Likastía 4- Olhos divinos by Rubi Elhalyn - HTML preview

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Rubi A. Elhalyn

DEDICAtória

Para Aline ‘Fell’ que ama as fofocas sobre a vida dos meus bebês felinos tanto quanto amo escrever.

ÍNDICE

Capítulo 01 ..................................................................................................................... 4

Capítulo 02 ..................................................................................................................... 6

Capítulo 03 ................................................................................................................... 10

Capítulo 04 ................................................................................................................... 15

Capítulo 05 ................................................................................................................... 20

Capítulo 06 ................................................................................................................... 26

Capítulo 07 ................................................................................................................... 33

Capítulo 08 ................................................................................................................... 41

Capítulo 09 ................................................................................................................... 49

Capítulo 10 ................................................................................................................... 56

Capítulo 11 ................................................................................................................... 64

Capítulo 12 ................................................................................................................... 69

Capítulo 13 ................................................................................................................... 77

Capítulo 14 ................................................................................................................... 86

Capítulo 15 ................................................................................................................... 95

Capítulo 16 ................................................................................................................. 103

Capítulo 17 ................................................................................................................. 111

Capítulo 18 ................................................................................................................. 126

Capítulo 19 ................................................................................................................. 136

Capítulo 20 ................................................................................................................. 144

Futurepílogo .............................................................................................................. 155

Pretéribônus .............................................................................................................. 159

Bônus da Autora ........................................................................................................ 163

L i k a s t í a 0 3 | 4

Capítulo 01

Você fala, mas nem sempre te ouvem. Ou ouvem, mas nem sempre escutam... E eu posso provar.

~o ⭐ o~

Mais um dia, mais um segredo...

- Mais um dia.....mais um segredo... Ah, pelo amor de Kallisti, as vezes acho que você é adotada!

- Mãe! - Ane fechou o caderno e se virou na cadeira para encarar sua mãe. - Se não gosta do que escrevo, porque fica espiando?

- Esperança, filha. Vai que um dia você se torne mais audaciosa e menos dramática.

Ane riu e balançou a cabeça. Apesar de tão diferentes, elas eram mais amigas do que mãe e filha e sempre tinham esse tipo de conversa.

- Cadê o papai?

- Com seu tio na fonte. Vamos passear e encontrar alguns namorados pra você?

- Mãe! - Ane escondeu o rosto envergonhada. - Eu não quero "namorados". Quando eu encontrar alguém, o amor da minha vida, será o primeiro e único...

- Ok. É oficial. Você é adotada. Vou procurar quem trocou meu bebê depois do parto.

- Do que estão falando? - Arman se aproximou tentando controlar o riso. Era sempre engraçado a relação daquelas duas.

- Nada. - Ane disse, olhando pro chão.

- Macho. - Sua mãe respondeu ao mesmo tempo.

- Mãe!

- Ciara, calma. Se continuar assim sua filha vai entrar em combustão espontânea de tanta vergonha. – Arman brincou.

Ane acabou se distraindo ao passar pela estátua que amava. A estátua da divindade mais poderosa do panteão, abençoando os gêmeos que dariam fim a antiga rixa entre os reinos.

- Acorda, miga. – Jana, melhor amiga de Ane, era uma jovem gentil, meio estabanada e que muitas vezes parecia não perceber a própria beleza. – Oi, tia Ciara.

- Oi, querida. Me faça um favor?

- Claro. – Jana respondeu.

- Leva sua amiga pra se divertir um pouco e não deixa ela parar pra ficar lendo o tempo todo, pelo amor de Kallisti. Não aguento mais ver essa menina estudando. – Ciara disse praticamente empurrando Ane para a amiga.

Jana riu e puxou a amiga para longe, meio saltitando e falando pelos cotovelos.

- Fala. – Arman, conhecendo bem a amiga, sabia que algo a incomodava.

Ciara se virou com o semblante muito sério. – Aqui não. Vamos entrar.

~o ⭐ o~

L i k a s t í a 0 3 | 5

Sunny estava pronta para sair de casa, antes que seu tio abusivo acordasse e... Bem, fizesse o que sempre fazia.

- kuitikiiii.

Era a hora. Sem pensar duas vezes, Sunny pulou a janela e caiu no lago. Ela não nadava muito bem. Mas não precisava. Uma mão amiga que a puxou da água e a cobriu com uma manta grossa.

- Você está bem?

- Não. Odeio frio. Mas vou ficar. – Sunny respondeu, grata, mas temerosa demais sequer para ter esperanças.

Horas mais tarde os dois entraram no temido pântano a caminho do lugar mais lindo e mais sagrado do mundo. Sunny acendeu uma chama esverdeada na mão direita, aliviada por não precisar mais esconder seu precioso dom.

- Sunny! – Alart parecia chocado. – Não se deve usar magia pra atravessar o...

- Me polpe, Alart! Isso serve para quem está na iniciação. Nós não estamos e tenho certeza que Kallisti não vai me condenar por esse momento de felicidade.

Alart não discutiu, ocupado em se livrar de mais uma das muitas feras do pântano. O

dia começava a clarear quando os dois finalmente chegaram a famosa fonte oculta dentro da caverna, as Fontes Termais Sagradas.

- É incrível.... Finalmente estou aqui....

- Você quer dizer fisicamente ne. Porque duvido que haja alguém que esteve aqui mais vezes do que você. – Alart comentou, apaixonado pela visão daquele lugar mágico que deixava a maioria sem fôlego.

- Vocês demoraram... Uau! Oi.

- Oi. – Sunny respondeu meio sem graça. – É bom finalmente te conhecer....

Pessoalmente, no caso.

- A semelhança é assustadora. – Ciara comentou.

Alart se afastou para trás de uma rocha e começou a trocar as roupas simples e rasgadas de servo por sua farda militar. - E agora? – Ele perguntou.

- Seu pai está ansioso para encontra-la, obviamente.

- Eu... – Sunny se sentiu subitamente insegura. O futuro tinha tantas possibilidades agora.... E isso a assustava.

Ciara se aproximou com calma. – Não se preocupe, querida. Vamos cuidar bem de você.

Alart balançou a cabeça afirmativamente, exibindo um sorriso calmo.

- Certo. – Sunny respirou fundo, estufou o peito e disse: - Que Kallisti me guie.

E eu guiaria.... Mas ela me ouviria?

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Capítulo 02

Um lindo arco-íris que uso ao redor de um dedo costuma ser um sinal bem claro nos céus dos meus povos... A interpretação deles, porém, é tããão falha que às vezes me entedia...

~o ⭐ o~

Arman estava sentado em uma poltrona imóvel. Por vezes isso assustou muita gente, pois ele parecia uma estátua, de olhos abertos, sem piscar, respirando tão lentamente que era quase imperceptível, porém atento à tudo e com a mente trabalhando a todo vapor. A porta se abriu e finalmente ele se moveu, levantando da poltrona calmamente.

- Aqui estamos. – Ciara disse alegremente, direcionando um olhar sutil para Arman enquanto os dois jovens entravam no cômodo.

Alart que ajudou a arrumar aquele cômodo a quase um ano, observava sua amiga um tanto ansioso pela reação dela. Sunny olhava para todos os lados curiosa, mas extremamente cautelosa com medo de quebrar alguma daquelas coisas chiques só por olhar pra elas, tamanho era seu trauma de uma vida sendo agredida por bobagens.

- Gostou? – Alart perguntou.

- Mas é claro que ela gostou, garoto! Quem não gostaria de um lugar desses? – Ciara respondeu, se aproximando de Arman. – Sunny, minha querida, este é o Rei Arman. Arman, esta é a famosa Sunny. Mas e claro que vocês sabem disso. Estou apenas sendo educada.

- Oh. – Sunny finalmente voltou seu foco para o que importava. – Majestade. – Ela fez uma reverência perfeita.

- Vamos, minha jovem, já no conhecemos intimamente demais para essas tolices de etiqueta. – Arman se aproximou, gentilmente abraçando a jovem. – Mas confesso que é muito bom finalmente poder tocar em você.

Sunny sorriu levemente e concordou.

- Não vai dar um abraço no seu pai, garoto?

- Err. Oi, pai, majestade, errr... – Alart estava emocionado por voltar para casa e, aparentemente, ainda confuso. Arman deu um abraço apertado no filho seguido de alguns tapinhas nas costas.

- Que meigo. Agora, ao que interessa. – Ciara cortou o momento.

- Sim. – Arman concordou e fez sinal para os dois jovens se sentarem à sua frente, tomando seu lugar na poltrona enquanto Ciara mexia no armário ao lado. – Agora me conte tudo, minha jovem. Quero saber cada detalhe.

Sunny respirou fundo e começou sua história.

~o ⭐ o~

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- Você acha que isso pode dar bons frutos? Não é alguma armação... – Téo perguntou, recostado na cama enquanto Ciara se vestia.

- É claro que é armação, criatura. Mas sim, acho que pode dar bons frutos ou não teríamos nos dado todo esse trabalho.

- E o garoto?

- Alart é um bom rapaz, para nossa sorte, e parece gostar da jovem Tiger. – Ciara se abaixou e deu alguns beijos preguiçosos em Téo. – A garota é tão talentosa quanto o Rei Dreyfus. Talvez até mais. Imagine como isso vai ser bom.

- Sim. – Téo respondeu, tentando segurá-la na cama, mas falhando. – O Rei já tinha comentado o quanto as aparições dela eram poderosas. Mas, vindo de você, acredito muito mais.

- Oooown. Você me aaama. – Ciara brincou.

- Sabe que sim. – Téo respondeu sério.

- Melhor irmos. Tenho que encontrar minha filhota para dar uma volta naquela maldita loja de novo.

- Ela é inteligente e uma pesquisadora nata. Devia se orgulhar.

- Eu me orgulho, sério. Mas queria que ela focasse um pouco mais em viver e menos em ler. Bem, enfim. É melhor você ir. O Rei não consegue trabalhar tão bem sem seu conselheiro lindo.

Téo riu, beijou ela mais uma vez e Ciara foi embora. Como sempre ia.

~o ⭐ o~

- Você está bem mesmo aqui? – Alart perguntou pela milionésima vez.

- Sim. Relaxa, meu amigo. Você viu como eu vivia. Isso aqui é o paraíso.

- Sim...Mas... Ah, sei lá, Sunny! Você ficar escondida aqui, sem poder sair pra ver o céu....

- Não exagera, Alart. Como aqui é o cômodo mais alto e o único no topo do palácio, eu saio de vez em quando pra ver o céu e respirar. Além do mais, olha quanta coisa eu tenho pra ler, estudar, praticar meus dons....

- Mesmo assim! Não queria que você continuasse presa...

- Não seja ingrato, Alart, porque eu não sou. – Sunny olhou séria pra ele. – Olha, eu sei que você se preocupa comigo e agradeço. É bom ter alguém que finalmente se preocupa com a gente. Mas eu estou bem e isso aqui é temporário. Você conhece os riscos tão bem quanto eu. Você viveu um ano naquele inferno comigo, sabe bem como era. Eu estou feliz e devo isso ao Rei, mas principalmente a você que se arriscou, se rebaixou de príncipe herdeiro a um mero servo em um palácio infernal para planejar meu resgate e me apoiar. E

eu nunca vou esquecer isso, meu amigo.

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Alart estava ainda meio emburrado, mas com os braços cruzados e olhando para o lado, super sem graça. Sunny tocou seu queijo, o fazendo olhara para ela.

- Vem comigo.

Até a droga do inferno. Alart pensou e a seguiu para fora do quarto.

O quarto ficava bem no meio da laje do palácio, um antigo refúgio de um mago da família real, a muito falecido, um Tiger lendário. Ao redor, várias plantas e flores, um pequeno altar e um armário de pedra onde centenas de objetos para prática mágica ficavam guardados. O céu estava limpo, apesar da chuva leve que havia caído a alguns minutos, fazendo um aroma suave de várias plantas diferentes dominar o ar. Não era possível ouvir os sons da capital Leonina abaixo ou mesmo vê-la, pois a localização daquele pequeno santuário foi pensada justamente para criar um local de paz e calma para as práticas mágicas, sendo possível ver a cidade apenas se aproximando da borda da laje. Algo que Sunny sabia que não devia fazer para não colocar tudo em risco. Eles se deitaram no chão, cada um para um lado, mas com a cabeça ao lado uma na outra.

- Vejo que gostou daqui. – Alart comentou.

- Eu adorei! Dá pra entender porque o mago irmão da lendária Rainha Tiger amava este lugar. É um verdadeiro santuário.

- Sim. Ninguém, exceto com permissão do Rei pode vir aqui. Isso desde a morte do mago. Mas, quando eu era pequeno e meus dons começaram a surgir encontrei a passagem para este lugar e com magia consegui entrar. Eu vinha aqui muitas vezes quando queria ficar sozinho.

- Seu pai não ficou bravo?

- Ele nunca soube. – Alart sorriu. – Como aqui só se pode entrar com magia e a passagem é muito bem escondida, acho que ninguém esperava me encontrar aqui. Sempre que eu sumia as pessoas achavam que eu estava na floresta brincando.

- Ora, ora, ora. O responsável Alart tem um passado obscuro. – Os dois riram. – Sou muito grata por tudo, Alart, O Obscuro. – Sunny brincou.

Alart enrijeceu. A brincadeira dupla pelo seu segredo e por sua pelagem completamente negra perdeu a graça quando Sunny, sem querer, o fez desistir de revelar o que vinha permeando seus inúmeros pensamentos recorrentes.

Não. A gratidão vai sempre atrapalhar. Nunca vou te contar Sunny. Nunca. Alart pensou tomando uma decisão.

- Uau! – Sunny parecia encantada e Alart logo percebeu o motivo. Um lindo arco-íris, logo acima de suas cabeças, atravessava o céu.

- O anel de Kallisti... – Alart murmurou fascinado e um tanto triste.

- É tão bonito....

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- Sim. – Uma lágrima sutil escorregou por um dos olhos de Alart. Parece que Kallisti concorda comigo. Nunca devo contar.

~o ⭐ o~

Não falei?

Entediante.

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Capítulo 03

Hoje acordei de bom humor... Ah, é mesmo! Eu não durmo. KKK!

Mas meus vivos de estimação dormem e sonham. Ah e eu adoro brincar com os sonhos deles....

~o ⭐ o~

Era madrugada. O silêncio imperava no reino Tiger. Mais uma noite em que Calíope, rainha Tiger, não conseguia dormir. O sono apenas fugia dela com tanta frequência que ela se acostumou a viver mais acordada do que a maioria dos seres vivos. O fato de ter encontra Ismir mais cedo, um dos nobres do reino, não ajudava. Ele era um bom homem, mas solitário, viúvo depois de um casamento com uma mulher estéril, irritante, tão intragável que raramente frequentava as reuniões e eventos que ele precisava ir. Sempre que podia, Calíope chamava o Tiger mais velho para um jantar ou alguns dias fazendo algum trabalho para ela no palácio. A verdade é que ela tinha pena dele e temia que um dia, não aguentando a solidão, ele fizesse algo contra si mesmo.

- Eu preciso parar de me preocupar com coisas que não posso resolver. – Calíope falou, voltando seu foco para o bordado que fazia como hobby.

- Falando sozinha de novo? – Ismir chamou da porta, pedindo permissão para se aproximar, com uma bandeja de chá na mão.

- Sim. Deve estar no sangue. Dizem que minha bisavó tinha esse péssimo hábito também. – Calíope riu e sinalizou a cadeira ao seu lado.

- Isso que é uma boa fofoca. A lendária rainha Carya falava sozinha. – Eles riram.

- Não consegue dormir?

- Não. – Ismir colocou o chá em sua xícara e, como de costume, deixou que a rainha colocasse o dela. Apesar dos tempos de paz, sem desconfiado e pronto para uma guerra era parte dos genes dos Tiger.

- Tem certeza de que quer voltar amanhã? Sabe que não me importo de ter um bom geógrafo por perto.

- Sim. Não quero me descuidar do meu povo. – Ismir disse, mas algo em seus olhos acenderam um alerta estranho na rainha.

No entanto, ela não tinha como segurá-lo ali por mais tempo, então não pressionou.

Ismir tinha um certo ar de mistério, mas era leal à ela e ao reino e nunca se envolveu nem mesmo em um escândalo na juventude. Assim, ela aprendeu a respeitar seu jeito taciturno, meio distante, mas dedicado aos seu trabalho.

- É lindo. – Ismir pareceu genuinamente fascinado pelo borbado representando um local bonito e desconhecido com um lindo céu cortado por um magnífico arco-íris. – Uma verdadeira obra de arte.

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- Você acha? – Ela estudou o próprio trabalho mais de perto.

- Nunca vi esse lugar... Foi inspirado em algum ou apenas fruto da imaginação de Sua Majestade?

- Não sei ao certo. Sonhei com isso outro dia e me deu vontade de bordar.

- Seus sonhos sempre trazem algo lindo, digno de uma obra de arte mesmo. – Ismir sorriu.

No dia seguinte, Ismir partiu para seu lar onde provavelmente permaneceria recluso com sua coleção de obras de arte e sua solidão.

Se ele ao menos aceitasse minha oferta de procurar um noiva para ele... A solidão não é boa conselheira. Calíope pensou, mas, como seu pai costumava dizer, não dava pra resolver problemas de todos os seres do mundo.

~o ⭐ o~

- Você tem mesmo que usar isso? – Ciara cruzou os braços.

- Mãe!

- Ane, pela deusa! Você é linda, jovem, tem um corpo de fazer inveja, pelos brilhantes... Porque esconder isso com essa....essa...coisa!

- É um macacão, mãe. E eu gosto.

- Ciara, amor, deixa a menina...

- Obrigada, papai. – Ane respondeu, fechando até o penúltimo botão de cima em sua blusa embaixo do macacão.

- Ah não! Isso é demais pra mim. – Ciara caminhou até a filha e abriu mais 3 botões da blusa, deixando um decote muito profundo que passava da linha do macacão.

- Mãe!

- Mãe nada! Se vai sair com essa coisa horrorosa, pelo menos alivia com a blusa. Agora vá. – Ciara beijou a testa de uma Ane bem emburrada. – Sua amiga já deve estar lá fora esperando.

Ane saiu soprando forte, de mau humor, decidida a fechar a blusa assim que saísse do campo de visão de sua casa.

- Amiga! Adorei o decote com o macacão. Ficou linda. – Jana deu um tapinha na bunda de Ane.

- Jana! Você acha mesmo que ficou bom? Parece tão....ousado.

- Ane, minha gata, você precisa se soltar mais. Não precisa andar sempre se escondendo. Esse estilo sexy e fofa combinou bem com você.

As duas seguiram fofocando e Ane até que gostou de como uma mudança sutil na roupa lhe fez bem, ao invés das roupas excessivamente sedutoras que sua mãe lhe comprava.

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- Querida, é o jeito dela...

- Se deixar, essa menina nunca vai crescer. Mulheres precisam aprender como valorizar seus belos corpinhos, meu lindo marido. – Ciara abraçou o marido, fazendo seu charme.

- Bom, você sabe o que é melhor nessas coisas de mulher. – Ele beijou sua esposa, a mulher que tanto amava, e suspirou cansado por ter de se afastar dela. – Tenho que ir.

Meu irmão raramente pede ajuda com alguma coisa e ele não sabe planejar a construção nem mesmo de uma parede.

- Sim. É melhor você ir. Meu cunhado é meio monótono e sem graça, mas é seu irmão e temos que dar valor a família. Quando você acha que a reforma na casa dele termina?

- Vai demorar um pouco. Mas não se preocupe, meu amor. Voltarei com energia para cuidar da minha fofinha. – Ele beijou a esposa e saiu antes que perdesse a vontade de trabalhar.

~o ⭐ o~

- Algum problema no pulso, pai? – Alart perguntou, preocupado com o pai alisando a região sutilmente de tempos em tempos.

- Uma pequena torção por ficar muito tempo manejando....espada. – Arman respondeu. – Nada sério. O progresso dela é fantástico. Em breve poderemos lhe dar alguma tarefa digna no reino.

Alart notou a mudança de assunto brusca, mas estava sempre disposto a falar de Sunny. – E quanto a apresentação dela aqui? Já pensou em algo?

- Temos tempo para isso. – Arman respondeu simplesmente.

- Sim...

- Algum problema? – Arman perguntou.

- Nada demais, só um sonho estranho e....incômdo... – Alart se calou quando o conselheiro se aproximou.

- Majestade, Alteza. – Téo se curvou.

- Pode ir, filho. Conversaremos mais tarde. – Arman dispensou o filho.

Sempre “mais tarde”. Pelo menos não precisei contar esse sonho. .. Alart pensou e tratou de apagar a lembrança do sonho que tivera com o pai. Ele achava que não teria coragem de contar nem para Sunny, mas também era só um sonho. E um definitivamente muito longe da realidade.

Depois que Alart sumiu do campo de visão, ele entrou no gabinete e se sentou em seu lugar habitual.

- Machucou o pulso? – Téo perguntou fechando a porta dupla, enquanto o rei passava gelo ao redor do pulso.

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- Só um incômodo leve. – Arman disse enquanto Téo pegava o gelo e segurava gentilmente a mão do rei, passando o gelo na região dolorida. – Mas valeu a pena.

Téo sorriu, espelhando o sorriso de seu rei. – Eu disse que não precisava fazer aquilo por tanto tempo...

- Acho que estou viciado nisso.

- Eu também acho. – Os dois sorriram.

Mais tarde Ciara estava saindo do palácio, muito tarde, depois das aulas de etiqueta que vinha dando a Sunny. As ruas estavam desertas, mas em Jubay ninguém atacaria uma mulher, especialmente a famosa Ciara, amiga do Rei, da falecida Rainha, com tantos contatos na nobreza. No entanto...

A alguns metros do palácio, uma mão a puxou para um beco escuro, a empurrando contra a parede fria, de costas para seu captor que colocava a mão em seu decote descaradamente.

- É melhor não dar nenhum pio. – Uma voz masculino sussurrou em seu ouvido. – Você não quer que alguém venha te salvar, não é?

- Então é melhor parar de conversa fiada e me dar o que eu quero, Téo. – Ela respondeu em seu habitual deboche.

- Shh! – Os dois congelaram ao ouvir alguém se aproximando cantando uma música antiga.

- Também ouvi. – Ciara se soltou, arrumou a roupa e, com o som a poucos passos, os dois se beijaram apaixonadamente. – Vai ficar me devendo essa.

Relutantemente, Téo a deixou ir, sabendo bem que o próximo encontro seria ainda melhor. Sempre era.

Ciara andou alguns passos controlando a respiração para se acalmar até ser vista.

- Oi, meu amor. Vim buscar minha linda esposa. – Hieron abraçou e beijou a mulher.

- Oi, querido. Senti tanto a sua falta hoje.

~o ⭐ o~

Na tarde seguinte...

- Bom dia, irmão. Obrigado pelo convite.

Hieron deu um abraço apertado em seu irmão, sempre tão ocupado que dias como aquele eram difíceis de conseguir.

- Oi, tio. – Ane cumprimentou educadamente.

- Oi, Ane. Trouxe isso para você.

Ao ver o livro grosso e visivelmente antigo, Ane quase pulou de alegria. – Não acredito! Obrigada, tio! – Ela lhe deu um abraço e saiu correndo para desfrutar do livro que

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tanto queria e que achava que seu tio nem lembrava mais da prmessa de lhe conseguir uma cópia.

