O maior de todos os diabos permanecia impávido.
- Não tens nada a dizer? Porque te escondes e não me olhas? Aos meus pés tenho o corpo de um Ser Humano verdadeiro, um Ser Humano autêntico, que eu amava tanto... Pois, mas é isso mesmo que tu queres, não é? Destruir o Amor e matar todos os seus Espíritos... És asqueroso!
Perverso! Imundo!
Então a Grande Besta rugiu contente.
- Isso! Odeia-me! O ódio alimenta-me! Odeia-me, pois eu também vos odeio a todos!
Yania controlou-se. Tinha aprendido na aldeia que o ódio era um sentimento que tinha que ser evitado, pois não era nada saudável para um Espírito do Amor.
- Não, eu não te vou satisfazer essa vontade! Eu não te odeio! Apenas te detesto!
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As meninas que vieram das estrelas A Grande Besta vira-se então no trono, encarando agora Yania. Havia se mantido de costas pois não suportava a visão directa dum Espírito do Amor.
- Vais morrer! – gritou de forma pavorosa, e abre uma das suas garras lançando uma tremenda serpente de fogo criada psiquicamente contra Yania.
Yania consegue criar imediatamente um escudo energético que a protegeu. A Grande Besta reage lançando uma chuva de outras terríveis serpentes de fogo que queimam o escudo protector. Yania foge abrigando-se num recanto da sala. A Grande Besta levanta-se com os seus passos estrondosos e Yania deseja que o monstro caia no chão. Mas não acontece nada. A Grande Besta ri-se ao perceber a manobra de Yania pois havia sentido a energia do seu desejo a qual conseguiu repelir. Aproxima-se de Yania e ela volta a fugir para outro lugar da enorme sala. Então ela começa a sentir uma sensação de sufocamento enorme. Muito maior do que a que experimentara antes. Invoca o Amor e a sua ajuda. Liberta-se. Cria diversas grandiosas bolas de fogo que joga contra a Grande Besta. Mas nada lhe acontece novamente. As bolas batem contra as suas escamas e caiem logo no chão de forma inefi caz. O monstro corre até ela, qual bode tresloucado, e encurrala-a contra um canto. Levanta uma enorme garra para decepá-la. Subitamente Kami aparece em Espírito pondo-se entre o monstro e Yania e quando ele desce a garra para cortar a cabeça da amiga é a sua garra que fi ca cortada ao atravessar o corpo imaterial de Kami, caindo no chão. O monstro ruge tremendamente. Kami já não está visível mas Yania agradece-lhe em pensamento enquanto foge dali aproveitando a distracção do monstro.
- Yania, tu tens o poder de vencer esse monstro. O poder do Amor de uma criança é o maior poder que existe no Mundo. Deseja e conseguirás!
Era o Espírito de Kami comunicando por telepatia com Yania.
O monstro persegue outra vez a menina pela imensa sala. Yania pensa novamente nas palavras de Kami. Concentra-se muito. Pensa no Amor e no quanto Ele é lindo. Estende os braços e abre as palmas das mãos em direcção ao monstro que se aproxima. Acredita que é capaz. Deseja intensamente que o monstro caia e seja amarrado por uma corrente de energia de Amor que o imobilize e impeça que a sua energia psíquica maléfi ca seja lançada para fora. Deseja, deseja, deseja... e traz... o monstro cai no chão com um enorme estrondo, que até fez o próprio palácio voador estremecer 91
Marcos Aragão Correia
fortemente. Uma corrente de luz branca muito potente amarrava agora a Grande Besta das patas aos cornos.
Yania vai até ao pé do monstro, e estendendo as mãos novamente, emite um denso raio de luz perfurador contra os olhos dele, tentando aniquilá-lo.
- Espera!!!! – gritou a Besta afl ita.
- Acabou-se o teu império do Mal! Nunca mais farás crueldades a ninguém! – e reforçou ainda mais a densidade do raio.
- Espera! A tua amiga pode voltar à vida! – roncou desesperado.
Yania baixou as mãos.
- O que estás para aí a dizer? É mais uma das tuas mentiras?
