Microsseguros na favela da rocinha
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A pesquisa para este livro e sua publicação foram feitas com o apoio de
Bradesco Seguros
Agosto 2014
Edição: Denise de Goes
Tradução: Fabiana Dias da Cunha
Design Gráfico: Maurício Hoyuelos
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Agradecimentos
Este livro é dedicado a todos aqueles que o tornaram possível: Fabiana,
Carlitos, Lucy, Hernán, Gabriela, Damiler, Martín, Magaly, Janet, Silvana,
Thales, Fernanda, Paola, Bolivar, e Eugenio.
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Floresta de Tijuca
Lagoa
Copacabana
Rocinha
Ipanema
Océano Atlãntico
São Conrado
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Entre 2010 e 2013 a Bradesco Seguros desenvolveu uma série de iniciativas para
conhecer em profundidade os principais destinatários de Microsseguros no Brasil. Uma destas iniciativas resultou em uma série de pesquisas apresentadas neste livro e que foram feitas pela consultoria internacional IMR, quem realizou a primeira imersão socioantropológica em favelas e bairros de classe média baixa para a indústria seguradora.
Nosso entendimento da complexidade da população de baixa renda era claro
desde o início. Não se podia fazer generalizações nem utilizar indicadores socioeconô-
micos padrão para conhecer a nova classe C. A população rural do Brasil não pensa e nem se comporta em relação aos riscos e à administração do orçamento familiar da mesma forma que a população dos grandes centros urbanos, muito mais desenvolvida e interconectada, o faz.
Assim sendo, nosso objetivo foi conhecer as distintas e diversas pessoas de um
novo mercado para seguros, juntamente com suas necessidades e aspirações, além de precisar as verdadeiras necessidades de seguros dos indivíduos da nova classe média brasileira.
A partir de então, um amplo horizonte de oportunidades se abriu para a indústria seguradora, permitindo não só definir as características da nova classe C, mas também implantar novas ferramentas de comunicação que hoje nos ajudam a ilustrar de forma muito mais simples e direta os conceitos complexos de nossa indústria.
É com grande satisfação que nós da Bradesco Seguros difundimos um conhe-
cimento de raízes em ciências sociais como a Sociologia e a Antropologia – um tipo de conhecimento que esperamos que revele grandes oportunidades no âmbito do
desenvolvimento social e econômico nas populações de baixa renda. Estamos certos que conceitos como o de Microcentros Comerciais Compostos, aqui apresentado pela primeira vez, poderão ser utilizados para o desenvolvimento e aplicação de políticas públicas e privadas em todo o mundo.
Eugenio Velasques
Diretor Bradesco Seguros
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Contenido
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4. Conceitos espaciais para entender as trocas em espaços informais ...........................75
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Introdução
O conceito de pobreza é principalmente econômico, afetando também
outros sistemas, como o social e o cultural. A pobreza é resultado de operações sistêmicas complexas e estruturadas ao longo do tempo, o que torna difícil
sua compreensão sob um olhar superficial. No método descrito neste livro, a
pobreza é associada a um efeito de risco social de caráter urbano – dadas as
implicações de ordem psicológica e espacial que a mobilidade descendente
produz sobre a pessoa exposta à deterioração de sua situação econômica.
É preciso ainda levar em consideração que a influência das represen-
tações sociais delimita a existência de outras formas de entender o Brasil
contemporâneo e determina enfoques científicos especiais que exigem
uma revisão do material acadêmico e bibliográfico produzido desde o
momento de sua aparição como fenômeno, em meados do século XIX, até
os dias atuais. Por isso, para entender a dinâmica da favela como fenômeno
urbano de mobilidade social se faz necessário não só considerar as repre-
sentações sociais construídas pela sociedade brasileira ao longo da história,
mas também explorar as percepções dos moradores da favela a partir de sua
própria ótica.
É dentro de tal contexto de compreensão de risco social e das represen-
tações sociais daquilo que é “favela e favelado” que se encontram os resultados da pesquisa feita pela IMR para a Bradesco Seguros na Rocinha, zona sul do
Rio de Janeiro. Este livro vem compartilhar o conhecimento gerado pelo
estudo que é fruto do trabalho de uma equipe de antropólogos e sociólogos
do Brasil e de países como Chile e Peru. Os pesquisadores adentraram um
mundo desconhecido de grande parte da sociedade brasileira, acostumada
a ver as chamadas favelas apenas desde fora, e trouxeram à luz a vivência de
como foi morar nesse universo e nele se aprofundar para entender e intervir
nas estruturas que o afetam o risco social.
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Entre janeiro e julho de 2010 a equipe de pesquisadores conviveu com
os residentes da Rocinha para detectar e descrever os fatores culturais de-
terminantes dos comportamentos econômicos. A pesquisa é um processo
misto de análise qualitativa com ilustrações quantitativas – o que permitiu
observar de maneira mais precisa os fenômenos de padrões de consumo e
constituição econômica dos habitantes da Rocinha. O eixo de análise tem
como base conceitual os Microcentros Comerciais Compostos – no texto
frequentemente citado através da sigla MCC. Tal conceito é proposto como
mecanismo metodológico e opracional para levar politicas e ações de desen-
volvimento até espaços urbanos segregados; lugares onde as representações
e preconceitos arraigados na sociedade conspiram contra a implantação de
ações concretas que resultem de forma esperada na luta contra a pobreza.