- Nem vou perguntar quem deu isso. – Ciara comentou ao ver a filha passar com o livro. – Aposto que foi aquele seu tio pedante.

- Ai, mamãe... Eu te dou um quando eu for mais velha e independente. – Ane sorriu.

- Prefiro maquiagem. – Ciara riu e deixou a filha em paz.

O almoço foi tranquilo como sempre. Nada de novo, nada de extraordinário. Ane foi passear com Jana em um evento que Jana queria muito ir. Hieron, depois de se despedir do irmão que estava muito ocupado como sempre, saiu para encontrar um fornecedor de ferramentas necessárias ao seu trabalho. Assim, Ciara ficou sozinha em casa. Ou assim se pensou.

No quarto do casal, no segundo andar, vestindo um vestido curto, florido e rodado, com a janela aberta, o vento soprou pela janela e um baque se ouviu. Ela não virou. Não precisava. O barulho da janela sendo fechada trouxe um sorriso travesso em seus lábios.

- Sabia que, depois da cerimônia do seu casamento, - aquela voz sempre lhe dava arrepios – enquanto o trouxa do seu marido e suas famílias fofocavam lá embaixo, eu estive neste mesmo quarto com uma vadia, ainda vestida de noiva, nesta mesma cama?

Braços a cercaram por trás, puxando seu decote para baixo dos seios.

- É mesmo?

- Sim... E ela gostou muito do que fizemos aqui...

- Meu marido não vai demorar...

Ele a jogou na cama sem nenhum toque de gentileza. – A gente inventa algo. Aquele trouxa não perceberia que você é minha nem se a gente transasse na frente dele.

- Mas ele vai querer que eu fique com ele... – Ciara provocou.

- Com o fogo que você tem, isso não vai ser um problema. – Téo tirou toda a roupa, com um olhar faminto para sua amante e cunhada. – Além do mais, mesmo sem saber, o trouxa do meu irmão está acostumado a comer o resto que deixo pra ele.

~o ⭐ o~

Ah como amo a complexidade dos sonhos. Mortais nunca sabem como lidar com eles, até que seja tarde.

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Capítulo 04

Às vezes me pergunto se as pessoas sabem o quão perto da verdade ou de suas mortes elas chegam com uma frase. Será que quando a morte delas chega elas se lembram do que disseram e da relação com a morte? Ser uma divindade faz a gente pensar cada bobagem ne....

~o ⭐ o~

- Odeio essas matérias teóricas demais. – Janna resmungou.

- Você odeia qualquer coisa que envolva ler demais, Jan. – Ane riu.

- Exatamente! Um dia essa coisa de teorias vai me matar, An! – Janna disse dramaticamente.

- Haha! Exagerada. Olha, sério, é melhor você estudar. Faz assim, vou pra casa ajudar o papai a fazer o jantar surpresa que ele quer fazer pra mamãe. Você agiliza as coisas indo para a biblioteca real e eu te encontro lá.

- Ok! Obrigada amiga do meu coração! Te amo! – Janna deu um beijo no rosto da amiga, quase beijando a boca sem querer, num impulso, mas acabou lembrando. Apesar de a amar, Ane não tinha interesse nela desse jeito. Janna se afastou, feliz, apesar de tudo.

Ane podia até não amá-la do mesmo jeito que Janna a amava, mas amizade também era um amor poderoso e ela valorizava isso.

- Jan! – Ane correu até ela. – Olha, você é muito desfocada, então nada de mesa comum tá. Aluga uma sala privada.

- Mas, An... A biblioteca central vive com essas salas cheias a esta hora. Não vou conseguir uma tão cedo.

- É mesmo. – Ane pensou um pouco. – Você lembra onde tinha aquela loja de roupas chiques que fechou a dois anos?

- Sim.

- Recentemente abriu uma biblioteca lá. É menor, pouca gente conhece e sempre tem salas vazias. Toma. – Ane entregou um cartão amarelo pequeno. – É um cartão cortesia que ganhei lá na inauguração. Mostre isso na recepção e eles vão te dar uma sala legal.

- Obrigada, minha gatinha de biblioteca. Te amo!

- Também te amo, Jan. Agora vá logo e foco viu!

Janna não sabia como Ane encontrava esses lugares, mas ficou feliz. A biblioteca era pequena, distante do centro, silenciosa, com salas com barreiras mágicas anti-ruído. Era perfeito para uma pessoa com zero foco para estudar. Quase perfeito. As duas recepcionistas pareciam mais preocupadas com uma discussão boba entre elas do que em lhe dar atenção. Finalmente uma lhe deu a chave de sua sala. Janna queria ficar para ver o final da discussão, mas seu espírito fofoqueiro foi vencido pela lembrança do “foco, viu!” de Ane.

- Tá, An. Foco...entendi... – Janna resmungou. Com um suspiro, segurando sua bolsa no ombro, três livros em uma mão e a chave na outra, ela seguiu o caminho indicado.

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- Ta faltando uma chave extra da racepção. A chave da sala 19. – Uma das recepcionistas reclamou e Janna não conseguiu entender a reclamação da outra.

Decidida a evitar qualquer mínima distração, ela subiu os lances de escada, achou a porta de sua sala e abriu. O baque dos livros no chão pareceram algo vindo de outra dimensão, algo muito distante.

~o ⭐ o~

- Sua mãe era muito bonita. Agora sei de onde você herdou os pelos negros. – Sunny comentou.

Alart tinha uma foto de sua mãe com ele bebê nos braços que ele usava dentro de um relicário em uma pulseira. – Sim. Ela passou mal, algum problema cardíaco não detectado.

- Sinto muito, Alart. – Sunny disse sinceramente. – Mas, veja por esse lado, pelo menos ela teve uma morte rápida e relativamente mais tranquila, não foi violenta sabe.

- Sim. Quando você contou sobre sua mãe e o que seu pai fez com ela... Pensei justamente nisso, o quanto minha mãe pelo menos teve uma vida feliz e uma morte rápida, natural. – Alart nunca mais olhara para uma escada sem lembrar da morte da mãe de Sunny que tinha sido empurrada da escada principal da mansão.

- Enfim. – Sunny mudou de assunto. Falar de sua mãe sempre a deprimia. – Quem era a menina com você lá embaixo?

- De vozinha parecendo irritante? Era a Ane, filha da Ciara. – Alart respondeu. – Não é má pessoa, só que a gente nunca se deu bem. Gênios muito diferentes, acho. Ela estava procurando o tio, o conselheiro do Rei.

- Ciara falou dela uma vez. Pensei que vocês fossem amigos, seus pais e a mãe e tio dela sempre foram amigos, não é?

- Isso. Meu pai e Hieron, o pai de Ane, eram amigos desde a infância. Téo vivia nas terras dos Tiger mais do que aqui, estudando e aprendendo com os melhores conselheiros e guerreiros. Quase não via a família. Pelo que entendi, Téo só chegou na cerimônia de casamento do irmão com Ciara, pelo que entendi. Não sei como, mas Hieron e meu pai se afastaram um pouco e Téo era o melhor amigo e já considerado futuro conselheiro dele.

Ciara era muito amiga da minha mãe. Acho que a única. Minha mãe era como eu, difícil pra fazer amizades. Quando ela morreu, Ciara ficou doente com a notícia. Até o Téo que não se dá muito bem com ela foi ajudar a trata-la. Meu pai assumiu o trono e, como esperado, Téo se tornou seu principal conselheiro, Ciara ajudou a cuidar de mim e do palácio e, quando Ane nasceu, meu pai deu um título de nobreza para Ciara em reconhecimento por tudo que ela fez por nós e pensando no futuro de Ane. Mas nós nunca nos demos bem. Não tenho nada contra a garota e acho que ela também não tem contra mim. Só realmente não temos uma ligação, sabe.

- E você não fez nenhuma amizade aqui?

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- Não. Eu passava muito tempo em viagem, nas aulas de espionagem e nas missões depois. Quando estava em casa era para as aulas relacionadas ao reino que só meu pai podia passar, etiqueta, eventos sociais que eu era obrigado a ir... Não sobrava muito tempo para fazer amizades reais, um ou outro nobre eu tinha mais proximidade, mas só. Meu melhor amigo foi meu colega de espionagem durante anos. Um dia te apresento.

- Seu pai deve ter sentido muito sua falta.

- Acho que sim. Nós temos um respeito mútuo, mas não diria que é um carinho de pai e filho, algo profundo assim. Praticamente cresci longe dele, afinal de contas. Mas ele é um bom homem e sempre me deu valor. Acho que ele tenta se aproximar de mim, mas nenhum de nós sabe bem como reagir.

- Ele quer que eu treine o foco da minha magia onírica para aumentar a projeção de outros. O que você acha?

- Acho que é importante você aprender todos os aspectos da sua magia. E você é claramente muito poderosa em projeção astral ou nunca teríamos descoberto sua existência.

- É. – Sunny respondeu simplesmente, ainda incomodada com algo, sem saber ao certo o que.

~o ⭐ o~

- Ela está se segurando. Eu sei disso. – Arman disse.

- O senhor contou isso para Ciara? Ela é meio tola, mas pode ajudar. A garota confia nela. – Téo perguntou.

- Não. Sabe que não quero que ela saiba muito. É melhor manter apenas entre nós. Eu só confio em você. – Arman disse.

- Então o senhor terá que convencer a garota a colaborar. Ciara não pode ajudar sem saber disso. O príncipe Alart está fora de questão...

- Obviamente. O rapaz é inteligente, até gosto dele, mas não sei se posso confiar ainda. E o pai dela?

- Já retornou. Não deve demorar a começar as buscas. – Téo respondeu.

- Ainda não sei se ele vai procurar ela. Tomara que não, mas não devemos contar com a sorte. – Arman terminou de fechar os botões do casaco e se preparou para sair. – Está dispensado. – Téo se curvou e se dirigiu até a porta. – Téo.

- Sim, meu rei?

- Não esqueceu de nada?

Téo olhou sério para o rei e se aproximou para se despedir corretamente de seu rei.

~o ⭐ o~

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- Não se preocupe. – Ciara disse, abraçada a Téo. – A garota gosta do rei, o vê como um amigo e salvador, e Arman é encantado. Ela vai ceder.

- Espero que não demore. – Téo respondeu. – O pai dela já deve saber de sua fuga. Ela precisa ter domínio de seu dom o quanto antes.

- Você está muito tenso, meu amor. – Ela se soltou de seu abraço, focou a audição para ter certeza que não tinha ninguém na sala privada da biblioteca, se ajoelhou e abriu o cinto dele. – Vou te fazer relaxar.

Téo focado em guiar a cabeça da amante e Ciara focada demais no que tinha na boca não perceberam o suave click na porta. Quando o som de algo batendo no chão chamou a atenção deles. Janna, amiga da filha de Ciara, estava na porta com os pelos eriçados, olhos arregalados e uma cara de quem tinha visto... Bem, o que ela realmente tinha visto. A mãe de sua amiga e amor platônico dando um oral épico no cunhado que também era o segundo homem mais poderoso do reino.... Um guerreiro.... De repente Janna percebeu o perigo que corria e despertou de seu torpor. Mas, infelizmente para ela, Téo também havia despertado. Janna se virou e foi tudo o que pôde fazer. Téo deu um pulo, deixando suas calças no chão, agarrou Janna pelo pescoço, a derrubou de cara no chão, quebrando um de seus dentes da frente.

- Se der um pio eu te mato. – Téo sussurrou em seu ouvido e ela acenou afirmativamente. – Vou te colocar de pé, você vai entrar quietinha como uma boa menina e vamos conversar.

Ela acenou de novo e Téo a levantou e virou de frente. Janna aproveitou sua chance, deu uma joelhada entre as pernas de Téo que se encolheu de dor. Janna se virou pronta para correr, fez menção de gritar, mas uma mão firme a puxou pela cauda, com a porta logo se fechando enquanto ela caía de bunda no chão. O pânico começou a aflorar e Janna não parava mais de gritar, porém a magia de abafamento de ruído tornava seus sons inúteis. Ciara deu um tapa tão forte no rosto da menina que ela caiu de lado.

- Cala a boca, sua estúpida! – Ciara rosnou, seus olhos pareciam queimar de raiva.

Furioso, Téo deu um chute nas costelas da jovem que soltou um som semelhante a um urro, um som disforme e assustador. – Vadia burra! Vou te fazer pagar caro por isso!

- Calma, Téo. Janna é um pouco inteligente. Eu gosto dela. Tenho certeza que ela não vai falar demais, não é Jan?

- SUA TRAIDORA NOJENTA! Eu vou contar pra Ane que você não vale nada! Que se gaba tanto de ser um exemplo que ela devia seguir, mas não passa de uma imunda que engana o senhor Hieron com o irmão dele, só Kallisti sabe desde quando! – Janna cospiu sangue, a revolta dominando todos os seus sentidos.

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- Que pena, Janna. – Téo vestiu a calça calmamente, dobrou seu manto e colocou arrumado no canto mais distante. – E eu que estava pensando em te ajudar a conquistar sua amada Ane com o apoio da mãe dela.

Ciara olhou para ele, claramente surpresa. – O que? Você é apaixonda pela minha filha? Você realmente é estúpida. Se tivesse me pedido ajuda eu teria ajudado. Eu gostava de você. Mas, você não facilitou as coisas aqui.

- Eu não quero o apoio de alguém como você! – Janna cospiu sangue.

- Fico feliz em ouvir isso. – Téo disse e se voltou para a amante. – Amor?

- À vontade, querido.

Téo deu um soco no rosto da jovem que gritou de um jeito estranho com sua mandíbula deslocando. Sem pausa, ele deu golpes com o punho em formas diferentes, aparentemente atingindo locais aleatórios. Em algum momento, Janna desmaiou, mas Téo não parou os golpes enquanto Ciara estava sentada de pernas cruzadas comendo uma maçã que achara na bolsa de Janna. Algum tempo depois, com Janna praticamente morta, Téo a levou para o telhado do prédio e a jogou 9 andares abaixo. Ao voltar para a sala, Ciara terminava de limpar o chão com a poção que sempre carregava e jogou um pouco no amante. Não foi o suficiente para limpar toda a sujeira em sua roupa, mas o manto dele cobriria o resto. Téo agarrou a amante em um beijo apaixonado.

- Vá. Você tem um trabalho a fazer e eu tenho que voltar para a estrada. – Ciara disse.

– Vamos compensar o tempo desperdiçado com essa tola outra hora.

- Logicamente. Por enquanto, contente-se com o merdinha do meu irmão.

~o ⭐ o~

Mortais.... Às vezes são minha melhor criação, nobres, criativos, inteligentes... Outras vezes me irritam e despertam o pior de mim. Mas, para esses últimos, eu sempre tenho um mortal nobre para ser meu agente da vingança... Sempre.

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Capítulo 05

Não gosto de interferir na vida dos mortais diretamente, mas deixar pistas para eles é quase um vício. E, algumas vezes, meus bebês finalmente entendem minha mensagem.

~o ⭐ o~

Ane estava sentada no meio-fio, apática, gelada, com olhos vidrados. Hieron viu sua filha de longe e correu até ela, ignorando a multidão do lad de fora da biblioteca.

- Minha florzinha? – Ele chamou enquanto se aproximava cautelosamente, temendo assustar a menina.

- Ela não acordou....Eu...eu falei...ela não...não acordou... – Ane estava em choque.

Hieron a cercou com seus braços fortes, com o coração em frangalhos. – Shh... Calma florzinha. O papai está aqui. Vamos pra casa, querida. Você precisa tomar banho e...

- Não...não quero deixar ela sozinha, pai... Ela....ela não acordou....

- Meu amor, eles já levaram ela. Você precisa vir. A mamãe deve chegar em breve e vamos cuidar de você. Te dar muito carinho e amor...

- Ela disse que me amava...porque ela não acordou...?

Vendo que não adiantava conversar, ele pegou a filha no colo como se não pesasse nada e a levou para casa.

Era noite quando Ciara chegou apressada.

- Oi, amor. – Hieron a recebeu com um beijo, atento a filha no sofá que parecia meio apática.

- Recebi seu recado ainda na estrada. – Ciara disse com lágrimas nos olhos, parecendo chocada. – Era a garotinha mesmo?

- Infelizmente, sim. Ane viu uma pequena multidão se formando do lado de fora, se aproximou e viu a amiga no chão. Me disseram que ela ainda pegou a amiga no colo e os curandeiros tiveram que tirá-la a força dos braços da nossa filha que não queria soltar de jeito nenhum. Quando cheguei a roupa e o rosto dela estava repleta de sangue. – Ele cochichou. – Dei um banho, mas não consegui fazer ela comer nem beber nada. Não sei o que fazer...Ela parece em outro mundo.

- Oh, querido. – Uma lágrima rolou de seus olhos e Hieron secou com um beijo. – Ela era tão adorável... Vou tentar falar com nossa bebê.

Ciara deu um beijo rápido no marido, entregou a bolsa a ele, se ajoelhou ao lado da filha deitada no sofá. – Bebê? Vem aqui, minha linda. – Ela estendeu os braços e Ane só moveu a cabeça em direção a mãe, mas parecia não ter forças para mais do que isso. Ciara levantou um pouco a cabeça da filha, sentou no sofá, colocou a cabeça da menina no colo e começou a fazer cafuné. Ane começou a chora copiosamente, soluçando, com o rosto

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virado para o colo da mãe, agarrando a saia dela como um bote salva-vidas. – Eu sei, bebê, dói. Sinto muito, meu amorzinho. Chora que vai te fazer bem.

Ane chorou até praticamente desmaiar num sono profundo. Em algum momento, ela sonhou com Janna, caída entre as pedras amarelas da calçada, com o corpo numa posição naturalmente impossível, o rosto irreconhecível, ossos à mostra em fraturas horríveis. No sonho, Ane pegou a cabeça da amiga no colo e tentou acordá-la, como se sua mente se recusasse a aceitar a morte de Janna, lágrimas molhando o rosto da falecida enquanto ela dizia que a amava. Um grito, que de tão rouco, doloroso e estranho, nem parecia ter saído da garganta de Ane, ecoou. Hieron não dormiu naquela noite, angustiado pelo choro da filha durante o sono, se sentindo o ser mais inútil do universo naquele momento.

~o ⭐ o~

- Bom dia, Sunny. – Alart entrou, parecendo um tanto triste.

- Eu perguntaria o que houve, mas acho que não precisa. – Sunny disse, pegando a bandeja com seu desjejum da mão dele, colocando na mesa e o puxando pela mão para sentar no sofá ao seu lado.

- Como assim?

- A amiga daquela menina, filha da Ciara, morreu não foi?

- Como você sabe?

- Tava paticando esta madrugada e sem querer captei um sonho da filha da Ciara. Pelo nível do sofrimento e força da lembrança ficou óbvio que era mais uma memória do que um sonho. – Sunny disse, acariciando a mão do amigo. – Sinto muito. Sei que vocês não eram próximos, mas uma morte assim é sempre dolorosa para todos.

- Sim. – Alart levantou e pegou duas xícaras de chá, oferecendo uma para Sunny.

Incapaz de ficar quieto, ele começou a andar pelo cômodo. – Ane viu a amiga naquele estado... Não é um visão fácil pra ninguém, muito menos uma menina frágil e protegida como ela.

- Foi um acidente?

- Aparentemente, não. Pelo nível das lesões e suas localizações, os curandeiros acreditam que ela se jogou. – Alart disse.

- Mas você não acredita. – Não era uma pergunta. Pelo olhar surpreso de Alart, Sunny respondeu a pergunta não feita. – Você tem uma ruga entre as sobrancelhas e aquele olhar de “tem algo aqui que não fecha”.

Alart se surpreendia sempre que percebia o quão bem eles se conheciam. Ele sentou do lado dela e disse: - É que...Janna era uma garota até legal, impetuosa, divertida, curiosa,

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meio preguiçosa quando o assunto era estudos, mas se esforçava. Ela era “secretamente”

apaixonada pela Ane.

- Como você...

- Sunny. Eu sou espião, lembra? Ter informações sobre todos é parte da essência do meu trabalho. – Alart disse. – Enfim. Ela não tem perfil suicida ou motivações, especialmente porque, pelo que apurei, ela ia se encontrar com a Ane naquele lugar. E, superprotetora como era com a amiga, ela nunca se mataria em um lugar onde as chances de Ane vê-la morta daquele jeito eram enormes.

- É. Faz sentido. Mas então você acha que alguém a matou ou que foi um acidente?

- É isso que mais me intriga. Ela tem ferimentos que só podem ser compatíveis com uma queda. Para alguém matar ela daquela jeito, teria que ser um gênio em certas artes mágicas e físicas, um militar com amplo conhecimento mágico e uma motivação enorme. E

não temos ninguém assim no reino, muito menos alguém que odiasse a Janna a esse ponto.

Acidente não tem como. Ou ela tomou impulso para se jogar ou alguém fez isso.

- Ou seja, as chances de suicídio são as mais fortes até agora.

- Sim. Mas meu instinto está gritando que não foi isso.

- Confio no seu instinto.

- E tem isso. – Alart tirou um dente do bolso e mostrou para a amiga que não precisou de mais explicações. – Achei na porta da sala onde ela esteve.

- Mas, o que dá pra fazer agora sobre isso?

- Nada. – Ele suspirou. - Esse é um daqueles momentos em que a gente chega em um beco sem saída e precisa contar com o tempo e a bênção de Kallisti para conseguir alguma pista.

- Então mantenha os olhos abertos e espere. Não adianta sofrer pelo que não se tem ferramentas para resolver. – Sunny disse. – Mas tem uma coisa que podemos e acho que devemos fazer. Mas é segredo e preciso da sua ajuda.

~o ⭐ o~

Algumas semanas depois da morte de Janna, Ane voltou para a escola, mas parecia ainda mais calada do que antes, triste, mas conformada. Os pesadelos pareciam não deixa-la em paz com imagens de Janna desfigurada, com o corpo deslocado a perseguindo sempre a acordavam no meio da noite aos gritos.

Alart pediu a Ciara que lhe permitisse visita-la. Ele sabia que ela não negaria. Ciara nunca fez questão de esconder o quanto ficaria feliz com uma amizade entre sua filha e o príncipe, às vezes até forçando um pouco a barra. Ane, por apatia mais do que qualquer coisa, não se importou em aceitar a visita do príncipe.

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- Oi, Ane. – Alart a cumprimentou e Ciara deixou os dois sozinhos com uma desculpa esfarrapada qualquer. – Sinto muito pela Janna.

- Alteza. – Ane cumprimentou com a perfeita etiqueta que sua mãe lhe ensinara. –

Obrigada.

Eles trocaram algumas frases sobre coisas bobas que nenhum deles realmente se importava e Alart decidiu ir logo direto ao assunto porque ficar perto de Ane era sempre monótono e chato demais para ambos. – Não vim aqui apenas para dar meus pêsames.

Afinal, fiz isso no velório, embora você provavelmente não se lembre.

- Não. Minha mãe tinha me dado algo pra ficar mais tranquila. Foi um dia em que eu parecia mais um fantasma vendo a mim mesma em uma situação irreal. – Ane disse, cabisbaixa.

- Entendo. Não consigo imaginar o que você está passando. Mas sei que você não tem dormido. Pesadelos, quase posso apostar.

Ane olhou surpresa e um tanto irritada para a pessoa que sempre a surpreendia e irritava ao mesmo tempo. – Como você sabe? Andou me espionando?

