Likastía 01 by Rubi Elhalyn - HTML preview

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Horas antes...

- Aqui. – Rodan entregou um cantil com água para Carya enquanto davam uma pausa na descida íngreme.

- Obrigada, senhor. – Carya bebeu dois goles pequenos, como fora treinada, e devolveu o cantil. – Nunca vou me cansar da vista daqui.

- Sim. É linda. – Rodan disse, não olhando exatamente para a paisagem. Então seus olhos foram atraídos para algumas nuvens distantes. – Aquela tempestade parece maior que o previsto. Melhor voltarmos.

- Não. – Carya disse com olhos arregalados. – Por favor... Eu preciso de treino e se for difícil, melhor ainda.

- Existe uma diferença entre difícil e perigoso, Carya. Você é uma excelente guerreira em todas as áreas possíveis, mas ainda é uma menina.

Carya controlou com muito custo seu temperamento e respondeu: - O senhor é meu mestre neste tipo de treino e irei seguir o que ordenar, mas me sinto pronta para enfrentar esse desafio e acho que o senhor sabe que estou pronta também. Só está com medo de me acontecer algo pela proximidade com minha família. Se fosse qualquer outro leonino sendo treinado com minhas habilidades o senhor desistiria?

Rodan pensou por um segundo e respondeu: - Não. Mas se as coisas ficarem ruins teremos que encontrar abrigo e rápido. Você se lembra onde fica cada caverna oculta da região?

- Claro. – Carya disse orgulhosamente com um verdadeiro mapa na cabeça. – Eu até vou nos guiar até lá. Além do mais, eu sei que o senhor me protegeria até dos demônios da lua Kallys.

Rodan evitou deliberadamente olhar para o rosto de Carya e seguiu o exercício de descida. Minutos depois a tempestade os alcançou ainda na descida da montanha, mas nada com que eles não estivessem habituados. Mas, como previsto, no meio da tarde, em

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pleno auge dos treinos nas árvores, a tempestade caiu com maior intensidade, com direito à raios e ventos fortes demais para se manter nas árvores ou tentar subir a montanha de novo. Como prometido, Carya liderou o caminho para um abrigo, uma caverna, com uma ladeira pequena de pedras, atrás de quatro árvores grossas e densas. A frente da caverna era tão fina que parecia mais uma rachadura do que uma entrada, mas lá dentro o espaço era amplo e havia alguns pedaços de madeira seca, dois grandes cobertores e um amontoado de feno colocados pelos leoninos para uma fogueira e uma cama improvisada em caso de necessidade. As árvores na frente produziam um fruto escuro com sabor de carne de coelho, muito comum na região, e serviria bem de alimento naquela noite.

Carya estava com os pêlos e as roupas, um conjunto de calças folgadas e um colete onde suas armas e alguns itens de caça ficavam guardados, tão ensopados e colados que não era impossível não olhar. Rodan, acostumado a não dar atenção à essas coisas em suas colegas de guerra, não olharia, especialmente não para a jovem que ele praticamente ajduara a criar, afilhada do rei, filha de amigos dele. Não olharia... Não... Seria mais fácil se Carya não parecesse provocar ele sutil e inconscientemente o tempo todo, a algum tempo.

- Quer comer? – Ela perguntou e Rodan quase engasgou com a pergunta antes de perceber que ela estava falando dos frutos na árvore de fora, se oferecendo para ir pegar.

- Sim. – Ele respondeu com a voz soando levemente trêmula.

Carya não esperou por mais nenhuma palavra e saiu animada para pegar os frutos. A cerca de uma semana uma suspeita a incomodava e naquele momento ela comprovara.

- Talvez eu precise de mais uma prova... – Ela disse enquanto pegava mais frutos na árvore, mas um raio caiu a alguns metros à frente e a luminosidade a cegou momentaneamente, enquanto ela deu um grito de susto. Sem saber bem como, suas garras se soltaram da árvore e ela caiu, virando-se para cair de quatro, em pé. Mas o chão pareceu estranhamente macio, um chão que a segurava perto protetoramente. Quando a visão voltava lentamente ao normal, Carya viu que não caíra no chão. Abaixo dela Rodan a segurava com os braços ao redor de sua cintura, com um ferimento na cabeça, e olhos arregalados de medo. Um medo que rapidamente mudou para um brilho diferente, um que ela tinha percebido a pouco tempo e não tinha certeza se estava certa. Até agora.

- Vo...você está bem? – Rodan perguntou ainda segurando-a com uma chuva leve caindo sobre eles, filtrada pelas densas folhagens das árvores.

- Sim. Embora eu possa precisar de cuidados mais... Quentes. – Carya disse com um sorriso malicioso.

Rodan não sabia quando ela tinha percebido seus sentimentos que ele jurava estarem perfeitamente escondidos. Ela era só uma menina, uma que ele vira nascer, ajudara a criar, afilhada do rei.... Não. Com ela não. Ele nunca se permitiria ter esse tipo de relação com ela. Ele preferia virar um dos amantes da rainha Khara do que fazer algo assim com a

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menina que nunca daria atenção à ele pra começar. Ela só estava o provocando, talvez tendo certeza do que ela suspeitava sobre os sentimentos dele pra depois rir com seus amigos. Isso. Ela não era pra ele.

O pensamento foi interrompido quando Carya revirou os olhos impaciente e se abaixou mais ainda fechando o espaço entre eles e o beijando. Era como se mil beija-flores estivessem voando em seu estômago, uma sensação de euforia, incredulidade, carinho, tudo se misturando confusamente na mente e no corpo de Rodan. Como uma moça tão jovem, alguém que ele viu crescer, podia ter esse efeito sobre ele com apenas um beijo suave? Um momento de lucidez e extrema força de vontade fez ele afastar ela um pouco.

Um sorriso doce estava estampado no rosto dela. Ele fechou os olhos e respirou fundo, abrindo-os depois para falar o mais firme que podia.

- Isso não está certo, Carya. Nunca mais faça isso. – Ele disse maldizendo internamente sua voz trêmula e ofegante.

- Porque? Você queria e eu também. Não somos prometidos à ninguém. Porque não?

– Carya perguntou sorrindo, obviamente não acreditando no que ele dizia. Não quando seus braços ainda a seguravam perto dele.

- Porque eu sou seu comandante e estou dizendo que não. – Ele disse mais firme e sério querendo pôr um fim àquela tortura antes que ele fizesse uma besteira. Ele a empurrou para o lado de forma gentil e firme, e voltou para dentro tremendo visivelmente, mas não por causa da chuva e do frio.

Claro que Carya notou e sorriu amplamente. Ela não ia desistir de algo que queria, não quando sabia que era desejada também.

- Capitão Rodan, - Ela disse provocativamente, já entrando na caverna – está com medo? De mim? Incrível. Eu nunca imaginaria isso.

Rodan estava de costas para ela, colocando mais lenha na fogueira que acendera pouco antes de ouvir o raio que o fizera sair feito louco. Seu corpo tremia com o desejo reprimido, sua mente tentava lembrar coisas aleatórias para não pensar naquela garota que ele se negava a acreditar que estivesse realmente interessada num leão 20 anos mais velho, mas que parecia querer infernizá-lo com aquela voz doce. Ele devia amarrá-la num canto para ela ficar quieta e parar de provocá-lo, mas sabia que isso seria inútil. A algum tempo que bastava alguém mencionar o nome dela pra que o coração dele disparasse como louco. Determinado a não ceder, ele se virou para olhar para a jovem, colocou sua expressão mais séria e rigorosa e disse: - Cale-se, Carya!

- Porque não vem me calar? – Ela perguntou com aquele sorriso que o abalava mais que qualquer dança sensual que ele já tinha visto.

Meio irritado por ela não estar facilitando as coisas pra ele, e meio fascinado pela mesma razão, ele virou as costas de novo, tentando lembrar uma receita antiga de guisado

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que sua avó fazia, apenas para mudar o foco de sua mente. – Você não virá mais comigo para os treinos. Você é muito criança. – Ele disse de olhos fechados, respirando fundo.

- Vou te mostrar quem é a criança. – Carya disse muito perto dele, a poucos centímetros das costas do capitão, mas sem o tocar, provocando uma onda de calor nele que nada tinha a ver com a fogueira.

Rodan virou-se de repente, mandando a prudência e a insegurança pro raio que o parta, e puxou ela num beijo ardente, exigente, fazendo ela se sentir trêmula e leve ao mesmo tempo. – Mostre. – Ele disse num sussurro com a testa colada na dela.

Carya se afastou um pouco dele sem desviar o olhar daquele olhar faminto dele. Por um pequeno instante ele achou que ela ficara com medo e desistiria dele, mas o pensamento foi embora tão rápido quanto veio. Ela tirou item por item de sua roupa, começando pelas peças de cima, lentamente, o torturando, mantendo aquele olhar doce e inocente que herdara de Hunna, enquanto ele a olhava como a joia mais preciosa do mundo, a estrela mais brilhante dos céus. Quando ela tirou a última peça, ele a tomou nos braços, a encostando contra a parede de pedra da caverna. Ela enrolou suas pernas ao redor da cintura dele e o mundo ao redor parou de girar para eles. Rodan foi apaixonado, quente e doce ao mesmo tempo, diferente de como ele já tinha sido com qualquer outra e suas suspeitas se confirmaram. Ele não só a desejava, ele a amava. Isso seria um problema, ele tinha certeza disso. Quando ambos deram uma pausa às repetidas vezes que se amaram, era fim de tarde. Os dois estavam deitados no feno, cobertos por um dos grossos cobertores guardados no abrigo, Carya com a cabeça no peito de Rodan, ambos visivelmente esgotados e felizes.

- Acho que não sou tão criança assim, não é? – Ela disse o provocando.

- Nem na idade e nem... Bem... No resto. – Rodan disse meio sem graça, ainda tentando processar tudo que acontecera, rezando para não ser apenas mais um de seus sonhos com ela.

- Ooooown, deixei você sem graça, capitão? – Ela ergueu um pouco a cabeça para olhar pra ele.

– Melhor avisar ao rei que passaremos a noite aqui. – Ele disse suspirando e se levantou para não dar à ela o gostinho de vê-lo tímido com as provocações. Não que desse muito resultado, já que ela estava rindo agora. Ele adorava ouvir aquele sorriso.

- Aproveita e conta pra ele o que estamos fazendo pra nos aquecermos. – Ela disse rindo.

- Carya! Você é impossível. – Ele disse olhando para ela com tanta paixão que até um cego perceberia o sentimento em seus olhos, e saiu para enviar a mensagem com o dispositivo mágico de comunicação e pegar os frutos que Carya colhera horas antes.

Quando voltou ela estava encolhida perto do fogo tremendo. Ele a abraçou por trás.

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- Tudo bem, capitão? – Ela perguntou com uma voz manhosa.

- Sim. O rei entendeu nossa situação sem problemas.

- Claro que sim. Ele sabe que precisamos aproveitar as oportunidades da vida. – Carya disse em parte se referindo aos treinos e em parte falando do que acontecera entre eles.

Rodan sorriu e ela se virou para ele, o beijando e acariciando de forma que não deixava dúvidas o que eles estariam fazendo a noite toda.

~o~

Algumas semanas se passaram depois da conversa interessante que Eltar tivera com o pobre ser vivo na sala secreta da masmorra. Aproveitando-se da bebedeira proposital que dera ao mago seguido de um sono pesado, ele conseguiu descobrir como abrir a tal porta e passara a ter livre acesso ao local, visitando e dando comida e água para o que restara daquele felino ali embaixo. Como ele, o felino foi arredio boa parte do tempo, temendo por sua vida, temendo ser mais uma armação sádica de Tigrésius. O rei, por outro lado, estava mais ocupado com a saúde de Khara, mal saindo do lado de sua cama, enquanto ela se recuperava de uma doença nos pulmões que a derrubara e deixara inconsciente durante dias.

Naquele dia, depois de descobrir o máximo de informações e fazer o felino contar sua história comprovando o que ele descobrira, ele resolvera que era a hora de fazer sua proposta tão aguardada. O felino ainda estava desconfiado, mas que outra chance ele teria de vingar sua desgraça?

- É sua oportunidade de sair daqui e se vingar daquele idiota que se diz rei. Você aceita ou não? – Eltar perguntou para a criatura esquelética e ferida no chão, quase irreconhecível.

- Como vou...saber...não é...armadilha...dele? – A criatura digna de pena perguntou.

- Não vai. Terá que acreditar na minha palavra, ou melhor, no ódio que temos em comum. Ele me entregou para ser o objeto sexual daquele mago nojento durante anos e ainda me culpou por não ter tido forças para evitar os abusos dele sozinho. E eu era só um menino, pouco antes de entrar na adolescência. Você acha mesmo que eu devo alguma lealdade, algum carinho por aquele verme? Acha que não tenho tantas razões para odiá-lo quanto você?

- Eu... não...não tenho...opções...Se tiver...chance pequena...vingança, eu...aceito...O

que...que você quer....eu faça?

- Por enquanto basta jurar lealdade à mim e seguir minhas ordens. – Eltar disse.

Se mexendo o pouco que podia naquele estado, agora um pouco mais forte por estar alimentado e sem sede, mas ainda preso por correntes no pescoço, braços e pernas, ele se moveu para ficar levemente de joelhos: - Eu..ju...juro ser leal...a...voc...você e...seguir...suas

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ordens. Juro...com toda...minha..alma...Vingaremos... Nos vingaremos. – Seus fracos e ossudos joelhos falharam e Eltar se moveu rápido para amparar a criatura e colocá-lo de volta sentado no chão.

- Eu aceito seu juramento. Agora descanse. Em breve eu tirarei você daqui. Não se preocupe, vamos cortar a cabeça daquele monstro disfarçado de rei. Juntos. Nada une mais do que o ódio.

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Ritos de passagem

- Ela é uma Lençar, um produto nojento da mistura de raças felinas daquele rei canibal e aquela escrava traidora. – Tigrésius dizia, sentado em seu trono acima de cinco degraus de carpete vermelho.

- Já ouvi falar dela. E quanto aos outros que o senhor mencionou, majestade? – Eltar perguntou, em pé em frente ao trono.

- Ah sim. Esses você deve matar por lá mesmo. São um casal de irmãos. Uma tigresa e um tigre pálido, filhos da traidora da Hunna com seu amante, o ex conselheiro do reino, o traidor Fagrir. Esses você deve matar rapidamente, sem mesmo ser percebido por eles.

Cuidado porque o tigre pálido possui magia e, segundo minhas fontes, ele é treinado nessa bruxaria pelo próprio Lordok. – Tigrésius ordenou.

- Sim, senhor. – Eltar disse, sua mente vagando para a oportunidade que aguardava a dois meses.

- Prepare seus soldados. Você partirá em dois dias. Mate-os dois e traga-me a filha do inimigo. Sem ela, ele não terá herdeiros e o povo ficará perdido sem liderança quando eu o matar. – Tigrésius disse.

- Como desejar, majestade. – Eltar disse e saiu com um aceno do pai. Ele estava chateado, mas não surpreso pelo pai nem sequer ter comentado sobre seu aniversário, o dia em que ele se tornava um felino adulto pelas leis de Likastía, seus 15 anos. Qualquer família, mesmo os pobres maltrapilhos, comemoravam essa data e levavam seus filhos em algum rito de passagem criado pela família. No caso dos filhos dos reis, depois de fazer um percurso difícil até as fontes termais na floresta, um local sagrado e tradicional, com um membro do próprio sexo que servia de guia, um baile memorável era realizado, seguido por dias de festas. Mas ele não podia esperar uma consideração tão tradicional e sagrada com ele. Não com os pais que tinha. Nem amigos ele tinha. Ninguém era confiável, ninguém era digno, ninguém poderia ter a honra e a consideração de o guiar até as fontes para seu rito de passagem. - Tanto faz. É só uma tradição idiota e sem sentido mesmo. – Ele murmurou a caminho de seus aposentos dando socos aleatórios em qualquer servo que passasse por ele. Mas, ao entrar em seu quarto, seu estômago deu uma cambalhota, a náusea com esforço sendo controlada, sua expressão facial, no entanto, era a de uma alegria genuína.

- Finalmente, meu rapaz. Estava me cansando de esperar. – Leviatã estava deitado no sofá da sala principal dos aposentos do príncipe com um sorriso predatório. Um servo magro e ossudo servia uma taça de vinho ao mago principal do rei. – Saia, verme. Deixe que eu cuido de seu príncipe.

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O servo fez uma saudação rápida, se voltou para Eltar fazendo uma reverência mais profunda, e saiu em silêncio.

- Desculpe, meu querido mago. Não sabia que me aguardava. – Eltar disse com carinho na voz e na expressão.

- Vamos, meu lindo aniversariante, vista a túnica que eu lhe trouxe. Está em cima de sua cama. – O mago disse com um sorriso. – E rápido. Nós vamos sair. Não se preocupe. Já avisei ao rei que só voltaremos amanhã cedo. Foi difícil, mas o convenci. Ande, ande. Não espere mais ou nos atrasaremos.

Eltar foi praticamente empurrado pelo mago para a porta à direita que dava para seu quarto. Leviatã o fez entrar e depois se sentou no sofá esperando o retorno do príncipe. O

queixo de Eltar caiu com tamanho choque que ele temeu alcançar o centro do planeta. Em cima da cama, cuidadosamente arrumado, estava um lindo manto de tecido grosso cor de vinho, sua cor favorita, bordado com fios cor de bronze em formas circulares no pescoço e na bainha; um cinto simples na mesma cor dos borados, com suporte para sua espada e algumas pequenas armas estava esticado ao lado; uma tiara de bronze trançado com uma pedra âmbar no centro servia perfeitamente em sua testa, usada no meio dela como era costume pelos príncipes; dobrado ao lado estava uma capa negra com capuz, forrada com veludo da mesma cor do manto. Era tudo simples e luxuoso, nas cores do reino, porém mais escuras como Eltar gostava. Leviatã podia ser um pedófilo nojento, mas, verdade seja dita, cuidava e gostava mais do garoto do que qualquer outro ser vivo que ele já conhecera.

Se ele não fosse um aproveitador, um nojento, se o mago não tivesse abusado dele tantas vezes até que ele desistiu de resistir e aprendeu que agradá-lo era mais útil... Mas Eltar nunca esqueceria tudo que fora e era ainda obrigado a aceitar daquela criatura, não importava quanto mimos ele fizesse.

- Onde vamos? – Eltar perguntou saindo do quarto enquanto arrumava o fecho do cinto.

- Pelas Luas Irmãs... – Leviatã disse olhando para a figura majestosa de Eltar. – Você está ainda mais lindo. Venha aqui. Vou ajudá-lo com isso, meu rapaz.

O olhar de Leviatã tinha tanta luxúria que Eltar poderia ter vomitado na cara dele quando o mago pegou o fecho do cinto, apalpando propositalmente o órgão masculino um pouco abaixo do cinto. Mas Eltar apenas sorriu e fechou os olhos com uma expressão de prazer, ignorando majestosamente o nojo que sentia. Então ele usou a tática que usava sempre a anos para agradar o mago que adorava dominá-lo. Pedir por mais.

- Continue... Por favor... Vamos sair outra hora ou... Outro dia... – Eltar disse com voz embargada de falsa excitação. Ele não precisava abrir os olhos para saber que Leviatã sorria com aquela malícia nojenta.

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- Por mais que eu queira, meu rapaz, satisfazer nossos desejos, temos algo importante para hoje. – Leviatã disse terminando de fechar o cinto de Eltar. Com uma mão ainda abaixo do cinto do príncipe, o mago usou a outra para colocar na nuca do rapaz e dar um leve puxão para trás. Ele aproximou a boca com os enormes caninos à mostra e raspou levemente os dentes no pescoço exposto, satisfeito com o suspiro do tigre mais novo. –

Coloque a capa e vamos. – Ele disse, soltou o rapaz e se afastou.

Ambos saíram no meio da tarde, com Leviatã e Eltar carregando algumas cestas de comida e materiais para passar a noite fora. Eles seguiram pela floresta até a parte mais difícil dela onde ninguém se aventurava pelos perigos existentes. Trechos de areia movediça, serpentes com venenos letais, escorpiões, crocodilos-das-árvores, plantas venenosas e feitiços misteriosos e milenares no ar que podiam enlouquecer qualquer um em pouco tempo. O mago parou e colocou no pulso do príncipe uma puseira de cobre com uma pedra laranja no centro que parecia ter um fluxo de energia dentro, se movendo em uma espiral lenta e constante.

- Este é meu presente mágico para você. Esta jóia tem poderes de cura que podem ser invocados por você. Eu sei que você anda lendo muito sobre curas na biblioteca do castelo nos últimos meses e isto lhe será muito útil em sua vida militar. – Leviatã disse e, aproveitando que o príncipe estava sem palavras, beijou o rapaz com aquela fome doentia, aquela força que ele sempre usava. - Fique perto de mim, meu rapaz. – Leviatã disse indo para um pouco atrás de Eltar.

Seguindo a tradição, Eltar guiou o caminho e, sempre que alguma armadilha natural surgia, Leviatã logo atrás dele parava ela com sua magia. Era errado tradicionalmente falando porque cada jovem devia sair sozinho das dificuldades da floresta, seu guia interferindo somente quando havia risco de morte. Mas essa atitude passava uma mensagem clara. Eltar seria sempre invencível enquanto Leviatã o apoiasse. Só que o próprio Eltar sabia disso a muitos anos. Era a razão principal pela qual ele resolvera ceder aos desejos do mago. Claro que eles precisavam manter certa discrição porque, uma coisa era todos saberem nas relações sexuais do príncipe com outro macho, outra bem diferente era todos verem isso. A sociedade Tiger alcançara níveis épicos de hipocrisia nos últimos anos. Todos sabiam que Tigrésius entregara Eltar, praticamente uma criança, para o mago realizar seus desejos sexuais nojentos e violentos, como uma forma de agradecimento pela ajuda mágica e para ver se o garoto teria forças para se defender do mago. Mas ninguém nunca dissera ou fizera nada para ajudar o garoto. Na verdade, a sociedade taxara o príncipe como um garoto fraco, incapaz de se defender.