- Não! – rugiu. – Existe um antídoto contra o veneno das nossas serpentes demoníacas. Fazemos um acordo. Eu liberto a tua amiga da morte em troca da minha liberdade.
Yania hesitou. Como podia confi ar na palavra da maior de todas as bestas?
Era afi nal o líder de todas as monstruosidades, de todas as maldades, o líder de todas as mentiras e falsidades do Mundo inteiro. Pensou mais um pouco. Mas e se fosse verdade? Sim, e se ele de facto tivesse um antídoto contra o veneno daquelas cobras? Podia ser capaz de fazer o corpo de Kami regressar à vida. Estava perante um dilema de vida ou de morte.
Por um lado, se fosse verdade, salvaria a vida da amiga, mesmo que isso signifi casse que a Grande Besta pudesse continuar viva a reinar. Por outro lado, se fosse mentira, seria com certeza alguma espécie de cilada na qual ela própria poderia morrer inutilmente. Hesitou mais uns segundos...
E pronto, decidiu. Tinha a oportunidade de tentar fazer Kami regressar à vida corporal, e não podia por isso deixar perder essa oportunidade única, mesmo que essa fosse a sua última boa acção nesta encarnação. Vida por vida, Kami! – pensou.
- Prometes que nos deixas partir em liberdade?
- Sim, prometo – grunhiu.
- Está bem, e eu prometo que se o antídoto funcionar e a minha amiga voltar à vida, liberto-te.
- Muito bem... Dizem que se pode confi ar na vossa palavra!
- É verdade! E embora saiba que és um grande mentiroso, espero que pelo menos desta vez cumpras o prometido.
- Debaixo do braço esquerdo do meu trono, existe esculpida uma serpente de ouro que está a morder um humano. Pressiona-lhe a cabeça 92
As meninas que vieram das estrelas com força, e deitará o antídoto por entre os dentes, que deverás deitar dentro da boca da miúda.
Sem mais perguntas, Yania foi até ao trono, e com muita precaução, procurou a dita serpente. Devia ser aquela, mesmo ali por debaixo, a morder a perna duma pessoa. Estendeu a palma duma das suas mãos por baixo da cobra de ouro, e com a outra pressionou robustamente a sua cabeça. Nada. Seria uma armadilha? Voltou a pressionar com mais força.
E eis que é jorrado um abundante líquido avermelhado.
Cuidadosamente levou o líquido dentro das suas mãos até ao corpo de Kami. Não tinha nada a perder pois ela já estaria morta. Abriu-lhe com ternura a boca, e lá deitou o líquido.
- Yania? – perguntou Kami algo confusa enquanto abria os olhos.
- Kami!!! – e abraça-a com pujança.
- Agora tens que cumprir aquilo que prometeste! Liberta-me! – disse a Grande Besta apelando para os valores dos Espíritos do Amor.
Yania ajudou Kami a se levantar.
- Irei te libertar sim, mas só depois de nos deixares regressar à nossa nave e partir.
A Grande Besta urrou fortemente.
- Maldita sejas para todo o sempre! Era suposto me libertares agora!
- Não sou parva! Vou cumprir a minha promessa, mas só depois de nos deixares partir.
A besta volta a bramir. Yania sabia que não podia libertar o grande monstro ainda, pois seria certo que ele as atacaria de novo. Então, agindo muito inteligentemente, conciliou os seus valores morais com a precaução que o caso concreto exigia. Afi nal, se libertasse já a Grande Besta, colocaria inutilmente em perigo a sua vida e a de Kami, o que seria, isso sim, contra os seus valores como Espírito do Amor. A besta não deixaria de ser libertada, mas só depois de ambas estarem em segurança fora daquela horripilante nave.
- Enganaste-me!
- Não, a tua impaciência é que prova que tu nos queres enganar, e que portanto só tenho razão naquilo que estou a fazer. – respondeu Yania.
– Qual é o problema em nós sairmos primeiro, e te libertarmos a partir do exterior? Será porque fi ca tarde demais para nos tentares matar de novo?
- Gostas muito de ser espertinha! Guardas! – chamou a besta com um grito feroz.