- Eu espiono muita gente, Ane. Mas uma garotinha colegial não está na minha lista de importância máxima. Seus olhos estão fundos e sem brilho, suas notas estão caindo e sua mãe está preocupada. Não precisa ser um gênio para somar isso tudo. – Ele deixou de fora a principal fonte que lhe informara sobre os pesadelos: Sunny. – Olha, você é filha de uma grande amiga do meu pai, melhor amiga da minha mãe e alguém que considero muito. Sei que nunca fomos amigos, mas você é uma boa moça e ninguém deveria ter que passar pelo que você passou.

- Mesmo assim, aconteceu.

- Sim. Não posso mudar isso, mas posso ajudar com os pesadelos.

Isso atraiu a atenção de Ane que estava visivelmente esgotada. – Como?

Alart tirou um amuleto do bolso, um pequeno pingente com uma flor laranja no centro, cercada por um invólucro cristalino.

- A flor dos Tiger. – Ane ofegou.

- Também. Mas é na verdade a flor das Fontes Termais Sagradas de Kallisti. Um amigo que é mago me deu isso para te dar. Este amuleto funciona como um alívio ao trauma e afasta pesadelos. Você só não deve revelar a ninguém. Algo relacionado a magia dentro dele. Use sempre que quiser, mas principalmente para dormir. Vai te ajudar neste momento difícil. – Alart ofereceu, mas Ane pareceu indecisa. – Não faça isso.

- O que?

- Se punir. Eu sei como é isso. Você acha que precisa sofrer e que se buscar ajuda ou algum alívio pra sua dor, vai estar traindo sua amiga. Mas, Ane. É da Janna que estamos falando. Qualquer um neste reino sabe que ela tocaria fogo no planeta se fosse necessário

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para te proteger até das menores dores possíveis. Se punir por estar viva enquanto ela não está é o que mais iria magoar ela.

Ane não percebeu que estava chorando. Decidida, ela pegou o pingente e colocou no bolso de seu macacão na frente do peito. Algo pareceu substituir aquela dor sufocante que ela vinha sentindo, por uma dor mais suportável.

- Preciso ir. – Alart se levantou. – Melhoras.

Grosso e nada gentil. Ane pensou. Mas... – Alteza.

- Sim? – Alart parou na porta.

- Obrigada.

- Não me agradeça. Eu só entreguei. Mas vou transmitir sua gratidão ao mago. – E

saiu.

- Idiota. – Ane murmurou, mas um pouco grata apesar de tudo.

~o ⭐ o~

- Envie o acordo assinado para o Rei leonino. Não quero que ele tenha nenhuma desculpa desta vez. – Calíope dispensou o último ministro daquela tarde que agora já era noite. – Finalmente, acabou!

- Sim, majestade. – Sven, principal conselheiro da rainha, esticou a coluna dolorida. –

O jantar de amanhã está completamente organizado, então o dia está livre para a senhora descansar.

- Ismir confirmou a presença amanhã?

- Sim, senhora. A confirmação chegou esta tarde. – Sven disse, meio incomodado. Ele não com a cara de Ismir e o sentimento era recíproco.

- Não faça essa cara, meu amigo. – Calíope disse, usando seu poder do anel real Tiger para acender um charuto, um péssimo hábito que ela não largava por simples conforto. –

Sei que você tem uma birra com Ismir, mas tenha piedade. O homem não tem filhos, seu único casamento foi um desastre com aquela insuportável, ficou viúvo e mergulhado na tristeza. Temos que apoiar pessoas assim para evitar coisas como o que aconteceu em Jubay com aquela jovenzinha. – Sem esperar por uma resposta, ela saiu para descansar.

Mais tarde, depois de poucas horas de sono, Calíope despertou sentindo uma presença no quarto. Ela não precisava usar sua chama real para clarear o quarto e ver quem era.

- Novidades? – Ela perguntou no escuro.

- Sim, minha rainha. – Uma voz firme a respondeu.

- Fale.

- É exatamente o que a senhora desconfiava e mais ainda.

- Tudo era mentira? – Calíope perguntou.

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- Absolutamente tudo, majestade. – O espião respondeu.

- Entendo. E quanto a prova?

- Na mão dele. Não temos como pegar sem atrair atenção para nós.

- Mantenha sua posição, mas não se revele de forma nenhuma. Não quero o menor indício de alerta.

- Assim será feito.

- Bom trabalho. Quando terminar a missão, saberei recompensá-lo.

- Tudo pelo reino e pela rainha.

O espião foi dispensado e Calíope se levantou sabendo que não adiantava mais tentar dormir.

~o ⭐ o~

A morte pode ser triste e dolorosa para os mortais. Mas às vezes é o momento em que posso trazer de volta para mim minhas mais nobres criaturas e lhes dar paz, conforto e colo.

Porém, eu nunca esqueço quem fere os nobres de espírito. Nunca.

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Capítulo 06

Anh....? Ah, é você de novo? Quer que eu continue a história, não é? Certo, certo. Deixa eu ver por onde continuar...

~o ⭐ o~

Ane esperava ansiosa pelo veredito de seus pais. Desde a morte de Janna, Ane não suportava viver na cidade. Todos os lugares, sons, rostos, tudo trazia a lembrança de Janna e isso era doloroso demais. Assim, Ane se inscreveu em projeto de estudos sociais na Universidade Lhágua, uma antiga e lendária fazenda que abrigou as Tiger que fugiam do terrível Tigresius e onde os gêmeos mais famosos da história nasceram. O lugar abrigava qualquer um que quisesse ter uma chance de vida honesta e digna, indepentende de sua raça. Mais tarde, o mago Seth a transformou em uma Universidade que focava nos estudos de magia, história, finanças e organização. Graças a sua dedicação e espírito pesquisador, ela foi aceita rapidamente. Agora, apesar de não precisar, ela queria a aprovação de seus pais.

- Mas...querida...você ficaria longe de nós por...um ano... – Hieron sabia que era o melhor, mas odiava a ideia de se afastar da sua princesinha.

- Eu acho uma ótima ideia. – Ciara disse e ignorou o olhar chateado do marido. – Seria bom para você encarar o mundo longe de nossos braços um pouco. Amor, - ela se voltou para Hieron – eu sei que dói. Mas é para o bem dela. Não podemos criar nossa filha sempre a protegendo do mundo. Não é assim que funciona.

- Mas ela tem pesadelos... Quem vai ajudar ela a se acalmar?

- Pai... Eu não tenho pesadelos faz um tempo. – Ane mantinha o amuleto com ela o tempo todo e parecia realmente estar funcionando já que ela nunca mais teve pesadelos.

- Eu.... Eu não quero que você vá. – Hieron disse meio bravo e meio segurando as lágrimas, mas logo suavizou seu olhar. – Mas você tem minha bênção.

Ane correu e abraçou os dois. – Obrigada. Vocês são os melhores pais do mundo.

Dois dias depois, Ane partiu para a Universidade. O que ela não contou é que não pretendia voltar. Nunca mais.

~o ⭐ o~

- Falamos disso mais tarde. – Ismir dispensou seu servo, respirando fundo e colocando uma expressão educada no rosto.

- Escondendo algo, lorde Ismir? – Sven disse em um tom que facilmente poderia ser confundido com uma brincadeira.

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- Não preciso esconder nada, lorde Sven. – Ismir respondeu com a mesma expressão educada de sempre, mas um olhar frio inconfundível. – Minha vida é monótona demais para ter qualquer segredo. Já o conselheiro...

- O conselheiro aqui não cochicha pelos cantos e detém apenas os segredos naturais de um reino confiados por sua rainha.

- Se você diz...

- Sim. Eu digo. – Sven viu Ismir se afastar com aquele ar de arrogância que parecia que apenas ele via. – Babaca. – Ele murmurou.

- Não deixe a rainha ouvir isso.

- DEMÔNIOS! – Sven deu um pulo com a mão no peito e os pelos arrepiados. – Um dia você vai me matar de susto, sua peste.

- Também gosto de você, velho. – Aidoneus riu.

- Já falou com sua mãe?

- Sim. Eu quero dar um passo a mais... Se é que me entende. Mas parece que ela ainda não confia em mim para isso.

- Não é isso, alteza. Sua mãe está apenas evitando um risco desnecessário para seu único herdeiro. – Sven ponderou.

- Sven, tenha paciência. Eu sou um espião. Correr riscos é parte do meu trabalho! Pra mim parece falta de confiança mesmo. Como se eu já não tivesse dado provas suficientes de onde está minha lealdade.

- Meu rapaz, quando houver real necessidade de enviá-lo da forma que você deseja, tenho certeza de que sua mãe o enviará. Até lá, que tal você ajudar seu velho amigo aqui?

- Ismir?

- Ismir.

- Já fiz isso, meu velho. – Aidoneus deu seu característico e charmoso sorriso.

~o ⭐ o~

Dois meses depois...

- Pai, isso não está certo. – Alart parecia cansado.

- Meu filho, sei que você tem um carinho especial por sua amiga. Eu também tenho.

Ela esteve em contato comigo por tantos anos durante suas projeções que é quase como uma filha para mim. Mas ainda não é a hora...

- Nunca é a hora. – Alart disse. – Pai, entendo que o assunto exige cautela, mas não podemos deixar a Sunny presa naquela parte do palácio por tanto tempo. Não é justo.

Prometemos a ela um lar, um lugar onde ela pudesse desenvolver e usar seus dons sem medo, sem ser mantida presa, torturada e abusada constantemente. Ok, ela está sendo bem cuidada, estuda e pratica bastante, é querida, mas ainda está presa de certa forma.

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- E o que quer que eu faça, Alart? Quer mesmo correr o risco de que o pai dela descubra seu paradeiro e a leve de volta ou coisa pior?

Alart estava cansado daquele beco sem saída.

- E se ela se disfarçar?

- E como supõe que a gente disfarce uma Tiger com pelos laranja brilhantes e negros, com uma magia extremamente poderosa e rara, surgindo absolutamente do nada, sem um passado, uma família...?

- Vamos inventar algo. Mas não podemos deixar do jeito que está. Sunny não reclama, mas é claro que ela quer poder correr, ver lugares, conhecer pessoas, fazer coisas normais que ela nunca pôde fazer. E eu vou dar isso a ela pai.

Arman olhou para o filho de uma forma diferente, finalmente percebendo algo que estava embaixo de seu nariz o tempo todo e ele não notara antes. – Entendo. Façamos o seguinte. Elabore um plano cobrindo todos os pontos para que Sunny possa sair. Depois me apresente e, se for realmente viável, terá meu apoio. Tenho apenas uma condição.

- Qual?

- Se algo acontecer a ela, a responsabilidade será toda sua.

- De acordo. – Alart precisou de todo seu treinamento para conter o sorriso idiota no rosto.

- Ah, mais uma coisa, filho. A rainha Tiger concordou com os termos do acordo de comércio e conhecimento. Ela enviará um diplomata para começar os trabalhos. Acho que você vai gostar disso. – Arman entregou uma fina pasta. Desta vez Alart não se preocupou em esconder o sorriso.

- Isso é bom. Ele é uma pessoa sensata e nobre.

- Quero que mantenha um olho nele. Como amigo, mas, principalmente, como espião.

- Claro, como desejar, meu rei. – Aquilo acendeu um alerta que Alart jamais iria ignorar. Os Tiger eram aliados e até parentes, de certa forma, dos leoninos a gerações. Não havia motivos para desconfiança entre os povos. Pelo menos...não deveria haver.

~o ⭐ o~

- Finalmente uma chance de dar um salto em nossos planos. – Téo disse.

- Sim, só que... Pena que tem que ser com alguém tão novinho. Sabe que não gosto de inexperiência. – Ciara resmungou.

- Eu cuido da sua carência, amor. – Téo deu um beijo no ombro de sua amante, ambos abraçados na cama. – Não podemos desperdiçar a chance.

- Eu sei. – Ela suspirou, acariciando o peitoral dela, descendo a mão preguiçosamente.

– Vamos tentar o plano A primeiro. Se der errado, algo que duvido, aí mudamos de tática.

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- Também duvido. – Téo suspirou quando a mão de Ciara alcançou seu alvo. – Mas é melhor estar pronto para tudo. Vou deixar as poções preparadas.

- Cuidado. Faça com calma, querido. Não queremos que notem seus talentos ocultos. –

Ciara disse, se soltando do abraço e descendo abaixo do lençol.

- O mesmo vale para você. Estou mantendo um olho em sua filha, mas cuidado nunca é demais.

Téo desistiu de falar quando a boca de sua amante se ocupou com outra parte dele.

~o ⭐ o~

- E então....? – Alart perguntou, mas, meio que já imaginava a resposta.

- É dela. – Sunny disse, com um olhar preocupado. – Lamento, Alart.

- Eu sabia. Sunny, você tem noção da gravidade disso?

- Infelizmente, tenho. Você não prefere levar para algum mago mais experiente e...

- Você tem alguma dúvida sobre o resultado do seu teste?

- Não.

- Então pronto. Além do mais, não posso confiar isso a ninguém. Se descobrirem que encontrei e que sei de quem é isso, vão ter certeza de que sei a verdade, que a morte foi forjada com técnicas impossíveis aqui. Não posso correr esse risco sem nem mesmo saber quem é o inimigo.

- Você disse que ninguém aqui tem esses dons e prática.

- Ninguém que a gente saiba e isso não é nada fácil de esconder. – Alart esclareceu.

- Então, ou tem mesmo alguém com esses dons e astúcia aqui, o que sabemos que é praticamente impossível... Ou foi algum Tiger com esse conhecimento.

- Por Kallisti! Isso poderia resultar em guerra facilmente.

- O que você vai fazer?

- Por enquanto, vou investigar o mais silenciosamente possível. Preciso ter todas as informações antes de saber o que fazer.

- E quanto ao seu antigo parceiro? Ele seria de grande ajuda, não é?

- Não. Até eu ter mais informações, é melhor manter isso entre nós. – Alart disse.

~o ⭐ o~

Em poucos dias, uma festa acontecia no palácio real leonino em homenagem ao diplomata que implantaria as mudanças práticas no comércio entre os reinos e cuidaria da troca de conhecimentos culturais entre eles. Arman se levantou e caminhou elegantemente até o centro do salão, com Téo e Alart um pouco atrás, cada um de um lado. O jovem e charmoso Tiger entrou com passos firmes, silenciosos e uma expressão altiva, típica de seu povo.

L i k a s t í a 0 3 | 30

- Rei Arman, é uma honra ser recebido tão calorosamente em seu lar.

- Seja bem vindo, príncipe. Fico muito feliz que você tenha sido o escolhido para este importante trabalho entre nossos reinos. – Arman cumprimentou o jovem com um sorriso gentil. – Creio que conheça se lembre de meu conselheiro, Téo, e de meu filho, o príncipe herdeiro, Alart.

- Lorde Téo. É bom vê-lo novamente. Minha mãe manda seus cumprimentos e agradece por sua ajuda para que este acordo fosse firmado.

Téo se curvou elegantemente. – Sua mãe é uma mulher gentil. Agradeço por suas palavras.

Alart deu um passo à frente quando o príncipe Tiger olhou para ele. Ambos estavam tão sérios e focados que um silêncio incômodo pairou no ar como se todos, até mesmo os convidados e os servos, não estivessem respirando.

- Seu malandro, ladrão de apostas! Não vai dar um abraço no seu amigo e colega de quarto, não? – Aidoneus disse com um sorriso enorme.

- Que eu me lembre, você é que roubava em todas as apostas, Done. – Os dois se abraçaram sorrindo, o clima leve e divertido tomando conta do salão.

Momentos mais tarde, um barulho chamou atenção na porta do salão. Os guardas entraram com uma jovem Tiger muito bonita, com um vestido simples e elegante, preto com pontos brilhantes abraçando perfeitamente suas curvas. Alart respirou fundo, disfarçou, mas a mudança no amigo não passou despercebido por Done ao seu lado. Arman se aproximou, a mente trabalhando em inúmeras possibilidades ao mesmo tempo.

- Senhor. – O guarda enrijeceu. – Perdoe a intromissão, mas encontramos esta moça na porta interna. Não sabemos como ela passou pela segurança lá fora ou seu nome, já que ela não diz nada.

Done olhou para Alart e quando seus olhos se encontraram ele entendeu que o amigo precisava de ajuda.

Arman ainda estava pensando em uma forma de resolver aquilo sem precisar dizer o nome de Sunny ou dar uma explicação sobre a presença dela. Ele imaginou que a menina estava entediada, experimentando as roupas chiques que ganhara para quando pudesse sair e perdeu o controle com seu dom de se teleportar. Arman abriu a boca para dizer qualquer coisa quando a voz de Done soou.

- Oh céus. Me desculpe por isso. Eu lhe dei o passe que recebi no caminho porque ela fez questão de voltar no meio do caminho para comprar algumas coisas. – Done se aproximou, beijou a mão de Sunny e enganchou seu braço no dela. – Majestade, esta é minha namorada... – Done disse a primeira coisa que lhe veio a cabeça.

- Miranda. – Sunny completou com o nome que vinha ensaiando com Alart a algum tempo, fazendo uma reverência perfeita.

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- Seja bem vinda a Jubay, lady Miranda. – Arman cumprimentou Sunny como se nunca a tivesse visto antes.

O “casal” se afastou em meio a murmúrios de convidados admirados com a beleza e elegância da jovem que parecia ter finalmente fisgado o príncipe Tiger.

- Calma. – Téo murmurou sutilmente para Ciara. – Ele só evitou um escândalo.

Sabemos que é mentira.

- Eu sei. Mas não gosto dessa garota fora da ala secreta. Precisamos dela sob controle.

– Ciara murmurou acompanhou atentamente com o olhar quando Alart escapou por uma porta minutos depois do falso casal sair por outra porta. – Estou começando a achar que isso não foi um acidente de prática mágica.

- Não acho, mas vou ficar atento. – Téo apertou a taça na mão quase a ponto de quebra-la ao ver o irmão vindo em direção a eles, todo sorridente. – O corno vem ai. – Ele disse com desdém ao mesmo tempo em que sorria para o irmão.

Ciara se controlou para não rir.

~o ⭐ o~

- Obrigada pela ajuda. – Sunny disse.

- Estou sempre pronto para ajudar uma moça bonita. – Done sorriu. – Eu não sei quem você é, mas se meu amigo introvertido se arriscou o suficiente para trazer a namorada dele aqui em segredo...

- O que? Não. Nós não... Quer dizer. – Sunny sentiu o rosto queimando de vergonha. –

Ele é meu amigo. Não somos...

- HAHAHAHA. Relaxa, moça bonita.

- Obrigado, Done. – Alart disse com uma expressão de quem poderia matar um a qualquer segundo.

Done sorriu e deu um passo para o lado, se afastando um pouco de Sunny. – Qualquer coisa por um amigo. Embora isso possa ser um problema.

- Como assim? – Sunny perguntou.

- Ele te apresentou como namorada. – Alart disse entredentes, os punhos fechados ao lado do corpo, os pelos ficand eriçados. – Isso significa que você terá que se passar por namorada dele por algum tempo.

- Exatamente. – Done disse e não conseguiu conter a vontade de provocar o amigo sempre tão autocontrolado. – Então teremos que dormir na mesma cama, o que eu até gosto porque uma moça bonita a gente não dispensa ne.

Sunny pareceu chocada. - Nem pensar!

- Não se atreva! – Alart disse ao mesmo tempo que ela.

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- HAHAHAHA! Vocês são o máximo. – Done começou a se afastar pelo jardim a alguns metros. – Quando terminar, me chamem para eu voltar para a festa com a minha

“namorada” e mais tarde para irmos para nossa casa.

- Eu vou matar ele. – Alart murmurou. Respirando fundo, ele disse: – O desgraçado tem razão.

- O que?! Como assim? Eu vou ter que namorar com ele?

- Você não é nem louca! – Alart explodiu e Sunny ficou paralisada no lugar sem entender a raiva repentina do amigo sempre tão calmo e centrado. Ele fechou os olhos e contou mentalmente até dez. – Mas sim você terá que ficar na casa dele na cidade. Fica a alguns metros do palácio...

- Entendo... Não faria sentido a namorada do príncipe Tiger vivendo no palácio leonino sem o namorado. – Sunny pensou alto.

- Ele não vai tocar em você. Done é um desgraçado provocador, mas é um poço de cavalheirismo.

Mas...e se o desejar? ...Não! Preciso pensar em outra coisa. Alart chamou Done e bolaram um plano para manter a farsa por algum tempo.

~o ⭐ o~

Mortais.... Sempre se enrolando em seus próprios sentimentos e ferrando consigo mesmos...

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Capítulo 07

... Foi aqui que meu interesse por essa geração de mortais se intensificou. Ali eu sabia como as coisas terminariam, o destino estava formando seus caminhos claramente para mim... Mais tarde naquela noite...

~o ⭐ o~

- Que história é essa de namorada do príncipe? – Ciara falou muito baixo, apertando o braço de Sunny, os olhos deixando bem claro a fúria incontida.

- Eu não sei... Só vim aqui passear um pouco, mas tudo fugiu do controle. – Sunny respondeu com o cenho franzido, estranhando a explosão de Ciara que sempre a tratara com gentileza.

Done que conversava a poucos metros, sutilmente observou a cena e não gostou nada. Com seus passos sempre silenciosos e firmes, chegou do lado de Sunny de repente. -

Amor da minha vida! – Done disse, puxando Sunny pela cintura ao seu lado. – Minha namorada é linda, não é, Lady Ciara?

Ciara colocou o sorriso mais sedutor e atraente no rosto, forçando-se a respirar com calma. – Sim, estava justamente a elogiando por sua beleza.

- É mesmo? Não pareceu de onde eu estava. – Done disse em tom de brincadeira. –

Pareceu quase invejá-la. Mas a senhora sabe como a luminosidade confunde a gente as vezes não é. Afinal, não há motivos para uma leonina tão bela invejar ninguém.

- Claro. – Ciara respondeu docemente, mas fervendo de raiva por dentro.

- Amor, vamos? Está na hora de ir. – Done começou a puxar Sunny para a saída, mas foi barrado pelo Rei leonino.

- Já vão embora, rapaz? – Arman deu um olhar inquisidor para Sunny.

- Sim, majestade. Sabe como é. – Done se aproximou do Rei como se fosse contar um segredo, com um sorriso enorme no rosto. – Estou louco para ficar sozinho com minha linda namorada. Não vai querer atrapalhar isso, certo?

Sunny olhou para o Arman pedindo balbuciando um “me desculpe” e ele respondeu sorrindo gentilmente. – Claro, claro. Vocês jovens precisam de privacidade. Venha nos visitar em breve, senhorita. É sempre bom ver este palácio repleto de jovens.

- Eu agradeço, majestade. E virei sim, não se preocupe. – Sunny fez uma reverência, aceitou o braço de Done e saiu se pergutando onde diabos estaria Alart.

Eu sei onde ele estava... Surtando nas sombras, vendo de uma varanda Sunny saindo com Done, de braços dados, quebrando a taça de vinho na parede mais distante do quarto.

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- Ouviu algo? – Sunny perguntou ao ouvir um barulho distante estranho, antes de entrar na carruagem.

- Sim. - Done disse sério, logo acrescentando com um sorriso cafajeste no rosto. – É

meu coração descompassado por sua beleza.

Sunny revirou os olhos. – Você é sempre tão...

- Sexy? Maravilhoso? Irresistível?

