionou retoricamente enquanto suspirava de satisfação.
- Muito... – concorda Yania, olhando também para a Natureza ao seu redor. – É tudo muito bonito!
- Mas o Mal tem destruído a Natureza... – continuou Kami – Poluição de toda a espécie, no ar, nos rios, no mar. Abate de enormes áreas de fl oresta. Construção de edifícios sem qualquer cuidado, tendo como único objectivo o lucro e a ganância. Radiações electromagnéticas provenientes de cabos de alta tensão e de antenas de telemóveis, que causam doenças e mortes a muitas pessoas, principalmente crianças...
- E morte de milhões de animais todos os anos para servir a mesa dos carnívoros. – acrescenta Yania.
- Sim... e ainda essa! A propósito de carnívoros... quando te disse que os animais não têm espírito... quero-te explicar melhor...
- Sim, o quê?
- Quis dizer que nenhum Espírito do Amor encarna num animal. E
que em regra, os animais não têm nenhuma espécie de espírito. Mas por vezes...
- Por vezes o quê? – pergunta Yania curiosa com as pausas da amiga.
- Por vez existem espíritos maus que se transformam em animais para nos vigiarem ou fazerem mal. Tivemos um dia um cão que entrou aqui na aldeia. Estava eu a dar os meus primeiros passos, mas consigo lembrar-me bem desse cão. Parecia abandonado. Estava tudo sujo e parecia também que não comia há meses. O Jilu, uma criança de seis anos da nossa aldeia, recolheu-o, alimentou-o e cuidou dele sempre com enorme ternura.
Passaram-se cerca de três anos. Tinha então o Jilu a nossa idade. O cão estava com um aspecto muito saudável. Havia crescido, e estava com o pelo todo cinzento, comprido, as orelhas bem levantadas e pontiagudas.
Todos simpatizavam muito com o cão. Faziam-lhe festas, deixavam-no 38
As meninas que vieram das estrelas entrar dentro das suas casas. Parecia um cão muito meigo. Até que um dia... – fez novamente uma pausa e baixou a cabeça.
- Até que um dia...???
- Até que um dia Jilu saiu com o cão para dar um passeio no bosque aqui perto, como de resto costumava fazer quase todos os dias. Então, de repente, quase toda a aldeia ouviu os seus gritos pedindo socorro.
Todos correram para acudi-lo, mas quando chegaram era tarde demais.
Viram ainda o cão abocanhando violentamente o pescoço de Jilu, e este debatendo-se contra ele, mas o cão tinha muita força, e os seus dentes, que haviam perfurado o seu pequeno pescoço, fi zeram-no perder muito sangue.
Morreu ali mesmo antes que alguém pudesse fazer alguma coisa. Era fi lho único, e os seus pais, que chegaram a ver tudo, nunca mais quiseram ter fi lhos. Alguns de nós perseguiram o cão que fugiu, conseguiram-no agarrar, e preparavam-se para abatê-lo. Foi então que o cão se transformou num ser horrível, enorme, parte lobo, parte bode, parte águia. É difícil descrever-te.
Os nossos irmãos que assistiram, disseram que tinha oito patas, quatro de lobo e quatro de bode, um tronco disforme de lobo donde saíam duas enormes asas e duas terríveis garras, e três cabeças viradas para a frente, uma de lobo feroz, outra de bode com dezenas de cornos espinhosos, e outra de águia com dentes afi ados. Tentaram atingir o monstro com bolas de fogo emanadas das mãos, mas o monstro bateu rapidamente as asas e fugiu voando enquanto se ria de forma maquiavélica e estridente.
- Foi horrível! – comentou Yania olhando desgostosamente para Kami.
- Sim, foi. Por isso é que fi zemos estes colares, e hoje todos os usamos.
– disse enquanto olhava e tocava na pedra que pendia no seu pescoço. –
Para que uma coisa dessas nunca mais possa acontecer.