Mais da metade do caminho até as fontes termais havia se passado quando um som sutil nas árvores chamou atenção de ambos. De repente, os dois estavam cercados por crocodilos-das-árvores pendurados de cabeça para baixo, com suas caudas enroladas nos

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troncos. Se eles se aproximassem o suficiente dos dois tigres, podia cuspir ácido neles e a morte seria certa. Eltar viu a chance perfeita para reforçar sua posição. De costas um para o outro, ambos tinham que fazer movimentos sutís e lentos para não irritar mais as feras, mas Eltar fez um movimento quase imperceptível para o mago, usando suas garras e atraiu propositalmente a atenção de um dos animais à direita, mais voltado para Leviatã. Quando ele se moveu rápido, descendo da árvore e indo em direção ao mago, Eltar pulou na direção entre a fera e Leviatã e, usando a força bruta de seus braços musculosos, segurou a cabeça do animal, montando em cima dele no processo. Os outros animais saltaram para cima dos dois tigres, mas Leviatã os atingiu com uma barreira de raios brancos saindo de cada uma de suas dez garras à mostra. Eltar arrancou a espada que levara no cinto e enfiou no crânio do animal, pulando logo em seguida para sair do alcance do sangue ácido do animal.

- Você está bem, meu rapaz? Você me salvou, meu delicioso garoto. – Leviatã disse sorrindo orgulhoso. – Vou te recompensar por isso. Não duvide.

- Não precisa, Leviatã. Sabe que eu faço qualquer coisa por você. – Eltar disse sorrindo feliz, dessa vez feliz de verdade. Mais um passo dado para o sucesso de seus planos.

Ambos seguiram silenciosamente o caminho até as fontes, segurando a mão um do outro para se equilibrar no trecho de pedras escorregadias sobre o chão lamacento e fétido, desviaram de animais venenosos ou os mataram facilmente com a magia de Leviatã.

Tudo normal para aquela jornada. A caverna escura era o último obstáculo. Acima milhares de morcegos descansavam e seu número era tão grande vivendo ali por tanto tempo que o chão era repleto de uma montanha de fezes fedorentas do animal com tudo quando é tipo de inseto nojento se alimentando daquilo. Aqueles morcegos, óbvio, eram carnívoros, então acordá-los seria uma péssima ideia. Mas Leviatã estava ali com sua magia poderosa pronto para ajudar seu amante mais desejado.

- Tire seu manto, meu rapaz. – O mago sussurrou perto das orelhas do príncipe.

O jovem obedeceu e, o mais silenciosamente possível, retirou o manto. O mago pegou o manto grosso e enrolou com várias voltas ao redor da pedra branca de seu cajado.

Usando uma magia fraca, pois quanto mais forte a magia, maior era o brilho da pedra, ele criou um caminho fino de luz branca fraca por cima da montanha nojenta, mas ainda bem longe do teto cheio de morcegos. Os dois ergueram um pouco a barra de suas túnicas e seguiram um atrás do outro devagar e silenciosamente, com todo cuidado para não cair do caminho fino que, conforme eles passavam, desaparecia atrás deles. Quando Eltar colocou os pés no chão de pedra fria, se virou para segurar a mão de Leviatã e o ajudar a descer.

Não que o mago precisasse porque o caminho luminoso tocava o chão, mas era um gesto calculado para demonstrar seu “carinho” pelo tigre mais velho. Leviatã estava acostumado com esses gestos “espontâneos” do rapaz, mas sempre se sentia poderoso com a paixão

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que tinha certeza que despertava no príncipe. Os dois andaram mais um pouco por um caminho escuro e saíram no meio da caverna onde uma luz azulada emanava de inúmeros cristais de muitos tamanhos encrustrados nas paredes e no teto daquele trecho da caverna.

Abaixo, três grandes piscinas naturais de água alaranjada, com fumaça emanando delas, tinham flores em suas margens conhecidas como flores-de-éris, pois tinham as mesmas cores vulcânicas da lua de mesmo nome. Dizia-se que os cristais das paredes daquela caverna eram mágicos e eram pedaços caídos dos anéis azuis que circundavam o planeta.

- Tire suas roupas. – Leviatã disse e começou a tirar as dele mesmo.

Eltar obedeceu. Quando a última peça de roupa caiu no chão, Leviatã o puxou pela mão para dentro da piscina termal do meio, a que ficava logo abaixo de um buraco enorme no teto da caverna que dava pra ver o céu onde parte dos anéis do planeta brilhavam, com a grande Éris pairando ao lado. A água estava bem quente, mas não o suficiente para incomodar, apenas causando um relaxamento instantâneo nos músculos cansados pela viagem. O aroma das flores impregnado nas águas termais tornavam o ambiente ainda mais acolhedor. Eltar fechou os olhos, uma das mãos ainda na mão do mago, e suspirou em um raro momento de tranquilidade. O mago se aproximou do jovem tigre e colocou a mão que ele segurava em suas partes íntimas já rígidas, com a outra mão apertou as nádegas de Eltar com força. Eltar não abriu os olhos, apenas aceitando o inevitável como se adorasse aquilo. Sua mente viajou para os momentos em que ele possuíra muitas jovens pobres na cidade, muitas contra a vontade, mas que ele adorava. O mago se encostou mais no jovem, ambos com praticamente a mesma altura, e passou a língua áspera na cicatriz exposta do ferimento causado por Tigrésius quando Eltar era criança, onde os pêlos nunca mais cresceram.

- Parabéns por completar sua jornada, meu delicioso rapaz... Quer dizer, meu delicioso machinho. Vou lhe dar uma noite de prazeres para comemorarmos este momento único. –

Leviatã disse num sussurro entre o êxtase e o sadismo que sempre tinha nesses momentos.

- Eu não poderia desejar nenhum presente melhor, meu mago. – Eltar disse

“alegremente”.

~o~

- Só não entendo o por que. – Rodan disse.

- Não vamos discutir isso de novo. – Carya disse, cansada daquela mesma conversa nos últimos meses. – Não vejo a razão prática de contarmos pra minha família que tivemos algumas noites...e dias.... e tardes... enfim. Que estivemos juntos.

Ela gostava de Rodan, como macho e como mestre de combate, mas daí a querer algo mais sério era outra história. Pior que ele queria. Ele vinha a treinando normalmente como

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sempre, até cobrando mais dela agora que Lordok havia dito à ele que estava observando Carya em batalha e pensava em torná-la tenente da Guarda do Rei.

- Carya eu não quero apenas aventuras. Eu... Bem...eu... Droga, Carya. Eu não sou muito bom com as palavras, mas você sabe... Eu...Sabe... Gosto de você. – Rodan disse, gesticulando nervosamente, sinalizando para o próprio coração.

- Também gosto de você. Nós nos divertimos muito juntos, mas não quero algo oficial.

Tenho muito o que me preocupar, quero ser mais forte, subir de patente... Não fazer coisas como criar família.

- Uma coisa não exclui a outra. – Rodan disse.

- Carya! – Rádara se aproximou cortando a conversa sigilosa dos dois. Era proposital.

Desde a noite da tempestade dois meses atrás, quando a amiga passou a noite fora, ela estava com a pulga atrás da orelha, sempre observando Carya como um falcão, sempre atenta às conversas secretas que ambos tinham afastados de todos, os olhares mais intensos de Rodan que ela achava um mistério seu pai não ter notado ainda. – Minha mãe quer nossa companhia para ajudar nos preparativos do jantar.

- Vamos. – Carya disse sem contestar, o que também chamou atenção de Rádara.

Carya odiava esses serviços domésticos. – Com licença, capitão.

- Claro. Alteza, jovem Carya. – Ele fez uma reverência sutil para ambas e saiu, claramente incomodado com algo.

- Está tudo bem? – Rádara perguntou, mesmo sabendo que, pra variar, Carya não contaria qual era o mistério entre eles.

- Sim. Vamos antes que eu mude de ideia. Onde está o tonto do Seth?

- Treinando mais alguma magia nova com meu pai. É bom. O rei está incomodado com algo e, você sabe, ele e Seth são muito unidos. Talvez seu irmão consiga fazer meu pai relaxar um pouco. – Rádara disse, seus músculos fortes de repente tensos com um sentimento recorrente nos últimos tempo. – Carya. – Ela disse parando e puxando a amiga pela mão para pará-la também.

- Hum? – Carya parou e olhou curiosamente para Rádara.

- Você e o capitão Rodan... Está tudo bem mesmo? Você sabe que pode me dizer qualquer coisa, não é? – Rádara disse.

- Eu sei, Rád. Não se preocupe. Eu e o capitão estamos tendo uma ótima relação como sempre. – Carya disse com um sorriso e recomeçou a andar, soltando a mão de Rádara.

- Sei... – Rádara disse enquanto seguia a amiga, mais incomodada do que nunca, o ciúmes a deixando tensa, quase quebrando os dentes apertando a mandíbula.

Durante o jantar, naquela noite...

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- Amigos, temos algo importante para resolver, mas antes... – Lordok disse se levantando. – Quero informá-los que Seth alcançou um nível de magia muito poderoso e, em poucas semanas, eu o tornarei um mago oficialmente em minha Corte.

- Parabéns irmãozinho. – Carya disse bagunçando os pêlos extremamente arrumados na cabeça do irmão.

Todos na mesa parabenizarem e abraçaram o tigre branco que logo ficou sem graça com tanta atenção sobre ele. Haveria um evento, um rito de passagem da fase aprendiz para a fase mago, como sempre se fazia quando alguém alcançava esse nível de mudança.

Era o segundo rito de passagem mais importante nas crenças de Likastía. O rito para a vida adulta de Seth e Carya a dois anos fora lindo, digno de reis, assim como o de Rádara um ano depois. Sem dúvida Rádara ajudaria a organizar todos os banquetes depois da cerimônia permitida apenas para magos e membros da sociedade dotados de magia. Ela poderia participar, mesmo com sua fraca magia. Carya e Rodan não. E aqui o ciúmes de Rádara a fez ficar de mau humor. Rodan e Carya ficariam de fora enquanto ela estaria longe da amiga acompanhando a cerimônia.

- Filha? – Lordok chamou.

Rádara havia se perdido em seus próprios pensamentos enquanto olhava para Carya.

Agora todos na mesa a encaravam curiosos.

- Sim, pai? Desculpe. Eu estava lembrando do dia em que Seth criou galhos de árvore na cabeça de Carya por acidente. – Rádara disse torcendo para parecer bem humorada.

Todos na mesa riram, mas o olhar de seu pai, mesmo sob o riso, deixavam claro que ele suspeitava de algo.

- Seu pai estava perguntando, querida, se você quer ajudar nas festividades. – Hunna perguntou controlando o riso.

- Claro! – Rádara respondeu. – Se o senhor Fagrir não se importar de me emprestar alguns de seus empregados, poderia usar a ajuda deles na construção dos palanques em pontos diferentes do reino para os banquetes populares.

- Não apenas empresto, como também irei construir com minhas próprias mãos. Não é todo dia que meu filho adorado se torna um profissional em sua área. – Fagrir respondeu com o peito estufado de orgulho.

- Vocês podem resolver isso depois da viagem de Rádara à Lhaguar. Nossa velha amiga está esperando a comitiva deste ano para levar os materiais de auxílio à cidade. – Lordok disse.

Desde o ataque de Tigrésius à fazenda 16 anos antes, Jagity, a cidade dos jaguares, foi conquistada e defendida pelos leoninos contra o rei Tigrésius. Conflitos sempre aconteciam quando as tropas do rei Tiger tentava retomar ou saquear a cidade, mas os leoninos sempre venciam e, recentemente, os ataques se tornaram mais escassos. Tigrésius

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provavelmente não queria perder mais soldados em vão já que a cidade era fortemente protegida com ajuda dos próprios habitantes que preferiam morrer em combate do que seguir o rei cruel de Likastía. Anualmente Lordok enviava alimentos, cultivados por jagitianos nas Montanhas Amarelas, e armas para a cidade e para fazenda, esta última sempre entregue por um membro da realeza leonina ou Hunna e Fagrir, como forma de gratidão pela ajuda no momento mais difícil que enfrentaram. Este ano, pela segunda vez, Rádara seria a responsável por essa comitiva. A Rádara, Seth e Carya adoravam a velha Laguna, dona da fazenda, e o carinho era recíproco, apesar dos gêmeos não terem ido na comitiva nos três anos anteriores por estarem ocupados em seus trabalhos.

- Majestade, eu gostaria de pedir para ir este ano também. – Carya disse, sem rodeios como sempre.

- Você vai de qualquer forma, minha querida. Você será parte da guarda pessoal de Rádara. – Lordok disse divertindo-se com a surpresa da tigresa. – Sei que você a protegerá com sua vida, independente de qualquer obrigação profissional.

Rádara mal pôde conter a alegria. Carya se levantou com a coluna reta, colocou a mão direita sobre o coração, inclinou-se em uma reverência e disse: - Agradeço pela honra, senhor. Juro que não o decepcionarei.

- Eu sei, querida. – Lordok disse no mesmo tom que usava para falar com a própria filha. – Seth também irá para coletar as ervas mágicas locais pela última vez nesse tipo de tarefa para aprendizes. Todos os dois estarão sob as ordens do capitão Rodan.

O sorriso no rosto de Rádara sumiu imediatamente, mas logo se recompôs. Isso não passou despercebido pelo rei Lordok. Fagrir virou o rosto pro lado, enxugando o rosto com os pêlos tigrados.

- Amor, você está chorando? – Hunna perguntou carinhosamente.

- Não. É só...alergia. – Fagrir respondeu. – Meus filhos... Estão...tão....tão... – As lágrimas não puderam mais ser escondidas e Hunna o abraçou. Até Lordok enxugou uma lágrima furtiva no canto do olho.

- Nossos maridos são pais babões, Hunna. Você já devia ter se acostumado. – Teira disse segurando a mão de Lordok e sorrindo para a amiga.

- Imaginem quando eles apresentarem seus namorados. – Rodan disse recebendo um olhar de Carya para ele se calar.

Rádara deu um olhar mortal ao capitão. Pra sorte dele ela não soltava raios pelos olhos, senão ele já estaria morto àquela hora. Seth se encolheu de vergonha. Teira, Fagrir, Hunna e Lordok olharam espantados e, de repente, todos os quatro caíram na gargalhada.

Seus filhos? Namorando? Pensando em casamento? Os três só tinham cabeça para pensar em suas carreiras e em aprontar juntos como um monstro de três cabeças, sempre inseparáveis e arteiros.

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- Eu não penso nessas coisas ainda, senhor Rodan. – Seth disse envergonhado.

- Muito menos eu. – Carya disse e seu olhar para Rodan foi bem significativo.

- Mas seria tão bonito... Um dia verei minha filha e meus afilhados casando. – Teira disse emocionada.

- Já pensou? Seriam casamentos tão bonitinhos. – Hunna disse quase chorando.

- Não mesmo. – Fagrir disse, ciumento.

- Não sem antes passar por nossos testes. – Lordok disse apoiando o amigo.

- Mas imaginem só como seria bonito... – Teira disse e Lordok e Fagrir começaram a secar mais lágrimas emocionadas com a ideia, alegando alergia.

- Credo. Vocês são muito bregas. – Carya disse sorrindo e ouviu Seth fungar ao seu lado. – Se você chorar do meu lado vou morder sua cara.

Seth engoliu o choro. Rodan ficou mais calado que o habitual sem levantar a cabeça, extremamente focado em sua taça. E Lordok observava sutilmente o semblante fechado de Rádara. Não demorou muito para o rei notar algo curioso na forma como a filha parecia ter duas fogueiras nos olhos quando seu olhar furtivamente se voltava para um único felino naquela mesa.

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Sentimentos conflituosos

- Então se você plantasse nos nove dias da semana, sem descanso, você terminaria os lotes de metade da fazenda? – Carya disse, num óbvio flerte com o jaguar que estava exagerando pra impressionar a moça que fingia acreditar. Rodan ao longe observava a cena com um semblante calmo, mas o ódio brilhando em seus olhos, suas mãos apertando tanto a caneca que poderia quebrá-la a qualque momento. Do lado, Rádara estava emburrada, olhando para frente, tentando fingir que não estava vendo o flerte da amiga.

- Sim. Mas eu não gostaria de trabalhar sem descanso assim, sem poder aproveitar o que a vida tem de bom. – O jaguar disse com um olhar sugestivo pra Carya.

- Tipo o que? A sua capacidade de mentir como uma criança patética pra tentar conquistar uma fêmea? – Rádara disse perdendo o auto controle.

- Rádara! – Carya chamou atenção da amiga. O jaguar ficou sem graça e saiu com uma desculpa qualquer. – Qual é o seu problema? É meu terceiro paquera que você espanta desde que chegamos aqui.

- É? Não notei. – Rádara respondeu dando um gole em sua bebida, de mal humor. –

Talvez fosse melhor você escolher alguém menos idiota então.

- Você está um saco! Está parecendo o... – Carya se calou antes de falar demais, de mencionar o ciúme de Rodan. Rádara não sabia sobre eles e ninguém iria saber se dependesse da própria Carya. Rádara a olhou desconfiada e Carya correu para se corrigir. –

Parecendo o meu pai. Já sei. É tédio. Você está muito sozinha aqui.

- Estou com você. – Rádara respondeu ainda emburrada.

- Eu não conto, né lerda. Estou falando de uma companhia mais máscula. – Carya disse com um sorriso e foi até um leonino que estava mais afastado e olhava meio tímido pra amiga. – Oi. Como se chama?

- Olá... Er... Samy. – O leonino respondeu. – Sou responsável pela contabilidade daqui da fazenda em geral.

- Ótimo! Minha amiga ali está estudando pra ser rainha, mas claro que você já sabia disso. Vem. – Carya disse e puxou Samy pela mão sem lhe dar a chance de dizer nada.

- Ah, merda. Lá vamos nós de novo. – Rádara murmurou vendo a amiga voltando com o leonino.

- Rádara este é o Samy, contador da fazenda. Samy, esta é Rádara. – Carya disse e o leonino estendeu a pata para cumprimentar Rádara. Ela não respondeu, apenas virou o último gole da sua bebida e saiu. – Rádara!

Carya tentou seguir a amiga, saindo da casa grande na fazenda onde havia uma festa acontecendo em comemoração pela chegada da comitiva das Montanhas Amarelas, mas

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um braço forte puxou Carya pra um canto escuro fora da varanda. Carya sacou sua adaga e colocou na garganta do agressor, mas parou antes de machucá-lo.

- Temos que conversar. – Rodan disse ainda segurando ela grudada em seu corpo.

– O que pensa que está fazendo? – Carya perguntou.

- Tentando falar com você já que você vive me evitando, exceto quando estamos de serviço ou quando você resolve me provocar para ter o que quer de mim. – Rodan disse.

- Pra quem fala pouco você está querendo conversar demais. Me solta. – Carya disse e Rodan a soltou mesmo a contragosto.

- Você precisa mesmo ficar dando em cima de todo felino forte que aparece pela frente? – Rodan perguntou com a voz tensa.

- Isso não é da sua conta.

- Claro que é! Se você quer alguém para passar a noite sem compromisso, mesmo que eu não goste da ideia, eu aceito. Sabe disso.

- Que graça tem não ter compromisso e não poder variar? – Carya respondeu com aquele tom de praticidade tão habitual. – Você não é meu dono, Rodan. É meu capitão e mestre...e amante às vezes.

- Se você não quer nada sério comigo, porque me provocar? Porque me procurar à noite e me tentar até eu perder o autocontrole e ceder? – Ele perguntou magoado enquanto Carya já se afastava.

- Porque você é gostoso. – Carya disse sorrindo amplamente e saiu em busca da amiga.

~o~

- Rádara? – Seth perguntou vendo a amiga passando chutando todas as pobres e coitadas pedras no caminho. Como sempre, o rapaz estava muito distante da festa, a casa grande pequena ao longe, já perto da floresta que cercava aquele trecho da fazenda, no escuro observando as estrelas e os anéis de Likastía como rios azuis no céu escuro.

- Seth... Desculpe. Não sabia que você estava aqui. Vou te deixar sossegado. – Rádara disse praticamente rosnando.

- Vem aqui, amiga. – Seth disse com aquele tom calmo e doce, mas que ao mesmo tempo parecia ter uma autoridade sutil na alma de quem ouvia. Rádara se sentou ao lado dele no chão. – Qual o problema? Você anda muito nervosa esses meses.

- É tão visível assim? – Rádara perguntou temendo que seu pai pudesse ter notado. Ele faria perguntas...

- Pra mim que sou seu amigo, sim. – Seth disse e com aquela percepção sutil que ele tinha, notou o que a amiga pensara. – Ela é sua amiga, mas não é muito perspicaz com algumas coisas, Rád. Por um lado, isso é bom não é?

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Rádara notou o olhar prateado do amigo e percebeu. Ele sabia. – Eu... Eu não sei...

Carya é genial em tanta coisa, mas é tão lerda pra outras. E está sempre paquerando alguém. E pior...sempre querendo me apresentar pra alguém. Que droga! Como é que ela não percebe?!

- Não percebo o que? – Carya disse atrás deles e Rádara gelou. – Fala Rád. O que eu não percebo? Merda... – Carya sussurrou e Rádara temeu que ela tivesse percebido finalmente. Carya ficou com os pêlos eriçados, o olhar feroz. – Seth, proteja Rádara!

Por puro instinto, sem fazer perguntas, Seth criou uma barreira mágica crescendo para contornar Rádara primeiro, depois ele, mas Carya ficou de fora quando saltou para atacar um tigre que pulara em direção à ela. Mais tigres surgiam da floresta, uns 40 pelo menos, alguns soldados, outros magos oficiais do rei Tigrésius.

- Me deixa sair, Seth! Ela não pode lutar sozinha contra todos! – Rádara gritou desesperada.

- Não se atreva, Seth! – Carya rosnou em meio a briga, lutando contra quatro tigres ao mesmo tempo. Seth sabia que devia proteger a princesa herdeira acima de qualquer coisa, mas ver a irmã lutando ferozmente, contra todas as probabilidades, doía mais do que ele era capaz de mencionar.

- Seth! – Rádara gritou.