- Irritante. – Sunny completou e entrou na carruagem.

- HAHAHAHA. – Done entrou depois dela, cada vez mais intrigado e divertido com aquela bela jovem.

~o ⭐ o~

No dia seguinte, logo cedo...

- O reizinho está me irritando. – Téo disse, recostando na árvore.

- É compreensível. Aquela escrava de merda está colocando tudo em risco. – Ciara resmungou. – E pior que a idiota feia nem sabe disso. É burra naturalmente.

- Burra não é. Nem feia. – Teo disse.

- QUE?!

- Você é linda, minha paixão, mas não podemos menosprezar ou fingir que ela não é bonita e inteligente. O que a torna perigosa. Ela pode atrair a atenção do príncipe Tiger e atrapalhar nosso planos.

- Aff. – Ciara estava furiosa, mas Teo tinha razão e ela sabia disso. – Claro, ela é jeitosinha e essa história de namorada falsa pode acabar fazendo o príncipe Tiger se apaixonar realmente por ela. Precisamos de uma desculpa pra tirá-la do lado dele.

- Como? Ele disse publicamente que eles eram namorados. Vai ser esquisito se a namorada do príncipe Tiger for morar no palácio leonino.

- Tem que ter um jeito! Como vou seduzir aquele Tiger idiota se ele já tiver uma namorada e...

- E desde quando isso é empecilho para nós, querida? – Teo sorriu. – Qual o nosso lema, amor?

- O que queremos, nós tomamos.

- Então tome o que nós queremos, amor. Seduza o principezinho e quando ele estiver louco por você, faremos ele matar o Rei Arman, usamos o poder da Sunny a nosso favor.

- Está esquecendo do chatinho do Alart.

- Não esqueci. Ele vai onde a Sunny for, fará o que ela fizer.

- Isso não faz sent... – Ciara se calou e compreendeu imediatamente. – Nãããõ brinca...

Sério?

Teo apenas sorriu.

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- HAHAHAHA! Perfeito!

~o ⭐ o~

- Oi.

- Oi, meu amigo! – Done sorriu abertamente. – O que? Não vai dar um abraço em seu parceiro de escola?

- Onde ela está? – Alart perguntou, sua paciência no limite.

- Você não dormiu nada, acertei? Está com uma cara péssima, amigão.

- Onde. Ela. Está?

- Sabe que minha mãe também dorme pouco? Claro que sabe. Todo mundo sabe. –

Done estava amando ver o impassível Alart fervendo de raiva mal contida.

- Done...

- Eu acho que posso ver com ela uma poçãozinha pra te ajudar...

- Done.

- Se bem que não sei se poção resolveria... Talvez eu possa te apresentar umas garotas legais...

- Done.

- Ou garotos. Se bem que você sempre foi de poucas namoradas, mas nunca meninos.

Mas vai saber ne... Vai que você esteja mudando de gosto ou querendo explorar novas experiências...

- DONE! ONDE PORRA ELA ESTÁ?! – O corpo negro de Alart começou a se dissolver em uma fumaça no mesmo tom negro, sua magia saindo de trevas saindo do controle levemente.

- Uau! – Dessa vez Done realmente estava surpreso. – Seu amorzinho está dormindo. –

Ele podia... Não. Ele DEVIA ter calado a boca aí. Mas a alma zombeteira de Done falava mais alto. – No meu quarto.

- O QUE?! – O corpo de Alart se firmou novamente, dessa vez seus olhos brilhando com uma luz branca quente, sua magia de luz assumindo o controle. Uma onda de luz branca emanou de sua mão indo em direção a Done.

- Sozinha, irmão. – Done foi rápido ao criar um escudo mágico com uma energia laranja, bloqueando o ataque. – Eu dei pra sua namorada o melhor quarto da casa e estou dormindo do outro lado do corredor.

Alart respirou fundo várias vezes, procurando se acalmar. – Ela não é minha namorada. É...uma amiga.

- Sei. E eu sou a encarnação de Kallisti. – Done sinalizou para Alart sentar no sofá e pegou um chá para ele.

- É sério. Somos amigos.

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- Acredito. Mas você a ama. – Done afirmou, não perguntou. – Relaxa, irmão. Ontem eu pensei que ela era só uma namoradinha que você levou para onde não devia e foram descobertos. Mas agora... Você a ama e não tenho a menor dúvida disso.

- Eu não...

- Irmão, pare. Não precisa ser um espião como somos pra perceber isso. Você nunca perdeu o controle de suas emoções, menos ainda de sua magia de luz e sombra. E

oportunidades pra isso nunca faltaram nas missões.

- Foi por isso que você se meteu no problema ontem?

- Claro. – Done sentou no sofá em frente, com o tornozelo direito sobre a perna esquerda. – Ela é linda, mas nunca gostei muito das misteriosas. Prefiro as que falam tudo na cara.

- Esse sorrisinho é novo... – Alart comentou. – Quem é ela?

- Uma encrenqueira birrenta que conheci no caminho para cá. – Done sorriu meio bobo ao lembrar da jovem. – Mas não me deu chances. Na verdade, ela chutou meu joelho quando tentei beijá-la e me chamou de “criatura inefável”.

- AHAHAHAHAHAHA! Criatura inefável?! – Alart quase engasgou com o chá.

- Mas eu vou conquistar aquela belezura e ela vai ser minha princesinha. Você vai ver.

- Boa sorte, criatura inefável.

Done riu e jogou uma almofada no amigo.

- Bom dia. – Sunny disse timidamente da porta.

- Sun... Miranda! – Alart se corrigiu.

- Relaxe, irmão. Vou fingir que não ouvi nada, SunMiranda. – Done sorriu e foi atender seu mordomo. – Bom dia, meu velho. O que foi? – O mordomo sorriu e entregou uma carta, dizendo algo em voz baixa.

- Você está bem? – Alart perguntou.

- Sim. Done me contou que foi seu parceiro na escola de espionagem e algumas travessuras de vocês.

- Em minha defesa, o Done é que sempre me arrastou para as confusões dele. – Alart sorriu.

- Preciso falar com seu pai e Ciara. Explicar tudo...

- Eu já falei com meu pai. Ele ficou irritado com sua aparição antes das ordens dele, mas entendeu que foi um acidente.

- Gosto muito do seu pai. Anos entrando nos sonhos dele criou uma relação de proximidade entre nós que eu gostaria de ter tido com... Não importa.

- Não se preocupe, Sunny. Está tudo bem. Meu pai é rígido, mas também gosta muito de você. – Alart acariciou o rosto dela quase hipnotizado. – Algum problema, Done?

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Done voltou com seu sorriso cafajeste habitual, mas os dois se conheciam bem o suficiente para praticamente sentir o que o outro sentia.

- Não. Só uma visita não tão agradável. Um aliado de minha mãe que vem me entregar algumas alterações em documentos que preciso ver. – Done disse.

- É alguém que você não gosta. – Alart afirmou, levando Sunny para o sofá.

- Não. Não gosto e definitivamente não confio no Ismir. – Done disse pensativo.

Alart congelou e Sunny praticamente caiu sentada no sofá, sentindo um frio na espinha se espalhando pelo corpo todo.

~o ⭐ o~

- Finalmente. – Calíope chamou.

- Majestade, o príncipe Done disse que é apenas uma história para ajudar um amigo. –

Sven ponderou.

- Eu sei, mas quem sabe ele não se encanta de verdade por essa jovem. Já passou da hora do meu filho casar e gerar um neto pra mim. – Calíope disse. – Mas, algo não parece certo. Quem é essa Tiger?

- Ele disse apenas que se chama Miranda, senhora. – Sven respondeu.

- Hmmm. Procure nos registros dos Tiger com licença para viver em Jubay. Quero saber quem ela é, quem são seus pais, de onde vem... Se ela for uma jovem humilde precisaremos enviar tutores de etiqueta, história da Coroa, práticas religiosas... Tudo para que ela se torne uma princesa com todo o conhecimento necessário. Também preciso começar a pensar em um título de nobreza para ela, assim ela se tornará elegível para ser a esposa do meu filho. – Calíope andava agitada de um lado para outro. – Mas, principalmente, precisamos saber se ela possui magia e de tipo.

- Acha que ela pode ser a assassina daquela menina leonina? – Sven perguntou.

- A possibilidade existe. Não posso ignorar. Mas confio na inteligência do meu filho. Ele não escolheria uma jovem como namorada, mesmo que uma falsa, se desconfiasse que ela era mau caráter.

- Irei investigar. Algo mais, senhora?

- Não. Pode ir, Sven.

- Majestade. – Ismir se curvou na porta, pedindo para entrar.

- Ismir, meu amigo. Entre. – Calíope dispensou Sven e sinalizou para Ismir se sentar. –

Já está indo?

- Sim, majestade. Saio em alguns minutos.

- Ótimo. Não demore. Quero você aqui para a reunião com aqueles abutres. Observe bem a namorada do meu filho e me diga o que achou dela. Sei que o tempo é curto, mas você é perspicaz. – Calíope disse.

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- Farei o melhor que puder, majestade.

- Mais uma coisa. – Calíope disse. – Vê aquele pequeno baú? Preciso que leve-o para Lhágua.

- As medalhas de honra? – Ismir perguntou.

- Sim. Observe também se há algum jovem estudioso promissor. Bem, o de sempre.

Você sabe como encontrar essas mentes prodigiosas para trabalhar aqui futuramente.

- Soube de uma leonina que está chamando atenção na Universidade de Lhágua. Vou procurar mais informações sobre ela. – Ismir disse e se despediu da Rainha.

Seria ótimo se essa jovem leonina atraísse Ismir e ele decidisse se casar de novo. Pobre felino solitário. Calíope pensou.

~o ⭐ o~

A sábia gentil e solitária. Era assim que Ane era conhecida na Universidade Lhágua. Em pouco tempo ela se tornou assistente do principal Mestre da Universidade por sua inteligência, perspicácia e talento nato para a pesquisa acadêmica. Sempre disposta a tirar dúvidas de seus colegas e ajuda-los, mas sempre distante, nunca aceitando a amizade de ninguém. Apesar de não ter mais pesadelos, dormir era algo cada vez mais difícil, como se sua mente estivesse sempre trabalhando, se recusando a descansar. Seu pai mandava mensagens praticamente todos os dias no horário em que ele geralmente estava indo para casa. Sua mãe, todo final de semana, falando de uma jovem Tiger perigosa que havia aparecido recentemente. Ane não conhecia a jovem ainda, mas ela fazia sua mãe chorar e isso já despertava sua antipatia pela Tiger.

Os Tiger podiam ser muito irritantes e ela sabia bem disso. Irritantes e insistentes.

Todos os dias, sem sua permissão, ela lembrava de um Tiger nobre idiota que a irritara alguns dias quando ele estava de passagem e tentara fazer com que ela fosse sua nova conquista. Sempre que lembrava disso ela ficava irritada de novo, mas não podia evitar. Era como um hábito ruim difícil de perder.

Algum tempo depois, surgiu um outro Tiger nobre na Universidade, também de passagem, que fizera muitas perguntas sobre ela. O Mestre lhe dissera que isso era bom, que ele era uma espécie de olheiro da Rainha Tiger. Como se eu tivesse qualquer interesse na nobreza de qualquer um dos dois reinos, ela pensou. Mas algo naquele Tiger-olheiro a incomodava. Como olhar para um crocodilo-das-árvores prestes a atacar. Perigoso, cruel, falsamente calmo. Ela queria ter um amigo para conversar agora, mas o medo da perda ainda a afetava mais do que ela gostava de admitir.

- Jovem Ane. – O Mestre de Ane era um velho da época do reinado do avô de Alart. Ás vezes Ane achava que ele era tão velho que ia cair morto e virar poeira na frente dela a qualquer segundo. – Sente-se, mocinha.

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Ane sentou na cadeira na frente da mesa, com as mãos sobre o colo.

- Você se destacou muito em pouquíssimo tempo, menina. Já se tornou a recordista de medalhas de honra Tiger na nossa Universidade, fez incríveis estudos sobre as Duas Coroas Likastianas e criou a teoria mais interessante sobre a evolução da sociedade Tiger e a magia onírica que já vi. E, acredite, menina, eu já vi muita coisa nessa vida.

- Só fiz o que qualquer um teria feito...

- Não seja modesta, minha jovem. O que você fez é fantástico.

- Nem tanto... Eu não descobri o elo que faltava na genealogia daquele pobre mago onírico enlouquecido dos Tiger...

- Enfim. – O Mestre a cortou, cansado daquela conversa que se repetia sempre que eles tocavam no assunto. Ele amava Ane como uma filha, admirava a menina, mas quando ela começava a pesquisa de algo chegava a ser obsessiva. – Você irá para casa por alguns dias. Ordens da reitoria.

- Mas, porque?

- Porque você precisa descansar e aqui você nunca faz isso, menina! Principalmente agora.

- Como assim?

- Você irá para Tiger. A reitoria selecionou você para um trabalho de campo na capital Tiger.

- Sério? – Ane estava louca para participar dessa pesquisa onde poderia também investigar a genealogia do mago onírico que tanto a intrigava, mas só os mais experientes iriam e ela, apesar de suas conquistas, ainda não alcançara o nível de Tutora.

- Não. – O Mestre sorriu diante da confusão estampada no rosto de Ane. – A própria Rainha Calíope exigiu sua presença na equipe para permitir o acesso aos arquivos antigos.

Ane quase pulou da cadeira.

- Então eu vou pesquisar nos arquivos antigos?! E vou poder acessar todos os arquivos? E...

- Eu acabei de dizer que você foi selecionada pela própria Rainha Tiger e você só pensa nos arquivos? – O Mestre riu. – Menina, você deve ter sido uma biblioteca na outra encarnação. Tem mais uma coisa. Você não vai como parte da equipe.

Ane parou, sentindo a decepção fluir. - Era bom demais pra ser verdade mesmo. O que serei? Aprendiz de algum Sub-Tutor? Mas vou poder ver os arquivos?

- Claro que vai poder. Você será a líder da pesquisa. – O Mestre disse, rindo por dentro.

- O que? Mas... Só um Tutor pode ser líder de pesquisa. – Ane sabia o que significava, mas estava com medo de ser apenas uma confusão.

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- Que bom que você tem este anel de Tutoria, não é mesmo? – O velho sorriu mostrando um anel com uma pedra vermelha enorme, com o nome de Ane gravado no interior da joia, o símbolo mundial de um estudioso em nível tão alto que só perdia para os Mestres.

Ane deu pulinhos de alegria, incapaz de manter a postura e aquecendo o coração do velho Mestre.

~o ⭐ o~

O destino é um caminho de escolhas e consequências, um caminho caprichoso que não aceita desculpas e ignorância. Vê? Não é culpa minha se os mortais escolhem bem ou mal os caminhos de suas vidas. Escolha e assuma as consequências da sua.

L i k a s t í a 0 3 | 41

Capítulo 08

Você sabe porque sempre ensino que você não deve firmar sua vida em mentiras? Não falo de mentiras do tipo “essa roupa está bonita em você” quando ela está horrível. Falo de mentiras gigantes, que mostram você para o mundo de um jeito que você não é, que se tornam a base da sua aparência para os outros. Sabe o porque? Não? Deixa eu te contar uma coisa que aconteceu com os meus felinos meigos então...

~o ⭐ o~

- Quando sua filha chega? – Téo perguntou, observando tranquilo na cama enquanto Ciara se vestia.

- Em algumas horas.

- E o progresso com o principezinho?

- Aff! Não mencione aquela coisa. O Tiger idiota não deve gostar de felinas ou já se apaixonou pela tonta da Sunny.

- Ele ainda está resistindo?

- Não, amor. Ele está mais pra indiferente mesmo. Nada que eu tento parece surtir efeito. – Ciara respondeu de mau humor.

- Então vamos pensar... Ou ele não se atraiu por você porque não te acha desejável, o que duvido porque você sabe bem seduzir qualquer um. Ou ele realmente não gosta de felinas. Ou ele já está apaixonado pela maga onírica chatinha. – Téo ponderou, seu cérebro já avaliando as possibilidades. – Para nós o ideal seria a última opção.

- Sim. Também já pensei nisso. – Ciara disse. – Poderíamos jogar os príncipes espiões um contra o outro. Alart parece bastante possessivo com a Sunny e com certeza isso nos seria útil. Embora seja difícil abrir mão do nosso plano. Eu adoraria ser a nova Rainha Tiger.

Mas me contento em destruir aqueles dois e seguir nosso plano original.

- Vou investigar isso, mas mantenha a sedução. Infelizmente, usar magia para isso seria arriscado demais e é melhor evitar.

- Sim. Achei que precisaríamos de magia pra evitar aquela catástrofe com o Ismir, mas felizmente o babaca não desconfiou de nada. Pelo menos pra isso os principezinhos serviram. – Ciara comentou e beijou Téo em uma despedida rápida.

- Cuidado, querida. Ismir é um idiota, mas não é burro. O melhor é que ele fique longe e, por sorte, a garota não é conhecida pelo seu nome aqui. Do contrário, sua filhinha poderia falar demais sem querer quando estiver na Corte Tiger.

- Não se preocupe. Estou mantendo Ane sob controle. Garanto que ela não vai querer nem trocar duas palavras com a Sunny, muito menos o suficiente para ela entender a genealogia que tanto procura.

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~o ⭐ o~

- Eu não entendo, papai. – Ane disse.

- Nem eu. Mas também só vi a jovem Tiger duas vezes. Me pareceu uma mocinha gentil e educada, um tanto desconfiada do mundo, mas apenas isso. – Hieron respondeu, focado em mexer o conteúdo da panela.

- Então deve ser só porque ela se sente melhor do que os outros. – Ane entregou as folhas cortadas para o pai colocar na comida. – Tem nobres que são uns imbecis assim mesmo.

- O príncipe Alart não é. Nem o príncipe Tiger, pelo que pude perceber. – Hieron se virou para a filha, abandonando sua panela por um momento. – Filha, cuidado. Preconceito justificado, ainda é preconceito. Não é porque você conhece mil nobres imbecis, como você diz, que todos os mil e um vão ser imbecis. Nunca se esqueça que experiências ruins não justificam a injustiça.

- Vou tentar lembrar disso na Corte Tiger. – Ane respondeu. Embora a experiência com o nobre Tiger inefável não fosse necessariamente ruim, sendo mais irritante na verdade, ela tentaria seguir o conselho difícil de seu pai, a criatura que ela mais admirava no universo.

Mais tarde, depois de ouvir sua mãe reclamar do quanto Ane precisava de roupas mais sensuais pela milionésima vez, ela decidiu dar um passeio pela cidade, indo para o lado oposto ao da biblioteca onde sua amiga morrera. Os anéis do planeta formavam um arco lindo, brilhando mais forte pela luz do sol naquela época do ano, atraindo o olhar da moça para cima, andando distraidamente.

BAM!

Ane trombou em algo enorme e sólido, porém um tanto macio e só não caiu de bunda no chão porque mãos firmes com garras retraídas a seguraram pelos ombros.

- Obrig... – Ela começou, mas calou a boca ao reconhecer a voz que falava junto com ela.

- Ora, ora. – Done pensou que seu peito ia explodir, seu habitual sorriso cafajeste tomando conta de seu rosto sem que ele pudesse controlar. – Se não é a mais bela e sincera felina deste planeta.

- Era só o que me faltava. – Ane suspirou e se afastou. – Oi, obrigada e tchau.

- Mas o que é isso? – Done entrou no “modo Done Debochado”. – Só “oi, obrigada e tchau”? Nada de “criatura inefável”? – Ele colocou uma mão dramaticamente sobre o peito. - Fiquei magoadinho. Mas se me der um beijo, passa.

- Você é irritante o tempo todo ou isso é só enquanto seus olhos fazem fotossíntese?

- Adoro falar com você, milady. Aprendo muito. Aprendi o que é “inefável” e agora aprendi que olhos fazem fotossíntese. – Done tentou ficar sério, o que era uma tarefa

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quase impossível para ele. – Já que a senhorita parece atraída e até trombou em mim para chamar a minha atenção, que tal um passeio para nos conhecermos melhor?

- Olha eu sei que você é bonito e deve ter milhares de jovens caindo aos seus pés o tempo todo, mas não estou interessada.

- Ganhei meu dia. A bela sincera que não sai dos meus pensamentos me acha bonito. –

Done brincou, mas era a mais pura verdade.

Ane quase deu um gritinho feliz e involuntário e ficou surpresa e irritada em como saber que ele não parava de pensar nela a afetava. – Eu tenho que ir. – Dizendo isso, Ane virou as costas e saiu quase correndo de volta para casa.

Done, como o espião persistente que era, seguiu a moça e descobriu onde ela morava.

Ele percebeu que o modo agressivo da moça se devia mais a sua timidez do que ao fato dela não desejar ele. Done não era burro ou inexperiente e viu nos olhos confusos dela algo que talvez a própria moça não tinha notado ainda. Ela tinha uma queda por ele. Daquele dia em diante, Done passou a enviar cartas para a moça que nem mesmo lhe dissera seu nome. Quando ele perguntou na primeira mensagem, acreditando que ela nem responderia, ela mandou o mensageiro de volta e respondeu a sua pergunta com um “não vou dizer meu nome para um estranho metido a garanhão”. Aquilo fez Done rir. Na mensagem seguinte ele disse que, quando eles não fossem mais estranhos um ao outro, ambos diriam seus nomes naturalmente. Assim, ele passou a assinar como “Garanhão Inefável” e ela como “Sábia Sincera”.

~o ⭐ o~

- Vocês vão me contar ou eu vou ter que descobrir sozinho? – Done estava tentando respeitar a privacidade do amigo e da jovem que ele aprendeu a amar como amiga em pouco tempo, mas estava difícil. Especialmente depois de suas pequenas investigações.

A bela Miranda parecia ter vindo do nada depois de um ano em que Alart estava estudando algo que ninguém sabia o que era e nem onde. Estava na cara que aquilo tudo era uma armação e que Miranda estava envolvida nisso. Devido aos documentos verdadeiros sobre o tal estudo que Done encontrou, como cartas e permissões oficiais, ele tinha certeza que o Rei Arman também estava envolvido. Mas o que mais o intrigava nisso tudo era o pânico nos olhos de Miranda ao ouvir o nome de Ismir quando foi anunciado que ele chegaria em pouco menos de uma hora e o olhar preocupado de Alart. Algo não estava certo. Com aquela compreensão quase telepática entre os príncipes, Done pediu para que Alart levasse sua “namorada” para um banquete na residência de uma nobre leonina, a dias de distância da capital, dando como desculpa para Ismir que não podia adiar isso e o tal banquete era dado em homenagem ao casal Tiger. Assim, minutos depois, Miranda e Alart partiram para a casa de uma nobre que fora amiga de Marna, mãe de Alart.

L i k a s t í a 0 3 | 44

Os dois tinham retornado a alguns minutos e o príncipe Tiger decidiu colocar as cartas na mesa.

Sunny e Alart tinham conversado muito durante esses dias. Apesar do Rei ser contra qualquer revelação sobre Sunny a outros, eles tinham decidido que era muito perigoso ficar perto de Done sem que ele entendesse o risco que Ismir representava para ela.

- É melhor se sentar. A história é longa. – Alart disse.

- Então me faça um resumo. Cansei de esperar. – Done disse, um pouco irritado porque sua “Sábia Sincera” ainda não tinha mandado a mensagem daquele dia, embora já fosse noite.