Será possível ver ao longo do livro como o MCC demonstrou ser
uma metodologia muito efetiva no momento de desenhar e fundamentar
estratégias comerciais, políticas e comunicacionais por parte de uma
companhia do porte da Bradesco Seguros. O caso dos Microsseguros e o
interesse por se aprofundar em seu conhecimento desde uma perspectiva
mais pragmática vem a ser um exemplo concreto de como esta metodologia
pode ser utilizada não apenas para identificar padrões de trocas econômicas
em ambientes de risco social, como também para desenhar ações, implantar
e medir.
Os Microsseguros não são necessariamente um negócio lucrativo,
mas sim uma estrutura que pode ser usada por qualquer governo ou
instituição para incrementar o desenvolvimento econômico de amplas áreas
de população em risco social. Isso porque através e por trás da distribuição
e comunicação de produtos de seguros se está educando a um grande
contingente populacional sobre instrumentos econômicos como poupança,
investimento, contribuição para a previdência, entre outros.
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Pode-se refletir em um outro momento sobre o caráter inclusivo que
a educação financeira possui no desenvolvimento econômico de regiões
com população em risco social, mas não cabe dúvida que uma grande parte
da população brasileira utiliza de forma equivocada os recursos financeiros
recebidos ou gerados. A educação é essencial e chave.
Em tal sentido, a visão estratégica da Bradesco Seguros em apoiar o
desenvolvimento deste trabalho vem a ser um exemplo a ser seguido, pois
reconhece a utilização de novos métodos de pesquisa para enriquecer suas
operações. Não é comum ver projetos tão ambiciosos no âmbito das ciências
sociais e econômicas quando se trata de utilizar a pesquisa cientifica para
ajustar estratégias comerciais e comunicacionais de caráter privado, pois
se propõe a romper paradigmas tradicionais desde o mundo da iniciativa
privada para apoiar uma ação que resulta em um aporte sem precedentes na
esfera do desenvolvimento social.
Através desta pesquisa a Bradesco Seguros apresenta sua visão de
desenvolvimento desde uma perspectiva acadêmica e desde sua própria
estratégia organizacional, colocando à disposição do mundo privado e
público uma nova proposta de como se deveria intervir e atuar para chegar
ao entendimento inicial da decisão econômica.
Microcentros Comerciais Compostos
A história da observação, descrição e estudo dos Microcentros Comerciais
Compostos é bastante recente. As primeiras descrições foram feitos pela IMR em
2009, durante estudo realizado em bairros do norte de Lima, no Peru. Desde então, novas pesquisas realizadas pela IMR em diversos países e cidades brasileiras,
encontraram a presença e a importante dinâmica socioeconômica e cultural dos
MCC’s em todas as zonas urbanas pesquisadas.
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Os MCC’s são estruturas dinâmicas em geral ocultas, ou à margem, dos
grandes centros urbanos. São Microcentros por se tratar de espaços de intercâmbio econômico formados em torno de um bairro, espaços reduzidos se comparados
aos supermercados e shoppings; Comerciais por envolver oferta e demanda de produtos e Compostos devido à multiplicidade de atores que contribuem para o fluxo de sua economia.
Microcentro
Comercial
Composto
Nodo
ESQUEMA 1 – Estrutura Geral de um Microcentro Comercial Composto (MCC)
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Cabelo
Epidermis
Capilar
Dermis
Nervo
Arterias
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O funcionamento de um Microcentro Comercial Composto pode ser
entendido por meio do conceito de microcapilaridade e seu papel como
estrutura de distribuição de informação. A microcapilaridade permite
visualizar a fragmentação das relações entre diferentes atores ou grupos
em níveis cada vez menores: quanto mais capilaridade, maior a possibi-
lidade de chegar à raiz ou causa dos fenômenos “visíveis”. O conceito de
microcapilaridade vem associar a capilaridade dos sistemas biológicos aos
sistemas sociais como método de estudo mais aprofundado dos fenômenos
sociais e suas redes de interconexão. Em um sistema biológico, a capilarida-
de parte de uma estrutura macro para estruturas menores e mais simples
formadas por vasos sanguíneos e capilares que conduzem os nutrientes, ou
a informação, de todo o sistema. Tal fluxo vai nutrindo com informações
genéticas e proteínas as células mais afastadas da estrutura central predo-
minante.
Essa ideia pode ser adaptada aos espaços urbanos. Nas cidades, há
centros urbanos em que se concentram os Nodos ou centros comerciais.
Dali partem artérias que chegam até regiões periféricas, cada vez menores e
que constituem os microcentros – marginais ou periféricos ao centro.