Seth manteve sua concentração na barreira que agora sofria sucessivos ataques dos magos de Tigrésius. Estavam longe demais para serem ouvidos na festa, ninguém esperava que Tigers pudessem chegar até ali, não com toda a população de Jagity contra eles e toda a segurança na cidade. Ele torceu para que a luz de sua magia pudesse ser vista da casa.

Então os Tiger finalmente derrubaram Carya no chão. Seis deles seguravam ela quando um Tiger de alto escalão surgiu e andou entre Carya e a barreira de Seth e Rádara. Os três sabiam quem ele era. Nunca o tinham visto pessoalmente, mas Lordok mostrara uma imagem pintura dele. Aquela cicatriz na garganta era inconfundível.

- Eltar... – Seth murmurou e o outro tigre olhou pra ele com um ar meio divertido e intrigado.

- Parece que minha fama me precede. Não me leve à mal, tigre pálido, não tenho nada contra você ou essa aqui, - Eltar sinalizou pra Carya forçada a ficar de joelhos apesar dos rosnados furiosos – mas eu preciso matar vocês. Era pra ser algo sorrateiro, mas parece que sua irmã tem uma perspicácia interessante. Quase me faz sentir pena de desperdiçar uma tigresinha tão bonita. Quem sabe, se você me implorar muito bem eu a torne minha amante....

- Que nojo! – Carya disse sem pensar. Ele estava mesmo ser amante da meia-irmã?

Parece que ele aprendeu isso com o pai.

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Eltar deu uma tapa na cara dela, suas garras deixando um corte triplo na bochecha. Ele colocou a ponta de sua espada na gargante de Carya e olhou para Seth. - Abaixe a barreira, tigre, ou mato sua irmã agora.

- Não, Seth! Ele vai me matar de qualquer jeito. Proteja ela. – Carya olhou para Rádara, lembrando de seu dever máximo.

- Você sabe que não pode matar ela, idiota! – Rádara gritou.

- Claro que posso. Eu não só posso como devo. E depois vou matar essa coisa pálida ai.

Ai seremos só nós dois, princesinha dos canibais. – Eltar respondeu.

- Não. Você não pode. Está só blefando. – Rádara disse, o machado que usava como arma já nas mãos.

Eltar empurrou um pouco a espada na garganta de Carya fazendo um furo bem pequeno, mas o suficiente pra fazer um fio se sangue escorrer. – Porque eu não poderia?

- Deuses... – Seth murmurou. – Ele não sabe...

Carya e Rádara olharam para Seth e depois Eltar espantadas. Seria possível? O filho de Tigrésius não sabia que tinha irmãos?

- Somos seus irmãos mais velhos. – Seth disse emocionado.

Eltar olhou para ele com olhos arregalados. Sua distração não durou muito, mas foi o suficiente pra Carya chegar alguns centímetros para trás e, rápida como sempre, girou velozmente, fazendo seus captores perderem o equilíbrio, pegos de surpresa, e caindo para trás. Eltar partiu para cima dela com toda fúria, brandindo a espada contra ela que nem sabia onde a sua tinha sido jogada no meio da briga.

- Carya! – Rádara empurrou Seth no chão, se desculpando mentalmente, fazendo a barreira mágica oscilar o suficiente para ela correr pra briga. Ela golpeou todos os Tigers que se aproximaram alimentada pela raiva e pelo medo de perder Carya.

- Rád! – Seth gritou, mas ela já estava no meio de muitos Tigers. Ele focou sua magia em golpes em forma de uma bola de luz que explodia na frente dos olhos dos inimigos os cegando. Ele podia matar os inimigos, mas ele não conseguia matar. Doía só de pensar no sofrimento das famílias e na dor de perder a vida que suas almas deviam sentir.

- Sua mãe ensinou bem vocês a mentir, não é?! – Eltar disse brandindo a espada sem parar, tentando acertar a tigresa ferida. Mas Carya era ágil demais e, mesmo com as mãos nuas, conseguia desviar e dar golpes nele usando as garras.

- Não é mentira, seu iludido do inferno! – Carya gritou em meio à briga. – Seu pai corno escondeu isso de você. Nós somos filhos daquele monstro, tanto quanto você!

- Víbora mentirosa! Vocês são filhos daqueles dois traidores! Não são meus irmãos! Eu não tenho irmãos! Eu sou sozinho em toda esta merda! – Eltar gritou, derrubou Carya com um chute e deu um golpe de cima para baixo visando acertar o topo da cabeça dela.

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Pra sua surpresa, e de qualquer um que visse aquilo, de joelhos no chão, ela usou as duas patas para bloquear o golpe, segurando a espada entre as mãos, com os dois gumes na vertical. Carya usou a força de seu corpo para se erguer lentamente, lutando contra a força oposta de Eltar para atingi-la, até se erguer um pouco e, com a perna esquerda, golpear as costelas do meio-irmão. Com o golpe e a dor, Eltar largou a espada e caiu no chão. Ela pegou a espada e colocou no próprio cinto. Ele a olhou confuso. Ela não ia matar ele?

- Não é mentira, idiota. Somos seus irmãos e o desgraçado do nosso pai mandou você matar seus irmãos!

- É verdade. – Seth gritou a alguns passos, ainda focado na luta. – Você não está sozinho, irmão. Estamos aqui pra te ajudar.

- Quieto, Seth! – Carya gritou sem paciência para a emotividade do irmão. – Mande seus Tiger pararem o ataque.

- Nunca. – Eltar disse irritado, se sentindo traído com a possibilidade do que aqueles tigres disseram ser verdade. – NUNCA! MATEM TODOS! – Ele ordenou e pulou em cima de Carya a derrubando no golpe. Quando ele se preparou para socar o rosto dela e ela se preparava para se defender e vencer ele, uma vulto passou pelo campo de visão de Carya, jogando Eltar longe.

- LARGA ELA, MOLEQUE IMBECIL! – Rodan rosnou sem nenhuma gota do seu conhecido autocontrole. Fato que não passou despercebido pelos seus colegas de combate.

Soldados leoninos e todos os felinos da fazenda, até mesmo as crianças e idosas usando panelas e pedras como armas, surgiram. O grupo parecia um exército irado, meio disforme com toda essa diferença de raças, mas tão eficaz que logo colocou todos os Tiger para correrem pro meio da floresta de novo. Seth caiu desacordado depois de gastar tanta energia nas suas magias e Carya caiu de frente no chão, toda dolorida agora que a adrenalina da batalha acabara. Rádara correu para ela, derrapando no fim do caminho com pressa. Ela virou a amiga para cima, colocando a cabeça dela em seu colo. Rádara sentiu seu coração se partir em milhares de pedacinhos. Carya estava muito ferida, com cortes e sangue em toda parte, seu rosto estava inchado e molhado de sangue.

- Carya... – Rádara sussurrou.

- Pare de drama, Rád. – Carya disse sorrindo apesar da dor. – Daqui a pouco vou estar boa pra te arranjar um namorado... – Ela disse e desmaiou.

Rodan se aproximou para pegar Carya no colo, mas Rádara olhou pra ele como se pudesse matá-lo só no olhar. Qualquer dúvida que ele ainda tinha sobre os sentimentos da filha do rei sumiram naquele momento. Ele a encarou com igual mal humor e se forçou a dizer no tom mais sereno que pôde: - Preciso levar ela pra dentro. Ou quer que ela morra por falta de cuidados? Você é muito forte, mas nem tanto.

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- Eu vou junto. E isto não é um pedido, capitão. – Rádara disse com ênfase irônica no cargo dele e os dois se encararam como dois galos de briga, antes de Rodan pegar Carya no colo e Rádara se levantar o seguindo de perto. Ela ordenou com seu tom digno de uma rainha: – Tragam Seth para dentro e os coloquem no mesmo quarto. Eles são inseparáveis.

~o~

- Vamos por aqui... – Eltar disse indo por um caminho na trilha que ele sabia que havia um gêiser de gás venenoso. Nunca se sentira tão feliz por prestar atenção ao que o desgraçado do Leviatã dizia nas noites em que passavam juntos e ele se gabava de conhecer coisas naturais que poucos conheciam em áreas que ninguém se atrevia a passar.

Se o velho mago não fosse um mentiroso, então o gêiser liberava seus gases a cada 6

minutos e o único antídoto era o aroma das folhas de uma árvore que crescia a quilômetros dali, no início da trilha. Lógico que, disfarçadamente, Eltar pegou algumas dessas folhas e as escondeu no manto. Ao chegar em determinado ponto do caminho, o ar começou a ficar mais denso. Eltar colocou a mão no rosto, com a folha dentro dela, e ordenou que os soldados e magos caminhassem mais à frente para avaliar o terreno em busca de uma clareira. Os magos perceberam que havia algo errado no ar, mas, erroneamente, culparam alguma magia e criaram um feitiço para se proteger dos encantamentos. Não deram mais que alguns passos para frente, enquanto Eltar dava passos para trás, e todos os soldados e magos caíram intoxicados, morrendo em poucos minutos, o veneno no ar corroendo seus pulmões. Ele voltou para casa sozinho e contou ao pai que fora traído pelos magos que mataram seus soldados e quase o mataram, mas ele vencera a todos, matando alguns no processo, enquanto outros se uniram aos leoninos.

- QUE INFERNO! BANDO DE TRAIDORES DE MERDA! – Tigrésius ficou furioso e usou o poder das chamas de Éris, o poder do rei, para incendiar três escravos que estavam parados na sala prontos para servir mais vinho para o rei. Os três morreram aos gritos enquanto Eltar olhava sem nenhuma emoção no rosto. – Pelo menos você matou alguns. Você deverá caçar e matar os outros, moleque! Ou eu vou queimar seu rabo!

- Sim, senhor, meu rei. Nada me deixará mais feliz do que matar aqueles traidores que atrapalharam meu plano perfeito. – Eltar disse e Tigrésius o encarou como se quisesse ler a alma do filho. Eltar manteve o olhar firme.

- Bem, - Tigrésius disse finalmente com um ar arrogante – pra alguma merda você tem que servir, já que é meu único filho. Saia da minha frente antes que eu mate você por sua burrice em não perceber logo a traição.

Eltar se curvou e saiu, olhando de canto para Leviatã por alguns segundos. O mago não era burro.

~o~

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No meio da madrugada, a porta dos aposentos de Eltar estava encostada. Leviatã entrou e trancou ela por dentro. No cômodo de entrada, uma sala de recepção com dois divãs, lareira e uma luxuosa mesa no centro, três portas ao redor da sala davam para o quarto do príncipe, um closet e outra para um pequeno salão de jogos. Leviatã seguiu para a porta entreaberta do quarto do príncipe e entrou. Eltar estava sentado na cama, seminu, esperando pelo mago com um semblante sério.

- O gêiser, heim? – Leviatã disse com uma pontada de orgulho. – Astuto, tenho que admitir. Mas se seu pai souber...

- É verdade? Os gêmeos da traidora são meus irmãos? – Eltar perguntou indo direto ao ponto.

Leviatã olhou para o príncipe sério. Aquela linha podia ser cruzada? Se ele contasse, o rei não o perdoaria, mas se negasse, poderia perder seu amante mais obediente... – Meio-irmãos. – Leviatã confirmou. O rei tinha a lealdade dele, mas não era seu dono. E, afinal, ele era um mago. Não ia perder seu brinquedo preferido por uma bobagem.

Eltar olhou para ele ainda sério. Então, lentamente, sorriu com seu sorriso mais apaixonado que podia criar. – Você não podia contar porque o rei é seu chefe. Entendo.

Mas obrigado por me contar, meu amado. Agora... Porque não vem aqui para eu te agradecer do jeito certo.

Leviatã sorriu como um predador, chegou perto da cama e ficou em pé enquanto Eltar, sentado na cama, tirava a calça do mago para fazer algo que aquele velho nojento adorava.

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Os três sacrificados

Dois dias depois do ataque, Seth melhorou o suficiente para suportar a viagem de volta para as Montanhas Azuis, feita muito antes da hora sob ordens expressas do rei Lordok. Carya ainda estava desacordada na maior parte do tempo e, quando abria os olhos, a febre a fazia ter alucinações, não reconhecendo ninguém. Agora, quase uma semana depois, ela estava melhorando aos poucos, mas ainda não tinha recuperado a consciência.

Lordok, vendo a preocupação do rapaz, não fez questão de agilizar a cerimônia de nomeação dele à mago do rei. O tigre branco treinava suas magias apenas por insistência dos pais que temiam que, se ele ficasse o tempo todo à beira da cama de Carya, sensível como ele era, podia ter algum quadro de tristeza profunda ou culpa. Rádara e Rodan também mal saiam da casa da família de Hunna, sempre cuidando de Carya e se enfrentando silenciosamente sempre que suas obrigações permitiam que eles escapassem para visitar a tigresa. Ninguém havia falado abertamente sobre o que os incomodava, mas a tensão entre os dois era visível.

Era a noite do nono dia após o ataque na fazenda. Rádara estava a poucos minutos do início de sua aula de astronomia, Seth havia apagado no quarto por insistência de Hunna que dormia ao lado do filho, e Fagrir, que havia dispensado o mordomo da casa para que o coitado descansase, preparava alguma coisa na cozinha quando duas batidas firmes e baixas soaram na porta. O pai de Carya já imaginava quem era. Aquilo meio que já se tornara uma rotina nos últimos dias e isso o estava deixando com a pulga atrás da orelha.

Ele e Lordok.

- Boa noite, lorde. – Rodan disse formalmente com uma postura excessivamente ereta, como se falasse com um superior e não com um antigo amigo.

- Rodan. Eu estava esperando você. Entre, meu amigo. Tome. – Fagrir entregou a caneca com uma bebida quente e enérgica para o capitão que, provavelmente, passaria a noite de novo ao lado de Carya.

- Obrigado. – Rodan disse. – Como ela está?

- Na mesma. Sem febre, mas ainda dormindo. Seth acha que ela irá acordar em breve.

– Fagrir respondeu. Depois acrescentou com um tom casual, como se não estivesse avaliando a reação do amigo: – É admirável o quanto o mestre de minha filha se preocupa com ela.

- Eu a vi nascer e crescer. – Rodan respondeu calmo por fora, trêmulo por dentro. Será que Fagrir sabia? Carya teria dito algo durante suas alucinações? Como o amigo reagiria?

- É verdade. Mas ela não é sua filha. É minha filha. – Fagrir disse casualmente, guiando Rodan silenciosamente para o quarto de Carya.

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- Não. Ela não é minha filha.

Graças às Luas Irmãs. Rodan acrescentou mentalmente.

Fagrir olhou para ele com um sorriso calmo, mas um olhar astuto como uma águia. –

Só checando. – Ele bateu levemente na porta e abriu. – Rádara, minha querida.

- Sim, tio. – Rádara disse docemente com um sorriso fraco que logo sumiu quando ela viu Rodan atrás de Fagrir. – Ah. Capitão.

- Princesa. – Rodan respondeu com frieza mal escondida. – Sua mestra a está chamando para sua aula, alteza.

- Sei das minhas obrigações, capitão. – Rádara respondeu devolvendo o mesmo tom ácido ao mencionar o cargo do leonino que ele usara ao mencionar seu pronome de tratamento.

- Pode ir, querida. Obrigado por tudo. Se houver qualquer mudança no estado dela eu correrei para avisá-la. – Fagrir disse tentando evitar aquele clima chato.

- Sim, tio. Eu agradeço. – Rádara disse docemente. – Boa noite, tio.

Ela saiu cumprimentando respeitosamente Fagrir e dando um olhar fuzilante para Rodan que mal disfarçava o incômodo com ela. Fagrir acenou para Rodan se sentar na poltrona ao lado da cabeceira da cama e saiu para acompanhar a princesa até a porta como manda a regra mais antiga e respeitada de Likastía: a hospitalidade. Rodan sentou, pegou entre suas mãos peludas a pata enfaixada com tiras brancas de curativo, beijou e colocou ela em seu rosto acariciando com a bochecha, seus bigodes longos e triplos se contorcendo sob a pata da tigresa.

Acorde, querida. Por favor. Preciso ver você andando como uma rainha por aí. Me perturbando em meu quarto. Sendo linda e irritante. Sem você aqui eu não vou suportar esta vida vazia. Você me completa e eu preciso te dizer isso. Rodan pensou, de olhos fechados. De repente seu instinto de militar o fez ouvir os passos praticamente silenciosos de Fagrir na porta. A cena não era nada demais. Qualquer um ficaria emocionado daquele jeito se visse o estado de Carya que estava cheia de hematomas pelo corpo, magra pela alimentação líquida que lhe davam mesmo durante o sono e o rosto às vezes se contorcendo com dores. Todos, menos Rodan que não era nada emotivo, sendo apelidado de “alma de gelo” por todos nas Montanhas Azuis desde criança. Fagrir o olhava com aquela expressão de “peguei você!” meio divertida e Rodan sentiu o chão sumir sob seus pés. Ele pigarreou, colocou a mão de Carya na cama e disse com seu costumeiro ar frio e prático: - Ela não tem febre.

- Febre... Sei. – Fagrir disse com expressão séria, mas por dentro estava quase gargalhando.

- Pai. – Seth apareceu na porta parecendo eufórico, com Hunna sonolenta do lado.

- Garoto, você devia estar dormindo. – Fagrir disse.

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- Eu vi Carya... Não em sonho, pai. – Seth se apressou a dizer antes que o pai sugerisse isso. – Eu vi o que aconteceu com ela no...

~o~

Carya estava flutuando sobre um monte de pedras que voavam num céu escuro e cheio de poeira. O sol de Likastía brilhava, mas, não parecia iluminar o céu, não da forma comum. As rochas abaixo dela giraram e se uniram com outras, e outras, e mais outras, até que formavam uma esfera semelhante às rochas vulcânicas entre a lava, três esferas se aproximaram daquela bola flamenjante gigante. Ela precisou desviar de uma dessas esferas, muito maior que as outras duas, mas elas não atingiram a bola flamejante. A poeira já tinha sumido e a bola flamejante agora era uma esfer azul, muito parecida com Likastía, mas sem os anéis e com três luas: a pequena verde-água Khallys, a grande e vulcânica Éris com suas cores de fogo e uma maior ainda, azul quase no mesmo tom de Likastía.

- É Likastía no passado, antes das entidades da estrela criarem os felinos à sua imagem e semelhança. – Carya se lembrou das aulas de ciências místicas.

- Claro, criança. - Uma voz soou. Uma voz femina, repleta de autoridade. O estranho é que a voz soava de todos os lugares: de dentro da mente de Carya e de fora, do escuro espaço e de dentro de todas as esferas de rochas, gases e luzes. Era como se essa voz preenchesse tudo.

- Quem...quem está aí? O que está acontecendo? – Carya perguntou se virando para todas as direções inutilmente à procura de um rosto para aquela voz.

- Já me chamaram de muitos nomes, Carya Tiger. Você me conhece por esta face. – A voz disse e a luz solar pareceu brilhar um pouco mais intensamente, como se respondesse à ela.

- Kallisti, a luz na escuridão. A divindade suprema. – Carya disse quase num sussurro reverente.

- Sim, seu povo me deu esse nome. – Kallisti, a voz, respondeu e parecia sorrir pelo seu tom.

- Eu...eu morri? – Carya perguntou e, por um instante ínfimo, poderia jurar ter sentido a presença de seu irmão gêmeo ao seu lado, mas não tinha ninguém lá.

- Não. – Kallisti respondeu. – Você está aqui para ver uma coisa. Diga, criança, o que você vê?

- Likastía e as luas antes do Sacrifício. – Carya disse. De repente a imagem mudou e ela pôde ver, ao invés de Likastía e suas luas, um prado à perder de vista, com plantas azuladas sob seus pés, altas como uma plantação de lavanda. O vento soprava de Leste para Oeste, o sol brilhava no alto do céu. À frente haviam três jovens, duas moças e um rapaz de uma espécie que ela nunca vira, mas, estranhamente andavam sob duas patas como qualquer

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felino de Likastía. Uma das jovens tinha cabelos laranjas, cacheados e armados como as jubas dos leoninos machos e um vestido amarelo; a outra usava um vestido igual, mas cor verde-água igual ao seu cabelo longo até os tornozelos; o rapaz usava uma capa azul como o céu e tinha cabelos pretos como a noite sem luar. Ao seu lado, Carya sentiu como se Seth estivesse ali do lado direito e a voz soou ao seu lado esquerdo.

- Reconhece? – Kallisti perguntou.

- Sim. São Khallys, Éris e Anuin. Os três sacrificados. – Carya respondeu e, como se sua resposta invocasse a mudança, os três começaram a discutir, o céu ficou roxo brilhante, o sol brilhou com maior intensidade e a terra rachou. – Anuin quer o amor de Khallys, mas ela quer Éris e Éris só ama a luz do sol, a deusa Kallisti.

- Sim. – A voz de Kallisti disse com o que pareceu ser tristeza.

De repente Anuin percebe o mundo se destruindo ao seu redor. Khallys está tentando chamar atenção de Éris, sua amiga e amor, mas a jovem de cabelos laranjas está apenas olhando com admiração para o sol, a face de Kallisti. O chão se abre sob os pés de Éris se abre e Khallys se lança para salvar a outra jovem que ainda está mais focada em sua adoração à Kallisti. Anuin, percebendo que ambas as suas amigas, entre elas seu amor, irão morrer, se lança para o segurá-las. Khallys e Éris são puxadas para a segurança, mas Khallys está muito ferida. Temendo sua morte, Éris finalmente se volta para a amiga, a coloca no colo e implora à deusa Kallisti que salve sua amiga e promete serví-la eternamente. Khallys sussurra que seguirá Éris para onde ela for e, então, também servirá à Kallisti eternamente.

Kallisti responde com o brilho do sol aumentando e uma voz firme e gentil dizendo que não há como devolver uma vida que já está condenada, ou isso quebrará o equilíbrio entre vivos e mortos. Anuin então, não querendo viver sem sua amada e vendo Éris, sua amiga, sofrer, se oferece como sacrifício, sua vida sendo tomada no lugar da morte certa de Khallys. O mundo entra em equilíbrio e as amigas são vista já velhas, deitadas no solo de mãos dadas. A morte as leva ao mesmo tempo.