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Marcos Aragão Correia
Entram centenas de monstros que estavam de guarda lá fora, e que até agora não tinham ousado ingressar na sala sem autorização do seu chefe, não lhes fosse acontecer o mesmo que aconteceu com o fervoroso lacaio, capitão de ponte, que fi cara sem cabeça há bem pouco tempo.
- Abram a porta da pista, e deixem-nas sair com a nave – ordenou com desagrado.
Yania deu a mão a Kami.
- Depressa, é por aqui – indicou o caminho de volta à amiga.
Entraram rapidamente na sua nave. Os monstros que estavam na pista roíam-se de raiva por verem Espíritos do Amor se escaparem debaixo das suas próprias barbas.
Yania ordenou à nave do Amor que partisse, e parasse lá fora no céu em frente do palácio voador, mas a uma distância segura. Kami entretanto vestia o seu uniforme branco e azul-celeste.
Concentrando-se na Grande Besta, Yania desejou que a corrente de luz que aprisionava o monstro desaparecesse.
A besta levanta-se e dá ordem para que toda as naves disponíveis da frota do Mal persigam e destruam a nave de Yania e Kami.
Estas arrancam a toda a velocidade enquanto centenas de naves maléfi cas saem do palácio voador da Grande Besta.
A velocidade da nave do Amor era enormíssima, e por isso todas as naves inimigas já há muito tinham fi cado para trás. No entanto, uma nave nefasta que estava navegando mais à frente, detecta a nave do Amor, e tendo conhecimento das ordens do chefe, dispara sobre a nave de Yania e Kami, tendo a atingindo com um raio laser.
- Kami, fomos atingidas e estamos a perder altitude!
Ela ainda estava um pouco abalada, mas chegou-se até ao painel de comandos.
- Não te preocupes Yania, esta é uma das raras ocasiões em que precisamos destes botões – e dizendo isto pressiona um grande botão vermelho que estava a piscar intermitentemente.
Imediatamente dez grandes pára-quedas abrem-se no topo da nave, e um sinal de socorro é emitido para todas as naves do Amor.
Quase no mesmo instante, estão rodeadas de mais de uma vintena de naves das suas, as quais abatem de imediato a nave inimiga, desintegrando-a no ar de modo que ao cair não ferisse ninguém.
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As meninas que vieram das estrelas A nave de Yania e Kami atinge o solo com suavidade, e as crianças são prontamente resgatadas por uma outra nave do Amor, enquanto um seu tripulante põe em funcionamento robôs de reparação de avarias.
Entretanto desce mais uma nave. Eram Ilya e Cejo, o casal de Espíritos do Amor que levaram Yania pela primeira vez para a aldeia!
Abraçaram-se, e contaram a Yania e Kami o que se tinha passado na nova aldeia. O facto de Yania ter entrado no palácio voador da Grande Besta, provocou uma enorme desestabilização no comando do ataque, pois os monstros que estavam a dirigir a ofensiva foram alertados que uma nave dos Espíritos do Amor tinha sido autorizada pela dita besta a entrar dentro do seu palácio. Era para eles uma coisa impensável até então, e acharam que a Grande Besta tivesse enlouquecido ao permitir tal coisa.
Julgando que o seu chefe supremo não estava mais em condições de governar o Inferno, os diversos generais que se encontravam na fl oresta da aldeia começaram a constituir facções de monstros para disputarem uns contra os outros a nova liderança. Ordenaram às serpentes que atacassem os grupos de monstros rivais, e dos oito generais que chefi avam os oito grupos em contenda, apenas um sobreviveu. Os monstros dizimaram-se todos uns aos outros nessa guerra interna, e apenas umas dezenas deles escaparam com vida. Vendo que já não tinha monstros sufi cientes para tomar o controlo do palácio voador, o general comunicou à ponte de comando deste que as serpentes haviam enlouquecido e mordido todos os monstros em campo de batalha, e pediu a reforma alegando stress pós-traumático.
Felizmente a maior parte da fl oresta não ardeu, e os Espíritos do Amor lá residentes não precisaram mudar de local. Utilizando os seus poderes paranormais conseguiram reconstruir quase tudo em poucas horas. A patrulha regular dos céus da aldeia por naves do Amor foi largamente reforçada.