- Ismir é meu pai. – Sunny soltou.

- Sunny, querida, o que eu te disse sobre ser mais sutil? – Alart olhou pra ela e Sunny apenas deu de ombros.

Done caiu sentado. – Espera. Ismir tem filha? Mas Bianca não podia ter filhos. Ele teve filhos fora do casamento e não sabe?

- É um pouco pior do que isso. – Alart disse.

- Sunny, heim? – Done olhou para a moça. – Você realmente não tem cara de

“Miranda”. Que tal me contar quem é você, Sunny, e....bem...a história toda?

Sunny sentou no lugar oferecido por Alart que ficou de pé protetoramente em suas costas. – Não fui gerada fora do casamento e Ismir sempre soube que existo. Embora eu preferisse que ele nunca soubesse. Ele só não permitia que minha mãe falasse que eu existia.

- Espera. Então Bianca não era estéril? – Done achou aquilo insano.

- Não. Nem era a pessoa insuportável que todos conheciam. – Sunny mal se lembrava da mãe, apenas da imagem dela rolando escada abaixo. – Ismir era um terror em casa.

Desde que se casou ele obrigava ela a se portar da pior forma nos lugares pra que nunca mais convidassem ela ou não estranhassem quando ele não a levasse. Os servos mais antigos da casa me contaram que ela ficou grávida algumas vezes antes de mim, mas que ele chutava a barriga dela, a deixava com fome e fazia coisas horríveis até ela perder o bebê. Quando minha mãe soube que estava grávida de mim a gestação estava avançada e ela conseguiu esconder por um tempo porque sua mãe, a Rainha, tinha enviado Ismir para uma observação de alunos em um lugar distante que acabou demorando mais devido uma inundação que tornou impossível atravessar as estradas.

- Sim, eu estudei um pouco sobre as tempestades que devastaram algumas regiões a uns 17 anos. – Done lembrou.

- Quando Ismir chegou, eu já tinha nascido. Ele tentou me matar, mas eu já tinha uma magia forte desde bebê e mergulhei no mundo dos sonhos fisicamente. Algo que nunca mais consegui fazer. Eu voltei depois de algumas semanas aparecendo no colo da minha

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mãe. Talvez com medo de que minha magia pudesse ferí-lo naquela idade incontrolável, ele não tentou mais me matar, mas cresci proibida de chama-lo de pai, minha mãe nunca poderia mencionar minha existência e nem os servos podiam me tratar bem ou eram punidos com surras até a morte. Depois de um tempo, quando os mais velhos morreram, ninguém mais sabia que eu era filha dele. Eu era proibida de praticar magia ou mesmo falar sobre isso. Eu era apenas a órfã que ele acolheu e servia na casa como empregada, apenas porque chamar de escrava é crime. Minha mãe foi enlouquecendo aos poucos...ela mal me reconhecia... – Sunny suspirou. – Um dia, em um dos muitos acessos de raiva com algo que ele passou na rua, ele agrediu minha mãe de novo, mas dessa vez a jogou do topo da escada. Eu tinha 8 anos e me escondi como sempre fazia quando ele chegava furioso daquele jeito. Eu estava dentro de um dos móveis da sala abaixo e vi tudo. Ele nunca soube disso. Minha mãe estava viva, mas ele não a socorreu e ela morreu ali mesmo. Tenho certeza que ela me viu dentro do móvel enquanto sangrava até a morte.

- Por Kallisti... – Done estava tão chocado que mal lembrava de respirar.

- O pior veio depois. – Alart mantinha os punhos cerrados, controlando sua constante vontade de sair e quebrar a cara de Ismir.

- Não sei o que minha mãe fazia para impedir que ele fosse pior comigo do que já era.

Mas ela fazia algo. Tenho certeza. Quando ela morreu, as surras e os períodos de fome passaram a ser cada vez maiores. As tarefas mais pesadas. Os servos passaram a ganhar bonificações por cada vez que me agredissem ou tratassem mal. Quando fiquei maior, ele passou a dar bonificações maiores e promover empregados que abusassem de mim. Três nesse tempo todo aceitaram. Um não conseguiu e foi morto. O segundo infelizmente conseguiu. O terceiro... – Sunny olhou sutilmente para Alart, mas Done percebeu e levantou num pulo.

- É melhor você não ser esse terceiro, irmão, ou eu juro que...

- Calma, Done. – Alart disse, envergonhado apesar de tudo. – Não me orgulho do que fiz e daria minha cauda e meus braços se isso apagasse tudo o que a Sunny viveu. Mas tivemos que encenar muita coisa hedionda para fazer Ismir abaixar a guarda por tempo suficiente para eu tirá-la de lá.

Sunny levantou e colocou uma mão no peito de Done para impedí-lo de dar um soco em Alart.

- Ele disse a verdade, Done. Alart se fez passar por um pobre rapaz sem família que sempre tentava me agredir quando eu ia comprar na feira com outros servos, isso fez Ismir se interessar por ele e o contratar como servo prometendo bônus por cada agressão que me deixasse marcada. Alart usou várias poções para fazer tapinhas leves e falsas agressões gerarem marcas terríveis no meu corpo. Mas um dia, não sabemos o motivo, Ismir desconfiou da lealdade de Alart e fez a proposta de lhe dar um bônus alto e uma promoção

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enorme se ele abusasse de mim. Sabíamos que era um teste e pensei que Alart ia abusar mesmo de mim. Não tivemos nem tempo de combinar nada, foi tudo muito rápido. Então ele apenas sussurrou no meu ouvido para relaxar e tentou me acalmar o máximo possível.

- E me sinto o pior ser vivo por causa daquele dia até hoje. – Alart disse, a antiga culpa corroendo.

- E eu já disse que aquela foi a primeira e única vez que me senti bem, ótima na verdade, nessas relações. Pare de se culpar pelo que não tivemos escolha. Se você não tivesse aceitado, teria sido morto ou teriam descoberto quem você era e teria gerado uma guerra por um leonino agindo no reino Tiger, e eu estaria morta a essa hora com certeza. –

Sunny disse pela milionésima vez. – O fato, Done, é que se não fosse pelo Alart eu provavelmente nunca teria saído de lá porque eu vivi tanto naquele ambiente que passei a acreditar que aquilo era normal.

- E como Alart chegou lá?

- Rei Arman. – Sunny respondeu. – Lembra que eu disse que fui para outro lugar durante o sono quando nasci? Pois fui parar justamente com o Rei Arman. Ele e a Rainha Marna cuidaram de mim em segredo por um tempo. Depois da morte da minha mãe, minha magia adormecida pela falta de prática despertou, talvez pelo trauma. Daí em diante passei a invadir todos os sonhos do Rei sem conseguir me controlar. Mas o Rei é descendente do Rei Dreyfus e sabe o potencial da magia onírica, então ele começou a ler tudo que podia sobre o assunto e me passava todo o conhecimento teórico em sonho. Não era muito porque magia sem prática não desenvolve tanto, mas ajudou a ter alguma base.

Então ele planejou meu resgate e enviou Alart, seu melhor espião e homem de confiança, –

Sunny disse dando uma olhada significativa para Alart que sempre duvidava da confiança de seu pai nele mesmo – para se infiltrar no palácio de Ismir e me resgatar.

- A uns três anos Sven comentou algo sobre Téo fazendo perguntas aparentemente inocentes sobre Ismir. – Done lembrou.

- Sim. Meu pai queria ter certeza sobre a relação de Ismir e da Rainha Calíope. – Alart confirmou. – Sem provas e com ela sendo tão amiga dele, temíamos que ela sem querer o alertasse sobre Sunny e meu pai, e Ismir acabasse matando e sumindo com seu corpo.

- Porque você não foi até minha mãe depois que fugiu desse verme?

- Porque eu só quero praticar e aperfeiçoar minha magia. Além do mais, Ismir pode muito bem inventar qualquer história para a Rainha, forjar testemunhas por medo ou comprando-as e me fazendo passar por mentirosa. Além do mais, não quero causar nenhum problema entre os reinos por causa da atuação de um reino no território de outro, contra um nobre desse segundo reino, ainda por cima sendo amigo da Rainha. Eu só quero viver em paz, Done. Se ele ficar longe de mim, eu não tenho nenhum interesse nele.

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- Eu preferia que ela ficasse mais forte em sua magia e depois sim fôssemos atrás da Rainha para expor aquele crápula, mas respeito a decisão dela. – Alart disse. – Você pode não acreditar, mas...

- Eu acredito. – Done interrompeu. – Nunca confiei no Ismir, mas daí a cometer tanta atrocidade contra sua esposa e sua única filha... Eu jamais teria desconfiado... Mas não posso dizer que duvido disso. A algum tempo ele parecia bastante irritado ao voltar para casa, colocando seus servos para fazer buscas pela cidade durante a noite, silenciosa e implacavelmente.

- Como sabe disso? – Alart perguntou, já que Ismir fez isso secretamente por meses.

- Eu estava na cidade investigando outra coisa e quase fui descoberto uma vez pelos servos de Ismir. Tive que matar dois deles. – Done respondeu. – Pela época, agora sei o que, ou melhor, quem ele estava procurando.

- Cedo ou tarde ele vai descobrir que eu era o servo, mas meu pai disse que tem um plano sobre isso. – Alart disse.

- Provavelmente algo para manter a boca de Ismir fechada e uma história qualquer explicando que Sunny morreu. – Done ponderou.

- É minha aposta também, mas ele não me diz nada sobre isso.

- Eu preciso pensar nisso com calma. Não posso deixar uma víbora como Ismir tão próximo da minha mãe. Dentre outras coisas. – Done disse, sentindo uma dor de cabeça irritante depois de ouvir o que um pai era capaz de fazer com uma filha. – Vamos precisar ter mais cuidado com essa história de namorada, de preferência que não dure muito porque não quero ter problemas com o sonho da minha vida que está na cidade.

- Sua garota está aqui? – Alart perguntou.

- Sim. Encontrei pouco depois que vocês foram viajar. – Done não conseguiu evitar o sorriso. – Ismir sondou muito sobre minha “namorada”, provavelmente a pedido da minha mãe ansiosa por um neto. Consegui desconversar e dar as definições mais aleatórias possíveis. O fato de nunca termos nos dado bem ajudou bastante. Mas não acho que ele vá deixar isso de lado, até porque a Rainha não vai permitir.

- E você quer apresentar sua amada misteriosa como sua namorada quando a hora chegar. – Sunny sorriu.

- Exatamente. – Done tentou sorrir, mas ao olhar para a mais nova amiga ele sentiu uma louca vontade de abraça-la e tentar consolar Sunny.

- Pare. – Sunny disse.

- Parar o que? – Done perguntou.

- Esse olhar de pena. – Sunny respondeu.

- Desculpe, eu não quis....

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- Done, eu sei que você é uma pessoa boa, de caráter louvável, ou Alart não seria seu amigo. Mas não precisa sentir pena de mim. Não me trate como vítima. Eu sou a mesma Tiger que você conheceu durante esse tempo, a mesma que respondeu suas cartas com aquelas piadas horrorosas que só nós dois achamos graça, a mesma que disse que ia te dar um soco se você tentasse entrar no SEU quarto que você cedeu para mim. Me olhe como uma pobre vítima de novo e vou colocar ácido na sua loção de limpeza para os pelos. –

Sunny deixou claro.

- Senti falta dessa moça meiga-violenta. – Done riu.

~o ⭐ o~

Você pode mentir. Mas a mentira quando não descoberta, fede e seu fedor não passa despercebido. Sempre vai cheirar como mentira, sempre vai parecer que algo está errado.

Ficou claro agora ou vou precisar desenhar?

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Capítulo 09

Uma vez um mortal qualquer em algum lugar de qualquer universo disse que “toda história tem uma moral, um ensinamento”. Não sei se tem, mas deixa eu te contar o que aconteceu em um único dia e veremos que moral isso nos traz. Senta aí com sua bebida preferida e escute com os olhos....

~o ⭐ o~

- Então você poderia ir comigo ver a cachoeira. Só nós dois... – Ciara disse com um sorriso adorável.

Done estava de saco cheio das constantes investidar da leonina que estavam beirando o ridículo. – Acho melhor n...

- Não precisa se preocupar. – Ciara acariciou o braço de Done e se aproximou deixando seus seios roçarem nele. – Seremos discretos.

- Chega. – Done disse em um tom autoritário e afastou Ciara com firmeza. – Pare de insistir. Eu não tenho nenhum interesse em você. Está perdendo seu tempo.

- Oh. Entendo. – Ciara disse com seu orgulho ferido. – Você prefere rapazes.

- Não. Só não quero você. Espero estar sendo suficientemente claro desta vez. – Done saiu se sentindo um pouco culpado por ser tão grosso com uma dama, mas Ciara realmente parecia não ter limites e isso já estava incômodo demais. Algumas pessoas só entendem quando somos grossos.

- Algum problema? – Sunny perguntou quando Done entrou com cara de poucos amigos.

- A mulher que falei continua me incomodando. – Ele disse, sempre evitando citar o nome de Ciara para não manchar a reputação de uma mulher.

- Fale com o marido dela. – Sunny disse.

- E sujar a reputação de uma mulher? Não sou tão canalha. Fui bem claro com ela hoje.

Espero que ela se toque dessa vez. Do contrário, realmente terei que jogar sujo e falar com o marido dela. – Done se sentiu pior só em pensar nessa possibilidade.

- Done, você é um cavalheiro, mas precisa ser sensato também. – Sunny lhe entregou uma taça de vinho e o empurrou sentado no sofá sem muita gentileza. – Mas não seja trouxa. Essa mulher pode acabar falando com o marido dela como se você que a perseguisse.

- Acho que não. Mas tenho como provar que ela é quem me procura. – Done respondeu. – Mas e você e Alart? Quando vão se acertar?

- Não sei do que está falando. Alart é um príncipe, meu amigo e se sente culpado por tudo o que precisou fazer.

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- E é louco por você. Além do mais, isso de ser um príncipe e você uma plebeia não importa. Duvido que o Rei leonino seria contra.

- Esqueceu do Ismir? Se eu fosse esposa do príncipe leonino, cedo ou tarde, aquele monstro me encontraria.

- E você já seria a princesa leonina. Ele não seria burro para atacar a realeza leonina.

Também ele vai cair e não vai demorar. Estou cuidando disso.

- Fico feliz em saber disso. Mas não tenho nada com Alart. Somos apenas amigos. O

que ele sente por mim é só pena e culpa.

- Claro, claro, e eu sou um crocodilo-das-árvores.

Horas mais tarde, Sunny e Done caminhavam lado a lado por uma avenida de lojas quando ele abriu um sorriso enorme olhando para frente. Apesar de ter uma criatura irritante do lado, sua atenção focou apenas na jovem linda em sua simplicidade que sorriu timidamente de volta. Percebendo e incomodada, Ciara apertou o braço de Hieron ao seu lado.

- Alteza. É bom vê-lo. – Ciara disse e percebeu o incomum sorriso no rosto de sua filha.

Notando a expressão de bobo na cara de Done e a descrição que Ane havia dado sobre seu

“garanhão inefável” das cartas ela logo entendeu a relação entre ambos. Com a raiva fervendo em seu interior perante a possibilidade de sua filha insossa ter conquistado um príncipe que devia ser dela, ela pensou rapidamente em uma forma de comprovar sua teoria e se vingar da rejeição dele.

- Lady. – Done respondeu sem nem dar uma olhada nela. Um erro, porque, se ele tivesse olhado teria percebido a raiva que Sunny percebeu no rosto da outra mulher.

- Lembra-se de meu marido? – Ciara falou.

- Sim, claro. – Done desviou a atenção do rosto de Ane para o leonino mais velho. –

Senhor Hieron. É bom revê-lo.

Ane estava tão encantada em rever Done que nem ouvia ninguém ao redor. Apesar de estranhar a presença de outra jovem com o misterioso Tiger, eles não estavam de braços dados e ela preferia sempre não pensar o pior de todos. Na verdade, ela nem parecia interessada nele.

- Esta é minha filha, Ane. – Ciara disse e Done abriu um sorriso maior ainda por finalmente saber o nome da jovem. Ane por sua vez abaixou a cabeça pra esconder o sorriso tímido.

- Senhorita Ane... – Done disse o nome quase como uma oração.

Mas Ciara estava pronta para estragar o momento com uma boa dose de seu veneno. -

Ah, filha. Esta é a lady Miranda. Namorada do príncipe Done. – Ela completou com um sorriso tão venenoso quanto o olhar que direcionou ao príncipe.

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Namorada? Príncipe? O coração de Ane pareceu se quebrar, o ar faltou em seus pulmões. Não só ele era um príncipe como também tinha namorada esse tempo todo e ainda por cima era a garota insuportável que infernizava a vida de sua mãe.

O olhar de Ciara não passou despercebido por Done que, naquele momento, apesar de toda a educação que sua mãe lhe dera, queria encher Ciara de porrada. Sunny tentou amenizar as coisas, mas a antipatia de Ane por ela já tinha sido bem cimentada e Sunny nem sabia disso.

- É um prazer conhece-la, Ane. Soube que você é fantástica na pesquisa acadêmica. –

Sunny cumprimentou gentilmente, apesar do olhar assassino de Ane. Sutilmente, Sunny aproveitou o encontro para sentir se a magia do amuleto que dera a Ane estava funcionando bem.

- Pois é. Algumas pessoas aproveitam bem o cérebro que tem ao invés de depender de status e relacionamentos. – Ane respondeu.

- Ane! – Hieron olhou para a filha. – Desculpe-me, senhorita. Minha filha está cansada de tanto andar.

- Não se preocupe, senhor. Eu entendo. – Sunny respondeu e uma ideia passou por sua cabeça pela milésima vez. Odiando dúvidas, ela decidiu que era hora de testar. – Seria interessante conhecer outra moça da minha idade com ideias firmes e conhecimentos bem fundamentados. Estou treinando algumas culinárias novas e ficaria muito feliz se você viesse provar em uma tarde, Ane.

- Não tenho vontade de... – O tom enojado de Ane era claro.

- Ela irá. – Hieron cortou com um olhar irritado para a filha. – Basta dizer quando.

Ciara não gostou nada da ideia, mas não conseguiu evitar o compromisso.

Done tentou dar algum sinal para Ane, mas a jovem não olhou para ele em nenhum minuto. Então ele decidiu que seria melhor encontra-la depois com calma e tentar explicar.

Mas de uma coisa ele tinha certeza. Era melhor sair dali para não matar Ciara na frente de todo mundo.

~o ⭐ o~

Alart pagou seu informante e saiu ainda mais preocupado. A velha nobre amiga de sua mãe deixara claro que não confiava em Ciara e Téo e que suspeitava da morte de sua mãe, lhe entregando uma prova irrefutável de que Téo estava construindo algo para canalizar a magia como algum tipo de arma. O que não fazia sentido porque Téo não tinha uma gota de magia. Mas duas possibilidades terríveis poderiam existir aqui. Ou Téo tinha magia e conseguira esconder durante todos esses anos, o que além de ser muito difícil também levantava a hipótese dele ser o mago envolvido na morte de Jana; ou a canalização poderia ser feita para a magia de Sunny que, sem dúvida, não concordaria com isso. Agora as coisas

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só pioravam com a informação recebida que confirmava a criação dessa arma. Porém, não era para canalizar magia apenas... Era pra prender um mago dentro dela como fonte de energia para a arma. Isso só fizera Alart desconfiar ainda mais que a arma era feita para prender Sunny como fonte. Alart decidiu que precisava de ajuda, mas não sabia se devia falar com seu pai que, apesar de ser seu rei, ele não confiava no velho leonino.

- Eu vou matar aquela cobra! – Alart ouviu Done no jardim claramente furioso.

- Done, se você não se acalmar vai ter um infarto. – Sunny disse.

- Acalme-se mesmo porque precisamos conversar. – Alart entrou se sentando, cansado e preocupado.

- Eu não... – Done parou ao ver a expressão tenta no rosto do amigo. – O que aconteceu?

- Téo. Estou investigando ele a algum tempo. – Alart aceitou um copo oferecido pelo amigo. – Desconfio que ele seja um...

- ...mago secreto. – Done completou atraindo os olhares dos dois amigos.

- Você sabia? – Sunny perguntou.

- Desconfiava antes de vir pra cá. Também estou investigando ele a algum tempo. –

Done sentou de frente para Sunny e Alart. – Irmão, eu lamento dizer isso porque sei que Téo praticamente ajudou a criar você, mas desconfio que ele teve um papel fundamental na morte daquela jovem na biblioteca.

- Por Kallisti. – Sunny colocou uma mão na boca.

- Você tem provas? Se tiver, vamos agora falar com meu pai. Eles podem ser amigos, mas ele não poderá ignorar...

- Não. – Done cortou. – E mesmo se tivesse, não entregaria ao seu pai.

- Porque não? – Alart questionou.

- Primeiro porque minha mãe está de olho no Téo a algum tempo. Foi ela que desconfiou da morte da menina, Jana que agora sei era amiga da minha lindinha, e me enviou para procurar provas. Só encontrei resquícios de magia ilusória, nada concreto o suficiente. Depois, er... Eu não sei como dizer isso...

- Pode falar, Done. – Alart segurou a mão de Sunny instintivamente.

Done abaixou e pegou uma pequena pedra azul escondida em um bolso interno na bainha da calça e o entrou para Alart. – Não tem um jeito gentil de dizer isso, então.... Seu pai e Téo são amantes desde antes dele ser rei.

Alart olhou para ele como se o amigo tivesse enlouquecido. Mas a centelha de dúvida começou a brilhar em sua mente.

- Use o código que usávamos na escola para ativar as imagens no cristal. – Done orientou.

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Sunny apertou a mão de Alart em um apoio silencioso. Alart sussurrou o código para a pedra e a imagem começou a se formar em seu interior. Téo e seu pai juntos em vários momentos, alguns Alart reconheceu pelas roupas e locais, conversas entre eles eram bastante obscenas algumas vezes, em outras haviam citações de locais e épocas em que eles tinham ficado juntos, mas uma frase fez o cenho de Alart franzir:

- Quando Ciara descobrir que ela não será minha rainha nunca e que é você que realmente conhece meus planos, terá coragem de matar sua cunhada? – Arman perguntou com Téo sentado em seu colo.

- E ainda duvida? Eu não suporto aquela mulher. Apesar de ser graças a ela que não preciso dividir você com Marna. – Téo respondeu.

- Ela pelo menos foi útil para me livrar daquele casamento ridículo. – Arman riu.

- A velha Leonora tinha razão. – Alart murmurou, ficando de pé.

- Como assim? – Done perguntou.

- Ela disse pra gente que desconfiava da morte da mãe do Alart. – Sunny disse depois que Alart olhou para ela em um pedido silencioso de ajuda. – Parecia surreal demais...

- Meu pai ter um caso não me incomoda. Mas ele ter feito isso enquanto ainda era casado com a minha mãe e ter orquestrado a morte dela... Não duvido que ele também esteja por trás da arma que vai usar... – Alart se calou e olhou para Sunny.

- O que? – Sunny perguntou.

- Eu queria aquele pingente emprestado. Aquele que você usa para controlar seu sono.

– Alart disse.

- Ah sei. E você acha que vou acreditar nessa desculpa esfarrapada por qual motivo mesmo? – Sunny cruzou os braços.

- Irmão, se vai mentir pra sua linda amiga, sugiro que capriche um pouco mais. A listradinha aqui é tão esperta quanto linda. – Done piscou.