Tudo se transforma mais uma vez e as esferas flutuantes no espaço reaparecem. Uma pedra gigante passa por Carya em direção à lua verde-azulada, a pequena Khallys. Mas, no último segundo, a grande lua azul azul passa entre a rocha espacial e a lua esverdeada e é atingida, causando uma enorme explosão, jogando fragmentos ao redor. Com a passagem do tempo a lua azul fragmentada se transforma em anéis de rochas e poeira ao redor de Likastía, os anéis Anuin. Quando os anéis se firmam naquela posição com as luas irmãs os seguindo, a voz de Kallisti surge prometendo que os três amigos, os três corações sacrificados sempre a servirão enquanto estiverem unidos e que Éris será a guardiã do fogo, um fragmento do poder de Kallisti, que sempre deverá ser usado com justiça e honra.

- Eu não entendo... Porque está me mostrando isso? Eu cresci ouvindo essa história, assim como todas as crianças em Likastía.

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- Porque, minha cara, você é minha escolhida. Você derrubará o rei que usurpou o poder das chamas de Éris. – Kallisti respondeu.

- Mas eu nem tenho magia nenhuma. Pra derrubar o poder do rei é necessário magia.

Especialmente...

- Você não tinha. – Kallisti corrigiu. – Quero que saiba o que esse poder carrega, o que ele representa. Não quero que use a desculpa de ser apenas um mito ou algo tolo. Você viu.

Eu não posso tirar o poder dele. Não devo interferir dessa forma. O mundo deve ser guiado pelas ações de lutas de seus habitantes, não pelas mãos dos deuses. Por isso só existe uma forma de deter as chamas de Éris de um rei injusto. E você sabe disso. Você deve usar esse poder com honra e justiça ou seu castigo será pior que o de seu genitor. Está disposta a lutar por seu povo tirando o rei insensato e criminoso do poder? Você aceita esse poder, Carya Tiger?

Carya pensou por um tempo. Uma de suas mãos pareceu formigar levemente, como se algo a tocasse sutilmente, como o beijo suave de algum ser distante e, ao mesmo tempo, tão perto. Mas não havia nada ali. Seu corpo parecia feito de fumaça e não havia nada a tocando. Sentiu Seth ainda ao seu lado, embora não o visse ali. Eles eram gêmeos e algumas vezes coisas estranhas como invadir os sonhos um do outro aconteciam. Mas eles sempre eram visíveis um ao outro. De repente, a sensação de Seth ali sumiu e Carya percebeu que sempre tivera uma resposta para a pergunta de Kallisti, muito antes desse sonho louco.

- Sim. Eu aceito. Juro por Kallisti, a luz na escuridão, e por Éris, a chama do coração, que lutarei e usarei esse poder com honra e justiça e que lutarei para remover o tirano do poder. – Carya disse com toda a força que tinha na alma.

- Bem vinda ao meu poder, Carya Tiger. – A voz de Kallisti disse e o sol brilhou mais e mais até tudo ficar branco.

Carya sentiu seu corpo pesado e dolorido, ainda confusa e com tudo branco ao seu redor.

- ... Eu vi o que aconteceu com ela no...

- Seth? – Carya chamou e sentiu suas pálpebras se abrirem com dificuldade. Rodan estava ao seu lado com aparência mais cansada do que ela jamais o vira, com olhos brilhantes como se estivesse vendo um rio de joias. Seu pai estava perto da porta, meio de lado, enquanto Seth e sua mãe estavam parados na porta parecendo cansados. Seu irmão correu até ela e quase se jogou na cama a abraçando.

- Carya!

- Ai! Calma, irmãozinho. Você vai me desmontar desse jeito. – Carya disse acariciando a cabeça do irmão.

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- Parabéns! – Seth se afastou um pouco e olhou para ela. Em seu olhar ela soube. Ele estava mesmo lá e aquilo definitivamente não fora um sonho.

- Parabéns pelo que? – Hunna perguntou entrando no quarto de mãos dadas com Fagrir que estava fungando.

- Por... – Seth começou e foi interrompido.

- Por acordar. – Carya disse e, mesmo sem olhar para Seth, sabia que seu irmão entendera que devia calar a boca.

Rodan não se conteve de alívio. A tigresa que era sua razão de viver, que iluminava seus dias, estava acordada, consciente, viva. Ele se ajoelhou ao lado da cama, pegou sua mão na dele e a beijou com toda reverência do mundo. O formigamento suave na mão dela a fez se lembrar da mesma sensação no sonho, ou visão. Teria sido o toque de Rodan que ela sentira mesmo tão longe? Não. Com certeza fora de seu irmão ou de seus pais. Rodan começou a soluçar e... Chocante! Ele estava chorando muito. Lógico que ninguém era cego ou burro ali pra não entender. Mas Carya rezou mentalmente para que sua família não entendesse ou não levasse para o lado romântico da coisa. Até que o alívio daquela semana de angústia fez Rodan falar sem pensar.

- Você...Está...Você... Minha Carya. Meu amor.

Merda. Carya pensou olhando para sua família.

- Vamos, querido. Vamos deixar os dois sozinhos. – Hunna disse com um sorriso cúmplice e piscou pra Carya. Hunna, Fagrir e Seth saíram deixando Carya com seu capitão e amante.

~o~

Durante um jantar para comemorar a recuperação de Khara, Leviatã estava tentando falar com o rei, mas ele estava ocupado demais apalpando as nádegas e seios da rainha em público para mostrar que ela era só dele.

Mal sabe ele... Leviatã pensou e conteve o mal humor. Odiava quando o rei não lhe dava a devida atenção. A anos isso quase o fez se voltar contra o rei, mas ele se desculpara dando o melhor presente que o mago poderia querer: o próprio filho ainda criança para ser seu amante da forma que ele quisesse. Eltar era seu dúvida seu brinquedo preferido. No início o garoto fingira não gostar, era bem verdade, mas isso só o excitou mais. Depois de algumas chicotadas, alguns arranhões em locais bem íntimos, mordidas para deixar sua marca, o garoto se entregara e, como Leviatã previra, o moleque adorava. Depois disso, até os dias de hoje, Eltar era fogoso, obediente, serviçal, astuto, safado, musculoso... Tudo que ele gostava. O mago nem percebera que estava olhando para o príncipe a algum tempo com aquele fogo interior que o garoto despertava.

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- Está distraído com as rameiras do meu palácio, mago? – Tigrésius perguntou com tom cruel, sorrindo e olhando para o filho e o mago. Claro que ele sabia. Todo mundo sabia da relação dos dois tigres, mas mostrar isso em público era inaceitável.

- Suas servas são lindas sem dúvida. – Leviatã respondeu fingindo interesse na serva atrás de Eltar que estava olhando calmamente para as dançarinas como se não estivesse nem ouvindo o pai. Para aumentar o mal humor do mago, Tigrésius já não estava o ouvindo, extramente focado em beijar a rainha que estava em seu colo semi nua. Servas já haviam sido puxadas para colos indesejados mesmo à mesa. Leviatã adorava esses eventos do rei, esses jantares repletos de libido. Mas ele passara o dia todo tentando falar com o rei algo importante, algo que era seu trabalho dizer. Mas o rei nem lhe dera atenção. Nem mesmo os sons sexuais em meio ao jantar o estavam animando. Quando ele ficava nesse estado de humor só Eltar tinha o poder de o alegrar.

Ele precisava falar com o rei. O que estava acontecendo era muito perigoso. Ele precisava saber o quanto antes.

- Majestade, lamento incomodar sua diversão...

- Mas está incomodando mesmo assim... – Tigrésius disse incomodado por ter parado suas carícias nada sutis na rainha.

- Majestade, é importante...

- Importante é o que estou fazendo, mago. – Tigrésius disse em seu tom mais autoritário possível, deixando claro quem mandava ali. – Vá chupar a puta do meu filho e me deixe aproveitar minha fêmea como o verdadeiro macho líder que sou nesta merda!

A mesa toda silenciou. Eltar estava de olhos arregalados, mas respirou fundo e se conteve. Leviatã, por outro lado, estava furioso. Uma coisa era fingir que ele não existia, isso, com o presente certo, ele até podia deixar passar. Mas humilhar seu amante preferido? Isso nunca.

- Com...licença. – Leviatã disse saindo da mesa com passos controlados como se, ao menor descuido, ele pudesse matar o rei ali mesmo.

- Leve sua puta preferida antes que você chore em seu quarto como uma mocinha menosprezada. AHAHAHAHAHA! – Tigrésius disse colocando Khara em seu colo de novo.

Ela e toda a mesa riram também enquanto Eltar se levantava e seguia ao lado de Leviatã.

Ambos mal contendo a raiva.

Leviatã não chamou, mas Eltar o seguiu. Era útil manter o mago ao seu lado e fingir preocupação com ele era uma parte importante nesse plano. Eltar fechou a porta do quarto do mago e dispensou a serva trêmula de uns 10 anos que o aguardava. Ele mesmo preparou uma bebida para o mago e entregou quando ele se sentou. Mas o mago não bebeu. Ao invés disso, jogou a taça na parede, enquanto xingava o rei. Era a primeira vez

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que Eltar o via tão furioso, mesmo já tendo tido muitas razões para perder a calma com o rei.

- Meu querido, esqueça-o. Você é o melhor mago de Likastía, não precisa se importar com as ofensas de um bêbado. – Eltar disse massageando os ombros do mago.

- Eu sei. Sou perfeito. Mas ele nunca devia mexer com você, meu menino. Isso não vou esquecer nunca. Ninguém mexe com meu amante. NINGUÉM! – Leviatã tomou então uma decisão. – Venha. Sente-se no meu colo.

Eltar obedeceu, colocando uma perna de cada lado do mago que o segurou pelos quadris com muita força. Eltar suspirou, aparentemente de prazer, mas era dor. Só que o mago não precisava saber disso.

- Diga, meu rapaz, o que você é meu? – Leviatã fez a mesma pergunta que sempre fazia para o rapaz desde criança. Só havia uma resposta certa.

- Sou seu escravo de cama, meu senhor. – Eltar respondeu ofegante.

- Bom garoto. Agora, meu escravo obediente, você conhece a lenda dos três sacrificados? – O mago perguntou.

Eltar estranhou a pergunta, afinal, toda Likastía conhecia a lenda. O que isso tinha a ver com a situação?

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Fugas

- Aqui. Beba. – Eltar empurrou o odre com água na mão do ex prisioneiro.

Há pouco mais de uma semana, antes de partir para a malfadada missão de assassinato e sequestro, Eltar tinha entregue uma serra pequena para o prisioneiro que a escondia em uma rachadura pequena na parede, perto de suas algemas de ferro. Durante o dia o prisioneiro usava a lixa no elo mais ao alcance e, sempre que podia, Eltar se esgueirava até ali e lixava o mesmo elo e alimentava o homem que estava um pouco mais forte. Agora, o elo finalmente havia se partido e ele colocaria a segunda parte do plano em ação.

- Onrigado. – O prisioneiro disse, a garganta e a língua feridas, queimadas na tortura a duas noites quando Tigrésius literalmente usara as ‘chamas de Éris’, o poder do rei, na boca do coitado.

- Ele deve voltar aqui ainda hoje. Vou chamá-lo e você sabe o que fazer. – Eltar disse.

- Sim. Estarei nronto. – O homem respondeu.

- Ótimo.

Horas mais tarde, como Eltar previra, Tigrésius entrou acompanhado de Leviatã. O

prisioneiro estava sentado, quase jogado no chão, gemendo como se estivesse com muita dor, fraco e faminto. O ferimento em sua boca ainda doía muito, mas a poção que o príncipe lhe dera ajudara bastante.

- Você está uma merda, sabia. Quem diria... Antes andava como um pavão de rabo levantado se exibindo por ai. Agora olha pra você. Acho que sinto até pena. – Tigrésius debochava. – Leviatã, isso aí não te dá pena?

- Não, senhor. Nem um pouco. – Leviatã respondeu sorrindo.

- À mim também não. AHAHAHAHAHHA! – Tigrésius estava de bom humor. Para o prisioneiro isso era tão ruim quanto ele estar de mal humor.

- Tem alguém chegando. – Leviatã disse sentindo uma aproximação com sua magia.

Tigrésius foi até a porta, destrancou a magia e saiu. Ele voltou emburrado.

- Leviatã, meu bom Tiger, fique de olho nessa merda aí. Meu filho encontrou uma serva falando demais no mercado e a trouxe para mim. Parece que isso precisa da minha atenção. Divirta-se, mas deixe um pouco para mim. – Tigrésius disse e trocou um sorriso sádico com o mago.

Leviatã se aproximou da criatura enrolada no chão, trêmula, sem nenhum pêlo no corpo, sem o rabo que fora cortado a anos e sem os caninos. Ele esticou a mão e começou a se curvar para tocar a criatura, para recomeçar a sessão interminável de torturas. Então, para seu maior espanto, uma pata forte e sem garras, agarrou seu pulso, o puxou para

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baixo enquanto a outra pata se moveu velozmente o golpeando com a algema pesada de ferro na cabeça. Ele sentiu o gosto do sangue na boca, um de seus caninos longos voou longe, e então ele apagou. O prisioneiro tirou rapidamente as roupas do mago e vestiu-se.

Não pegou o cajado mágico porque, como todos sabem, a magia do cajado faz com que o objeto seja uma extensão de seu dono e isso denunciaria onde ele estava.

Ele colocou o capuz sobre a cabeça e saiu em direção à sauna que ficava dentro de uma caverna artificial perto dos aposentos do príncipe. Lá, num canto escuro, sem tirar a roupa do mago o calor era quase insuportável. Afinal aquilo não era roupa pra sauna. Mas ele já tinha passado por coisas muito piores.

Grande Kallisti, me ajude. O prisioneiro pensou. Talvez fosse uma resposta da deusa porque, minutos depois, Eltar entrou semi-nu, enrolado em uma toalha, como se realmente estivesse só indo pra sua sessão na sauna.

- Ele não vai demorar para descobrir. Coloque isto e guarde essas roupas nessa bolsa.

Tem uma carruagem de suprimentos saindo daqui a cinco minutos. Você vai se esconder no meio da carga de armas que ordenei que seja enviada ao castelo da praia. A primeira parada dele será no ponto que mencionei antes. Desça quando ele parar e entre na mata.

Eu marquei as árvores com fitas azuis. Siga-as retirando as fitas e levando com você. No final da trilha terá um cavalo. Use-o para ir até o ponto marcado neste mapa. – Eltar entregou um mapa com um ponto vermelho marcado no meio de uma densa floresta. – Eu o encontrarei lá assim que possível. Tem comida, água e remédios estocados lá suficientes para você passar até um ano sem precisar sair. Entendeu?

- Sim.

- Agora vá.

- Obrigado, mestre. Serei sempre leal a você. – O prisioneiro disse, visivelmente grato.

- Para o seu bem, é bom mesmo. – Eltar respondeu. O prisioneiro fez uma reverência à ele, uma reverência profunda que só se faz à um rei, e então saiu. Eltar sentou tranquilamente no banco de pedra da sauna onde tantas vezes sofrera queimaduras do pai, surras em regiões íntimas dadas pela mãe e abusos sexuais inúmeras vezes do odiado mago. Agora tudo que ele sentia era felicidade. Uma que ele nem sabia que tinha a capacidade de sentir. A vingança só estava começando.

~o~

- Onde você vai? Você deveria estar descansando... – Hunna dizia agoniada porque Carya ia sair de novo. Dois dias depois de acordar e a menina parecia ter alergia de ficar quieta dentro de casa.

- Não se preocupe. Não vou estar sozinha. Te amo, mãe. – Carya disse, beijou o rosto da mãe e saiu às pressas antes que pudessem impedí-la.

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- Ela só está tentando evitar aquela conversa. – Fagrir disse abraçando Hunna e dando um beijo no topo de sua cabeça.

- Mas precisamos falar sobre isso. Ela é uma moça de família, não pode ficar assim e...

– Hunna queria definir de uma vez a situação de Rodan e Carya. Era evidente que ele queria formar uma família com ela, mas Carya desconversava toda vez que Hunna falava sobre isso.

- Tia Hunna. – Rádara chamou da porta. – Carya já saiu?

- Sim. Acabou de fugir de uma conversa importante. – Hunna disse mal humorada, mas se calou quando Fagrir deu uma leve cotovelada nela.

- Ah... Entendo... – Rádara respondeu. Ela também andava fugindo de uma conversa que o pai andava tentando ter com ela. – Obrigada.

- O que foi isso? – Hunna perguntou ao marido sobre o sinal pra ela calar a boca.

- Amor da minha vida... Será que você não percebeu? – Fagrir disse e ela deu um olhar confuso para ele. – Venha, minha bela dama. Vamos tomar o desjejum e explicarei.

- Você sabe que pode ter mestres de verdade, especialistas nisso, e não só um mago mais ou menos como eu, não é? – Seth disse.

- Seth você não é um mago mais ou menos. É a porra de um mago incrível. E eu não confio em qualquer um. Você é meu irmãozinho e estava lá, então com certeza é você quem deve me ajudar a treinar. – Carya respondeu impaciente.

- Mas como você tem certeza de que é isso que significa? – Seth perguntou.

- Porque eu estou dizendo que você vai me ajudar e pronto! Pare de pergunta idiota e vamos logo antes que o chato do Rodan surja do quinto dos infernos que nem uma sombra extra minha e queira vir com a gente. – Carya disse, se apoiando no braço do irmão.

- Ele te ama...

- Eu também amo a mim mesma porque sou incrível. – Carya disse e Seth não conseguiu evitar o sorriso.

Seth e Carya se afastavam das residências ao longe quando Rádara os viu e tentou correr atrás deles. Mas, uma pata forte e amarelada pousou em seu ombro com firmeza.

- Agora nós vamos conversar. – Lordok disse em tom sério e deu o outro braço para que a filha colocasse o dela ali e seguisse ao seu lado.

Não havia como fugir. Rádara aceitou o braço do pai e voltaram para casa. Lordok a levou para uma varanda onde a família gostava de se reunir nos dias quentes como aquele.

Teira estava dormindo ainda, cansada de uma recente viagem da qual voltara no dia anterior. Pelo menos a conversa seria só com o pai. Rádara amava a mãe, mas sempre se sentira mais à vontade para falar com o pai. Os empregados da casa trouxeram comida e

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bebida para a mesa e saíram silenciosamente. O pai, como sempre, pegou uma grande quantidade de comida. Isso eles tinham em comum. Ambos comiam bastante. Mas, nessa manhã, Rádara pegou apenas um copo de suco e não tinha vontade nem de prová-lo. Seu pai comeu um pouco e então parou, colocou ambas as mãos com os dedos entrelaçados em cima da mesa, inclinou-se um pouco para frente e a olhou com aqueles olhos avaliativos.

- Carya sabe que você é apaixonada por ela? – Lordok perguntou assim, sem rodeios, à queima roupa.

Rádara ficou gelada. Meu pai sabe. Merda! O papai sabe! O que ele deve pensar dela?

Os Tiger odeiam quando seu povo demonstra em público as relações homossexuais. Os leoninos não dão a mínima para isso. Mas... nunca houve um leonino homossexual na família real. E Carya? Ela sabe? Ela é uma Tiger, no fim das contas... O que ela vai pensar?

Ela é tão...fogosa. Mas... pensando bem... nunca a ví com nenhuma fêmea felina.

- Rád. – Lordok chamou tirando Rádara de sua espiral de pensamentos confusos.

- Pai...eu...bem...então...acontece que...sabe...então...assim

- Pelos deuses, menina, respire! Sua mãe me mataria se você enfartasse por uma simples conversa comigo. – Ele disse tentando aliviar o humor.

Rádara respirou fundo de olhos fechados, reuniu toda a coragem de sua alma, abriu os olhos e disse: - Não pai. Ela não sabe. Como o senhor sabia que sou apaixonada por ela?

- Não sabia. Só suspeitava. Você acabou de confirmar. – Lordok disse com um brilho triunfante.

- Pai!

- Você ainda tem muito o que aprender sobre como evitar essas armadilhas durante seu reinado, minha princesinha. Mas, felizmente para mim, você ainda não aprendeu. Carya é uma boa felina e uma grande guerreira. Pelo menos seu coração sabe escolher quem vai amar.

- O senhor...não está bravo?

- Porque eu estaria? – Lordok olhou para a filha completamente confuso.

- Porque...Bem...ela é uma felina e eu também sou...sabe....felina.

Lordok pegou a mão da filha por cima da mesa e a olhou nos olhos. – Rád, não somos hipócritas e não julgamos os corações pelo sexo de seu corpo. Nunca julgaria você por amar alguém honrado apenas por pertencer ao mesmo gênero sexual. Você é minha filha e a única coisa que me preocupa é se você será igualmente amada ou não. Nunca tenha medo de me dizer nada, querida. Agora... Quando vai falar com ela? Sugiro que faça logo. Todos conhecemos o espírito namorador da sua amiga. Não vai demorar muito para alguém conseguir conquistar o direito de dividir a vida com ela.

- Eu não sei... – Rádara não quis comentar com o pai sobre a paixão do capitão da guarda do rei pela Tiger. – Mas não vou fugir disso por muito mais tempo. Talvez o

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problema seja justamente porque venho fugindo dessa conversa. Eu fugi muito dessa conversa com o senhor por medo de sua reação, pai. Estou fazendo o mesmo com Carya.

Talvez seja hora de parar de fugir.

- Essa é a minha futura rainha. – Lordok disse todo orgulhoso e meio babão.

~o~

- Eu vim assim que soube. – Eltar disse entrando às pressas, sentando na beira da cama do mago e acariciando seu braço. Os servos saíram silenciosamente com o olhar fulminante que Eltar lhes dera. – Oh meu querido mago. O que fizeram com você, meu senhor?

- Seu pai vai cuidar disso. Onde você estava? – Leviatã perguntou meio animado só de ver o príncipe.

- Na sauna me cuidando para você. – Eltar disse com um fraco sorriso, parecendo sofrer muito.

- Não fique assim, meu garotinho. Não é uma coisa boba dessas que vai me derrubar.

Infelizmente. Eltar pensou enquanto seu rosto estava genuinamente triste e angustiado pelo machucado do velho.