Kami e Yania estavam ambas muito contentes por todos na aldeia estarem bem. Despediram-se de Ilya e Cejo, e desceram num descampado junto à aldeia. Os seus colares cintilavam de novo com uma cor rosa muito brilhante, juntando-se aos maravilhosos raios do Sol que nascera há pouco.
Estavam felizes por verem a natureza já recuperada devido às intensas emanações de Amor. Também as casinhas que haviam sido destruídas já estavam de novo de pé, e por várias chaminés escoava um agradável fumo com cheiro a pão de lenha. Na vasta campina de relva, os cavalos saltavam e relinchavam agora satisfeitos. Muitas crianças brincavam já alegremente 95
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nas margens do rio, fazendo jogos que utilizavam a psicocinese e a telepatia.
A beleza restabelecida da aldeia incentivava apenas as boas recordações dos pequeninos.
Descalçaram as botas, e com os pés sentindo a fofa e apaziguadora erva do chão, caminharam calmamente pelo caminho que as levava ao centro da aldeia. Queriam aproveitar todos os momentos de beleza da vida. Não compreendiam como é que alguém podia recusar o Amor, o Bem mais precioso do Mundo, para se dedicar a espalhar o Mal, ou simplesmente acumular metais e papeis. Os verdadeiros diamantes, o verdadeiro ouro, era realmente tudo aquilo que acolá as rodeava. As árvores, as plantas, as fl ores, o rio correndo, os pássaros cantando, os cavalos galopando, e, acima de tudo, a maravilhosa afi nidade de absolutos sentimentos de Amor que unia todos os Espíritos que ali habitavam. Eram ricas, muito ricas, e não precisavam nem queriam mais nada.
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Capítulo 10
O Sol iluminava com doçura o verde resplandecente do bosque da aldeia, assim como as águas cristalinas do rio que a banhava, as quais pareciam cantar suavemente a felicidade de todos os habitantes do pequeno povoado de Amor.
As 52 crianças da aldeia com idades entre os 4 e os 12 costumam-se reunir quase diariamente, durante a parte da manhã, durante uma a duas horas, num campo repleto de fl ores, onde quatro adultos encarregam-se da sua educação geral. Na sociedade chamar-se-ia a esta reunião uma escola, mas na aldeia tudo é diferente para melhor, sendo que os seus habitantes preferem chamá-la “reunião das crianças”, porque aqui as crianças são tratadas pelos adultos como Seres Humanos plenos e iguais a eles, tendo por isso exactamente os mesmos direitos. Ninguém é obrigado a comparecer à reunião, mas todas as crianças sem nenhuma excepção gostam tanto desses momentos, que só faltam mesmo quando não podem ir. Sentam-se no chão formando um grande círculo, sendo que os adultos distribuem-se separadamente pelo mesmo. Incentivam a participação de cada criança, num ambiente informal e divertido. As crianças mais novas têm aqui a oportunidade de aprender com as mais velhas, num amoroso intercâmbio de conhecimentos e experiências. A educação mais individualizada e completa de cada criança é deixada a cargo dos pais, os quais jamais faltam às suas responsabilidades, pois para além do mais encaram-nas como uma maravilhosa oportunidade de ajudar em especial um Espírito irmão.
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Yania, Kami, Kimi e Ilky estavam os quatro também participando na reunião das crianças desse dia.
Eniky, um homem adulto com 378 anos de idade, mas que tinha um corpo que aparentava ter apenas 35 anos, estava a falar sobre o espaço e o tempo, de modo que todas as meninas e todos os meninos da reunião compreendessem bem essas noções. Vários aparelhos de projecção de imagens não radioactivas com três dimensões fl utuavam por cima do grupo, de forma a complementarem os ensinamentos com desenhos e fi lmes.
- Meus queridos irmãozinhos, onde estão vocês agora? – perguntou carinhosamente às crianças.
Todos responderam simultaneamente que estavam no Jardim dos Lírios, assim chamavam ao local.
- Muito bem. E quando? – continuou.
- No dia 6 de Maio de 2007. – responderam, embora os mais pequenos hesitassem por momentos por ainda não saberem bem as datas.
- Muito bem! Muitos de vocês devem estar a questionar-se sobre o que tem isto de tão difícil… Para compreenderem melhor vou pedir à Sijy que conte o que aprendeu sobre o tempo e o espaço. Sijy, queres ter a gentileza de explicares o que sabes?