Yania olhou também para o seu. Brilhava tão intensamente como o de Kami. Perguntava-se agora o que aconteceria quando deixasse de cintilar.
Isso signifi caria que o Mal estaria por perto, e era preciso ter precaução.
No entanto, preferia pensar que quando esse momento ocorresse, já dominaria bem os seus poderes mágicos de forma a poder proteger-se, e a proteger de igual modo todos os amigos que estivessem consigo.
- Ai! Outra vez...! – exclamou Yania – Agora o Tito está a puxar-me a manga da camisa! – e riu.
- Não te larga enquanto não o montares! – riu também Kami. – Espera, vou trazer umas rédeas. – e deu uma corrida até uma árvore ali próxima onde existam várias rédeas penduradas num dos seus galhos mais baixos.
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Marcos Aragão Correia
– Pronto, colocam-se assim – demonstrava, passando as rédeas à volta da cabeça do cavalo.
- E então a sela? – pergunta Yania achando que a amiga se tinha esquecido.
- Não vais precisar. Até mesmo as rédeas usarás raramente. Vais ver...
– e chamou outro cavalo dando um forte assobio. – Dida, anda. É uma égua, costumo montar muito nela.
A égua, grande e de cor negra, correu prontamente em direcção a Kami, e esta colocou-lhe as outras rédeas que segurava na mão.
- Agora observa... – disse chamando a atenção de Yania.
- Baixa! – ordenou para Dida, tendo o cavalo baixado de imediato as patas da frente. Kami saltou para cima dela. – Agora faz o mesmo com o Tito! – disse à amiga enquanto se ajeitava no dorso de Dida.
- Baixa! – disse Yania para Tito. No entanto este não reagiu e continuou tentando mordiscar a roupa dela. – Não me obedece. – afi rmou desapontada.
- Não me vais dizer que estavas à espera que ele reagisse apenas a comandos verbais! Isso é nos circos! – e deu uma gargalhada. – Yania, lembra-te do poder da tua mente...
- Ah! É isso mesmo! Desculpa, como foi possível não me ter lembrado que o poder da mente funciona para tudo?! – e sorriu também. – Baixa Tito!
– ordenou desejando intensamente que o cavalo se baixasse da mesma forma que o de Kami.
- Estás a ver como ele te obedece agora!
- Tens razão. Ai! – exclamou com receio de cair quando o cavalo se levantou. – E agora que queres fazer?
- Primeiro, não deves ter medo. O medo prejudica o poder da mente.
Deves ter confi ança e concentrar-te no equilíbrio. É principalmente para isso que usamos as rédeas. Tudo o que depender do cavalo, ele nunca te irá deitar no chão. Se alguma vez tiveres o azar de cair, tudo o que tens a fazer é de imediato desejares fl utuar, de modo a que não te magoes.
Percebeste bem Yania?
- Percebi! Estou confi ante que não vou cair! – disse enquanto fazia festas no cavalo. – Eu tenho equilíbrio... eu tenho equilíbrio... – repetia em pensamento.
- OK! Então vamos sair a galope para veres como não há que ter receio.
– e ordenou ao seu cavalo que galopasse a velocidade média.
Yania tinha fi cado para trás, parada.
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As meninas que vieram das estrelas
- Não me deites no chão – sussurrou para o cavalo, tendo este relinchado como se tivesse entendido o que Yania lhe disse. – A galope para alcançar a Kami! – ordenou desejando. E o cavalo saiu com um galope muito veloz, tendo alcançado a amiga em breves instantes.
- É bom galopar, não é Yania?
- Muito! Estes cavalos são excepcionais!
E galoparam juntas até um pequeno riacho dentro do bosque.
- Vamos parar aqui um bocadinho? – sugeriu Kami.
Yania estava a adorar galopar naquele cavalo mas também achava aquele local muito bonito, e ideal para fazer uma pausa.
- De acordo. Paramos aqui.
Saltaram dos cavalos, e sentaram-se ambas à beira do riacho com os pés descalços a sentir a água fresca a fl uir.