- Me diga quem fez isso com você. Vou fazer esse filho da mãe implorar pela morte! –

Eltar ficou furioso. Pelo menos por fora, porque por dentro ele só se divertia.

- Acalme-se, meu garoto. Se seu pai não fizer o que deve sobre isso e me entregar esse...ser lamentável para eu me vingar. Eu mando você fazer isso. Agora, eu não consigo me mover muito e, infelizmente, não vou poder dar o que você gosta. – O mago disse com um sorriso malicioso. – Depois da sauna você bem que merece. Mas, enquanto eu me recupero... Fique pelado e se toque até alcançar o êxtase. Quero ver como você faz quando não estou por perto e você está pensando em mim.

Eu penso em arrancara seu saco com uma faca de serra, filho de uma serpente banguela! Eltar pensou com um sorriso amoroso no rosto e obedeceu ao mago que não desviou os olhos esfomeados da cena que ordenara. No fim, Eltar pediu para se deitar na cama ao lado do mago, ainda nu. Claro que o mago aceitou.

- A escrava foi executada em público. – Eltar disse deitado com a cabeça no peito do outro.

- Como? – Leviatã perguntou faminto por uma história para satisfazer seu sadismo.

- O rei a despiu em público na praça, enfiou a mão com o anel das chamas de Éris no ânus dela e empurrou até que metade de seu braço estava dentro dela que gritava feito uma menininha desvirginada. Com a mão lá dentro ele invocou o poder e as chamas surgiram do anel, o fogo brilho de dentro para fora do corpo e ela gritou muito. Fraca! Saiu fumaça da boca da serva, depois sangue, depois os olhos secaram e estouraram nas órbitas.

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Foi nojento. Ela morreu, mas o pai só retirou a mão quando o corpo estava preto e esturricado como carne que ficou muito tempo na grelha. – Eltar contou com riqueza de detalhes para agradar o mago.

- HAHAHAHAHAHA! – O mago se divertiu. – Pena que não vi isso. Sobre o que ela falava no mercado?

- Eu a ouvi dizendo que sabia quem era o prisioneiro misterioso do rei, que existia mesmo e não era só uma lenda. Ela até se gabou de levar coisas para o prisioneiro porque ela conseguiu roubar uma chave e o prisioneiro ia fugir e levar ela pra casar com ela. Disse que era um homem rico que ela fisgou porque o ajudava. – Eltar disse e sentiu com prazer como o mago ficou tenso. – Eu não me importei se era verdade ou não. Alguém falando demais assim, podia só estar se gabando para as putas do mercado, mas não podia deixar ela se gabar em cima de nossa reputação. Depois ela ainda teve a cara de pau de dizer que era inocente, que não sabia nada disso, como se eu fosse mentiroso. Meu pai até me deixou dar 40 chicotadas nela por causa disso. Fiz com prazer.

- Mesmo? Estou orgulhoso, meu querido. Essa rameira mereceu isso e mais. Não devia ter mexido com você. Você fez muito bem. Quando eu melhorar vou lhe dar uma bela recompensa. – Leviatã disse com orgulho. Se sua boca não estivesse doendo pelo dente perdido com tanta violência, ele teria mordido muito o peito e os braços fortes do rapaz para deixar sua marca no seu amante que era exclusivamente seu.

Eltar, sabendo o que o mago desejava e não podia fazer, praticamente gargalhou por dentro. Ele se ergueu um pouco e deu vários beijos no pescoço do velho e começou a descer para agradá-lo mais abaixo da cintura. O velho dormiu pouco depois um sono pesado e agitado pelas dores.

- Isso, bastardo do inferno. Sofra. Espero que a dor nunca passe. – Eltar disse e colocou um dedo no lábio logo acima de onde o dente havia sido perdido e apertou devagar. O

mago se contorceu dormindo em meio à pesadelos causados pela dor. Eltar tinha um sorriso gigantesco no rosto. Então de repente parou e balançou o ombro do mago delicadamente. – Leviatã, querido, acorde.

- Hã? – O mago acordou atordoado se sentando e colocando a mão sobre a boca. –

Inferno...como dói! Nem em sono consigo fugir dessa dor!

- Você estava tendo um pesadelo. – Eltar se levantou, pegou a poção para dor e entregou em um copo para o mago que bebeu avidamente. Ele se deitou ao lado do mago de novo e o outro se encolheu ao seu lado. O mago não tinha como ver, mas poucas vezes no universo alguém sorrira tão amplamente.

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Espiões

Fazia mais de dois meses desde que Carya se recuperara. Seth pedira para adiar sua nomeação como mago completo para que a cerimônia acontecesse junto com a nomeação de sua irmã como membro oficial da Guarda do Rei. Ambas as cerimônias aconteceram juntas na Fonte Sagrada no meio da cidade leonina principal nas Montanhas Amarelas, a capital Jubay, 15 dias depois da recuperação de Carya. Os dois receberam o título de ‘heróis leoninos’, um tipo de título de nobreza concedido àqueles que realizavam um ato de coragem, colocando suas vidas em franco perigo, para salvar o rei ou o herdeiro, salvando assim os leoninos do caos sem um governante. Carya entrou na Guarda do Rei como soldado raso, o mais baixo posto na hierarquia. Seth seguiu o mesmo rumo entrando na elite dos Magos do Rei como um Mago de Base. Os irmãos estavam muito ocupados com suas novas tarefas, lutando para desenvolver o melhor trabalho possível e, assim, subir na hierarquia como acontecia entre os leoninos. Quando não estavam focados em seus trabalhos, estavam na floresta da montanha, atrás da cidade ou na base da montanha sozinhos treinando cheios de segredos. Assim, Carya conseguiu evitar a temida conversa com os pais sobre Rodan; evitar o próprio Rodan que não podia deixar seus sentimentos interferirem nos treinamentos que agora não eram mais particulares com Carya, mas sim com toda a Guarda do Rei; e mal tinha tempo para sair com Rádara, evitando mesmo sem consciência disso, a conversa com a amiga. Carya e Seth saíam antes do sol nascer para seus treinos, comiam alguma fruta que achavam nas florestas, voltavam na hora do desjejum indo direto para seus trabalhos, não paravam nem para almoçar, trabalhavam até tarde da noite, se encontravam na floresta para mais treinos, Carya caçava qualquer coisa para jantarem por lá mesmo, e voltavam para casa de madrugada indo direto para suas camas. Nos dias de descanço os irmãos sumiam na floresta ou nas cavernas desde cedo e só voltavam bem tarde, tão cansados que nem jantavam.

Naquele dia, porém, ambos decidiram tirar uma folga merecida e planejavam chamar a cúmplice-amiga, Rádara para passear. Os irmãos estavam na sala avisando aos pais sobre isso quando a dama de companhia de Teira apareceu solicitando a presença da família no palácio do Rei. Quando chegaram, Hunna deu uma leve cotovelada no braço de Carya piscando e olhando para frente. Rodan estava lá com um sorriso gigante e idiota olhando para ela. Carya revirou os olhos e de repente as paredes pareceram extremamente interessantes. Lordok surgiu com Teira ao lado e Rádara um pouco atrás. As amigas se olharam e Carya não tinha percebido até aquele momento o quanto sentira falta dela.

Ambas sorriram abertamente, e Carya soprou um beijo para Rádara como sempre fazia.

- Ai, Carya... – Seth disse baixinho.

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- O que? – Carya perguntou olhando para ele, não percebendo o nervosismo mal oculto de Rádara.

- Meus amigos, é muito bom recebê-los aqui hoje. – Lordok disse. – Chamei vocês aqui porque tenho uma surpresa maravilhosa. Creio que se lembrem do pequeno Devon, o Phanter negro que nosso amigo Rodan salvou naquele dia fatídico na fazenda em chamas e adotou como um filho.

- Não o adotei como filho, majestade, apenas cuidei da educação do rapaz que não tinha mais ninguém no mundo. Só isso. Devon é meu amigo, não meu filho. Não tenho filhos... Ainda. – Rodan disse, olhando para Carya no final.

Rádara fechou os punhos e respirou fundo. Se Lordok percebeu o interesse de Rodan, não demonstrou.

- Quem cuida da educação e se preocupa desse jeito com alguém, pode ser considerado pai, Rodan. – Teira disse com doçura, meio provocando o agora comandante da Guarda do Rei.

- Querida, não vamos deixar nosso amigo sem graça. Ele prefere morrer a admitir que tem um coração mole. – Lordok disse provocando o amigo.

- O que Devon fez? Preciso me preocupar? – Rodan perguntou. Apesar de cuidar da pantera negra como se fosse um filho esse tempo todo, Rodan não vivia com Devon. Ele o enviara para o melhor campo militar dos leoninos do outro lado do planeta. Um local conhecido por ensinar artes de guerra sorrateiras e preparar seus alunos para se infiltrarem em qualquer ambiente, falar e agir como um lorde, enfim era uma escola militar tão completa que era invejada até pelos Tiger. O próprio Rodan crescera nessa escola. Depois que salvara e cuidara de Devon, enviara o rapaz ainda muito jovem para lá e o visitava a cada 6 meses, nas únicas datas que a escola permitia visitantes.

- Não. Na verdade, ele se comportou muito bem. O papai não precisará castigar seu filhote não. – Lordok disse rindo.

- Lordok, por favor, vai deixar Rodan envergonhado. – Hunna disse entrando na brincadeira favorita entre os amigos: perturbar Rodan.

- Então qual é o problema? – Rodan disse de cara amarrada.

- Não sei... Qual é o problema? – Teira perguntou e olhou para a porta lateral por onde ela e sua família tinham vindo.

- Que eu saiba...nenhum. – Um felino de pêlos negros brilhantes, com músculos bem definidos, muito bem arrumado, com as roupas escuras e militares dos espiões de elite, disse com uma voz tão grossa quanto a de Rodan, os dentes brancos expostos em um sorriso sedutor.

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- Devon! – Rodan disse surpreso. O rapaz nunca falava sobre sua possível saída da escola, essa era uma das regras do local. Mas Rodan calculava que ele deveria sair só dali a uns oito anos, como a maioria.

- Senhor. – Devon respondeu sorridente, dando alguns passos em direção ao amigo-pai. Ele sabia que Rodan não era muito afetuoso, era mais fechado na dele, então apenas esticou o braço para dar um aperto de punhos, o sinal de respeito entre militares.

- Que bonitinho... – Hunna disse provocando.

- Amor... – Fagrir disse.

Carya e Seth estava quietos em seus lugares. Ambos não conheciam Devon, nunca o tinham visto, apenas sabiam de sua existência como todo mundo.

- Carya, Seth e Rádara, - Lordok chamou – este é Devon, filho... – Rodan revirou os olhos – Sim, Rodan, é seu filho... Bem, como eu dizia... Devon é filho de Rodan como todos sabem e melhor amigo. Acho que mais amigo até do que eu. Sei que vocês três, especialmente os gêmeos queridos do titio, têm trabalhado muito e admiro isso. Mas, agora quero lhes dar uma tarefa: descansem. Não quero que minha filha e meus afilhados caiam duros por estafa. Para garantir que o trio do terror aí vai me obedecer, quero que tirem o dia de hoje e amanhã para descansar, passear e mostrar a cidade para nosso mais novo morador: Devon.

- Como quiser, majestade. – Carya respondeu.

- Vai ficar então. – Rodan disse daquele jeito sisudo que era seu normal.

- Sim, senhor, meu amigo. Meu treinamento acabou a algum tempo e já tive algumas missões. Agora fui transferido para cá. – Devon disse sempre sorridente.

- Bom. – Rodan respondeu. – Você ficará em minha casa.

- Como o senhor desejar. – Devon respondeu. Não era necessário já que o rapaz podia ter a casa dele normalmente, mas não costumava desobedecer Rodan. Além do mais, ele sabia que o leonino mais velho sentia falta da companhia de alguém, mas era incapaz de admitir.

Ele vai conhecer minha futura esposa. Bom. Espero que eles se entendam bem. Rodan pensava já em sua tão desejada família formada. Ele nunca soube que desejava tanto uma família até ver as famílias de seus amigos e sua casa parecer estranhamente...vazia.

Obrigada, pai. Rádara pensou olhando com gratidão para o pai que piscou para ela.

Agora Carya teria que parar sua rotina agitada e ela teria a oportunidade de conversar com ela.

- O que foi isso? – Teira perguntou baixo para Lordok enquanto Rádara, Rodan, Carya e Seth saíam.

- O que foi o que? – Lordok disse com ar inocente.

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- Hunna, minha amiga, - Teira disse tomando o braço da amiga no seu quando ela e o marido se aproximavam – vamos dar um passeio e pensar em formas de punir nossos maridos por esconderem coisas de nós.

- O que? Eu não estou escondendo nada, Hunna. Juro, amor. – Fagrir respondeu com a mesma expressão preocupada de Lordok.

- Teira, meu amor, greve de sexo não. Por favor. Não pode fazer uma maldade dessas com um leonino sofrido como eu. – Lordok disse andando ao lado de Fagrir atrás da esposa.

Hunna e Teira seguiam de braços dados à frente de cabeça excessivamente erguida, sorrindo com a provocação.

~o~

- O que ela fez pra você odiar tanto sua mãe? – O ex-prisioneiro, Lino, perguntou para seu visitante. – Tigrésius e o mago até posso entender, vi a forma como o mago te olha e os boatos correm soltos. Mas sua mãe... Não sei o motivo.

- Isso não é assunto seu. Não se meta no que não te interessa. – Eltar respondeu de mal humor.

- Tudo bem, tudo bem. Mas lembre-se que estou à seu serviço, sou seu servo leal e sei que você não tem amigos. Tigrésius se gabava muitas vezes nas pausas das torturas. Ele adorava falar sobre como frustrara suas amizades os comprando e colocando contra você, até mesmo violentando todas as namoradas que você queria levar a sério. Eu não sou comprado por ele. Se precisar desabafar com alguém, saiba que nunca o trairia.

- Sei que não. Porque eu mataria você se tentasse. – Eltar respondeu. – As roupas te serviram bem.

- Sim, obrigado senhor. – Lino disse olhando para suas roupas novas, simples, mas muito bem costuradas com peles de urso e tecidos quentes. – Me permita agradecer corretamente. Vou preparar uma bebida para nós.

Eltar acenou distraidamente e o tigre magro como a morte se dirigiu para a cozinha.

- O que eu tenho contra aquela vagabunda? Pergunta imbecil... – Eltar murmurou com as mãos nas costas, olhando pela janela da cabana sem realmente ver algo. Sua mente estava longe, nas lembranças mais antigas de sua infância...

Palácio Real Tiger, 10 anos antes...

A rainha Khara, irmã e esposa de Tigrésius, estava no meio do jardim no fim de tarde, suspirando e implorando para seu amante, um dos muitos nobres objetos de sua diversão sexual secreta, não parar. O Tiger muito mais jovem, um rapaz recém casado, dava tapas fortes nas nádegas parcialmente cobertas pelo vestido erguido, quase revirando os olhos de prazer enquanto a rainha estava de quatro com os seios à mostra, balançando com as

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estocadas do tigre vestido com seu traje de gala de sua festa de casamento. A noiva, uma amiga da rainha, recebera de presente dela a realização do casamento dentro do palácio real. Agora a moça jazia dormindo com uma poderosa droga enquanto Leviatã a possuía durante o sono, um presente da própria rainha para que ele a ajudasse com seu amante e não contasse a ninguém. Não era a primeira e nem seria a última vez que esse acordo acontecia. Só que naquele dia ela não contava com uma coisa: Eltar.

O garoto de quase cinco anos estava perambulando sozinho pelo palácio, como sempre, enquanto seu pai estava se divertindo com duas jovens tigresas que queriam se gabar de ter dormido com o rei. Ninguém dava muita atenção ao menino normalmente, então, naquele dia, para seu próprio azar ele correu para o jardim em busca de uma bola. O

garoto parou bem em frente à sua mãe naquela cena nada indicada para crianças e ficou ali inocentemente olhando, tentando entender o que via. Khara e seu amante estavam de olhos fechados, ele em pleno orgasmo com um braço ao redor do pescoço da rainha o puxando para trás. Quando Khara abriu os olhos e viu o garoto o ódio estava praticamente escrito em letras neon em sua testa. O amante se afastou subindo as calças e se afastando ao sinal dela. Ela abaixou a saia do vestido e fechou o decote.

- O que você está fazendo aqui, moleque inútil? – Khara perguntou agarrando os braços do menino que, de tanto medo, urinou nas pequenas pernas. – Seu nojentinho!

Venha!

Ela o levou pelo braço praticamente arrastando o garoto que chorava com o braço machucando sob as garras afiadas e pintadas da mãe. Ninguém no caminho olhava para a cena, com medo de sobrar para eles. Cada vez que o garoto caía com dificuldades de acompanhar os passos longos da mãe, ela o erguia pelo braço com violência. Khara só parou dentro da sauna, perto dos aposentos do menino.

- Tire a roupa. – Khara ordenou.

- Desculpa, mamãe. Não vou fazer mais. – Eltar chorava com medo, sem entender exatamente o que ele fizera de errado.

- Eu mandei tirar a roupa, seu merda! – Khara disse agarrando o pescoço do menino e o jogando a meio metro de distância.

Eltar se encolheu contra a parede da sauna e começou a desabotoar as roupas com seus dedinhos trêmulos, soluçando entre lágrimas. Quando estava completamente nu, Khara o ergueu bruscamente e colocou de frente para ela, ao lado do suporte de carvão e ervas quentes onde se jogava o líquido para levantar a fumaça aromática da sauna.

- Então você gosta de ver os outros fazendo sexo, não é? – Khara perguntou, mas Eltar estava chorando muito e com muito medo para falar qualquer coisa.

PLAFT!

O tapa de Khara nas costas do menino o jogou de cara no chão.

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- Responda, imbecil!

- Eu...eu não, mamãe... Eu não queria vê sé...sé kisiu. Desculpa, mamãe. – Eltar choramingou.

Khara o colocou de pé de novo e colocou a mão no pescoço dele apertando de leve. –

Pra você, seu viadinho, é RAINHA, não mamãe. Diga...

- Desculpa raína. – Eltar disse com tantas lágrimas que nem podia enxergar direito.

- Merda de garoto inútil. Não sabe nem falar direito. – Khara disse e soltou o pescoço do menino. Com a mesma mão pegou as partes íntimas do menino e apertou com força. O

garoto começou a gritar, mas se conteve, apesar da dor, pelo olhar fulminante dela. – Se você gritar eu vou esmagar essa coisinha suja que você tem aqui. Você nunca vai contar o que viu. Você entendeu?

- Si..Sim..Sim...mamã...raína. Não conto. Juro.

- Não falo isso por maldade. Falo pro seu bem. Seu pai não acreditaria e te mataria. Ele odeia você. – Khara disse cuspindo seu veneno.

- AI, MAM... – Eltar gritou quando ela apertou ainda mais as partes íntimas da criança, mas seu grito foi parado quando Khara pegou um carvão quente, o empurrou para deitar de costas no chão e pressionou na barriga dele.

- Vai gritar, seu merda? Grite como uma donzelinha em perigo. – Khara disse e ficou mais irritada ainda porque o garoto gritou mais ainda de dor. – Ah então você quer desafiar sua rainha, não é. Vamos ver até onde você consegue me enfrentar, moleque imundo.

Khara tirou o carvão da barriga do menino deixando uma queimadura de segundo grau que havia também destruído os pêlos do menino ali. Mas, antes que o garoto pudesse se acalmar, ela se sentou em cima das perninhas dele e começou a dar fortes tapas nas partes íntimas do menino. Muitos tapas seguidos, sem descanso, tantos que a região começou a sangrar e estava vermelha com inúmeros hematomas roxos. O garoto não conseguia parar de chorar o tempo todo e gritar de dor, principalmente quando as longas garras da mãe o atingiam. Quando ele percebeu que os golpes só parariam quando ele não gritasse e nem chorasse, ele se forçou a parar. Com muito esforço conseguiu. Khara então finalmente saiu de cima do menino e mandou ele se vestir e ir tratar da “coisa imunda” que ele tinha no meio das pernas sozinho. Se ele pedisse ajuda de algum servo pra isso, ela mataria o servo.

Eltar nunca soube como conseguiu vestir suas roupas com tantas dores e todo o ferimento, mas conseguiu. Ele foi cuidadosamente para seu quarto e tentou descobrir como se cuidar. Uma serva de meia idade e deformada, com pena do garoto, entrou no quarto dele furtivamente e o ajudou. No dia seguinte ela foi decapitada por Khara e Eltar foi obrigado a dormir por uma semana com a cabeça da velha serva morta em sua cama. No dia seguinte à execução da velha, porém, Leviatã apareceu e cuidou dele até ele se recuperar 100%. Khara nunca soube, é claro. O fato é que, como o próprio Leviatã dizia

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sempre, foi nessa época que ele começou a sentir o desejo de possuir o menino, até que o próprio Tigrésius presenteou o mago dando seu filho para ser usado e abusado pelo velho sádico. Khara acabou tomando gosto por esses castigos físicos nas regiões mais sensíveis do menino e sempre que ele fazia qualquer coisa que ela desaprovava, por menor que fosse, era assim que ela o castigava.

- Aqui está, senhor. – Lino se aproximou trazendo duas taças, uma mais bonita e outra simples, oferecendo a mais bonita para Eltar.

- O que é isso? – Eltar perguntou saindo de suas lembranças dolorosas.

- É uma bebida simples, mas muito saborosa e relaxante, chamada donila. – Lino disse.

- Beba. – Eltar disse desconfiado entregando sua própria taça para o outro tigre provar. Quando Lino bebeu obedientemente e nada de mal lhe aconteceu. Eltar pegou a taça de volta.

Lino ergueu a dele para um brinde. – À sua saúde e poder, meu senhor.

- À minha saúde e poder. – Eltar ergueu a sua taça também. Ambos tomaram um gole da bebida e se sentaram. – Vamos aos negócios.

- Como desejar, meu senhor.

- Você já tem tudo o que precisa?

- Sim senhor.

- Ótimo. Você vai usar os espiões do rei contra a rainha. Quero aquela prostituta na sarjeta. Se tudo correr como planejo, quando esta semana acabar, aquela puta coroada vai estar no seu antigo endereço. – Eltar disse com o rosto calmo, mas a raiva brilhando em seus olhos.