- Eu não quero te assustar. – Alart suspirou.

- Lala, você acha mesmo que vou me assustar com palavras depois de tudo que passei?

– Sunny ergueu uma sobrancelha.

- Lala... Pfft.... – Done engasgou para controlar o riso com o olhar fulminante do amigo.

- Certo... – Alart sentou de novo, virando a cadeira de frente para Sunny e segurando suas mãos. – Téo está liderando a criação de uma versão deturpada do cristal de suspensão. Ele é...

- Eu sei o que é. – Sunny disse. – É usado para manter felinos vivos dentro de um cristal quando estão perto da morte ou quando não se sabe como trata-los e precisamos de tempo para encontrar uma cura. Uma ancestral sua passou por isso a décadas.

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- Sim. Mas a versão que está sendo criada é usada para focalizar e direcionar o poder de um mago dentro dele como uma arma. – Alart suspirou. – E sou capaz de apostar como você seria o mago usado nessa arma.

- Merda! – Done deixou escapar.

- Isso é terrível... – Sunny murmurou.

- Sim, amo..amiga. – Alart concordou. – O alcance da arma é enorme pelo que consegui apurar e desconfio que foi criada sob ordens do meu pai. Saber que ele pode ter planejado seu resgate, tudo para prender você e te usar como arma é terrível.

- Sim. Isso também, mas não é disso que estou falando. – Sunny disse. – Você não vê, Alart? A simples criação de algo nessa escala só pode significar uma coisa: guerra. Se Téo fez isso por conta própria ele deve planejar tomar o trono de seu pai em uma guerra. Se ele fez sob ordens de seu pai, o Rei Arman está se preparando para uma guerra. E só existe um alvo plausível para ele planejar atacar.

- Meu reino. – Done completou.

- Por Kallisti... Outra guerra entre as Duas Coroas... – Alart sentiu o chão sumir sob seus pés.

- Precisamos confirmar isso. – Sunny disse.

- Sim. – Done completou. – Desculpe, irmão, mas você sabe que preciso defender meu povo e minha rainha.

- Não se desculpe, Done. – Alart disse. – Eu também preciso defender meu povo. Uma guerra agora que nos recuperamos e estamos crescendo... Não posso permitir. Precisamos confirmar isso e a autoria. Se meu pai estiver por trás disso...que Kallisti me ajude...mas não vou hesitar em tirar meu pai do trono.

- Espero que não chegue a isso, mas se chegar, temo que você assumir o trono seja a única opção para evitar um ataque Tiger. Meu povo tem muitas qualidade, Alart, mas ignorar uma chance de guerrear não é uma delas. Preciso alertar a Rainha Calíope sobre isso. – Done disse.

- Done. – Sunny chamou. – Eu sei que você precisa fazer isso, mas nos dê um tempo.

Pelo menos até a gente confirmar quem realmente está no comando dessa coisa.

Done olhou para Alart.

- Não vou pedir isso, amigo. Sei a posição delicada em que você se encontra. Se me der esse tempo, agradeço de coração. Mas se não puder, peço apenas que me consiga uma chance de negociar com a Rainha antes que ela tome qualquer decisão ou procure meu pai.

– Alart disse.

- Vou pensar, mas garanto que quando eu relatar, seja isso quando for, você será o primeiro que irá conversar com ela. Minha mãe sempre respeitou muito sua diplomacia e inteligência. Tenho certeza que ela vai preferir falar com você antes. – Done confirmou.

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- É melhor começar a investigar logo. – Sunny disse.

- Não está esquecendo de nada? – Done perguntou.

- Pelos anéis! A reunião com sua amada! – Sunny disse e a ficha caiu na mente de Alart.

- Espera. Você disse que ela era amiga de Jana. Quem é? – Pelo olhar que Sunny lhe direcionou ele entendeu. – Não brinca.... Ane?

- Ane.... Lindo não é? – Done sorriu bobo. Mas logo ficou sério e narrou o bizarro encontro na rua.

~o ⭐ o~

E a moral é: cuidado com os espiões de Likastía... Não, acho que não é bem isso... Que tal essa? Um movimento de rotação do planeta pode trazer mais revelações do que um de translação. Sim, acho que esta vai servir.

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Capítulo 10

Beba água, senta ai e concerta essa coluna! Pronto. Agora sim, deixa eu continuar contando isso antes que você comece a me perguntar coisas aleatórias. Onde eu parei mesmo?....

~o ⭐ o~

- Sim, você vai. – Hieron disse baixo, mas firme.

- Se ela não quer ir, não deve ir mesmo. – Ciara disse.

- Ciara!

- O que? Ela não é obrigada a aturar esse Tiger metido...

- Filha, - Hieron ignorou a esposa e se virou para a filha – eu não te criei assim.

- Mas, pai... – Ane cruzou os braços.

Hieron ergueu uma mão sinalizando para ela se calar. – Me escute, filha. Você sempre foi inteligente e sábia. Sempre te ensinei a ser justa. Não se pode ser justo sem ouvir ambas as partes, sem dar uma chance para alguém se explicar. Eu entendo sua mágoa, mas também entendo que vocês nunca conversaram séria e abertamente. Vá, ouça, observe e depois se você quiser quebrar um prato na cabeça dele, quebre.

- Hieron! Quer causar um problema diplomático também? – Ciara reclamou.

- Não me importo de lutar com minha faca de cozinha contra ele e até todo reino Tiger pela minha filha ou por você, amor. Mas me importo em saber que criei uma mulher justa de quem me orgulho.

Golpe baixo, pai. Ane pensou.

- Então, querida, vá e seja a mulher que educamos. – Hieron disse, sabendo que Ane iria mesmo fazendo birra. Afinal o maior exemplo que ele sempre se preocupara em dar pra filha era em ser uma pessoa justa, a característica mais notável dele.

- Não acho isso... – Ciara começou a falar, mas foi cortada por Ane.

- Certo. Eu vou.

- O que?! – Ciara quase gritou.

- Muito bem, lindinha do papai. – Hieron disse e a abraçou. – Sabia que minha florzinha ia fazer a coisa certa.

Mais tarde, Ane foi recebida por Sunny na porta da mansão de Done. Ver a gritante diferença de estilos entre elas só fez Ane sentir ainda mais aquela coisa irritante que ela vinha sentindo desde o encontro mais cedo: ciúme. Enquanto Sunny era linda sem esforço, com um quadril largo do tipo que fazia os felinos suspirarem, olhos com delineados negros naturais que pareciam lhe dar uma maquiagem perfeita de nascença, uma voz aveludada, modos de uma perfeita princesa, uma roupa azul clara elegante e sexy; Ane era mais baixa, simples, uma roupa mais larga no busto e com pouco decote quadrado, uma calça de tecido

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simples, ambas as peças pretas com pequenas flores amarelas bordadas aleatoriamente, tinha pelos castanhos quase amarelos, olhos de um azul que ela achava esquisito, magra com seios grandes demais, garras sempre roídas (um hábito que ela não conseguia largar), olheiras fundas e escuras, voz excessivamente doce quase infantil, além de ser meio desastrada.

- Vamos para o jardim. Você vai adorar. É meu lugar preferido aqui. – Sunny disse com um belo sorriso perfeito, guiando Ane para o tal jardim como se recebesse uma irmã na casa.

- Eu não vou demorar...

- Bobagem. Você vai gostar. Tenho certeza. Pedi para prepararem aquele suco que você mais gosta. – Sunny disse de propósito porque estava meio que se divertindo com o óbvio ciúme de Ane.

Aquele....canalha inefável! Ele contou pra ela nossas conversas?! Ane só não se virou e foi embora por lembrar dos sermões do seu pais sobre ouvir os dois lados. Eu vou matar aquele príncipe metido a besta!

- Eu mesma decorei. Você gostou? – Sunny disse, orgulhosa de seu trabalho.

Quando Ane viu aquele mirante com uma mesa bem arrumada, uma decoração com suas cores e flores preferidas, um delicioso cheiro de manjar branco, tudo tão perfeito que parecia ter sido organizado por sua mãe, ela quis gritar. AAAAARH! A Tiger perfeitinha, quase uma princesinha... Além de tudo tinha que ser bonita. Respire, Ane. Respire. Ane pensou, racionalmente pensando que a jovem Tiger queria humilhá-la, afinal ela era uma pessoa terrível e insuportável segundo sua mãe. Mas intuitivamente, talvez pela postura e pelo jeito da outra jovem, Ane começou a duvidar que fosse isso mesmo. Na verdade, a tal mulher parecia mesmo querer ser gentil e fazê-la se sentir em casa.

Assim que as duas se sentaram, Ane abriu a boca para dizer que ia embora, mas nem conseguiu falar nada.

- Eu não sou namorada do Done. – Sunny soltou de uma vez e notou o olhar confuso e chocado de Ane. – Oh, desculpe. Alart sempre diz que preciso aprender a ser mais sutil. –

Ela deu de ombros. – Mas, enfim. O que importa é que você não precisa se preocupar.

Done está apenas sendo um bom amigo e ele é louco por você. Assim como você obviamente é por ele.

- Eu...Er...Não...Éééé..Bem... O que? Não! Eu não gosto... – Ane sentiu seu rosto esquentar e seus olhos se voltaram para todos os cantos do jardim, mortinha de vergonha.

- Não precisa disfarçar. Dá pra ver até das luas o quanto vocês se gostam. Apesar de que não sei o que você vê naquele felino bobalhão que baba horrores enquanto dorme. Se você visse a marca que tem no braço do sofá de tantas babas ali... Eca. – Sunny disse e Ane riu mesmo sem perceber.

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- Mas vocês dois...Todo mundo acha...

- Que somos um casal? Sim. E peço que, por enquanto, você guarde isso em segredo.

Não posso dizer muito, apenas que Done me ajudou inicialmente por causa do Alart que também é meu amigo. Depois a gente acabou ficando amigos também. Olha, Ane, - Sunny disse olhando nos olhos de Ane e a menina quase podia jurar que a Tiger mergulhava em sua alma naquele momento – eu nunca tive uma família muito, digamos, tradicional.

Também não tenho irmãos. Mas se eu pudesse escolher uma pessoa como meu irmão nesta vida seria o Done. Apesar dele ser metido a galã e isso ser meio irritante, ele é uma cara legal que fala tanto de você com tanto carinho...Sabe... Eu nunca me perdoaria se ele perdesse a chance de estar com a garota que ele ama por minha culpa.

- Ele me ama tanto que nem teve coragem de vir falar comigo. – Ane disse.

- Ah mas ele teve. Só que eu menti pra ele e disse que o nosso encontro seria daqui a uma hora. Queria falar com você antes. Sabe como é... Nós mulheres somos mais práticas e inteligentes pra resolver qualquer coisa. Principalmente assuntos do coração. – Sunny deu uma piscada para Ane. – Agora o “galã” está cuidando da beleza pra te ver. Na verdade ele está nisso a duas horas.

As duas riram.

- Quero que seja honesta comigo. – Ane disse.

- Eu sempre sou honesta. Só não sou boa em revelar segredos. – Sunny disse e Ane guardou aquilo como uma informação útil para o futuro, embora ainda não tivesse ideia do motivo.

- Certo... Porque você não gosta da minha mãe? – Ane perguntou.

- O que? A senhora Ciara é sua mãe, se entendi direito, certo?

- Sim.

- Não sei de onde você tirou esse absurdo. Ciara é uma pessoa que tenho muito carinho, gratidão e respeito. Ela foi muito importante para mim aqui. Saber que a filha dela é o amor de um amigo tão querido foi maravilhoso. – Sunny disse. – Nunca entendi porque ela não nos apresentou...

- Mas... Você é sempre tão má com minha mãe, sempre a humilhando.

- Eu? Mas eu nunca humilhei ninguém. Nem mesmo quem merecia isso de mim. Ane sei que sou uma Tiger e os Tiger são famosos por não rejeitar uma guerra nunca. Mas eu nunca tive motivos para ser má com sua mãe. E posso ter muitos defeitos, mas a injustiça não é e nunca será um deles.

Ane sentiu que era verdade, mas a mãe dela nunca mentiria para ela. Então a jovem Tiger devia ser muito boa mentirosa...

- Ane? – A voz chocada de Done quase fez Ane pular de alegria, mas logo ela lembrou que ainda estava brava com ele. – Mas... O que... Como que... Por que...

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- Done, você vai terminar alguma dessas frases? – Sunny perguntou, mal contendo o riso.

- Você disse que ela só viria...

Atrás de Done, Alart olhou para Sunny e balançou a cabeça sorrindo sutilmente. –

Você podia ter me contado.

- Podia, mas ver a cara de bobo de vocês é impagável demais pra resistir. – Sunny disse. – Done, não fica aí parado feito um bocó! Vem sentar pra conversar com a Ane! Eu contei pra ela que nunca namoraria um mané que nem você.

Sunny se levantou e foi para o lado de Ane e abraçou os ombros dela. – Seja legal um pouco com ele. Ele é meio tapado, mas tem bom coração. – Ela sussurrou no ouvido de Ane e se afastou com Alart para um mesa do outro lado do jardim.

- Eu...sinto muito. – Done colocou a cadeira ao lado da de Ane, virado para ela, e puxou a cadeira da moça para ficar de frente pra ele. – Eu sei que você está chateada, mas juro. Miranda não é minha namorada. Infelizmente não posso contar tudo. Não ainda, pelo menos. Mas ela é uma amiga...

- Eu sei que ela não é sua namorada. – Ane disse. – Ela é bonita demais pra você.

- Ui. – Done colocou a mão sobre o peito fingindo estar magoado, com um sorriso esperançoso no rosto. – Essa doeu no meu ego.

- Que bom. Seu ego precisa diminuir um pouco mesmo. – Ane disse tentando continuar brava com ele. – Além do mais, nem toda felina no mundo te acha irresistível. E

tá na cara que ela prefere os silenciosos e misteriosos. – Eles olharam disfarçadamente pro outro casal mais distante que, embora não estivessem fazendo nada demais, tinham pequenos gestos e a simples forma de olhar bem claros de que se gostavam e talvez nem soubessem disso.

- Eu tento unir esses dois faz tempo. Dois lerdos e teimosos. – Done riu. – Ane... É o nome mais lindo que já ouvi.

- Done é um nome... Legal. – Ane se chutou mentalmente. Ela nunca conseguiria ser sexy por mais que tentasse.

- Haha. Eu amo esse seu jeitinho tímido e letal. Sabe, Ane, a gente devia começar a..

- Eu vou para Tiger daqui a pouco tempo, lembra?

- E daí? Eu sou o príncipe Tiger, lembra? Olha, não estou te pedindo em casamento, embora se quiser a gente casa hoje mesmo.

- Você é maluco. – Ane riu.

- Minha mãe acha a mesma coisa. Mas não estou brincando. Ane eu sei bem o que eu quero. Sou fascinado por você desde a primeira vez que te vi e, conforme fui te conhecendo, passei a gostar cada vez mais de você. Eu não sou do tipo que finge não sentir algo ou luta contra o que sente. Eu sei que te amo e sei também que você não é

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indiferente. Mas também sei que você precisa de tempo pra me conhecer e aceitar o que há entre nós. Então vamos fazer do seu jeito. Se você aceitar este humilde Tiger, claro.

- Humilde? Você? HAHA! Mas, eu, eu não sou boa com essas coisas....

- Basta dizer se quer ou não este delicioso Tiger aqui. – Done brincou para esconder o medo que sentia de ser rejeitado por ela.

Ane abaixou a cabeça sem graça... – Ta...Ta bom.

Done não se conteve, a tirou da cadeira e ergueu no ar. – EEEEEEEEIIIIBAAAAAAR!

- Done, me coloca no chão! – Ane gritou em meio a risos.

- Eibar? – Sunny riu. – Que diabos de expressão de felicidade é essa?

- Querida, Done é maluco. Não percebeu ainda? – Alart brincou, tirando um farelo de bolo do queixo dela.

Depois de algumas horas, os quatro se reuniram para se despedir de Ane.

- Não se preocupe. Prometemos manter a relação de vocês em segredo se é o que querem. – Alart disse.

- Eu preferia gritar para todos ouvirem, mas se é o que minha sábia quer... – Done falou.

- Não se preocupe que já estamos planejando o fim do nosso falso namoro. – Sunny reforçou o que sabia que Done já tinha contado para tranquilizar Ane. - Espero que sejamos boas amigas, Ane.

- Eu não.

- Ane... – Done tentou entender.

- Desculpa, Done. Mas não posso ser amiga de uma pessoa ruim que odeia minha mãe sem motivos.

- Mas eu disse que não é nada disso. – Sunny tentou esclarecer.

- E sei que era mentira. – Ane disse, apesar de algo dentro dela gritar que estava errada. Ela não podia duvidar da palavra de sua mãe.

- Pode parar, garota boba. – Alart disse. – Você não sabe o que está falando.

- Irmão... – Done queria defender Sunny, mas não queria que Ane fosse maltratada.

- Claro que sei.

- Sempre te achei chatinha, mas nunca burra. – Alart disse. – Sunny te recebeu mal?

- Não... – Ane relutou em admitir.

- Claro que não!

- Mas ela...

- Sua mãe e Sunny sempre se entenderam muito bem e toda Jubay é testemunha disso. Sua mãe foi rigorosa com ela em algumas aulas que lhe dava, mas Sunny sempre entendeu e sempre foi grata à ela. Não sei quem enfiou essas besteiras na sua cabeça, mas

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essa pessoa mentiu. Se duvida, investigue, seja justa como seu pai é conhecido por ser. – O

olhar frio de Alart feria muito mais do que qualquer coisa que ele dizia.

- Chega, irmão. – Done interferiu. – Ane, querida, pode perguntar a qualquer um aqui.

Sunny e sua mãe foram várias vezes em lojas de roupas e essas coisas femininas juntas.

Qualquer um vai poder te falar sobre a relação delas.

- Ela pelo visto é melhor mentirosa do que pensei. – Ane não conseguia aceitar que sua mãe pudesse ter mentido esse tempo todo. – Até enganou vocês. Alguém assim não pode ser boa pessoa.

Sunny achou melhor se calar e ignorar as lágrimas que queriam brotar de seus olhos, afinal Tigers não choram não é?

- É claro. Muito má. Ela é tão má que se preocupou em fazer um amuleto pra uma garota boboca que ela nem conhecia não ter mais pesadelos depois da morte da amiga. –

Alart disse e olhou para a blusa de Ane na direção onde estava escondido o amuleto.

- Alart! – Sunny deu uma cotovelada nele.

- Como? – Ane olhou em choque. – Mas.... Você é uma maga onírica? E....Espera.

Nessa época você e o Done já estavam aqui?

- Eu não. Miranda sim. – Done esclareceu.

Ane se soltou do braço de Done e deu um passo ficando na frente de Sunny. Algo no formato dos olhos dela, os traços do queixo, pareceram estranhamente familiar para Ane. –

Eu não sei quem é você, porque está aqui ou porque minha mãe inventou essa história, também não tenho amigos desde Jana, mas... – Ane deu um abraço apertado nela. – Eu quero sim ser amiga de alguém tão generosa e altruísta como você.

Naquele momento todos os três pensaram a mesma coisa: Ciara tentou colocar Ane contra Sunny? Porque?

~o ⭐ o~

- Aquela pirralha não pode ter evaporado no ar. Encontre-a! – Ismir estava no limite da paciência. – Pelo menos vou poder me divertir com aquela delicinha devoradora de textos.

- A moça que vai conduzir as pesquisas? – O servo perguntou, massageando os ombros de Ismir.

- Sim. Ela não é aquela pirralha louca que pensa que é maga, mas vai servir por enquanto. Pelo menos por umas duas ou três noites vai dar para aliviar meu tesão pela pirralha da Sunny.

- Nós vamos encontrar a garota, chefe. – O servo disse.

- É bom mesmo. Ou você sabe o que vai te acontecer.

Sim, ele sabia. Nos últimos meses, quase um ano, todos os líderes das buscas eram mortos e seus corpos serviam de alimentos para sopas de carnes que todos eram obrigados

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a comer e Ismir degustava como se fosse um alimento dos deuses. Para um braço direito ter esse final trágico e bizarro, bastava a equipe de busca voltar sem nenhuma pista de Sunny, a escrava de Ismir que tinha fugido e por quem ele tinha uma atração sexual conhecida, embora ainda não tivesse tocado nela. Ser promovido ao cargo de braço direito de Ismir era motivo de alegria antes da fuga. Era um aumento garantido de reconhecimento e poder na região. Mas, ultimamente, era quase uma maldição.

- Vou viajar para encontrar com a Rainha. Quando eu voltar é melhor você trazer minha piranhazinha de estimação. Ou terei mais uma sopa de carne deliciosa para o jantar.

- Sim, meu lorde. – O servo engoliu em seco.

~o ⭐ o~

O clima de desconfiança pairava no ar. Ciara desconfiava que Ane não tinha ficado só na amizade com Done como ela dizia. Done desconfiava que Ciara não era só uma mulher entediada com o casamento e tola. Téo desconfiava que Arman estava escondendo algo dele. Arman desconfiava do repentino interesse de Alart por sua companhia. Sunny desconfiava de Arman e Téo. Só Hieron parecia o mesmo felino bom e justo de sempre, constantemente procurando notícias do irmão ocupado e cuidando de seu trabalho de construção.

- Hieron. – Arman saudou.

- Majestade. – Hieron largou o martelo e ajoelhou.

- Levanta, criatura. Estamos sozinhos e você já foi meu melhor amigo. Não precisa disso.

- Como quiser, meu rei. – Hieron se levantou. Embora não fosse do tipo que guarda mágoas e realmente não estivesse magoado com Arman, eles se afastaram naturalmente com o passar dos anos, bem antes de Arman se tornar rei, quando Téo acabou se tornando mais próximo de Arman do que Hieron. Agora eles eram apenas um bom rei e um súdito que o respeitava.

- Está ótimo. – Arman disse. – Você é realmente o melhor construtor de Likastía.

- Fico feliz que tenha gostado. Embora fosse mais fácil se eu soubesse para que serve este lugar.

- Você é ótimo em seu trabalho. Não precisa saber o que não deve saber para fazer seu trabalho. – Arman disse encerrando o assunto. – Quando acha que ficará pronto?

- Já está pronto, majestade. – Hieron disse. – Verifiquei os arremates hoje. Pode usar quando quiser.

- Obrigado, Hieron. Nunca vou esquecer sua contribuição.

Hieron se curvou e saiu com algo o incomodando. Não era incomum ele criar objetos e salões para o Rei sem saber para o que eles serviriam. Ele entendia muito bem que haviam

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coisas sigilosas no reino e se sentia grato por ser considerado o melhor em seu trabalho e digno de confiança para essas coisas. Mas alguma coisa ainda o incomodava desta vez.

- Acho que eu estou ficando velho e chato. – Hieron murmurou para si mesmo.

- Falando sozinho, irmão? – Téo apareceu repentinamente ao seu lado. – O rei te colocou em algo sigiloso de novo?

- Sabe que não posso comentar, irmão. Que tal um almoço amanhã lá em casa? Ane vai para Tiger e estamos fazendo uma reuniãozinha de família. – Hieron mudou de assunto.

- Vou ver se consigo. – Téo disse e saiu.

Done, escondido nas sombras e silencioso como sempre, observou Téo entrar em um escritório e fez anotações mentais sobre a porta de onde Hieron viera. O plano de Alart teria que ser colocado logo em prática se a suspeita de Done estivesse certa.