- Kami, tenho uma pergunta a te fazer...
- Todas as que tu quiseres Yania.
- Como é que apareceu o Mal? De onde veio?
- É muito simples! Vê: Deus é Amor, logo não podia obrigar ninguém a seguir os seus valores. Deus-Amor cria os espíritos e dá-lhes liberdade de escolherem o que querem ser. Logo no início da existência de cada espírito, são lhe apresentados os dois caminhos possíveis: seguir a natureza amorosa da sua origem e portanto tornar-se para sempre igual a Deus que é Amor absoluto, ou pelo contrário, renunciar ao Amor e como tal afastar-se de Deus.
- Mas porquê alguém haveria de escolher o Mal?
- Porque quiseram experimentar se poderiam ser felizes através da maldade, da violência, do egoísmo e do ódio. Ou seja, pensaram apenas neles mesmos e desprezaram a felicidade dos outros. Mas como toda a existência teve origem no Amor, a verdadeira felicidade absoluta só pode ser atingida por aqueles que também são Amor. É por isso que quem é Amor sente-se tão feliz, tão maravilhosamente feliz por poder amar e ser amado pelos outros como ele! E aqui está a razão pela qual Deus que é Amor, e os seus Espíritos que são também Amor, nunca, mas nunca mesmo, quererem deixar de ser Amor: porque eles sabem que isso equivaleria à perda dessa esplêndida felicidade absoluta.
Yania sentia no coração toda a beleza do Amor. Um calor maravilhoso induzido pelo reconforto da ideia de que Deus, ela e Kami, e todos os que como elas seguiram o Amor, nunca deixariam de amar e serem amados.
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Marcos Aragão Correia
- Mas então porquê os mauzões não escolhem agora o Amor para serem felizes como nós?
- Escolher o Amor tem que ser algo sentido do fundo do Espírito.
Não pode ser apenas uma mera frase, algo como “eu agora vou seguir o Amor”. Não! É preciso sentir, sentir absolutamente que é isso que a pessoa verdadeiramente quer. E como felizmente ninguém pode esconder de Deus os seus verdadeiros pensamentos, sentimentos e desejos mais profundos, Deus saberá sempre se a escolha dessa pessoa é genuína ou não. Além disso, aqueles que escolheram o Mal acabam frequentemente por desenvolver tantas e tão más características espirituais, que lhes é cada vez mais difícil conseguirem sentir o Amor, e portanto escolhê-lo de plena consciência. É um ciclo vicioso: quanto mais mal fazem mais maus se tornam e mais afastados do Amor fi cam.
- Compreendo, é lógico. – comentou cabisbaixa. – E quando é que os espíritos maus começaram a nos atacar?
- Há já muito tempo... – respondeu Kami enquanto jogava uma pedrinha para dentro do riacho, vendo que a amiga estava bastante interessada em aprender mais. – Mas há muito mais tempo ainda, há muito mesmo muito tempo, no início das coisas, só existia Amor no Universo. Tudo era perfeito, e os Espíritos do Amor viviam felizes, viajando pelo espaço, e povoando novos planetas como a Terra. Nessa altura, o sofrimento, a infelicidade, a violência, o ódio, a guerra, a doença e a velhice, eram desconhecidos.
Todos tinham corpos humanos muito belos, e homens e mulheres viviam em perfeita harmonia, amando-se uns aos outros. Sim...! – disse com os olhos a brilhar. - O lema era amar ao próximo como a si mesmo. Mas subitamente começaram a aparecer monstros em diversos planetas, inclusivamente na Terra. Deves ter ouvido falar nos dinossauros! São os monstros que surgiram na Terra. Cada planeta tinha monstros diferentes, mas todos tinham algo em comum: eram muito maus, e só queriam destruir.
- Não imaginava que quando os dinossauros apareceram já existissem Seres Humanos na Terra! – comentou Yania com admiração.