- Não se preocupe, senhor. Tudo correrá como o senhor planejou. Ainda tenho alguns contatos de minha época de espionagem. Ela nem saberá o que a atingiu.

- Aí é que você se engana. Ela saberá. Eu me encarregarei que ela saiba que fui eu que a derrubei de seu pedestal.

- Quando devo partir, senhor? – Lino perguntou.

- Você virá comigo até parte do caminho. Depois... Você sabe o que fazer. Quando terminar seu trabalho, Lino, volte para cá. Se alguém o encontrar, mate. Seja quem for.

- Como o senhor ordenar. – Lino respondeu humildemente de cabeça baixa, com um sorriso sutil nos lábios. A vingança era realmente doce.

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Inocentes no inferno

- Bereth, você é realmente bom nisso... – Khara suspirou com o amante em meio à relação proibida na parte de trás do templo principal de Kallisti, no centro da cidade Tiger.

Bereth, o atual chefe do templo de Kallisti era um tigre jovem, no cargo a pouco mais de dois anos, colocado lá com ajuda da rainha que, em troca, o tornou seu amante favorito.

Khara era vista como uma tigresa muito religiosa pelas suas constantes visitas ao templo da divindade suprema de Likastía. Entretanto, na maioria das vezes, o templo servia como ponto de encontro com seus amantes que podiam ser nobres, escravos, felinos de diversos tipos... O gosto de Khara era bastante variado. Leviatã era seu maior cúmplice em muitas dessas aventuras sexuais, sempre recebendo alguma pobre criatura como amante (quer esta quisesse ou não) como forma de pagamento pela ajuda. Assim, ambos sempre saiam ganhando. Porém, dois anos antes, o sacerdote chefe do templo de Kallisti havia irritado de alguma forma o mago mais poderoso do reino, o conselheiro principal de Tigrésius, Leviatã.

Furioso, ele pediu... ou melhor, ele exigiu que Khara ajudasse a dar um fim no tal sacerdote, já que Tigrésius simpatizava com o velho sacerdote e não era do interesse de Leviatã que o rei soubesse o porque desse desentendimento. Khara ajudou, mas Leviatã devia falar em favor do ajudante do sacerdote, o jovem Tiger que ela tanto queria acrescentar à sua lista de amantes. O sacerdote acabou morrendo de “causas naturais” na frente da estátua gigante de Kallisti, a tigresa com um longo pêlo cor de sangue na cabeça, a tiara dourada com um círculo no centro representando a sacerdotisa que virou uma lua nos mitos (Éris), olhos dourados cercados por escleras negras, um arco-íris sobre a cabeça, as “cartas do destino” em uma mão, a pedra branca dos magos na outra mão, vestes negras com detalhes dourados, de pé sobre um círculo escuro simbolizando as trevas de onde ela surge criando a luz do universo, a expressão neutra de quem está sempre avaliando, julgando as ações dos mortais. Com a indicação de Leviatã, Bereth assumiu o posto de sacerdote chefe,

“agradecendo” com favores sexuais para a rainha que, verdade seja dita, também não era nenhum sacrifício para ele, muito pelo contrário.

Bereth gostava desses momentos com a rainha insaciável, afinal ele era jovem e disposição não lhe faltava. Só naquela tarde já era a quarta vez que eles praticavam o ato na pequena despensa atrás da cortina vermelha atrás da estátua principal de Kallisti. O

perigo de ser descoberta excitava a rainha de um jeito que nem mesmo seu adorado Tigrésius poderia fazer. Na verdade, isso manteve eles dois unidos, o perigo de ser descobertos. Mas, desde que eles se casaram em público, contra todas as tradições, exterminando violentamente qualquer um que se opusesse, o sexo perdera a graça. Eles ainda se entendiam bem, sempre cúmplices, sempre prontos para satisfazer um ao outro,

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mas, não era a mesma coisa de antes. Algo faltava. Desde a noite do casamento oficial, Khara não dispensava a chance de ter amantes, isso lhe dava o prazer que faltava na relação com o marido. E Bereth era um dos melhores que já tivera. Ela ia se cansar dele, claro. Sempre se cansava. Mas ele ainda servia bem aos seus desejos, especialmente porque ele sabia o quanto ela gostava de ser dominada, maltratada nessas horas, mas idolatrada e respeitada fora delas.

- Eu sei, escrava. – Bereth sussurrou e apertou a garganta dela enquanto continuava possuindo a rainha no chão sujo de poeira. – Diga que sou perfeito, melhor que o corno do seu marido. Diga que você me deseja mais do que a ele.

Era um jogo sexual que ela adorava. Claro que era mentira, mas ela adora essa sensação de domínio. – Você é perfeito, meu dono. É melhor que meu marido corno, eu desejo muito mais você.

- PIRANHA! Então é verdade. – A voz de Tigrésius soou como um trovão antes mesmo da enorme cortina pegar fogo e sumir como se fosse uma pequena folha de papel em uma fogueira.

Bereth se “desgrudou” da rainha, perdendo rapidamente a ereção, se afastando da rainha que ainda estava deitada no chão sem roupa e pernas abertas de frente para a entrada da despensa, agora sem cortina nenhuma, com Tigrésius e uma dezena de guardas armados.

- Ma...ma...mamajes... – Bereth gaguejou já rezando por sua alma, com a plena certeza de que Tigrésius o queimaria ali mesmo. O rei matara tantos cruelmente por muito menos.

Ele sabia que não tinha chance.

- Querido... Ele me forçou... Eu não queria.... – Khara gaguejou pegando o vestido jogado no chão para colocar na frente do corpo. Bereth a olhou chocado e abriu a boca para se defender, mas Tigrésius já estava gritando com Khara.

- CALE A BOCA, VADIA! – Tigrésius explodiu. – Se eu ouvir uma única sílaba dessa sua boca imunda eu não respondo por mim. Passem aqui. – Ele disse ficando de lado para abrir passagem para o casal, com a íris brilhando como chamas, o poder do rei mal contido com a raiva. Bereth fechou a calça e o manto, abaixou a cabeça e passou. Cada passo sentindo como se fosse o último de sua vida. Khara começou a colocar o vestido, mas o rei a parou. –

Largue isso, puta. Você vai sair como a vadia nua e selvagem que você é. Você não tem direito de vestir nada porque eu te dei isso. Agora. Passe.

Khara estava furiosa, envergonhada, humilhada. Mas não era burra. Não ia enfrentar o Tiger mais poderoso do planeta ali, sem nada para se proteger. Ela usou as patas para cobrir as partes íntimas e passou de cabeça erguida. Seu orgulho sofreu outro baque quando ela saiu de trás da estátua, seguida de perto pelos guardas e o rei, e, na sala

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enorme do templo havia uma multidão de habitantes da cidade: servos, nobres, magos, comerciantes, viajantes, adultos, velhos, crianças e...Eltar.

- Seu pirralho! – Khara gritou e deu um passo para frente, pronta para esmurrar o filho que, ela tinha certeza, fora quem contara ao rei sobre seu caso. Talvez ela devesse tê-lo matado quando era criança... Um soco em sua nuca a derrubou assim que ela gritou com o príncipe.

- Se você sequer pensar em falar com meu filho assim de novo eu te mato! Respeite seu príncipe, vagabunda! – Tigrésius rosnou.

Eltar manteve seu olhar surpreso extremamente bem treinado. O sacerdote se ajoelhou na frente do rei, com a testa no chão.

- Perdoe-me senhor, clemência! – Bereth implorou.

- Pelo que? Por comer essa vagabunda? Ou por vender informações para meus inimigos? – Tigrésius disse com aquele olhar que todos temiam.

Bereth levantou a cabeça com olhos arregalados. – Eu nunca...

- O que? Nunca roubaria e venderia informações para aqueles bárbaros canibais?

Então me explique o que você estava fazendo na selva enviando um pássaro-mensageiro no meio da madrugada, todo encapuzado. Ou, melhor ainda, porque essa vagabunda roubou da minha mesa de trabalho detalhes sobre os números do meu exército e trouxe para você...

Foi a vez de Khara olhar espantada. Ela entrara no escritório do marido, como sempre, normalmente porque ela tinha livre acesso. Não era novidade. Mas roubar documentos?

Ela nunca nem se preocupou em olhar pra eles. Era frívola demais para se importar com essas coisas. Mas, ao ver o olhar espantado de Khara, Tigrésius interpretou errado. – Sim, idiota. Eu deixei lá de propósito. Era uma armadilha e você caiu como a burra que é. À

propósito... – Ele pisou na mão dela com bastante força, apertando. - As informações são falsas.

- Isso não é verdade. Eu nem gosto de me preocupar com essas coisas. – Khara disse desesperada com o rumo que aquilo estava tomando. Ela conhecia o rei melhor do que qualquer um. Sabia que ele não estava armando aquela acusação. Ele realmente acreditava naquilo.

- Um belo disfarce, devo admitir. Se fingir de fútil para não levantar suspeitas sobre seu interesse. Mas, sabe, o dinheiro não mente. As joias e pedras preciosas, até mesmo itens mágicos com a magia negra daquela raça imunda vocês têm. Ou você achou mesmo que nenhum mago perceberia que esse anel que você disse que “ganhou de uma vendedora bajuladora” semana passada tem magia leonina? – Tigrésius mal conseguia conter o ódio. – Mas, vamos imaginar que, por alguma razão misteriosa, tudo isso é só uma triste coincidência e que você é uma vítima dessa pouca merda que você chama de macho

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aqui.... E...bem... de metade da cidade. Sim, eu descobri seus outros casos imundos com a ralé durante nossas investigações. De qualquer forma, vou lhe dar o benefício da dúvida.

Escolha qualquer um aqui. O escolhido vai fazer buscas nas suas roupas e seus quartos enquanto nós apenas observamos, assim você não poderá dizer que foi armação. Isso vale para seu amante podre também. Escolham.

Khara escolheu uma serva jovem mais ao fundo da multidão, uma onça jovem que devia ter quase a idade adulta. Bereth escolheu um dos servos mais leais à ele no templo.

Tigrésius sinalizou para Eltar e andou à frente com o filho ao seu lado. Atrás dele estavam os dois jovens escolhidos para fazer as buscas, e, atrás Khara e Bereth com dois guardas os segurando firmemente em seus braços, com espadas desembainhadas e ordens expressas de Tigrésius para matar os dois se eles falassem ou tentassem fugir. No quarto de Bereth, ao sinal do rei, os jovens começaram a revirar tudo. Tigrésius estava de pé de braços cruzados evitando olhar para Khara, Eltar ao seu lado com um olhar cheio de dor e pena da mãe, com a postura rígida. No início a busca não deu em nada, mas quando os jovens começaram a revirar as roupas íntimas do sacerdote, tirando as gavetas e jogando tudo no chão, de uma das gavetas caiu um pedaço de madeira, um fundo falso. Junto com a madeira três folhas de papel esticados caíram. Os números falos do exército Tiger que servira de armadilha para Khara. Tigrésius olhou para o casal e, sem vacilar o olhar, ordenou que os jovens lessem o que o papel dizia. Quando as informações foram lidas, confirmando as acusações, Eltar disse:

- Majestade, sei que parece incriminador, mas não significa que a rainha tenha entregue de boa vontade. Esse tigre pode ter obrigado ela.

- Er... Senhor... Desculpe, mas... – O jovem servo do templo disse, sua lealdade para com o reino falando mais alto do que o respeito que sentia pelo sacerdote e que estava sumindo.

- Diga. – Tigrésius disse, ainda encarando Khara com chamas dançando em sua íris.

- Tem uma mensagem aqui... E...é da rainha. – O jovem disse, sua voz vacilando com a emoção, a decepção com o sacerdote que ele tanto respeitava.

- A mensagem, majestade... Devo ler? – A jovem onça perguntou, colocando uma mão compreensiva no ombro do servo.

- Leia. – Tigrésius ordenou.

- Certo. A mensagem diz: “Meu dono, meu tudo. Leve isso para o ponto de encontro. O

rei leonino aceitou o preço que pedimos. A mensagem chegou hoje em minha joia nova.

Vamos ficar mais ricos. Te adoro. A gente se come amanhã. Sempre sua; K.”

- Veja se é a letra da puta da sua mãe. - Tigrésius disse, sem desviar o olhar do rosto de Khara e o filho obedeceu.

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- Sinto muito, majestade. É a letra dela. – Eltar confirmou tão triste que seus olhos estavam cheios de lágrimas, a voz embargada.

Tigrésius deu alguns passos firmes e controlados em direção à Khara. Cada centímetro do corpo do rei estava tenso, seus pêlos laranja-listrado estavam eriçados. Sua expressão era de pura raiva, mas, quem o conhecia bem poderia notar a dor e decepção que ele tentava esconder. Ele pegou Khara pelo pescoço e a arrastou tão rápido que, quando todos perceberam o que ele ia fazer, já estava fazendo. As portas de madeira para as escadas que davam no salão principal do templo estavam abertas e ele não pensou duas vezes. Jogou ela escada abaixo. Ela desceu rolando as escadas nua e aos gritos. – Tragam esse verme. –

Ele rosnou para seus guardas que arrastaram o sacerdote. Lá embaixo no salão, Khara estava tentando se levantar ferida, gritando que era inocente (nesse momento muitos riram dela alegando ser “inocente”). Mas o pior aconteceu quando Tigrésius chegou perto dela. Sua fúria era implacável. As chamas de Éris mal era controladas por ele, seu corpo inteiro emanava ondas de fogo, seus olhos pareciam “vazar” chamas. Ele deu um chute com toda a força de sua raiva na barriga de Khara que ainda estava no chão. Ela rolou para longe com o impacto, o público abrindo passagem. Tigrésius chutou de novo quando ela tentava se levantar. E de novo. E de novo. E de novo... Até ela ser jogada fora do templo, descendo os três degraus externos e indo parar no meio da rua enlameada com a chuva que caíra a manhã toda.

Alguns dentes de Khara haviam quebrado nas quedas e sua boca estava cheia de sangue, quando ela falou o sangue jorrou de sua boca. – Eu não...não fiz...

- CALA A BOCA, PROSTITUTA DO INFERNO! – Tigrésius gritou.

- EU NÃO FIZ ISSO! – Khara gritou furiosa pela humilhação.

- Não? Então ele abusou de você e te fez me espionar? – Tigrésius perguntou e a dor em sua voz foi evidente para todos.

Khara balançou a cabeça afirmativamente, olhando nos olhos dele. Eltar temeu que o pai realmente fosse perdoar ela, acreditar nessa bobagem. Mas o olhou para os pais com a maior cara de esperança do mundo. Tigrésius, no entanto, viu a mentira nos olhos de Khara e isso foi a gota d’água.

- Muito bem. Prove. Mate-o e talvez eu acredite em você. – O rei disse com a voz calma, até mesmo esperançosa. Mas havia uma razão para Eltar ser tão bom em mascarar os próprios sentimentos. Genética. Um guarda jogou Bereth no chão na frente de Khara e o rei pegou a espada da mão do guarda e entregou à esposa. Ela olhou para o sacerdote. Ele era bonito. Ela gostava do sexo com ele. Mas, sacrifícios precisavam ser feitos. Isso seria o bastante para convencer Tigrésius. Afinal, eles eram cúmplices de tantos crimes, incluindo o assassinato do pai dele.

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- Não... Por favor... Não... Ele vai te matar. Ele não vai te per... – A frase de Bereth foi interrompida quando Khara enfiou a espada na frente do pescoço dele, o sangue do rapaz jorrando no rosto dela. Ela quase caiu em cima da espada, fraca e dolorida.

- Viu. Eu sou leal à você, meu amor. Acredita em mim agora, não é?

Tigrésius puxou a espada do pescoço de Bereth que ainda convulsionava com o sangue jorrando. Ele olhou para a esposa com o olhar mais frio que alguém já vira no rosto dele e disse: - Não. Eu não acredito em putas assassinas.

- VOCÊ DISSE QUE ACREDITARIA, QUE ME PERDOARIA!

- Não. Eu disse que talvez acreditasse em você. – Tigrésius disse e, atrás dele, lá no fundo, Leviatã apareceu, voltando de um trabalho na cidade vizinha, tentando entender o que se passava. Khara o viu e tinha certeza que, se não fora seu filho quem a entregou e armou isso tudo, com certeza fora o mago.

- VOCÊ QUER ME PUNIR, ME CHAMA DE TRAIDORA, MAS COME METADE DO REINO E

CONFIA NELE! – Khara berrou histérica. – ELE QUE ME AJUDOU A CONSEGUIR INÚMEROS

AMANTES, QUE COME SEU FILHO TODA NOITE COMO UMA MOCINHA! FOI ELE QUEM TE

CONTOU? ELE É UMA VÍBORA! FOI ELE QUEM COLOCOU TODAS ESSAS COISAS ALI, QUEM

ENTREGOU A MENSAGEM NA SELVA! FOI LEVIATÃ! SEU IDIOTA!

Ela devia ter se calado. Talvez sua morte tivesse sido rápida. – INFERNO! – Foi tudo que o rei disse antes de usar as chamas de Éris, seu poder de rei, nos caninos enormes de Khara, as chamas emanando de suas mãos, ambas segurando cada dente. Khara gritou em agonia enquanto seus dentes doíam com o aperto ao mesmo tempo que as chamas queimavam seus lábios e o calor queimava seu rosto, os pêlos e o nariz incendiando em labaredas. Tigrésius mantinha os olhos nela, sem piscar, as chamas dançando nos olhos do rei. Muitos não conseguiram ver a cena mais terrível ainda com o cheiro de carne e sangue queimados. Eltar mantinha a cabeça baixa como se tentasse não chorar, mas seus olhos voltavam-se para cima, para a cena, com um prazer enorme. Tigrésius soltou Khara antes que os ferimentos a matassem. Ela caiu no chão com um baque e, segundos, antes de desmaiar, Eltar levantou um pouco a cabeça apenas o suficiente para que ela visse o sorriso vingativo no rosto dele. Em segundos o sorriso sumiu dando lugar à uma expressão de pena, mas ela soube naquele instante que tudo foi armado por ele. Elas desmaiou e Tigrésius pisou violentamente no pescoço de Bereth que ainda agonizava, o quebrando na mesma hora.

- Tirem esse lixo daqui e levem essa vagabunda para as masmorras. Quem ousar dar qualquer remédio à ela vai acordar no inferno! – Tigrésius gritou e ninguém ousou sequer levantar a cabeça. – Leviatã!

- Sim, majestade. – Leviatã disse se aproximando.

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- Uma acusação foi feita a você. Vou perguntar apenas uma vez. Se mentir, te mato. –

Tigrésius se virou para o mago e ninguém duvidou da veracidade de sua ameaça. – Você armou contra a rainha ou teve qualquer participação nesse... nesta traição?

- Não senhor. – Leviatã respondeu sem hesitar, mas o ódio do rei era grande demais e ele não estava disposto a acreditar.

- Então o que estava fazendo ontem durante a madrugada? Entregando uma mensagem secreta disfarçado com as roupas dessa coisa? – O rei perguntou apontando para Bereth sendo carregado para longe.

- Ele estava comigo, majestade. – Eltar disse. – O mago estava gentilmente me ensinando alguns conceitos importantes.

Não precisava dizer que “conceitos” eram esses. Todos sabiam da relação entre Eltar e Leviatã. Tigrésius dispensou a todos e saiu. Ele havia acreditado no mago. De qualquer forma, ele não vira nenhum traço de mentira no olhar do mago. Mas...

- Porque? – Leviatã perguntou para Eltar, entrando na sauna do príncipe e lançando um feitiço rápido para detectar qualquer possível presença ali.

- Porque o que? – Eltar perguntou com a maior cara de desentendido.

- Não se faça de tolo comigo, garoto! Porque mentiu sobre estarmos juntos ontem?

- Porque o rei não acreditava em você e ele está muito furioso, vai descontar em qualquer um. – Eltar disse puxando o mago para ele, grudando seus corpos. – E eu nunca deixaria ele te machucar, meu amor.

~o~

Longe dali, enquanto Eltar e Leviatã aproveitavam o sexo na sauna, Lino, o espião do príncipe entra em sua casa no meio da floresta, jogando as roupas do falecido sacerdote chefe do templo de Kallisti e se servia de uma bebida leonina roubada das cidades protegidas por eles, junto com as joias que Eltar conseguira roubar para seu plano. Algumas poucas ficaram com Lino como agradecimento pelo bom trabalho, algumas delas com magia embutida para proteger o espião de qualquer dificuldade.

Se Khara fosse um pouco menos arrogante, se tivesse se dignado a pelo menos olhar no rosto da “vendedora bajuladora” que comercializava joias na capital, talvez, quem sabe, a rainha tivesse reconhecido Lino, mesmo com todas as cicatrizes e sem mais nenhum pêlo no corpo escondido pela roupa completamente fechada. Isso teria feito o plano falhar.

- Mas você sempre se achou muito esperta, não é. Garota estúpida. – Lino pensou com ódio e um sorriso cruel no rosto. – Você vai sofrer muito ainda, Tigrésius. Vou te mostrar como é que se arma contra alguém. Quem diria... O filho incestuoso é que vai a minha arma da minha vingança. Filhos realmente só servem para nos decepcionar.

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Essa não...

- Então você é a famosa Carya. Meu pai fala muito de você. – Devon disse, caminhando entre Carya e Rádara.

- Nhen nhem nhem... Lá vai a mosca para a luz. – Rádara murmurou de mal humor, braços cruzados, irritada com a proximidade de Devon com sua amiga. Eles estavam caminhando a alguns minutos e ela ainda não conseguira nem ficar do lado de sua querida Carya.

- Se controle, Rád. Calma. – Seth murmurou ao lado dela.

- Eu duvido muito. Rod... O comandante não costuma falar muito. – Carya respondeu educadamente, mas procurando manter uma certa distância. Afinal, Devon era amigo de Rodan e quase um filho para ele. Ela nunca colocaria esse tipo de relação em risco.