São nos Microcentros Comerciais Compostos que se produzem as
trocas econômicas mais importantes e relevantes em espaços urbanos com
distintos tons de informalidade – não exclusivamente favelas.
O território da Rocinha foi minuciosamente estudado e mapeado –
ainda que em uma época anterior à UPP, quando a Rocinha estava sob o
comando do tráfico de drogas. Todo o comércio foi mapeado e classifica-
do segundo os conceitos Nodos Comerciais e Microcentros Comerciais
Compostos.
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Um dos objetivos principais foi observar e descrever como as relações
comerciais muitas vezes se mesclam com as pessoais a partir dos micro-
centros comerciais. Para isso, o estudo estabeleceu a correlação entre os
processos de urbanização e o desenvolvimento econômico local. Na Rocinha,
a falta de infraestrutura urbanística determina o grau de desenvolvimento
econômico de cada pedacinho da favela.
Rocinha e Heliópolis
Além da Rocinha, no Rio de Janeiro, a pesquisa IMR para a Bradesco
Seguros estudou a favela de Heliópolis, em São Paulo. Encravada na
metrópole paulistana, Heliópolis passou pela mesma análise metodológi-
ca da Rocinha. Ambos os estudos obedeceram a uma estrutura comum de
trabalho e foram realizados no mesmo período de tempo. Isso não significa,
contudo, a inexistência de diferenças marcantes entre os dois universos.
Diferenças que começam pelo fator das características geográficas.
Na Rocinha o acesso ao interior dos Microcentros Comerciais Compostos
é muito mais difícil, pela declividade de seu terreno, do que em Heliópolis
que está sobre um terreno plano. Na Rocinha é possível encontrar zonas
inacessíveis a carros e caminhões, produzindo-se uma aberta correlação
entre centralidade e marginalidade – sendo esta última, diretamente
vinculada à pobreza ante a falta de alcance aos bens e serviços que
permitam o seu desenvolvimento. No caso de Heliópolis, a distinção entre
zonas mais pobres não é tão clara.
Outra diferença que complementa o ponto anterior é que, ante as
dificuldades de acessibilidade e saída, a relação comercial entre os MCC’s
e as chamadas biroscas na Rocinha é muito mais intensa e dependente
que no caso de Heliópolis – onde basta caminhar umas poucas ruas para
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chegar a um ponto de ônibus e, dentro de meia hora, estar no centro de
São Paulo. Isso significa que em Heliópolis as relações comerciais dos
moradores que vivem próximos aos MCC’s costumam ser mais enfraqueci-
das que na Rocinha.
Uma terceira diferença fundamental se dá pela “natureza” urbana de
cada comunidade – dentro do contexto das respectivas cidades nas quais
estão inseridas. Heliópolis tem características de um espaço urbano, com
ruas e vias acessíveis, quase um bairro – ainda mais porque tende a se
misturar com bairros anexos, sendo que tal fato contribui para uma maior
independência de seus Nodos e Microcentros Comerciais. Se um morador
de Heliópolis não gostar de um determinado produto ou de seu preço,
ele pode, com mais facilidade, tomar a decisão de comprar nos bairros
vizinhos que oferecem preços compatíveis com a renda dos residentes da
comunidade. O mesmo já não acontece com os habitantes da Rocinha. Se
a pessoa não vive nas imediações da Via Ápia, ou em áreas mais consolida-
das e desenvolvidas, a possibilidade de “sair” de seu espaço será menor. E
na hipótese de não encontrar o que precisa dentro da Rocinha, os bairros
vizinhos, de alto poder aquisitivo, não são uma opção viável.
Por fim, existe a distinção encontrada no caráter das Organizações
Comunitárias Centrais de cada comunidade. Em ambas, as organizações
se encontram politizadas e compartilham certos pontos “discursivos” em
comum (“comunidade carente”). Porém, a diferença está na maneira como
elas encaram suas relações com o mundo “externo”; sendo o caso da Rocinha
o mais particular, pois a alta concentração de visitas, interesse político,
turismo, subvenções e atenção midiática fez com que sua Associação
Central de Moradores ficasse altamente condicionada e disposta a lucrar
com isto. Situação que não ocorre com Heliópolis, uma comunidade menos
“solicitada”, sem o mesmo apelo mediático da Rocinha.
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O presente livro foi organizado de forma que o leitor primeiro tome
contato com as múltiplas realidades simbólicas que as representações
da favela ativam no imaginário coletivo – tanto da representação que
o favelado realiza de si mesmo, quanto daquela contida na opinião da
população não-favelada. Por isso que alguns conceitos centrais utilizados
largamente são desprezados sob uma postura crítica a tais representações –
como o conceito de “comunidade”, tão usado pelos meios de comunicação,
pelas classes políticas e por outras instituições vinculadas ao desenvol-
vimento social – todos sem possuir a consciência do quão distante uma
favela está de ser uma comunidade – e dos erros metodológicos que isso
provoca nos processos de intervenção (públicos e privados).
Em uma segunda parte se aborda a perspectiva do território
estudado a fim de entender a configuraç