- Sim, mas existiam. Aldeias inteiras começaram a ser atacadas, e os Espíritos do Amor, porque eram muito ingénuos e não estavam habituados à guerra, não sabiam o que fazer. A maioria fugia protegendo-se uns aos outros, mas os que fi caram e enfrentaram os monstros foram mortos.
Então perante toda aquela crueldade que se alastrava cada vez mais pelo Universo, os Espíritos do Amor chamaram-se uns aos outros e juntaram-se todos numa galáxia que ainda não tinha sido atacada pelos monstros.
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As meninas que vieram das estrelas Decidiram então isolar essa galáxia do resto do Universo, e começaram a usar os poderes das suas mentes para construir um escudo energético de Amor que, tal como uma bola, isolasse toda a galáxia do Mal, impedindo que este lá entrasse. E assim foi. Esta galáxia foi preservada, e é hoje aquilo que denominamos de Paraíso.
- E depois, como é que voltámos à Terra novamente?
- Bem, o que aconteceu foi que, pouco mais tarde, os Espíritos do Amor concluíram não ser justo que tudo aquilo que tinham criado fora dessa galáxia fosse destruído pelos monstros. Além disso, se não actuassem, passariam a estar cercados pelos monstros e nunca mais poderiam sair da galáxia. Então decidiram que começariam a desenvolver os seus poderes mágicos para controlar os monstros e fazê-los recuar. Começaram a pedir voluntários para saírem da galáxia e combaterem os monstros. É por isso que tu, eu e todos na aldeia estamos aqui: porque nos oferecemos para os combater.
Yania estava muito atenta, e ao mesmo tempo pensando sobre tudo o que Kami lhe contava.
- E os monstros com forma humana?
- Pois, fazes uma boa pergunta. Aconteceu que depois, devido a anos de combate, e em virtude das nossas forças serem muito superiores em magia por comparação com as dos monstros, estes começaram efectivamente a recuar. Na Terra, como em muitos outros planetas que já não eram habitados por Espíritos do Amor, congelámos a atmosfera e a superfície de modo a que os monstros invasores morressem. Mas muitos conseguiram escapar, e abrigaram-se numa galáxia onde já eram muito numerosos. Aí destruíram tudo, criaram uma hierarquia implacável, e passaram a vida a se guerrearem uns com os outros. Mas não satisfeitos de terem criado o Inferno, os monstros aplicaram-se na arte da ilusão, da mentira e da hipocrisia, sabendo que essas eram as únicas maneiras para voltarem a tentar conquistar o Universo. Então conceberam um plano abominável: como geralmente a maioria dos Espíritos do Amor encarnam nos seus corpos, ainda no útero das mães, no início do sétimo mês de gravidez, os monstros decidiram tentar encarnar antes dos Espíritos do Amor, ocupando assim o corpo do bebé, e retirando deste modo o lugar que era reservado aos nossos Espíritos. Mas sabiam que não o podiam fazer logo a seguir à última guerra, pois as nossas forças estavam alertas. Deixaram passar muitos milhares de anos, e então, aproveitando de novo o nosso regresso à ingenuidade, porque nós acreditávamos que os monstros não mais 43
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arriscariam regressar depois da derrota que tinham tido, começaram então a enviar espíritos monstruosos que encarnavam no quinto ou sexto mês de gravidez. É claro que as mães, de imediato, começavam a ter muitas dores, e muitos desses seres foram abortados. Mas muitos nasceram. A nossa sorte foi que no início, todos os seres que nasceram, nasciam com deformações muito, mas muito graves, e aí começámos a investigar e constatámos que não existia nenhum Espírito do Amor nesses corpos.
- Isso foi terrível – interrompeu Yania com cara de nojo – Continua...