Mas Devon interpretou errado, achando que ela só estava sendo difícil. Todos conheciam o jeito fogoso de Carya e o tipo que a atraía. Ele não se incomodaria por ter que se esforçar para ter uma chance com ela. Carya era bonita, inteligente, forte, corajosa, intensa... O tipo que ele se apaixonaria fácil, fácil. Sorte que ele estava focado demais nela e não percebeu a raiva borbulhante de Rádara ao seu lado.

- Devon, você gosta de cerveja? – Seth perguntou enquanto passavam na frente de sua taverna preferida, tentando afastar Devon de sua irmã antes que Rádara perdesse a coragem para fazer o que ela claramente estava planejando.

- Mas é claro. Na verdade, meu hobby é fabricar cervejas. – Devon disse todo orgulhoso.

- Igual Rodan adora produzir vinho? – Carya perguntou, momentaneamente esquecendo de usar o título ao invés do nome de Rodan. Dessa vez, Carya percebeu a revidara de olho de Rádara.

- Sim. Aprendi com meu pai a produzir vinhos, fiquei curioso para tentar produzir outras bebidas e me encantei com a produção das cervejas. A negra é minha preferida. –

Devon disse.

- Me ajuda a trazer algumas para as moças? Depois podemos tomar nossas bebidas na praça, perto da fonte. Tem um mirante incrível ali que adoramos. – Seth disse. Devon acenou, virou-se para Carya, beijando sua mão como um cavalheiro. Seth, temendo que Rádara mordesse o pescoço do felino negro, saiu rapidamente com Devon.

- Imbecil. – Rádara disse e alguns transeuntes a olharam curiosos, mas seguiram seu caminho.

- Vem. Vamos pra cachoeira. – Carya disse puxando Rádara pela mão.

- Mas, eles vão voltar com as bebidas nos procurando...

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- As bebidas que se danem. Temos que conversar.

Rádara sentiu um frio no estômago e seguiu silenciosamente Carya. Quando chegaram na cachoeira, no meio da floresta, a alguns quilômetros da cidade, Carya soltou a mão de Rádara, cruzou os braços e começou a bater um pé no chão nervosamente enquanto sua cauda balançava de um lado para outro.

- Agora fala. Que porra está acontecendo? – Carya perguntou.

- Como assim? – Rádara estava nervosa demais para dizer a verdade.

- Que saco! Não teste minha paciência, Rád. Nós duas sabemos que ela é quase zero.

Você está estranha a meses. Fica emburrada por nada, está sempre mal humorada nas festas, tem sido arrogante com o Rodan... Caramba! Você nunca foi arrogante com ninguém! E agora parece querer esganar o Devon. Qual o problema? Você e Rodan brigaram?

- Nossa... Eu nunca vou entender como alguém pode ser tão perspicaz pra algumas coisas, e tão lerda pra outras. – Rádara deixou escapar. – Você é mesmo tão cega assim?

- O que? Você está chateada porque eu vivo tentando te arranjar namorados? Poxa, Rád! Você nunca ficou brava por isso antes. Sabe que só quero seu bem. Faço isso porque você está sempre tão sozinha...

- Não estou sozinha, Carya! Eu tenho você!

- Claro que tem. Mas não me refiro à isso. Você e Seth são meus melhores amigos e isso nunca vai mudar. Mas você precisa de outro tipo de companhia...

- Droga... Você não está me ouvindo, Carya. – Rádara estava quase gritando. Era frustrante o quanto a amiga era lerda. – Eu não quero nenhum dos namorados bonitões que você tenta empurrar pra mim!

- O que? Você prefere os feios? Ou namoradas? É só dizer que eu arranjo pra você.

- Então me arranje você mesma!

- Não entendi. – Carya disse confusa, a ficha ainda não tinha caído e isso deixou Rádara no limite.

- EU QUERO VOCÊ, SUA LERDA! Não como só amiga. Eu amo você! Que merda eu preciso fazer pra você entender que eu te amo e morro de ciúmes do Rodan porque sei que ele também ama você?!

Carya ficou boquiaberta, em choque, e, pela primeira vez, ela não sabia o que dizer ou pensar. Não seria a primeira vez que ela se relacionaria com uma felina. Para os felinos isso era algo comum, não havia diferença social e cultural sobre as relações homossexuais ou heterossexuais. A única exceção à isso era a sociedade Tiger, cujo preconceito com as relações entre felinos do mesmo sexo só cresciam, especialmente no reinado de Tigrésius.

Mas, Rádara nunca dera sinais de interesse em Carya... Pelo menos era o que ela pensava.

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- Eu...Err.. – Carya gaguejou, respirou fundo tentando organizar as ideias, e recomeçou. – Eu não esperava por isso. Não me entenda mal. Não estou dizendo que não quero, só estou surpresa. Muito, muito, muito, infinitamente muito surpresa.

- Sei que crescemos juntas e você me vê como irmã, mas...

- Eu não te vejo como minha irmã, Rád. Uma amiga pra todas as horas, companheira de travessuras, mas não minha irmã. Você é linda demais e eu não sou cega. Só não esperava que você se sentisse assim. Mas você sabe que eu não sou muito de compromissos e não sei se seria uma boa ideia essa relação se você espera algo sério.

- Não. Não espero. – Rádara mentiu. Ela não ia perder a chance de ter a felina que amava por causa disso. Talvez com o tempo ela conseguisse convencer Carya à algo mais sério... – Eu só quero tentar...

- Tem certeza? Não quero magoar você. Te adoro demais para estragar tudo por causa de uma relação conturbada.

- Tenho certeza. Se você quiser um dia ter algum compromisso, podemos conversar sobre isso. Mas eu só quero estar com você.

- Entendo. – Carya disse. Então ela deu um sorriso travesso, aquele sorriso que Rádara adorava.

Sem aviso prévio, ela começou a tirar a roupa. As duas já tinham se visto nuas inúmeras vezes, mas agora tinha uma sensação diferente. Não era com aquela inocência, aquela leveza entre amigas de infância. Rádara ficou com a garganta seca, sua mente ficou totalmente em branco, mas Carya parecia não estar incomodada ou tímida. Se bem que Carya nunca fora tímida de qualquer forma. Ela jogou as roupas no chão e pulou na água.

– Você não vem? – Carya perguntou e havia uma malícia em seus olhos que não deixava dúvidas do que ela pretendia.

Rádara abaixou a cabeça sorrindo e balançando-a. – Você é impossível. – Ela tirou as roupas, jogou no chão e pulou na água. Quando ela emergiu e ficou de pé na água, Carya estava de pé com a água até o umbigo, a poucos centímetros de Rádara. A proximidade era tanta que dava até para sentir o calor do corpo dela. Mas Carya não se aproximou. Rádara, um pouco mais alta que Carya, não tirava os olhos da amiga, quase hipnotizada. Carya só deu um sorriso travesso e isso fez o coração de Rádara dar um salto como se pudesse sair pela garganta. Carya era especialista em provocar seus amantes. Ela não fechou a distância de poucos centímetros entre as duas. Rádara puxou Carya pela cintura e sua mente se desligou do mundo quando a beijou. O resto do universo não existia mais, ela poderia ficar ali para sempre... Ela queria ficar ali para sempre. A tarde inteira foi como se Rádara tivesse morrido e ido para o paraíso. Quando o Sol começou a se pôr as duas estavam quietas, abraçadas, Carya com a cabeça no peito de Rádara que acariciava a orelha dela distraidamente, deitadas na grama, suas roupas jogadas no chão.

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~o~

- Onde elas estão? – Devon perguntou saindo com duas canecas de cerveja, ao lado de Seth.

- Devem ter ido resolver algum assunto. – Seth se fez de bobo. Ele imaginava onde elas estavam, com aquela intuição que tinha com Carya, ambos sempre sentindo quando o outro estava vivendo algo importante e, às vezes, até onde estavam.

- Seth. Devon. – Rodan se aproximou dos dois.

Essa não... Seth pensou.

- Hunna quer falar com Carya. Onde ela está? – Rodan perguntou já olhando para todos os lados procurando pela amada.

- Ela e a princesa herdeira saíram juntas. Não sei para onde foram. Estávamos comprando isso. – Devon respondeu sinalizando as bebidas.

Essa não... Seth pensou bebendo um gole da cerveja, meio nervoso, tentando disfarçar.

Rodan olhou para o jovem mago e seu ciúme, aliado à sua experiência como militar e expião, deu o alerta. Elas estão juntas... Sozinhas.. . Ele ficou ainda mais sisudo, por mais que isso parecesse impossível.

Devon percebeu e ficou imediatamente preocupado. – Acha que elas estão em perigo?

Devemos procurá-las?

- Não. Elas estão muito bem. Não é, Seth? – Rodan disse e sua raiva brotava como veneno em sua voz.

- Eu...Não sei...Err... Acho que sim... – Seth era péssimo na hora de mentir. Mas morreria antes de entregar as amigas. – Devon, não se preocupe. Ninguém nunca foi burro pra atacar as Montanhas Amarelas. Elas estão bem.

Devon olhou de Rodan para Seth e achou melhor não insistir no assunto. – Senhor, porque não bebe conosco?

- Hum! – Rodan se virou e foi embora praticamente rugindo. Ele precisava se afastar.

Ele tinha que treinar. Fazer qualquer coisa para descontar aquela raiva ou mataria alguém.

- O que foi isso? – Devon perguntou.

- Ele deve estar cansado. – Seth disse a primeira bobagem que veio à mente. – Vamos voltar para taverna?

- Claro. – Devon respondeu e os dois entraram. Mas aquilo ficou na mente de Devon o resto do dia. Ele tinha que descobrir o que estava acontecendo com Rodan. Ele não era do tipo que tem explosões de raiva daquele jeito. Algo estava muito errado. Será possível que ele esteja interessado na princesa Rádara? Em Carya não é, com certeza. Ele a vê como uma filha adotiva, sempre falando orgulhosamente do progresso dela. Se eles estiver interessado

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nela... Deuses! Pode ser o fim de sua amizade com o rei! Devon pensava enquanto tentava prestar atenção às conversas dos amigos de Seth que haviam chegado e estavam com eles numa mesa mais distante, no canto da taverna.

~o~

- Onde você estava, mocinha linda da mamãe. – Hunna disse, abraçando Carya por trás e dando um monte de beijos na testa molhada da filha.

- Mãe! – Carya reclamou.

- Carya quantas vezes tenho que avisar para você não ficar molhada à noite? Não é sábio, filha. Você vai se resfriar. – Fagrir disse já com uma toalha grossa na mão.

- Pai, faz ela parar... Ela está me tratando como bebê de novo. – Carya tentava se afastar da profusão de beijos da mãe quando Seth passou pela porta. – Corre, irmãozinho!

Ela vai agarrar você também! Pai, socorro aqui!

- Claro, filha. – Fagrir puxou Carya dos braços de Hunna que já estava puxando Seth para um abraço cheio de beijos. Ele abraçou Carya fortemente com um braço e, com a outra mão esticou a bochecha dela. – Minha nenênzinha linda do papai. Coisa mais fofa.

- Também te amo, mãe. – Seth disse, retribuindo o carinho da mãe.

- Seth! Não alimente o monstro carente que habita em nossos pais. Me salva! – Carya tentou se soltar do pai, entre risos. Quando ela finalmente se soltou, Fagrir jogou a toalha no ombro dela enquanto ela limpava dramaticamente os beijos da mãe em seu rosto. –

Vocês dois são nojentos, sabiam.

- Ah, irmãzona. Eu gosto do carinho da mamãe e do papai. – Seth disse abraçando a mãe de lado.

- Viu. Ele gosta dos nossos carinhos. – Hunna disse com bom humor.

- Eca. Vocês estragam esse garoto. Vou tomar um banho. – Carya se virou para sair.

- Pode voltar. – Fagrir disse com autoridade.

- Seth, querido, você pode ir. – Hunna disse e o tigre branco deu um beijo no rosto da mãe, um abraço no pai, e saiu.

- Espera. Porque ele pode e eu não? – Carya perguntou temendo a resposta.

- Porque, mocinha, a senhorita vai nos dizer agora o que está acontecendo entre você e Rodan. – Hunna disse.

- Sente-se. – Fagrir disse e Carya obedeceu mesmo com todo seu corpo desejando fugir dali.

- Não sei do que estão falando.

- Nem eu e nem sua mãe somos cegos. – Fagrir disse. – Querida eu sei que você gosta de se divertir e sabe que eu não me incomodo com isso.

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- Eu sim. Você é uma moça de origem nobre, uma grande guerreira, uma Tiger de família. – Hunna disse e Fagrir olhou feio pra ela. Eles sempre discordavam sobre isso e era parte da razão pela qual Carya era mais próxima do pai. – Maaaas... Respeito suas decisões.

- O que nos preocupa, filha, é que conhecemos Rodan a anos e ele não é o tipo de leonino que se envolve com qualquer uma apenas para satisfação pessoal. – Fagrir disse.

- Ele nunca se casou porque não queria se casar com qualquer uma. E...bem... ele não é muito simpático, eloquente e é o tipo que desconfia de todo mundo antes de conhecer.

Isso não facilita muito para conhecer alguém e se relacionar. – Hunna disse se lembrando dos vários encontros que armara entre Rodan e felinas incríveis, mas terminara com elas o achando um idiota, aumentando a fama de seu apelido antigo, ‘alma de gelo’.

- E porque isso deveria me interessar? – Carya perguntou já ficando na defensiva.

- Carya, meu amor, eu vi como ele te olha, o desespero dele quando você esteve de cama, os olhares furtivos em público, as tentativas dele em nos dizer algo enquanto você sutilmente o calava, as indiretas sobre família que ele diz quando você está presente... –

Fagrir disse. – Menina, quando você nasceu eu já era especialista a muito tempo em captar mais do que palavras em reuniões. Pode olhar nos meus olhos e garantir que você não teve, ou tem, nada com o Rodan?

Carya olhou nos olhos dele e pensou em mentir, mas ela nunca conseguia mentir para o pai. Para a mãe até conseguia, era só manipular o sentimentalismo da mãe, mas com Fagrir era diferente, ela se sentia tão unida à ele que só a ideia de mentir pra ele parecia uma traição a si mesma.

- Não. Não posso. – Ela respondeu.

- Essa não. Querida, por que ele? – Hunna começou a andar nervosamente pela sala. -

Ele é nosso amigo de longa data, você e seu irmão estão vivos graças à ele também, e ele obviamente não está querendo só algumas noites com você. Ele praticamente beija o chão quando você passa. Ele nunca ficaria com você, nossa filha, quem ele praticamente criou nas artes de combate, quase uma afilhada, ... A menos que fosse algo sério. Você não pensou nisso? Sem falar que você precisa sossegar e formar uma família. Se firmar na vida.

É importante até para sua trajetória profissional. Isso vai te ensinar a ser mais responsável e...

- Hunna. – Fagrir chamou e eles se entenderam pelo simples olhar. Carya adorava isso, essa união entre os pais. – Querida, sua mãe tem razão. Não em tudo porque não vou te pressionar à nada. Mas é claro que Rodan não quer só algo passageiro com você. Tudo que peço, minha linda joia, é que você pense com carinho nisso. Se você realmente não quer nada sério com ele, corte isso agora. Não o provoque. E não me olhe com essa cara de inocente, Carya. Eu te conheço.

- Vou pensar, pai. Prometo. Mas eu já disse pra ele que não quero nada sério.

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- E porque não? Se ele te ama como eu imagino já que ele, o felino mais frio e sério do mundo, se envolveu com a filha dos amigos dele que ele viu crescer, porque não? Ele é um leonino respeitável, nobre, te adora, você com certeza não é indiferente, vocês se respeitam e isso, querida, é tão precioso... – Hunna se calou sob o olhar de Fagrir.

- Posso ir? – Carya perguntou querendo fugir dali. Quando os pais permitiram, ela correu para o banho. Mal tinha se trocado quando Seth bateu na porta. – Entra, irmãozinho.

- Ele sabe. – Seth disse quase em pânico.

- Respira, Seth. Quem sabe o que? – Carya perguntou calmamente, dando um tapinha na cama para o irmão se sentar ao seu lado.

- Rodan. Ele sabe sobre você e Rádara. – Seth quase cuspiu as palavras.

- Como você sabe?

- Carya, por favor. Era evidente o interesse dela, não sei como você não percebeu.

Rodan já tinha percebido faz tempo. O papai também. Acho que até o rei já percebeu.

- Essa não...

- Quando vocês sumiram hoje... Bem...Eu te conheço e conheço os sentimentos de Rádara. Foi só juntar as peças.

- E como Rodan sabe sobre hoje?

- Ele veio te buscar hoje. A mamãe queria falar com você e, bem, agora você já sabe o que ela queria. Se brincar, é capaz dele ter planejado pedir sua mão para nossos pais hoje.

Mas você não estava e nem Rádara. Bom... Ele não é burro. – Seth disse.

- Que droga. Porque de repente parece que minha vida amorosa se tornou tão complicada?

- Se você não assumir um compromisso logo, isso vai ficar pior.

- Que droga, Seth! Até você? Eu NÃO vou assumir um compromisso com ninguém!

Nem tempo e disposição pra isso eu não tenho agora. Você sabe bem o porque.

- Rád sabe que você não quer compromisso?

- Sabe. Eu fui bem clara e ela aceitou sem problemas. Ela também não quer compromisso.

- Ai, Carya...

- O que?

- Você acreditou mesmo nisso?

- Claro. Ela disse isso. Porque ela mentiria?

- Amanhã conversamos sobre isso. Agora é melhor descansarmos se você quiser treinar cedo aquele golpe. – Seth disse, abraçou a irmã e saiu.

- Compromisso é o caramba! Como se eu já não tivesse um compromisso muito maior para cumprir. Que saco. – Carya resmungou indo para a cama.

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Iluminados

- Onde você estava? – Rodan puxou Carya num canto assim que ela chegou no quartel general. Ela era sempre a primeira cadete a chegar e naquele dia não foi diferente.

- Bom dia para você também, comandante. – Carya disse puxando seu braço do aperto firme de Rodan. Ele soltou o braço dela, mas prensou o corpo da tigresa na parede usando o seu próprio.

- Não brinque comigo, Carya! Onde você estava ontem? – Rodan perguntou baixo, mas a voz trêmula e todos os pêlos de seu corpo eriçados, o clássico sinal de estresse nos felinos.

- Minha vida pessoal não é da sua conta, comandante.

- Isso é alguma piada?

- Se não se importa, comandante, preciso me preparar para o treino.

- Droga, Carya! Pare com isso. Sabe que odeio que você seja formal comigo quando estamos sozinhos! – Rodan disse irritado e magoado. – Você estava com ela fazendo...

- Com quem eu estava e fazendo o que não te interessa! Minha vida fora do trabalho não é assunto seu!

- Anteontem de madrugada no meu quarto não foi bem isso que você demonstrou.

- Então talvez eu não devesse mais ir te procurar quando eu quiser um amante. –

Carya disse com raiva. Ela gostava de estar com Rodan às vezes, mas essa necessidade chata dele em formar uma família já estava cansativa.

- Porque isso agora? Tem outro amante, não é? Ou melhor... Outra. Rádara finalmente deixou de ser covarde e disse o que quer de você e você cedeu como uma...

- Como uma o que? Anda. Termina.

- Eu não quis dizer... Droga, menina!

- Eu sou livre e desempedida, Rodan! Se eu quiser passar a noite com cada felino solteiro nas Montanhas Amarelas eu vou e ninguém tem merda nenhuma a ver com isso!

- Não se atreva. – Rodan disse baixo, fazendo um esforço fenomenal pra não perder a paciência de vez. Era incrível a velocidade com a qual Carya o tirava do sério quando ela queria.

- Ou o que? – Carya perguntou desafiadoramente.

- Eu não sou seu brinquedo sexual, menina. E não vou deixar você se relacionar com outros sabendo que você me ama, mas é idiota demais para admitir! – Rodan respondeu.

- Grrrrrrr! Você me irrita com isso sabia!

- E você ilumina minha alma à ponto de fazer ela queimar. – Rodan disse com a voz rouca de emoção.

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Passos rápidos soaram e os dois se afastaram como se tivessem dando choque um no outro.

- Comandante, cadete. – O mensageiro do rei entrou esbaforido. – O rei deseja vê-los.

Os dois. Imediatamente.

Rodan e Carya saíram um ao lado do outro, praticamente cuspindo marimbondos de raiva.

- Graças aos céus vocês chegaram. – Lordok estava usando sua armadura. Isso não podia ser bom. – Rodan prepare seus soldados. Carya, você vem também. Teira desapareceu na floresta abaixo da montanha. Seth recebeu uma mensagem do príncipe Eltar. Ele alega estar com minha esposa e exige a presença dos irmãos. Segundo ele, é apenas para uma conversa. Mas não acredito.

Lordok praticamente atropelou as palavras, andando de um lado para o outro como uma fera enjaulada. Seth entrou com Hunna e Fagrir.

- Que história é essa? – Carya perguntou para o irmão o virando de um lado a outro em busca de ferimentos. Não que fosse provável uma mensagem causar algum ferimento, mas esse já era um hábito enraizado.

- Estou bem, irmãzinha. Ele enviou uma mensagem diretamente para minha pedra mágica. Só isso. Não tinha nenhuma maldição ou feitiço ruim, nem nada do tipo. – Eltar respondeu enquanto sua irmã procurava os improváveis ferimentos.

- Eu não quero que vocês se arrisquem. O irmão de vocês foi criado por aquele lunático e aquela mulher sem dignidade nenhuma. E, bem, o histórico dele pessoalmente nos combates também não é dos melhores. – Hunna tremia visivelmente.

- Mas também não vamos impedí-los de ir se vocês quiserem... O que estou dizendo?

Sei que vocês querem. São corajosos até demais. Só não se esqueçam Eltar é conhecido por ser traiçoeiro como uma serpente. Tenham cuidado. – Fagrir disse abraçando Hunna de lado pra que ela não caísse de tanto tremer.

- Teremos. Não se preocupem. – Carya disse com aquele tom que deixava claro sua autoridade natural. – Majestade, posso falar com Rádara antes de sair?

- Claro, minha criança. Ela está no jardim te esperando. – Lordok disse.

- Não seria mais sábio irmos nos organizar de uma vez? Carya pode falar com a princesa quando voltar. – Rodan deixou escapar. Ele não pensou em nada, apenas o ciúme corroendo seu ser.