Sijy é uma menina que tinha então 12 anos e já tinha participado em muitas missões pelo Amor.
- Obrigada Eniky! Sabem meus irmãos, é que até no mais evidente os monstros mentem, tentando perturbar o livre arbítrio das pessoas através da confusão de ideias tão simples como o espaço e o tempo… – começou a falar algo desgostada – Muitos monstros estão a divulgar por muitas maneiras diferentes que é possível viajar no tempo, isto é, que uma pessoa pode, por exemplo usando-se de uma máquina, viajar para o passado ou para o futuro. Percebem bem o disparate e a gravidade dessas mentiras?
É que se alguém que tivesse, suponhamos, 50 anos, e pudesse viajar para o passado, suponhamos, 40 anos, podia encontrar-se a ele mesmo em criança. Depois, se ele fosse um assassino poderia matar essa criança que era ele mesmo em pequeno. Então percebam bem o disparate de tudo isto: primeiro, quem era ele afi nal – o adulto ou a criança? Se existiam os dois ao mesmo tempo, como podiam ser a mesma pessoa? Segundo, como podia ele matar a criança que seria ele próprio 40 anos antes? Se a criança foi morta, ele nunca então poderia ter sido adulto nessa mesma encarnação, e como tal nunca poderia ter morto a criança! Terceiro, como 98
As meninas que vieram das estrelas podia ele assassinar-se a si próprio? Era assassinato ou suicídio? Os dois não podia ser porque assassinar é matar outra pessoa!
Nisto, Kylie uma menina de quatro anos, pergunta baixinho a Jiniu, um menino de 9 anos que se encontrava ao lado dela, o que era isso de suicídio.
- É alguém matar-se a si mesmo – respondeu ao ouvido dela.
- Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii – disse muito admirada – Obigado Jiniu!
Deiriu, um dos outros adultos encarregues da educação geral das crianças, acrescenta:
- Perceberam todos bem o que a Sijy vos explicou? Se fosse possível viajar no tempo, isso representaria um caos total na ordem universal. Caos quer dizer uma confusão destruidora na nossa existência. Logo, o Amor nunca poderia concordar com isso. Se viajar no tempo fosse possível, que não é, pelo menos os Espíritos do Amor nunca o fariam.
- Sim, vejam bem o absurdo dessa mentira: os monstros fazem confundir propositadamente os conceitos de tempo com o de espaço! Ora, quando se viaja, viaja-se no espaço, pois o tempo é apenas um conceito abstracto, quer dizer, um conceito que se refere a uma coisa que não existe em si mesma. Sim, porque o tempo não existe. É simplesmente a continuação do tudo e do nada. – sublinhou Imya, uma das outras adultas.
Uma coisa que parecia tão simples acabou por necessitar de explicações mais complexas, de modo a desfazer aquelas mentiras e preparar as crianças para se poderem defender a si e aos outros desse tipo de ataques baseados em falsidades.
Ealy, a outra adulta, fi nalizou a elucidação sobre estas questões.
- Vejam só como são maus os monstros: negam a existência daquilo que é tão evidente como é a existência dos Espíritos, para em vez defenderem aquilo que é totalmente impossível como é o caso das viagens no tempo.
Lembrem-se sempre irmãozinhos e irmãzinhas daquele princípio infalível que já vos ensinámos: questionem-se sempre sobre tudo, e perguntem-se a vós mesmos se aquilo que vos é apresentado está de acordo com o Amor ou não. Se não estiver de acordo com o Amor, rejeitem de imediato, pois ou é uma mentira, ou é algo que existe mas que não é Amor, e como tal é contra nós todos. Peço-vos então que me digam se sentem ou não que estes ensinamentos são de Amor.
Imediatamente, todas as crianças, com uma extrema convicção, exclamaram que sim.
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Em seguida os adultos propuseram às crianças que fi zessem desenhos sobre o Amor, mais especifi camente que cada uma desenhasse o Amor que sentia pela criança que estava à sua direita. Todas começaram a tarefa com grande entusiasmo, pois o Amor entre todas era imenso, como de resto acontecia com todos os habitantes da aldeia. Depois cada criança ofereceu o seu desenho àquela que foi por ela desenhada, e a reunião das crianças assim terminou nesse dia, todas saindo pelos campos fora saltando, rindo e brincando.