- Aí desvendámos o plano deles. Então estudámos o modo de evitar que isso acontecesse, e descobrimos! Passámos a ensinar a todos os Espíritos do Amor que para evitar a encarnação dum espírito maléfi co nos corpos dos bebés, as mães deveriam emanar sentimentos de Amor directamente e continuamente para o bebé desde o começo da gravidez. Isso por vezes não acontecia, porque como nós sabíamos que os nossos Espíritos só encarnavam no sétimo mês, mínimo sexto mês, as mães geralmente só a partir deste período começavam a amar directamente os seus bebés. Ao introduzir esta alteração, passámos a gerar um escudo energético de Amor, semelhante ao que existe à volta da nossa galáxia, mas aqui à dimensão do útero da mãe, e, desta forma, o escudo só permite a entrada e saída de Seres do Amor, repelindo qualquer tentativa de invasão de espíritos diferentes. A partir de então nunca mais existiram encarnações de espíritos maléfi cos nos nossos bebés. Os meninos e as meninas que nascem desde então entre nós, são sempre Espíritos do Amor que encarnam para terem um instrumento maravilhoso, que é o corpo humano, capaz de proporcionar ainda mais prazer uns aos outros! Como sabes Yania, o corpo é apenas um instrumento de que se serve o espírito, porque este não tem sexo. O
mesmo espírito pode encarnar num corpo masculino numa vida, como na seguinte pode encarnar num corpo feminino.
- Eu já sabia Kami! Mas então em relação aos corpos, como é que os monstros adquiriram forma humana?
- Foi exactamente quando nasceram os primeiros bebés encarnados por monstros. Como te disse há pouco, muitos morreram, mas muitos também sobreviveram. As mães e os pais, enquanto ainda não sabiam o que tinha acontecido, cuidavam desses bebés com muita dedicação.
Quando souberam, muitos já tinham crescido o sufi ciente e haviam fugido, porque não suportavam o Amor. Aí vaguearam pela Terra, e muitos se cruzaram uns com os outros. No início tinham todos uma aparência semi-humana, semi-monstruosa, mas então dedicaram-se ao estudo da genética, 44
As meninas que vieram das estrelas e fi zeram modifi cações de forma a se parecerem mais com os verdadeiros humanos, ou seja, connosco. Hoje, só pelo físico, é extremamente difícil dizer que são monstros, dada a sua incrível parecença.
- E o contrário? – perguntou Yania.
- O contrário? Como assim? – retorquiu Kami sem perceber a que se referia a amiga.
- Sim, o contrário. Por exemplo, nós nascermos de monstros. É que, quando estavas a contar essas coisas, lembrei-me que os meus pais... que os meus pais poderiam ser monstros de forma humana. Para mim é terrível pensar numa coisa dessas! Nasci... nasci dum monstro? Pode realmente um ser humano ser um monstro? – questionou Yania pausadamente.
- Vamos por partes... Efectivamente tivemos que pôr, e ainda bem, a nossa ingenuidade de lado. Não podíamos mais, depois de todas essas coisas terríveis que os monstros nos tinham feito, continuar a facilitar a vida deles. Assim, muitos de nós ofereceram-se para nascer entre os monstros, de forma a demonstrarem que o Amor é a mais bela e poderosa força do Mundo, e que como tal não desejamos o mal a ninguém, provando assim que a guerra deles contra nós é completamente estúpida e inútil.
Mas nunca nascemos entre eles pela primeira vez. Ou seja, os nossos irmãos que nasceram entre eles, já haviam nascido primeiro entre nós, e experimentaram primeiro connosco toda a beleza do nascimento humano.
Quanto a tu teres nascido ou não dum monstro... bem, isso só tu podes dizer...
Parecia demasiada informação duma vez só para Yania. Desde que tinha entrado numa nave do Amor, passara o tempo quase todo a aprender coisas novas, que há muito desejava saber, mas que nunca tinha tido a sorte de encontrar num dos seus livros. Para agravar a situação, a maior parte das coisas que lhe ensinaram na escola revelavam-se profundamente erradas. Estava algo fatigada e contrariada por ter perdido tantos anos inúteis na escola.