Como a vó Caria diria, isso aqui vai ferver. Done pensou.

~o ⭐ o~

Ferver é pouco, querido Done. Sente esse cheirinho de catástrofe chegando? Porque eu sinto.

Pronto. Agora você pode ir dormir, mas coluna reta vale pra hora de dormir também viu!

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Capítulo 11

Você ama a verdade? Não digo radicalmente, tipo ‘sempre a verdade’, até porque isso é burrice. Digo a verdade quando ela tira o poder de quem não o merece. Quando ela vem acompanhada da justiça....

Sei que eu amo. Mas estou divagando, coisas da imortalidade. Vamos ao que interessa: fofoca

~o ⭐ o~

Alguns dias se passaram. Done e Sunny deixaram claro que haviam terminado sua relação por razões particulares. Os fofoqueiros de plantão diziam que o término tinha acontecido porque um dos dois estava interessado em outra pessoa. Não deixava de ser verdade. Como todos acreditavam que a jovem Tiger tinha chegado ali com Done e não pertencia a região, ele a colocou em uma casa de hóspedes anexa ao seu palácio com todos os luxos dando uma desculpa qualquer para a impossibilidade de seu retorno ou reino Tiger. Ane escondeu de todos sua relação com Done. Bem... Ela tentou. Seu pai não demorou a descobrir, mas guardou o segredo de sua adorada filha. Hieron também não tinha ideia do porque Ciara mentira sobre a jovem Tiger, o que apenas aumentou a frustração e desconfiança de Ane.

Enquanto isso, a amizade entre Ane e Sunny apenas crescia. As duas se viam todos os dias e Sunny era a desculpa preferida de Ane para disfarçar seus encontros com Done. Na primeira noite que o casal passou junto, Sunny tinha convidado Ane para passar a noite na casa dela por não se sentir bem e não querer ficar sozinha. Além dos quatro amigos e de Hieron, a única pessoa que sabia de tudo isso era Calíope com as constantes mensagens de Done que, sem sombra de dúvidas, estava apaixonado. Quanto a Ane, bem, ela não tinha certeza se o amava ou se era apenas uma paixão avassaladora. Mas ela iria aproveitar o que quer que fosse. De qualquer forma, tudo mudaria na manhã seguinte.

- Aqui, prove este. – Sunny ofereceu um salgado que estava tentando aprender a fazer.

Alart provou e este, o vigésimo nono, pelo menos não estava salgado, queimado, cru ou com uma tampinha assada junto na massa por acidente como os outros. – Está bom.

Então você vai com a Ane até os portões da cidade?

- Sim. Você também vai?

- Claro. Não vou te deixar sozinha. Principalmente agora que sabemos o quão avançado está o maldito projeto. Sunny...

- Não.

- Mas eu ainda nem disse nada.

- Mas sei o que você vai dizer e pela milésima vez minha resposta é não.

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- Aqui não é seguro, Sun. Pelo menos até eu e Done descobrirmos quem está realmente por trás do projeto, não podemos te colocar em perigo.

- Lala, - Alart odiava apelidos e aquele era ridículo, mas ouvir Sunny chama-lo assim sempre aquecia seu coração constantemente torturado pela culpa – eu nasci literalmente correndo perigo. Acha mesmo que viajar com Ane pro território Tiger, onde Ismir está, é menos arriscado do que ficar aqui onde tenho você, Done e, até que se prove o contrário, o Rei para me apoiar?

- Então vamos viajar. Qualquer lugar no reino. A gente pode usar qualquer desculpa...

- Eu não vou fugir, Alart. E, vamos supor que seja o Rei ou Téo realmente por trás desse projeto... Não existe lugar no reino leonino que eles não tenham poder pra me encontrar.

- Sunny, eu não vou correr o risco de perder você. Nem que eu tenha que pedir a própria Calíope pra te esconder do mundo!

Sunny acariciou o rosto dele com gratidão e carinho pelo amigo. – Eu sei e agradeço, mas você precisa relaxar. Surtar antes de algo ruim acontecer é sofrer duas vezes.

Por simples impulso, Alart puxou Sunny e a beijou. Quando ela retribuiu o beijo, tudo ao redor deles escureceu em uma névoa negra densa, a magia dele cercando os dois em total privacidade que durou a noite toda.

Na manhã seguinte, Alart entrou no palácio calmo como sempre.

- Onde você estava? – Arman perguntou, sentado em um canto da sala.

- Cuidando de algo importante.

- Concordo que Sunny seja importante, mas não com a sua forma de “cuidar”. – Arman disse com uma raiva mal contida.

- Não sei do que está falando, majestade. – O instindo espião de Alart estava gritando para ele se manter alerta.

- Não me trate como idiota, menino. – Arman levantou e, por um segundo, Alart achou que ele ia partir para cima dele. – Eu entendo a amizade de vocês e até apoio, mas não se apegue demais a ela.

- E porque não? Pretende enviá-la para algum lugar? – O jovem jogou verde.

- Porque eu estou mandando e ainda sou seu rei, caso tenha esquecido. – Arman foi embora e Alart percebeu que sua suspeita definitivamente não era infundada.

~o ⭐ o~

Sven coçou a nuca como sempre fazia quando estava preocupado.

- Queria que meu filho estivesse aqui. – Calíope murmurou olhando os resultados. –

Tem certeza então?

- Sim, majestade.

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- Sven, sei que não gosta dele, mas também sei que é um felino sensato e não vai deixar emoções o guiar. Então, me diga, acha que devemos pedir ajuda de Ismir?

- Não, majestade. Acho que não devemos pedir ajuda de ninguém daquela região. –

Sven disse. – Até porque, se esses desaparecimentos de servos não são fruto daquela lenda absurda de monstro subterrâneo e mesmo assim não temos restos mortais, pode ser algo realizado por alguém da nobreza ou rico o suficiente para pagar por algum método menos acessível para sumir com tudo.

- Sim. Poderia ser um felino louco sem recursos, mas ele deixaria vestígios, restos mortais, qualquer coisa. Mas alguém com mais recursos... Você se lembra da lenda do monstro pelado? Acho que todas as mães deste mundo já assustaram seus filhos com isso.

- Sim, um ser que não tem pelos ou cauda, que anda sobre duas patas como nós, mas é mais magro e com um focinho estranho parecendo uma pequena pirâmide no meio da cara. Algo semelhante a uma das imagens de Kallisti, mas sem os poderes divinos dela.

- Que devora e destrói, que mata rindo, que transforma todo felino em algo menor e o faz de seu animal doméstico para depois fazer churrasco com ele. – Calíope riu. – Sempre achei que isso era uma lenda tola para fazer crianças obedecer a seus pais. E ainda acho.

Coloque os melhores espiões no caso, Sven. Precisamos descobrir quem é esse monstro que se esconde por trás de uma lenda boba para matar pobres servos. Eles devem se reportar diretamente a você.

- Assim será feito, majestade.

- Quando ela chegar, leve-a ao jardim. Estarei esperando.

~o ⭐ o~

Ane se despediu de Sunny com um abraço apertado. Done precisou se controlar para não beijá-la ali onde qualquer um podia ver. Alart manteve-se ao lado de Sunny protetoramente enquanto Ciara e Hieron se despediam da filha. Quando Ciara se virou para tentar falar com Sunny, Alart já estava longe com a jovem ao seu lado.

Isso é incomum. Ciara pensou. Mas não importa.

~o ⭐ o~

- Bem vinda, milady. – Ane aceitou o cumprimento do nobre Tiger, mas não gostou do olhar dele. Parecia....errado.

- Obrigada, lorde...

- Ismir, à seu dispor. – Ismir sorriu.

Ane tirou a mão da dele, já incomodada. – Eu...

- Milady, é uma honra conhece-la. – Sven apareceu e Ane não pôde deixar de notar o olhar venenoso entre os dois. – Espero que sua viagem tenha sido tranquila.

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- Sim. Foi bem rápida, embora eu não goste muito desses portais de transporte. Me deixam enjoada.

- Eu entendo, passo sempre por isso. – Sven sorriu e o sorriso dele pareceu sincero pra Ane. – Queira me acompanhar, por gentileza. A Rainha deseja vê-la. – Ismir começou a acompanha-los, mas Sven o parou. – A sós, milorde.

- Claro. – Ismir disse, mas sua vontade de socar a cara de Sven e tirar o sorriso vencedor do rosto dele era quase insuportável.

Sven acompanhou Ane pelo palácio até um salão aconchegante enquanto uma chuva torrencial começava a cair lá fora. Ele parecia um erudito, como ela, lhe apresentando todas as pinturas, objetos históricos e curiosidades sobre o palácio Tiger. – A Rainha logo estará aqui. Sinta-se a vontade, milady.

Sven tinha saído a poucos minutos, deixando Ane curiosa com a moldura de um espelho na parede, quando a porta se abriu e uma voz gentil chamou. – Então, finalmente conheço a mais promissora e famosa das Sábias da atualidade. – Calíope sorriu e quase engasgou.

- Majestade. – Ane fez uma reverência perfeita, quase ouvindo a voz de sua mãe na memória ensinando como se portar como uma princesa.

- Ora, levante-se, minha jovem. Sente-se e vamos comer alguma coisa enquanto você me conta seus projetos e interesses. – Calíope sentiu uma pontada entre boa e dolorosa.

- Si..sim. Obrigada. – Ane logo sentiu sua timidez evaporar, ficando a vontade, rindo e trocando ideias com a rainha que era incrivelmente linda e inteligente.

Calíope mandou cancelar todas as reuniões que tinha naquela noite, até mesmo seu chá com Ismir, só para ficar mais tempo com a jovem mais linda, doce e inteligente que conhecera.

~o ⭐ o~

Naquela noite, Alart cumprimentou Done no palácio e foi atrás de Sunny na casa. Os três jantariam juntos no jardim para dar apoio a Done que já sentia falta de sua amada.

Quando Sunny não atendeu a porta, nem mesmo a jovem que Done colocara aos serviços dela, um mal presságio arrepiou todos os seu pelos. Alart arrombou a porta e tropeçou em algo no chão, quase caindo. Invocando uma luz branca em sua mão, ele iluminou o ambiente e deu de cara com a jovem serva caída morta no chão. O pânico foi inevitável.

Alart procurou por toda a casa e nada de Sunny em lugar nenhum. Na cozinha havia farinha por todos os lados, panelas queimadas, molho derramado, o habitual caos de quando ela tentava cozinhar. Mas nada de Sunny. No palácio Done sentiu um arrepio gelado e, segundos depois, ouviu um grito de raiva e dor.

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Alart. Ele pensou, pulou da cadeira e correu para a casa. Quando Done o encontrou socando uma parede na cozinha furioso, precisou usar sua magia para segurar o amigo e evitar que as juntas de seus dedos ficassem mais feridas do que já estavam.

- Calma, irmão.

- Eles levaram ela, Done! Eu vou matar quem estiver com ela! EU VOU MATAR TODOS

ELES!

~o ⭐ o~

A fofoca pode ser um grande agente da verdade. Não falando a verdade, mas plantando a semente da dúvida que uma hora vai levar a verdade. Não entendeu ainda?

Calma que uma hora você entende.

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Capítulo 12

Oi de novo, criatura curiosa. Não precisa me olhar como se estivesse lendo um livro. Já sei o que você quer. Vamos direto ao assunto então.

~o ⭐ o~

- Só precisamos de alguns dias para quebrar a resistência dela.

Sunny sentia os olhos pesados, como se estivessem colados a impedindo de os abrir.

Está tão escuro... Ela pensou e lembrou de outro momento onde tudo ficara escuro assim, sem nenhum resquício de luz mínima em nenhuma direção, porém era um “escuro” bom que lhe deu tanto prazer, onde ela não sentiu medo e definitivamente não esteve paralisada. Alart... Ele fora tão carinhoso na noite....anterior? Ela não sabia a quanto tempo estava ali ou onde exatamente era “ali”. Se ela ao menos conseguisse abrir os olhos, se mover, usar sua magia, qualquer coisa!

- Resolva isso de uma vez! Quanto mais rápido drenarmos a magia dela, mais rápido e letal será o ataque ao palácio Tiger e mais cedo teremos o controle sobre as Duas Coroas de Likastía!

Atacar...Por Kallisti! Vão matar a Rainha Calíope! Eu tenho...que.... sair...

Mas era inútil. Quanto mais ela se esforçava para se mover, abrir os olhos, ter qualquer controle de seu corpo, mais cansada ela se sentia. Sunny tentou reconhecer as vozes pelo menos, mas ela se sentiu tonta, enjoada e acabou perdendo a consciência de novo. Esse ciclo se repetiu tantas vezes que ela perdeu a conta. De vez em quando sentia-se acordada, apesar de não poder fazer nada ou mesmo pensar com clareza, mas logo caía na insconciência novamente. Nada parecia ter algum resultado. Era inútil.

~o ⭐ o~

Em Tiger, Calíope e Ane se tornaram tão próximas que era quase impossível encontra-las separadamente. Calíope mantinha Ane sempre atualizada sobre as buscas a Sunny em Jubay e o segredo sobre a jovem Tiger, embora a rainha não soubesse o motivo disso, apenas seguindo um pedido de seu filho e de Alart. Ane usava o tempo livre em seu trabalho para focar ainda mais na pesquisa sobre o mago onírico do passado que a intrigava e na companhia da rainha que se tornara quase um vício. Todas as noites Ane e Calíope se encontravam na varanda dos aposentos da rainha para conversar em mais uma noite de insônia ou cochilos curtos, já que ambas dormiam pouco.

Só Ismir não estava gostando nada daquela relação. Principalmente porque ele desconfiava que não era tão inocente assim. E ele não era o único.

- Majestade, senhorita Ane. – Sven anunciou naquela noite.

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- Sente-se, minha querida. – Calíope disse com um olhar que sempre causava o mesmo efeito em Ane. Porém naquela noite algo parecia preocupar a Rainha. – Sven, meu amigo, vá descansar. Alguém aqui precisa ter um sono normal.

Sven se curvou em uma reverência, escondendo um sorriso travesso, se despediu de Ane e saiu. Parece que aquele idiota do Ismir não vai ter chance nenhuma com a menina mesmo. Sven sentiu-se duplamente alegre por sua Rainha e pelo óbvio interesse de Ismir ser estragado.

- Algo a preocupa. – Ane afirmou.

- Done virá amanhã. – Calíope disse sem rodeios com um gosto amargo na boca, afinal ela sabia da relação entre seu filho e Ane.

- Oh. – Ane se sentiu um pouco incomodada, mas preferiu não encarar a realidade. Na verdade, ela nem pensava no assunto para evitar um problema. Mas estava ficando cada vez mais difícil. A vinda de Done pode ser algo bom. Com ele eu vou esquecer ideias absurdas. Ela tentou se convencer. – Quantos dias ele vai demorar para chegar ou já saiu?

- Nenhum. Ele virá pelo portal e passará apenas uma noite. – Calíope forçou um sorriso. – Ele não quer abandonar as buscas e preciso que ele fique de olhos abertos em Jubay. Se não fosse necessário, nem viria agora.

- Entendo. – Ane disse forçando um sorriso empolgado que mas pareceu uma careta.

- O que é isso? – Calíope mudou de assunto.

- Um arquivo rasgado que consegui remontar. É minha última aposta para tentar encontrar o elo que falta na genealogia de Laos.

- Hum. – Calíope pegou o fragmento de papel grosseiramente colado. – Minha avó tentou ajudar esse pobre coitado, mas ele era muito instável. Depois que ele sumiu muitos boatos e relatos de avistamentos surgiram, mas nem minha avó e nem minha mãe conseguiram confirmar nada. Só o fato de saber que ele realmente viveu por muitos e muitos anos já me faz feliz.

- Sim, mas acredito que achei uma descendente dele nesse arquivo.

Calíope olhou esperançosa e admirada. – Ainda viva?

- Não sei. Eu vi um nome, mas ainda não achei informações sobre ela e o resto da descendência não tem como ver porque é o pedaço rasgado que não encontrei. – Ane disse. – O estranho é alguém ter rasgado um documento desses e ainda ter escondido. Se eu não tivesse tão focada em me afundar nos estudos nunca teria encontrado a primeira pista que acabou me trazendo a isso.

- Sim. E, como já prometi, vou investigar a fundo quem fez isso.

- Eu sei que sim.

Calíope tentou ler, mas a escrita parecia codificada, o que era esquisito já que esses documentos nunca eram codificados. – O que é isso?

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- Alguém escreveu um código por cima das letras do nome para atrapalhar a leitura. Só decifrando o código é possível entender.

- E você conseguiu. – Calíope sorriu para Ane, com olhos brilhando de carinho, admiração e....algo mais.

Ane desviou o olhar envergonhada e feliz. – Sim. É um código bobo e meio infantil.

Qualquer um que brincou de palavras-enroladas na infância conhece. Quem fez isso não é um gênio. O nome é Olívia e a referência de nascimento é uma casa nobre do litoral.

- Olívia... – A rainha pensou um pouco, sentindo algo familiar, mas logo deixou de lado, dando lugar a admiração pela jovem.

Calíope ficou tão feliz que puxou Ane para um abraço a felicitando pela descoberta.

Mas o clima de alegria rapidamente mudou para outra coisa quando o olhar de ambas, abraçadas se cruzaram. Lentamente, mas quase como em uma hipnose, seus rostos se aproximaram, seus corações bateram descompassadamente...

- Majestade? – Ismir chamou do lado de fora da porta fechada quebrando o clima.

As duas se afastaram como se um balde de água gelada caísse sobre suas cabeças. Ane fez menção de seguir até a porta para ir embora, mas Calíope a segurou pelo pulso.

- Entre. – Calíope disse e sua voz não sou nem um pouco gentil.

- Majestade, eu não sabia que... – Ismir começou a dizer quando viu Ane e seus olhos brilharam com a luxúria como sempre.

- O que você quer? – Calíope soou grossa como nunca tinha sido com Ismir, surpreendendo tanto ele quanto Ane. Mas o ciúmes que ela vinha sentindo pela forma como ele olhava para Ane era tão violento a ponto do poder de fogo dela ferver em suas veias.

- Eu vim... err... – Ismir pigarreou e se recompôs. – Vim ver como estão as c...

- Ótimas. Amanhã nos falamos, Ismir. Preciso dormir. – Calíope disse.

- Sim. Claro, majestade. – Ele respondeu contendo sua raiva e olhou para Ane como se visse um bife suculento. – Com licença.

- Eu...eu também vou...

- Sente-se Ane. – Calíope disse e Ane obedeceu para não piorar o humor da rainha.

A rainha pegou uma xícara de chá para ela e outra que entregou para Ane e se sentou ao lado da moça. Em geral, a rainha sempre sentava em frente ao seu convidado. Uma prática típica de qualquer Tiger acostumado a manter os olhos alertas a qualquer movimento de outro felino. Afinal, Tigers sempre pensavam estrategicamente, prontos para um combate e nunca se sabia de onde um ataque iria surgir. Mas com Ane era diferente. Calíope sempre se sentava ao lado da moça, inconscientemente abaixando a guarda e buscando proximidade.

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Ane tomou um gole do chá, sentindo um formigamento pelo corpo pela proximidade com a Rainha. Segundos depois ela levantou num pulo e colocou a xícara na mesad e centro. – Eu vou... A senhora precisa dormir...

- Fique Ane. – Calíope pediu.

- É melhor não. É... Ismir foi embora para a senhora descansar.

Aquele senhora estava começando a irritar Calíope pela formalidade. Ismir... Algo deu um click no cérebro da rainha e a ficha finalmente caiu. – Ismir! Ane, é isso! Por isso o nome no fragmento pareceu familiar!

- O que?

- Ismir foi casado com uma mulher chamada Bianca.

- Mas o nome é Olivia, do Litoral.

- Sim, mas a mãe de Bianca era Olivia, cuja família era nobre do litoral e o pai aparentemente era alguém que a família não aprovava. Foi um escândalo abafado na época.

- Então essa Bianca é descendente do mago onírico Laos que enlouqueceu na época da Rainha Carya!

- Sim! Pena que ela não teve filhos ou teríamos um descendente de Laos atualmente e o desejo de minha avó seria finalmente cumprido. Bianca morreu a anos.

~o ⭐ o~

- Uma carga dessa já pode fazer estrago.

- Sim. Mas ainda precisa de mais para uma destruição total.

- Qualquer destruição, fatal ou não, já será o suficiente.

- Claro. A guerra vai enfraquecer os dois e será mais fácil.

- Seria melhor se eles se matassem.

- E o outro basta dar esperança de achar essa aí viva e pronto. Acabamos com ele também. Nunca daquele príncipe mesmo.

- Só mais um pouco e seremos donos do mundo.

- Só mais um pouco.

Quem são? Kallisti...me ajude a sair daqui...Alart.. . A fraqueza parecia maior e Sunny perdeu a consciência de novo.

~o ⭐ o~

- Bom dia, Ismir. – Sven disse com um sorriso enorme.

- Sai da frente! – Ismir passou por ele parecendo um furacão de raiva.

A fofoca sobre a rainha ter expulsado ele dos aposentos dela na noite anterior corria entre os servos do palácio e naquela manhã, Calíope parecia ainda mais mal humorada

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depois do desjejum com seu filho e Ane. Ismir não conseguiu nem ser recebido e nada deixava Sven mais feliz do que ver Ismir se dando mal.

Mas ele não seria o único a se dar mal naquele dia... Ou noite.

Naquela noite, Done e Ane se encontraram às escondidas em um quarto. Ane passou o dia tentando e estava disposta a continuar tentando naquela noite, até porque ela estava precisando mesmo extravasar aquele desejo que a enchia de culpa, mas ela não conseguiu ir longe.

- Pare. – Ela disse suavemente enquanto Done começava a desamarrar o vestido dela.

Done parou. O pressentimento ruim que ele tentava ignorar esse tempo todo voltou com força agora. Ao olhar pro rosto cabisbaixo dela, seu coração apertou. – A verdade, Ane.

Sempre amei sua sinceridade.

- Eu...não quero magoar você, Done. Eu gosto de você....

- Mas não me ama. – Ele completou, sentindo seu mundo cair.

- Não.... Eu...Eu... – Ane começou a chorar. – Desc...

- Shhh.... Não se desculpe, minha linda. – Doeu, mas vê-la sofrer assim doeu muito mais. Ele secou as lágrimas dela e ergueu seu queixo com um dedo. – Você ama outra pessoa?

Ela balançou a cabeça afirmando.

- Então sabe como é amar alguém. A gente só quer ver a felicidade da outra pessoa. –

Ele disse secando mais lágrimas dela. – E eu só quero te ver feliz, Ane. Só, por Kallisti, não me diga que é o Ismir...

- ECA! Não... – Ela sorriu timidamente, mas a culpa a impediu de revelar o nome. –

Mas não posso ter quem quero.

- E por isso você queria dormir comigo hoje?

- Não! Sim...Eu não sei... Done eu... Acho melhor a gente terminar.

Done só queria se encolher em um canto e chorar. Mas Tiger não chora. E a dor de Ane era quase pior do que o término. Ele a abraçou. – Eu...Eu quero você como nunca quis ninguém, minha sábia. Se você não pode ter quem você ama... Não. Não vou prender você a mim. Mas... Fica comigo esta noite, querida? Só mais uma vez? – Done se sentiu sufocando, com olhos embaçados.