- Que lindos corações cheios de estrelas… Obrigada Yania pelo teu lindo desenho! – exclamou Kami de emoção, encostando o desenho ao peito.
- Obrigada! É mesmo o que sinto por ti! Olha o desenho que o Ilky fez para mim…
- Uau! É também muito giro… olha tanta luz a sair das mãos dele para ti… é mesmo um miúdo muito sensível! – dizia Kami enquanto Yania lhe mostrava o desenho de Ilky. – Sabes, não te tinha dito nada ainda para não te preocupar, mas ele teve um pesadelo terrível esta noite... – desabafou inquieta – A Kimi foi ao nosso quarto chamar-nos, mas tu estavas a dormir profundamente e não te quisemos acordar. A Dyma e o Noiu estavam já a tentar perceber se havia ou não razões para nos preocuparmos, ouvindo todos os detalhes do pesadelo de Ilky.
- O quê Kami??? E vocês não me acordaram? – perguntou Yania algo indignada – Eu também gostaria de ter tentado ajudá-lo!
- Eu sei Yania, desculpa… Sei que és uma miúda fantástica! Mas não ias adiantar muito mais, por isso deixamos-te dormir. A Kimi contou-nos que acordou ao ouvir o Ilky a ofegar muito enquanto dormia, coisa que ele nunca faz. Deitou-se então na cama dele, acariciando-o, tentando que ele acordasse suavemente. Ilky deu então um grande grito, assim:
“Nãããããooooooooo”, e acordou sobressaltado, transpirando e dizendo que tínhamos que ajudá-la.
- Ajudar quem?
- Ele não nos soube explicar, mas tudo indica que algo de muito mau pode ter acontecido recentemente com mais um Espírito do Amor… disse-nos que era uma criança das nossas, uma menina, e que tinha sido…
brutalmente violada e assassinada.
Yania fi cou muito preocupada.
- Temos que saber quem é essa menina!
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As meninas que vieram das estrelas
- A Dyma e o Noiu já estão a convocar todos os habitantes da aldeia para nos reunirmos esta noite, e aí tentarmos saber mais informações e acertarmos uma estratégia de acção com os nossos Anjos da Guarda.
- E achas que os nossos Anjos da Guarda vão poder nos ajudar nisso?
- Acho que sim… pelo menos essa é também uma das missões deles…
Yania e Kami, como todos os outros habitantes da aldeia, tinham aprendido que os Anjos da Guarda são Espíritos do Amor como eles, mas que escolheram estar temporariamente desencarnados para poderem se dedicar melhor a certos tipos de missão em que o corpo físico constituiria um embaraço, como por exemplo proteger as pessoas a partir do plano espiritual, obter e revelar informações importantes, aconselhar através de sonhos e visões e assistir espiritualmente as pessoas quando morrem.
Assim, esperaram impacientemente pela hora marcada para a reunião geral da aldeia.
A noite caiu, e outras maravilhosas e deslumbrantes estrelas do céu substituíram o Sol.
No grande descampado da aldeia, Ilky abraçava-se à mãe com tristeza.
Lembrava-se das terríveis cenas que vira na noite anterior e sentia que tinham sido mesmo uma comunicação por parte daquela menina brutalmente violentada.
Aina estava encarregue de coordenar a reunião. Nos seus 259 anos de vida na presente encarnação, Aina ocupava-se especialmente da ligação entre os habitantes da aldeia, encarnados, e os seus irmãos desencarnados que cumpriam missões como Anjos da Guarda por todo o planeta Terra.
Sob a suave luz duma tocha, pediu em oração que fosse realizado contacto com o Anjo da Guarda que zelava pela menina com que Ilky sonhou, de modo a que pudessem saber todos os detalhes sobre o que acontecera.
Depois de alguns minutos, duas ténues fi guras luminosas com forma humana começam a tomar lugar no centro do descampado, junto a Aina, e pouco a pouco vão-se materializando, até ao ponto de a maior chegar mesmo a parecer que era um Espírito encarnado.