- Ao menos aprendi a ler, a escrever e a fazer contas. – pensava. – Por isso não foi assim um desperdício tão grande! – consolou-se Atirou também uma pedrinha ao riacho sempre com um ar muito pensativo.
- Mas um ser humano pode mesmo ser um monstro?
- Yania, imagina, digamos, deixa ver... olha, duas crianças inocentes com corações de Amor, por exemplo meninas como nós, que estão à beira dum riacho falando uma com a outra sem fazer mal a ninguém, como 45
Marcos Aragão Correia
nós, e de repente aparece um homem, assassina-as com um machado, e depois viola-as já cadáveres. Quem achas que fez isso? Um Ser Humano verdadeiro, ou um monstro com forma humana?
- Só um monstro poderia fazer uma coisa dessas! – respondeu com convicção.
- Essa é também a minha resposta.
Yania reparou que uma formiga subia o ombro de Kami.
- Espera, não te mexas, tens uma formiga grande no ombro, vou sacudi-la. – E com um só gesto sacudiu a formiga para o chão.
Uma breve aragem levantou-se.
- Kami? – chamou com uma cara algo afl ita.
- Sim?
- A tua... a tua... – gaguejou enquanto apontava o dedo para o peito da amiga.
- A minha quê? – perguntou a amiga já preocupada com a cara de Yania.
- A tua... a tua pedra não está a brilhar...
- Não está... – engoliu em seco, e olhou para a da amiga. – A tua também não...!
- Isso quer dizer...
Fizeram um silêncio de morte. Nem tinham os cavalos próximo, pois estes haviam se afastado à procura de ervas.
Ouviram então um galho quebrar-se no chão, a apenas alguns metros atrás delas.
O medo tomou conta de Yania. Tinha acabado de aprender o essencial sobre o uso dos seus poderes, e já estava enfrentando o perigo.
Era tão expressiva, que Kami conseguiu perceber que a amiga estava a fazer um esforço enorme para não gritar de pânico.
- Chiuuuu – sussurou ao ouvido de Yania, enquanto ponha o dedo à frente da sua boca. – Não te preocupes. Tenho tudo sob controlo... – disse embora realmente também sentisse uma sensação de medo crescente causada pela surpresa dos acontecimentos. Mas não podia deixar a amiga perceber isso senão tudo fi caria então mesmo descontrolado.
De repente passos correndo em direcção a elas fi zeram-se ouvir, e Kami instintivamente puxa o braço de Yania e jogam-se para o riacho, atravessando para a outra margem o mais depressa que podiam, e lá chegadas correram bosque dentro com todo o fôlego.
- Chama o teu cavalo – gritou Kami para a amiga enquanto corriam.
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- Não sei se consigo... – respondeu com difi culdade – Estou com demasiado medo...
- Tens que conseguir! Dida! – chamou o cavalo dela que veio correndo a galope em direcção a Kami.
- Tito! Tito! – gritou inutilmente.
Kami percebeu que Yania estava demasiado nervosa para controlar o seu cavalo.
- Anda, dá-me a mão! – disse enquanto os passos que as perseguiam se aproximavam cada vez mais. Nem ousavam olhar para trás.
- Pronto!
- Agora quando eu disser salta, tu saltas e agarras-te comigo ao pescoço do cavalo – dizia apressadamente já quase sem fôlego, enquanto corriam as duas ao lado de Dida por entre as árvores do bosque.
- Salta! – gritou mal acabara ela mesma de saltar e de se agarrar ao pescoço do animal.
Yania, ajudada pelo impulso da mão de Kami, salta também, e vão as duas penduradas por baixo do cavalo.
- Prende as tuas pernas à volta dele – gritou para Yania, que o fez de imediato. – Bola de luz! – desejou com intensidade. Uma grande bola de luz forma-se à volta das duas. – Larga agora o cavalo – pediu à amiga.
As duas caíram dentro da bola de luz que as amparou, sempre acompanhando a velocid