- Só mais uma vez... – Ane cedeu. Aquela era a despedida que ela queria, que precisava. E Done também. Ele a beijou como se o mundo estivesse acabando e uma lágrima teimosa escorreu de um olho de Done.

~o ⭐ o~

- Vamos drenar uma quantidade um pouco menor hoje.

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- Ontem você exagerou, não foi? Eu disse que era demais. Se não drenar sabiamente, vamos matar nossa fonte antes da hora.

- Eu sei, mas hoje é só equilibrar.

- Os relatórios estão bons... O príncipe voltou.

- Entendo. Ficarei atento a ele.

- Ótimo. Nos vemos mais tarde.

- Vai sair sem nem me dar um beijo.

- Óbvio que não.... Cuidado com ela. E com ele também, claro.

- Sempre.

Está tão escuro.... Alart... . A esperança de Sunny estava no fim. Não parecia ter jeito de se salvar e ela não reconhecia as vozes, não se movia, nada dava certo. Eu só queria ser boa na minha magia...Ser feliz...Alart, eu queria sentir seus braços de novo.... Onde você está?

ALART! Ela teria chorado se seus olhos pudessem pelo menos fazer isso. Mas Tigers não choram, não é? E agora ela não conseguia de qualquer forma.

~o ⭐ o~

- Ela não está nas florestas... – Arman comentou com seu general, todos debruçados sobre mapas marcados com tachinhas vermelhas para locais já verificados e verdes para possíveis locais de busca.

- Claro que não! Acabei de vir de lá com a equipe! – Alart nem conseguia ficar parado.

Arman lhe direcionou um olhar severo, mas não disse nada e retomou o assunto. –

Aqui, aqui e aqui – ele sinalizou em pontos vermelhos no mapa – também não.

- Claro que não. Óbvio! Sabemos onde ela não está. O que quero saber é ONDE PORRA ELA ESTÁ! – Alart explodiu.

Arman se endireitou e olhou para o filho com autoridade. – Sugiro que você se controle, príncipe. Ou pode se retirar das buscas se não conseguir agir como um leonino adulto.

- VOCÊ NÃO PODE...

- Não “posso”? – Arman deu alguns passos. Ele e o filho ficaram um de frente para o outro, ambos prontos para uma briga. – Eu POSSO muita coisa, garoto. Sou o Rei e você é só um dos meus SÚDITOS. Eu mando. Você obedece. Ou devo também entender que você não é capaz de obedecer ao seu rei?

Done se aproximou cautelosamente por trás do amigo. – Irmão, calma. – Alart ouviu Done como se falasse de algum lugar ao longe, sua raiva e frustração ameaçando explodir.

– Majestade, perdoe-o. Estamos todos tensos. Se me permitir, vou levar Alart para tomar um ar.

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- Faça isso, Done. Aproveite e tente colocar um pouco de bom juízo na cabeça do meu filho que parece ter perdido o dele nessas noites sem dormir. – Arman se virou, dando as costas para o filho.

- Eu não vou sair daqui... – Alart começou, mas Done segurou seu braço enquanto o rei leonino lhe direcionava um olhar mortal.

- Vamos, irmão. – Done guiou o amigo para fora evitando uma guerra. Desde o sumiço de Sunny, Alart e Arman viviam discutindo, mas naquele dia Arman obviamente tinha perdido a última gota de paciência. No mínimo, Alart seria enviado para uma prisão se Done não tivesse controlado os ânimos a tempo. Pelo menos essa tensão toda serviu para distraí-lo da dor que foi perder Ane na noite anterior. Alart estava andando de um lado para o outro na sala enquanto Done estava sentado tomando um drink alcoólico forte, com uma garrafa e outro copo na mesa à frente. – Irmão, somos amigos e tal, mas se você não parar com esse vai-e-vem vou dar um soco na sua cara.

- Ela está desaparecida, Done!

- Acho que isso não é mais novidade, irmão. Mas você abrir um buraco do mármore de tanto andar não vai fazer ela aparecer. Senta ai e se acalma.

- Como vou me acalmar?

- Alart você está enlouquecendo todo mundo. Não vai conseguir nada assim. Senta!

Alart sentou e respirou algumas vezes. Ele realmente se sentia fora de controle, brigando com todo mundo, descontando sua raiva até em vendedores de rua que nada tinha a ver com o assunto. Ele não se sentia bem com isso, mas também não conseguia evitar. Perder Sunny foi com perder o ar e a alma ao mesmo tempo. Pensar nisso o fez se sentir o pior dos amigos.

- Desculpa, irmão. Você perdeu sua amada e eu nem te dei nenhum abraço, não perguntei como você está... – Alart disse.

- Não vai me beijar, ne? – Done disse sério com seu eterno deboche.

- Você é um idiota, parceiro. Nem sei porque ando com você. – Alart quase sorriu, se serviu e virou o copo de bebida em um único gole. O líquido desceu queimando como se o próprio poder de fogo Tiger estivesse no copo.

- Porque eu sou lindo e irresistível. – Done brincou. – Quanto ao assunto Ane... Estou ocupado demais para pensar nisso. O que é bom ou já teria enlouquecido.

- Quando tudo isso terminar, vamos descobrir quem é o cara que roubou o coração dela. – Alart disse, sabendo que era exatamente o que seu amigo pretendia fazer. Os dois se conheciam bem demais e, se fosse com a Sunny, ele sabia que faria exatamente a mesma coisa.

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- Sim. E é melhor ele ser um lorde com ela ou a morte vai ser o maior desejo dele. –

Done disse sério com aquele ar assassino que ele só demonstrava quando realmente pretendia matar alguém.

Alart ergueu o copo brindando a isso e direcionou aos lábios, mas o copo caiu no chão se estilhaçando quando uma dor de cabeça intensa o atingiu. Foi tão forte que, por um segundo, sua magia de luz brilhou tornando seu corpo de pelos negros totalmente branco-brilhantes. Done ergueu seu escudo mágico, mas logo o desfez quando a luz branca sumiu.

Ele correu para o amigo que tinha caído no chão encolhido.

- Irmão, ei cara! Você está bem? – Done checou a pulsação dele.

- Eu...eu to bem... – Alart mergulhou na escuridão da insconciência.

~o ⭐ o~

Alguém se candidata pra consolar o Done esta noite?

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Capítulo 13

O problema de quem se acha esperto é achar que todo mundo é tolo.

~o ⭐ o~

- Irmão! – Done sentiu a pulsação fraca de Alart. Ele parecia esgotado, mas vivo.

- Alteza. – O mordomo chamou.

- Agora não. Preciso...

- Perdoe-me, alteza. Mas é urgente. A Rainha está tentando falar com o senhor e não consegue. Mandou que eu lhe desse o recado.

- Providencie para Alart ser colocado no quarto de costume e um sábio de cura para atende-lo. – Done dispensou o mordomo e correu para seu comunicador. – Majestade.

- Filho, você precisa falar com seu contato na Universidade Lhágua. Houve uma explosão e estão todos em pânico. – Calíope disse em tom de urgência.

- Quando?

- A poucos minutos.

- Feridos?

- Não que eu saiba. – Calíope suspirou. – Só soube logo porque Ane estava em contato no momento do ataque com seu mestre e ela está no jardim comigo.

De novo? Done estranhou, mas manteve o foco. – Vou verificar. Retorno assim que tiver um relatório completo.

- Antes. Me avise qualquer pequena informação. Ane está preocupada demais. –

Calíope disse.

- Entendido.

~o ⭐ o~

O cristal explodiu, lançando pedras brilhantes para todos os lados, um grande rombo feito em uma parede exibia um pôr do sol iniciando por trás dos anéis Anuin no céu. Dois felinos estavam mortos no chão com grandes fragmentos do cristal sobre eles. Passos corriam em direção a sala manchada de sangue.

Sunny desceu do pedestal onde o cristal estivera, seus joelhos tremendo de cansaço.

Preocupada, ela procurou sob sua blusa e encontrou o cristal de mágico, a fonte de saúde e energia de todo mago. Nenhum mago sobrevivia com a mente sã à quebra do cristal.

Mesmo se afastar dele era perigoso e enfraquecia qualquer um. Por sorte, o dela estava ali, possivelmente porque, estando presa em um cristal enorme de suspensão física, não havia motivos para afastar o pequeno crista dela, diminuindo seu poder. Sunny tentou correr para a abertura, mas suas pernas pareciam tão fracas... Ela respirou fundo e usou toda sua

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força de vontade para correr. Assim que ela alcançou a abertura ouviu um grito e agora sim reconheceu as vozes. Olhou para trás triste e incrédula.

- Não deixe ela escapar! – Arman gritou.

- Vamos! – Téo correu seguido por seu rei.

Sunny se viu em uma área montanhosa, repleta de árvores e arbustos. Correndo desesperada, pôde sentir quando uma adaga passou voando pela lateral de sua perna direita. Estavam tentando impedí-la de correr, mas não queriam mata-la.

- Pare, Sunny! Vamos conversar! – Arman gritou de cima, provavelmente correndo sobre os galhos das árvores enquanto Téo tentava alcança-la pelo solo.

A visão de Sunny escurecia e voltava ao normal intermitentemente devido a fraqueza, mas ela continuou. Tropeçando em uma pedra, ela rolou por uma ribanceira, se ferindo entre pequenas pedras e galhos caídos, sem controle, até parar em um lamaçal nojento. Ela nadou até a outra margem do lamaçal e parou, ofegante, no solo firme, vendo a altura da qual caíra. Seus olhos ficaram pesados, mas ela se recusou a ceder ao cansaço. Se levantou, limpou o melhor que pôde seus ferimentos e entrou na floresta densa.

Depois de sabe-se lá quanto tempo andando, ela ouviu o som de muita água e o seguiu até avistar uma linda cachoeira em um rio aparentemente tranquilo. Sunny se limpou, bebeu água vorazmente e pensou em suas opções. Era perigoso o que pretendia tentar, mas poderia ser sua única opção. Assim, ela esperou a noite passar, calculando o tempo entre o pôr do sol que se lembrava quando acordou e a hora que acreditava ser a madrugada, e rezou para que desse certo.

~o ⭐ o~

- O mestre não responde a comunicação. Ele é tão velhinho... – Ane roía as garras nervosamente.

- Querida, ele pode só ter ficado longe do comunicador ou ele ter quebrado. – Calíope abraçada Ane de lado com o coração apertado.

- Eu sei, mas a mente felina tende a teorizar os piores cenários em momentos de crise.

– Ane respondeu, apoiando a cabeça no ombro da rainha, a vontade de chorar quase incontrolável. – E minha amiga que também não aparece...

- Desculpe, querida. Com isso tudo acabei esquecendo de perguntar se Done tinha novidades.

- Eu só queria que ele me dissesse se devíamos contar para Ismir sobre a esposa dele e a descendência de Laos. Agora não sei nem se ele está vivo, não sei se Miranda está bem, não posso bei... – Ane parou. – Cuidar das coisas em casa.

Calíope sorriu, apesar de tudo. – Uma hora vamos ter que encarar a verdade. – Ela disse, mas não forçou nada. Não era o momento.

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Do outro lado do jardim, com uma raiva quase palpável, escondido parcialmente por uma coluna, Ismir entendia finalmente que seu alvo não seria tão fácil de levar para a cama.

Não com Ane o tempo todo grudada na rainha que obviamente estava interessada na mesma menina. Se pelo menos a vadia da Sunny aparecesse... Ismir se virou e saiu, pensando em como afastar Ane de Calíope por tempo suficiente para arrastá-la para a cama. Claro que depois ele teria que dar um sumiço nela, afinal ele não ia querer a fúria da Rainha Tiger sobre ele.

~o ⭐ o~

- Ele acordou, alteza. – O mordomo disse assim que Done entrou em casa.

- Obrigado, Lial! – Done gritou enquanto subia a escada para o andar superior de dois em dois degraus. – Irmão! Você acord... Que demônios você está fazendo?

Alart tentava fechar os botões de sua camisa, mas suas mãos tremiam demais. – Me vestindo.

- Deita aí. Você não vai sair dessa cama até amanhã. – Done disse.

- Nem morto. Preciso ir. Aliás, você também. – Alart arrumou a juba para trás como sempre. – Sabe se estão todos bem na Universidade ou se alguém se feriu?

- Estão todos bem. O ataque atingiu uma área em obras que estão paralisadas e...

Espera. Como você sabe do ataque?

- Foi Sunny. Quer dizer, não exatamente ela, mas usaram o poder dela. Conseguimos desviar do alvo planejado, uma cidade leonina nas proximidades. – Alart pegou sua capa e colocou sobre os ombros.

- E como...

- Sei disso? Ela conseguiu me alertar em sonho quando desmaiei e usamos meu poder também para ajudar a soltá-la. Ela fugiu. Vamos buscar minha Sunny. Ela me mostrou onde está.

Done saiu do quarto, entrou no quarto ao lado, trocou de capa e desceram as escada.

– Espere aqui. – Ele foi até a cozinha, pegou uma sacola de tecido usada para compras na parede, colocou pedaços de bolo, pães, frutas e saiu com duas maçãs-flores na mão. Ao sair jogou uma para Alart que a pegou no ar e entregou a sacola para ele. – Ela deve precisar disso.

Alart acenou e deu uma mordida na maçã-flor. Done tinha um sorrisinho no rosto que Alart sabia que significava uma piada a caminho. – Lá vem...

- O que? – Done se fez de desentendido.

- Fala, Done. Eu sei que você está quase se coçando por dentro pra falar.

Done sorriu. – “Minha Sunny” heim? Hmmm.... A Sunny deeele.

- Você as vezes é um pirralho.

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- Hmmm.... Ain Alart, você é tão másculo. – Done fez uma imitação ridícula de Sunny enquanto andavam. – Ain me beija, Alart, seu princeso delicioso... OOOOh.

- Grande Kallisti. – Alart colocou uma mão na testa. – Porque eu ando com essa criatura?

~o ⭐ o~

O frio parecia tão constante mesmo naquela caverna que Sunny chegou a pensar que nunca mais se sentiria aquecida. Frio, escuro, úmido.... Isso a fez lembrar de seus anos vivendo na mansão que deveria ser sua, seu lar, em um quarto sem janelas, com inúmeros buracos e goteiras, ratos, insetos nojentos, sem uma cama, muitas vezes sem nem uma coberta... Mas então algo quente a cercou e ela acordou de seu cochilo.

- Alart...? – Ela murmurou, rouca pelo tempo sem usar as cordas vocais. – É outro sonho depois de tantos pesadelos?

Alart sempre fora considerado insensível, implacável em seu trabalho, tão autocontrolado que parecia não ter sentimentos. Mas nada, nenhum treinamento o havia preparado para aquilo. Ele sabia que Sunny tinha pesadelos de vez em quando com sua antiga vida, mas saber que ela teve de novo, naquele lugar, naquele estado tão parecido com a forma como ele a via na casa de Ismir, foi quase insuportável demais.

- Você está comigo, querida. Está segura agora. – Ele disse com a voz embargada, a pegou no colo e levou para fora onde Done montava guarda.

- Não estou segura, Alart. – Sunny disse ao ser colocada no chão e cercada pelo abraço de Done.

Levou menos de 15 segundos para Alart afastar Done de Sunny com um leve toque no ombro e uma cara amarrada.

- Não precisa ter ciúmes, irmão. Sunny é linda...

- Já entendi, Done. Cala a boca. – Alart disse emburrado.

- Inteligente. – Done nunca iria perder essa oportunidade.

- Chega, Done. – O ciúme de Alart era cômico.

- Gostosa...

- Done. Pare.

Sunny colocou uma mão na boca para esconder o sorriso.

- Incrível que é gostosa mesmo suja de terra assim.

- Done....

- Uma delícia de deixar qualquer um dur...

- DONE, CALA A PORRA DESSA BOCA! – Alart chegou a rosnar.

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- HAAHAHAHAHA! – Done riu feito o idiota zombeteiro que era. – Calma, irmão. Sunny é linda, mas não tem bom gosto para felinos bonitões. Se tivesse, teria escolhido o mais bonito de nós dois ne.

- Hmmmpf. – Alart cruzou os braços. - Idiota.

- Também te adoro irmão. – Done riu.

- É tão bom ver vocês sendo...vocês. – Sunny riu aliviada, mas não tanto ainda. – Alart.

Alart se aproximou dela, se ajoelhou ficando na altura de seus olhos e segurou suas mãos. – Eu sei que você está assustada e com razão, querida, mas eu prometo que vou te manter segura...

Sunny balançou a cabeça de um lado para o outro. – Não. Não estou segura aqui.

Alart. Seu pai estava lá. Ele e Téo me prenderam e usaram minha magia. Acredito que ainda tem um pouco dela armazenada lá.

- Filho de uma piranha choca! – Done praguejou. – Desculpa, irmão, sei que ele é seu pai...

- Eu vou matar ele. – Alart apertou os dentes até quase doer. – Como...porque...

- Eu sei porque. Ele planejava atacar a aldeia leonina e culpar o reino Tiger pelo ataque, atrair a Rainha para uma tentativa falsa de reunião diplomática organizada pelo Done e matar os dois, iniciando uma guerra com Tiger que não teria um herdeiro oficial para assumir o trono. Seu pai acredita que isso enfraqueceria os Tiger na guerra, sem um rei, e ele venceria tomando o trono Tiger para ele.

- Por Kallisti... Preciso avisar minha mãe. – Done disse. – Desculpa, irmão...

- Não, Done. Faça o que precisa fazer. Temos que parar meu pai antes que felinos morram à toa. – Alart se levantou.

- Mas não é só isso. – Sunny disse atraindo o olhar dos dois. – Seu pai pensa que é esperto, mas é um tolo.

- Sinto que vou gostar disso... – Done brincou, deixando seu lado vingativo tomar conta de seu humor.

- Téo está ajudando ele e tem mesmo um caso com seu pai, mas o odeia.

- Agora fiquei confuso. – Alart admitiu e Done concordou.

- É tudo parte do plano dele e Ciara. Seu pai não sabe, mas ela esteve no local do meu cativeiro várias vezes e ficou bem claro que ela e Téo eram amantes. Eles planejaram tudo a anos, Alart. Eles sabem que seu pai não tem como vencer os Tiger. Eles pretendem causar uma guerra entre os reinos pro seu pai ser morto, você ser enlouquecido e depois eles dois surgirem como heróis acabando com a guerra e assumindo o trono. Juntos. Só não sei como eles pretendiam enlouquecer você. Ah e Ciara tentou seduzir Done para ser a esposa e futura rainha Tiger, em uma forma de agilizar a vontade dela em ser rainha e aumentar sua influência para quando eles fossem conseguir um acordo de paz entre os reinos no

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futuro. Tem algo mais que eles começaram a discutir sobre mortes, no plural, mas eu acabei apagando de novo e não entendi.

Quando Sunny calou a boca com um bocejo, Done estava boquiaberto de forma cômica ao lado de um Alart silencioso, de braços cruzados e um olhar assassino capaz de gelar a alma do felino mais corajoso.

- Vamos. – Alart ofereceu a mão para Sunny se levantar, a apoiou no caminho, mas não disse uma palavra.

Sunny sofreu por ter mentido, mas não se arrependia. Ela não queria, mas ela também não conseguiria dizer a verdade para ele. Pelo menos, não ainda.

~o ⭐ o~

Assim que chegaram em casa, com os primeiros raios de sol surgindo no horizonte, Done se fechou em seu escritório. - Mãe, preciso falar algo, mas poderia dar um recado pra Ane...

- Ela está aqui, filho, pode falar. – Calíope respondeu com Ane alerta ao seu lado no sofá.

À essa hora? De novo? Eu sei que minha mãe quer que eu me case, mas ficar grudada na minha ex não vai ajudar. Parecem até um casal apaix... Ahahaha! Que besteira, Done.

Ele respirou algumas vezes se controlando e focou no que importava. – Ane, a Miranda apareceu.

- Por Kallisti! Duas boas notícias em tão pouco tempo! – Ane abraçou Calíope em um impulso que estava ficando cada vez mais comum. Ainda bem que Done estava usando o comunicador apenas no modo áudio ou sua desconfiança iria aumentar significativamente.

– Primeiro meu mestre sem nenhum arranhão, agora a Miranda voltou! Espera. Ela está bem?

- Sim, amo...er...Ane. Ela só está com alguns pequenos ferimentos e muito esgotada.

Mas vai ficar bem. A garota é forte como uma montanha.

- Obrigada, Kallisti. Vou até fazer uma oferenda no templo amanhã. – Ane suspirou e secou uma lágrima de alívio.

Eu agradeço, Ane. Um café seria ótimo... Se existisse em Likastía, claro.

- Mãe, preciso dizer algo sigiloso. Ane, por favor, poderia...

- Pode falar, filho. Eu confio na Ane.

Oi? Minha mãe, a cautelosa e desconfiada como qualquer Tiger, a RAINHA, vai deixar eu passar um assunto sigiloso na frente de alguém que ela conhece a pouco tempo? Que porra está acontecendo aqui? Done cerrou o punho, mas narrou todas as descobertas em

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um tom perfeitamente vazio de emoções, como qualquer espião que se prezasse. – Temos fragmentos de cristal que tiramos nos cabelos e na pele de Miranda. O mago de cura de nossa confiança já avaliou e confirmou que ela teve a magia drenada, além da ponta de uma adaga com a energia mística do Rei Arman presa na roupa dela.

Calíope estava séria e furiosa de tal modo que as chamas de velas na mesa dentro do quarto dançavam violentamente, mesmo sem vento no ambiente. – Você encontrou o lugar?

- Sim. Ela nos mostrou a direção onde ficava e eu fui até lá. Não precisei entrar. O Rei e seu conselheiro chefe estava saindo do local, discutindo sobre o que fazer com ela e... Mãe, Arman quer atacar o palácio como retaliação pelo ataque à Unversidade.

- Ele vai nos culpar justificando a guerra e atraindo a opinião pública a seu favor. Filho de mil vulgívagas!

Ane colocou as mãos na boca, surpresa pelo xingamento, algo que ela não estava acostumada a ouvir.

- Devo voltar? – Done perguntou.

- Não. Continue aí por enquanto. Mas a jovem Tiger não pode continuar aí. Não com sua vida correndo perigo. Afinal, sendo uma Tiger, ela também é minha responsabilidade.

Quero um plano concreto em menos de 24 horas para o envio dela até seu lar. – Calíope disse. – O que será curioso, já que essa moça parece ter surgido do nada.

Claro que ela investigou a minha falsa ex namorada. Done revirou os olhos. – Tem um pequeno problema.

- Qual?

- Ela não pode ir para casa. A família dela é tão ou mais perigosa do que as tramas do rei leonino.

- Por enquanto, traga-a para o palácio. – Calíope ordenou.

- Isso também não seria muito prudente. – Done disse, pensando no quanto poderia revelar sobre Sunny.

- Done, meu filho, não teste minha paciência.

- Mãe, é perigoso. Eu contarei pessoalmente tudo com calma e com ela do lado. Mas só posso adiantar que o palácio seria uma sentença para ela.

- Sei para onde ela pode ir. Mas você terá que trazê-la de qualquer forma. E rápido.

Ah, Done, mantenha um olho em Alart. Gosto do rapaz, mas não vou arriscar outra traição como a do pai dele. A reunião que ele solicitou continua de pé. Se ele não aparecer, considere qualquer possibilidade de acordo inválida.

- Eu entendo. E quanto a Arman?