- Irmãos e irmãs, olá a todos! Ilky, reconheces esta menina? – pergunta enquanto abraça a criança que trazia consigo.
- Obrigada por teres vindo Lyndi! – diz Aina ao identifi car logo o Anjo da Guarda, um resplandecente Espírito de forma feminina que há já centenas de anos se dedica a esse trabalho.
Ilky aproxima-se da criança em Espírito, a mesma menina com cerca de 4 anos de idade que vira no seu pesadelo. Olha-a bem fundo nos olhos.
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Marcos Aragão Correia
A menina sorri para ele e dá-lhe a mão. Embora não sendo uma mão totalmente materializada, consegue à mesma sentir-lhe um maravilhoso calor
- Ilky… – diz com imensa ternura a menina.
- Será… será ela? – pergunta-se a si próprio ainda algo descrente.
- Sim… sou eu… – responde ao ter lido o pensamento dele.
Uma lágrima inicia a sua descida pela delicada face de Ilky. E abraça-a com toda a força que tinha. A luminosidade que brotava do corpo espiritual da menina uniu ambos num magnifi cente abraço cintilante. Era Madeleine!!!
A sua forma de criança havia o feito hesitar por momentos, mas agora que as dúvidas estavam dissipadas, o reencontro de ambos fez vir à mente de Ilky todos os momentos maravilhosos que partilharam juntos durante mais de 400 anos quando viviam como companheiros na galáxia do Paraíso.
Haviam nessa altura fundado uma deslumbrante família de Amor, e durante esses anos tiveram juntos 25 fi lhos, 13 meninas e 12 meninos. Depois de todos serem adultos, ofereceram-se ambos para vir à Terra em missão.
- Madeleine está bem agora. Mas não conseguimos protegê-la naqueles momentos fatais. – Lyndi, com uma enorme dose de mágoa, começa a explicar a todos o que sucedera – Existe falta de Anjos da Guarda. Temos cada vez mais irmãos nossos a encarnar em missão na sociedade, e os ataques dos monstros contra eles também aumentaram muito desproporcionalmente.
Só eu tenho 321 crianças e 954 adultos sob minha protecção, espalhados por vários pontos do planeta. Os monstros têm concertado milhares de brutais ataques simultâneos contra os nossos irmãos a viver na sociedade.
O objectivo é exactamente o de conseguirem que não tenhamos meios para acudir a todos. No momento em que Madeleine foi raptada, outras 159
crianças aos meus cuidados foram também atacadas. Desculpem… não ter conseguido protegê-la… – fechou os olhos evitando que se materializassem lágrimas.
- Sabemos bem das vossas difi culdades. Por favor, não te culpes Lyndi! –
consolou Aina. – Nós também temos muitas difi culdades em desempenhar as nossas missões. A Terra é um planeta dominado por monstros, nós ainda somos uma minoria aqui. Os vossos problemas enquanto Anjos da Guarda são também os nossos problemas enquanto Anjos encarnados.
É verdade que tem havido mais voluntários da nossa galáxia para estas missões, mas o Universo é enorme e são muitos os planetas que estamos a tentar devolver ao Amor. – levantou-se e beijou Lyndi. – Irmã, alegremo-nos pelo facto de agora estar tudo bem com a Madeleine.
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As meninas que vieram das estrelas A linda Anjo da Guarda passou então a descrever os detalhes que diziam respeito ao rapto, espancamento, violação e assassinato de Madeleine.
Vários aparelhos da aldeia, de captação de imagem e som, sobrevoavam a reunião de modo a gravarem automaticamente tudo o que lá se passava, para que os habitantes fi cassem com todas as informações registadas em suporte de fi lme. Mais lá no alto, nos céus da aldeia, diversas naves do Amor certifi cavam-se que a aldeia não era atacada, ao mesmo tempo que garantiam que os monstros não espionavam o que lá se passava, nomeadamente criando um campo de energia que formava uma barreira efi caz contra os satélites espiões daquela corja, os quais poluíam a órbita da Terra sempre à procura de violar a privacidade dos Espíritos do Amor.
Logo que Lyndi terminou a descrição