Lordok olhou para ele com suspeita. – Alguns minutos não serão uma grande perda, Rodan. Vá, Carya. – Ele disse sem desviar os olhos avaliadores do amigo. Rodan estava normal para qualquer um que o visse, mas o rei o conhecia a muito tempo, os dois tinham enfrentado muita coisa juntos, ambos se conheciam melhor do que eles mesmos. Na

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aparência controlada de Rodan havia algo errado. A calda levemente tensa, o olhar sutilmente brilhante de raiva, os braços para trás na postura habitual pareciam mais tensos.

Rodan está com ciúmes? De quem? De Carya? Não. Ele a ama como uma filha. Sempre foi mais apegado à ela do que aos outros dois filhotes que ele viu crescer. De Carya não pode ser. Então... Abençoada Kallisti! Ele está com ciúmes de Rádara! Lordok não entendia como isso começara, mas agora tinha certeza que a aparente frieza, até a certa animosidade disfarçada entre Rodan e Rádara e essa cena de ciúmes mal contida, deixava evidente que Rodan tinha interesse em sua filha. Talvez ele tivesse se confessado para ela e, como ela amava Carya, o rejeitou causando toda essa tensão entre eles. Quando Teira estivesse segura em casa, ele teria que resolver isso.

~o~

- Como sabia que eu viria? – Carya perguntou lembrando que o rei dissera que a amiga a esperava.

- Você nunca sairia pra essa confusão sem falar comigo antes e ter certeza de que eu estava bem. Sempre foi a guardiã da gente. – Rádara disse, sentada tristemente no canteiro das flores preferidas da mãe.

- Rád... Vamos trazer ela em segurança. – Carya disse, sentando do lado dela.

- Eu... Eu não sei do que tenho mais medo... Minha mãe nas mãos daquele doente, você indo encontrar ele, ou você indo com Rodan.

- Não precisa temer nenhuma das três opções. – Carya disse. – Eu vou voltar e vamos comemorar muito durante a noite toda.

Rádara abraçou a amiga e chorou no ombro dela até as lágrimas aliviarem os medos e incertezas. Carya acariciou as costas da amiga silenciosamente. Rádara seria a responsável pelo reino enquanto seu pai estivesse fora. Era a primeira vez que ela cuidava do reino sozinha e a situação não era a melhor possível. Quando Rádara se acalmou, Carya lhe deu um beijo e a ajudou a se levantar. As duas seguiram para o salão principal e, no caminho, os anos de treinamento agiram em Rádara que assumiu insitintivamente a postura e atitude de uma rainha.

- Pai, eu e Carya tivemos uma ideia. – Rádara disse entrando com Carya ao lado.

Rodan olhou para as duas com ódio estampado no rosto por apenas uma fração de segundos, mas Lordok estava atento à ele e isso não passou desapercebido.

- Fale, querida. – Lordok disse.

- Chame Devon. Ele vai ajudar. – Rádara disse e explicou seu plano.

~o~

- Se derem mais um passo sua rainha morre. – Eltar disse para o grupo leonino que se aproximava.

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O encontro fora marcado em uma clareira na floresta já perto da fronteira entre o território leonino e uma cidade dominada pelos Tiger. O sol estava no meio do céu, a grama verde brilhava com os resquícios da chuva que caíra durante a manhã toda. Agora o céu estava tão claro e sem nuvens que os anéis Anuin que cercavam o planeta podiam ser vistos como faixas azul-claras perfeitas cortando o céu. Ao lado de Eltar, de pé, estava Leviatã e quatro membros de sua guarda pessoal, dois soldados e dois magos.

Lordok andava com Rodan ao seu lado, o mago chefe do outro, Carya e Seth logo atrás de seus chefes e quatro soldados atrás.

- Onde está minha esposa? – Lordok disse, parando a dois metros do grupo liderado por Eltar.

O tigre deu um assovio agudo e dois soldados saíram de trás de uma das árvores que cercavam a clareira com Teira amordaçada e acorrentada nos pulsos e pernas, os soldados segurando cada um de seus braços. Eles continuaram parados na árvore próxima de Eltar, sem dar nenhum passo em direção à clareira.

Querida... Você está ferida? Lordok perguntou com o olhar para a esposa. Eles não eram telepatas, mas a união entre ambos era tão forte que ambos se entendiam sem nem mesmo precisar olhar um para o outro.

Estou bem. Teira disse silenciosamente com o olhar.

- Eu não ferí sua esposa. Fique tranquilo. – Eltar disse e por um momento Lordok se perguntou se o rapaz tinha o dom da telepatia. – Mande os gêmeos para cá e mandarei sua esposa, sã e salva, para seus braços. Simple, não é?

- Porque você quer meus afilhados? – Lordok perguntou.

- Isso não te interessa. Mas vou satisfazer sua curiosidade. Quero apenas conversar com meus queridos irmãos. – Eltar disse com um sorriso sutil, quase imperceptível.

- Não acredito em você. – Lordok disse.

- Problema seu. – Eltar fez um sinal sutil com a ponda da calda laranja e preta e os soldados que prendiam Teira sacaram suas espadas prontos para matá-la. – Você pode deixar seus afilhados no colinho e deixar sua fêmea sangrar até a morte também. Questão de prioridades pessoais.

Os soldados e magos do lado de Lordok já tinham sacado suas armas e feito suas pedras mágicas começarem a brilhar. O magos e soldados do lado de Eltar também. Lordok ergueu a mão com o punho fechado, o sinal para todos abaixarem as armas. Eltar fez o mesmo.

- Solte-a primeiro. Não confio em um Tiger. – Lordok disse.

- Falou o leonino que é padrinho de dois Tiger da linhagem real e amigo de dois Tiger que trairam seu povo. – Eltar disse zombeteiro. – Eu não confio em nenhum leonino.

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- Ao mesmo tempo então. – Lordok disse e, ao seu sinal, Carya e Seth passaram em sua frente.

- Se tentarem qualquer gracinha, meu amigo aqui – Eltar sinalizou para Leviatã – vai explodir a cabeça da sua mulher mais rápido do que você pode gritar meu nome.

- Se tentar qualquer coisa, garoto, não vai viver para contar essa história. – Lordok disse aparentemente calmo, os anos de experiência como rei exercendo seu papel de autocontrole.

Eltar fez um sinal para que os guardas trouxessem Teira à frente deles. Como um relógio bem sincronizado, Carya, Seth e Teira deram passos em direção aos grupos opostos.

Carya não precisou olhar, sua ligação com Rodan era muito forte e ela pôde sentir a tensão e a raiva emanando dele. Seth estava tenso, mas, segundo o que ele dissera no caminho, não era por essa troca. Era por alguma coisa que ele não sabia explicar. Teira parecia cansada, preocupada com os afilhados, mas bem arrumada e ilesa. Lado a lado, Carya pôde sussurrar para Teira: - Rád está bem. Corra quando puder.

Teira piscou duas vezes para demonstrar que havia entendido. Alguns passos mais e tudo deu errado. Uma luz branca fortíssima surgiu não se sabia de onde, abrangendo tudo ao redor. Ninguém exergava nada além daquele brilho gigante. Não se ouvia nada além de um zumbido irritante. Os pêlos de todos ficaram eriçados de estresse, mas também de estática. Quando a luz sumiu deixando apenas a claridade normal do dia, Teira estava jogada no chão encolhida e gritando sem som nenhum saindo de sua boca. O zumbido sumiu e os sons voltaram como um soco. Animais estavam estressados na floresta, os passáros gritavam nas árvores e alguns caiam mortos no chão como uma chuva bizarra. O

grito de Teira ecoou e todos perceberam que a causa eram as correntes nos pulsos e pescoço que se apertavam sozinhos. Era a magia de Leviatã. Por isso Eltar dissera que explodiria a cabeça dela. Eles precisavam tirar isso logo. Eltar estava com um olhar medonho, Leviatã ao seu lado o amparava com um cuidado incomum, exagerado.

- Bandidos! Vocês não têm palavra! Lançam um ataque mágico tão violento que perturba a natureza ao redor só para não cumprirem um acordo?! – Eltar gritou furioso. –

Matem todos, menos os gêmeos!

- Não fomos nós que causamos isso, filhinho de papai burro do cacete! – Carya gritou e se lançou para cima de Eltar com um rugido. Ou fomos? Carya não tinha certeza. Seth, seguindo a liderança da irmã, avançou para cima de Leviatã usando sua magia.

- E quem foi então? A piranha cafetina da sua avó? – Eltar gritou dando uma rasteira em Carya.

Ela caiu, mas levantou rosnando mais alto ainda, a raiva quase a cegando. A palavras de Rodan durante os treinos vinham à sua mente: “Não deixe a raiva te usar como arma. É

você quem deve usá-la como arma.” Mais fácil falar do que fazer. Mais soldados de Eltar,

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um grupo de cerca de 50 tigres, surgiram de cima das árvores que estavam atrás do príncipe Tiger. Lordok lutava com mais raiva do que tática, seu foco dividido entre a batalha e Teira que gritava desesperadoramente. O mago chefe tentava quebrar o feitiço de Leviatã nas correntes, mas não conseguia chegar perto dela, soldados e magos inimigos surgindo a todo momento ao seu redor. A luta virou um verdadeiro “cada um por sí”. Uma pantera negra, com um capuz escuro na cabeça, máscara e uma roupa colada, cheia de bolsos ocultos, tudo tão escuro quanto o capuz, surgiu do nada lutando ao lado do mago chefe de Lordok, ao mesmo tempo que o aproximava da rainha.

- Você trouxe um exército e só queria conversar? – Seth gritou para Eltar. Ele realmente parecia magoado.

- Não confio nos leoninos. Parece que eu tenho razão. – Eltar gritou tentando desviar dos golpes ágeis e furiosos de Carya.

Rodan estava tentando manter o foco na própria luta, as costas coladas às do rei, mas sua atenção volta e meia ia para Carya. Se Eltar a machucasse... Não. Carya era uma grande guerreira e ele confiava na habilidade dela. Mas ele também não podia deixar de sentir medo pelo perigo que ela corria. Carya tinha um ponto fraco e, conhecendo ela a tantos anos, ele duvidava que ela mudaria isso. Esse era o maior risco que ela corria em batalha.

Em sua mente ele só repetia o conselho que dera a vida toda repetidamente para a jovem explosiva: Não deixe a raiva te usar como arma, meu amor. Lembre-se que é você quem deve usá-la como arma. Ela tinha que lembrar disso. Ela precisava.

Os leoninos estavam em desvantagem e eram fisicamente mais fracos que os tigres.

Não era à toa que os tigres dominavam o mundo. Lordok havia deixado um grupo em alerta, mas, quando o espião apareceu ele temia que o grupo não fosse chegar. Se Devon estava ali lutando com eles, então o que fora aquela luz? Será que eles viveriam para descobrir? Devon estava quase conseguindo aproximar o mago chefe de Teira quando ela levantou descontrolada de dor e raiva, rosnando furiosamente. Ela nem parecia mais um ser racional, parecia um animal ferido, um animal grande com garras enormes. O rosnado de Teira preencheu o lugar, se sobrepondo até mesmo aos sons das espadas e dos chiados dos poderes mágicos. Ela pulou em cima de qualquer um, não reconhecendo nem mesmo seus aliados. O mago chefe tentava se aproximar para destruir o feitiço que mantinha as correntes se apertando magicamente nela. Com um golpe de uma pata, Teira jogou um soldado de Eltar longe e ele caiu de costas em uma árvore, sua coluna quebrando com um som alto e o tigre não abriu mais os olhos. Vários outros foram jogados da mesma forma em golpes sucessivos e irracionais. Alguns que estavam mais distante, como Carya, Seth, Leviatã e Eltar, olharam pasmos para aquela cena. Leviatã pegou a mão de Eltar e sumiram na floresta nesse meio tempo, deixando seus soldados abandonados à própria sorte. Carya

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se virou apenas a tempo de ver seu meio irmão sumindo. Ela pensou em seguir os dois, mas cuidar de Teira era a prioridade.

O mago chefe conseguiu se aproximar e soltar as correntes pronunciando um encantamento cantado em tom baixo o mais perto possível de Teira. Era a única forma de quebrar o feitiço, mas isso também deixava o mago muito cansado. Seth correu para amparar o mago chefe sabendo disso, mas parou horrorizado com Carya ao seu lado. Teira, ainda com os resquícios da fúria, um efeito colateral da dor das correntes, cravara as garras no pescoço do mago e o erguera com uma única mão. O mago ficou meio metro acima do chão, o pescoço pingando sangue como cascatas brotando de seu pescoço, apenas seus pés se debatento levemente. Teira rosnava alto olhando para ele com uma raiva irracional, e então o jogou longe. O mago caiu de cabeça no chão e todo mundo pôde ouvir o “crack” do crânio destruído. A morte foi instantânea. Todo mundo, até os inimigos, pararam como se estivessem congelados no tempo, incapazes de desviar os olhos da cena grotesca.

Lordok correu e abraçou a esposa por trás, ao redor dos braços os mantendo preso no abraços. Ele se debateu com tanta força que o rei, muito maior e mais forte do que ela, foi jogado a alguns metros. Ela correu furiosamente para ele e Rodan correu para proteger seu rei.

- Não! – Lordok gritou para Rodan. – Fique aí! É uma ordem!

Rodan parou, torcendo para que Lordok tivesse um plano.

- Amor. Pare. Você está livre. – Lordok disse esperando que o efeito das dores da corrente estivessem passando para que ela pudesse ouví-lo. Teira estava com o corpo em cima de Lordok, pronta para matá-lo em plena fúria irracional, mas parou. Um brilho leve de racionalidade surgiu em seus olhos. Ela rosnou furiosa, e manteve o olhar fixo no do rei.

Ele não desviou o olhar, não piscou, ele apenas sustentou o olhar dela com o seu esperando que todo o amor que sentia por ela estivesse estampado em seus olhos. A respiração dela foi acalmando, seu olhar perdeu aquela irracionalidade, suas feições suavizaram.

- Lorfofo? – Teira chamou o marido pelo apelido secreto que eles só usavam na intimidade. Isso viraria motivo de piadas entre amigos, mas ele não se importava. Sua amada estava de volta. Então o olhar dela vagou para o mago morto a alguns metros e o desespero tomou conta de seu coração. Ela caiu deitada em cima do marido, chorando com a culpa que corroía sua alma, enquanto o marido a abraçava.

~o~

- Porque você usou as bombas antes da hora? E porque aquela quantidade toda? –

Carya perguntou quando todos estavam amarrando os prisioneiros.

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- Eu não usei. Eu vi o expercito escondido de Eltar e vim avisar. Cheguei a mandar um pombo correio para o nosso exército a alguns quilômetros para que viessem. – Devon respondeu.

- As bombas de luz não causam uma luminosidade tão forte. – Rodan acrescentou se aproximando com Lordok do lado. O rei parecia ter envelhecido uns 10 anos em poucas horas.

- Se não foi Devon que se adiantou no nosso plano, se as bombas não fazem aquilo, então que diabos foi aquilo? – Lordok perguntou e, claro, ninguém tinha uma resposta.

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Pontos fracos

- Meu garoto, se acalme. – Leviatã disse com uma absurda calma.

Eltar andava de um lado para outro no quarto do mago, com braços para trás e a cauda balançando lentamente de um lado pro outro. – Eu não entendo... Que tipo de arma emitiria uma luz igual aquela? Mágica? Mas... Não... Eu não senti aquele arrepio como sempre quando tem magia. Não... Então...

- Rapaz, se você não parar de andar vai acabar abrindo um buraco no chão até o centro do planeta. – Leviatã disse servindo uma taça de vinho para ele e outra para Eltar.

Eltar se aproximou do mago, aceitando a taça e sentando na poltrona em frente à ele.

- Talvez algum armamento novo desenvolvido por algum traidor. – Leviatã disse, tomou um gole do vinho e pousou a taça lentamente. – Ou...

- O que?

- Ou não foram eles. Você mesmo disse que sua meia irmã pareceu tão surpresa quanto nós com aquilo. Ela não disse que não tinham sido eles?

- Não tenho porquê acreditar nela.

- Também não temos porquê não acreditar.- Leviatã ponderou.

- Por enquanto, vamos focar no problema mais urgente. Preciso de outra forma de chegar até aqueles dois. – Eltar disse com um suspiro de cansaço. Leviatã levantou, ficou atrás da poltrona e começou a massagear a nuca e ombros do Tiger mais jovem. Eltar conteve o desejo de morder a mão do mago até arrancá-la nos dentes. – Isso é ótimo, meu querido. Bem... Acho que meus irmãozinhos vão ficar mais atentos agora. Isso dificultará qualquer tentativa de aproximação.

- Mas nem tudo está perdido. Ainda não sei como podemos usar isso, mas tenho uma forte suspeita que nos será útil, caso se confirme.

- O que é?

- O guardinha do rei leonino. Aquele leão de pêlos mais escuros.

- Aquele desgraçado. Não aguento mais ele atrapalhando meus ataques. O nome dele é Rodan. É o leal servo do rei e seu melhor amigo.

- Isso é ótimo. Não haverá suspeitas sobre ele quando o trouxermos para nosso lado.

- Leviatã, meu querido, acabei de dizer que ele é leal ao rei, além de ser um dos meus maiores inimigos em campo de batalha a anos. Ele nunca viria para nosso lado, mesmo se contássemos nosso plano.

- Você lembra o que me disse sobre a princesinha leonina e sua irmã?

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- Sim. O amor dela era evidente e nada a ver com amor fraterno ou amigável. Tenho certeza que elas ou têm alguma relação amorosa, ou a princesa tem interesse nisso. – Eltar repetiu suas suspeitas desde o dia do malfadado ataque em Lhagua.

- Exatamente. Acontece, meu perfumado rapaz, - Leviatã segurou firme os ombros de Eltar e apoiou sua bochecha na dele – que a princesa canibal não é a única interessada em sua irmã. O comandante do rei também é. A preocupação dele com ela em batalha foi exagerada, mesmo pra alguém próximo. O olhar dele era um misto de amor e posse que só amantes correspondidos pelo menos uma vez têm.

Os olhos de Eltar se arregalaram. – Pelas Luas Irmãs! Isso seria perfeito. – Eltar exclamou feliz e, ao mesmo tempo, enojado porque Leviatã estava agora acaraciando seu tórax e lambendo seu pescoço. – Você é um gênio, meu querido. Tem toda razão. Isso nos será muito útil. Finalmente descobrimos o ponto fraco daquele leonino imbecil.

Mesmo com nojo do mago, o sorriso de Eltar não vacilou, em partes porque ele estava muito feliz por finalmente ter algo contra Rodan, o inimigo que ele tanto enfrentava em batalha a tempos.

Lino terá que agir. Mas sutilmente para esse mago podre não o descobrir. Foi o último pensamento de Eltar antes de dormir com Leviatã o segurando firme pela cintura na cama.

~o~

- Droga. – Rodan resmungou sozinho quando algumas gotas de sangue da carne que preparava caíram no chão. A casa dele era simples e não tinha servos, apenas uma velha criada que de vez em quando ia lá arrumar algo quando a rotina dele não permitia que ele cuidasse de tudo. Rodan não gostava de ninguém entrando em sua casa. Era recluso e desconfiado, sempre com o semblante sério, às vezes assustador, calado e observando à tudo e todos com olhos atentos. Muitos não gostavam de ficar perto dele porque sempre parecia que ele estava vendo todos os podres das pessoas só de olhar para elas e, bem, simpatia não era o seu forte. Em sua casa, mesmo seus amigos, não iam com frequência. A casa era sempre muito bem limpa, arrumada, organizada ao extremo, portas e janelas sempre trancadas... Tudo era tão bem arrumado que parecia que ninguém morava ali. Até mesmo suas roupas sujas ele colocava na cesta dobradas com perfeição! As únicas pessoas que Rodan sempre quis ter ali eram as únicas que ele não tinha em sua vida: esposa e filhos. Pelo menos... Ainda não.

Toc, toc, toc. Três batidas baixas e firmes soaram na porta principal. O salto que seu coração deu no peito e aquele jeito de bater na porta... Rodan não precisava ver pra saber de quem se tratava. Ele estava chateado com ela e havia decidido não ceder mais... Mas não podia e, no fundo, não queria, ignorá-la. Se auto xingando, ele atendeu à porta.

- O que? – Ele disse de mal humor.

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- Boa noite pra você também. – Carya disse, entrando sem que ele tivesse feito qualquer sinal para ela entrar.

Ele olhou lá fora para ter certeza de que ninguém a vira entrar, fechou a porta encostou na parede que dava para o corredor, cruzou os braços e a observou andando calmamente pela sala.

Eu não vou ceder. Dessa vez não. Se ela não quer uma família como eu, não vou ser o brinquedo dessa menina. Rodan firmou o pensamento.

- Senta aqui. – Carya disse se sentando e batendo no sofá, ao seu lado.

- Não. O que você quer?

- Conversar. – Carya respondeu com um sorriso que deixava claro que não era só conversar que ela queria.

- Estou ocupado. – Rodan disse sem nenhuma gentileza na voz. O cheiro de queimado veio da cozinha e ele correu até lá. A panela do molho que estava cheia minutos antes, do nada, tinha secado totalmente e só existia uma crosta preta queimada no fundo dela agora.

– O que?

- Olha só... – Carya brincou na porta da cozinha. - Parece que o talentoso cozinheiro, Rodan, também queima panelas.

- Isso não devia ter queimado tão rápido... – Ele balbuciou confuso.

- Vem. Vou te ajudar. – Carya disse pegando a faca ao lado da carne.

- Só corte. Eu cozinho. Não quero que você destrua minha cozinha com sua falta de talento culinário.

- Não é sábio provocar uma tigresa guerreira, especialmente se ela está com uma faca na mão. – Carya respondeu brincando.

Carya cortou a carne e os temperos com a eficácia de uma guerreira expert em lâminas, enquanto Rodan cuidava do resto da comida. Ele tentou não pensar muito no quanto gostava da companhia dela e o quanto aquela tarefa cotidiana parecia tão deliciosa.

Quando ela estava ali sua casa sempre parecia mais um lar do que uma simples casa vazia.

Tudo estava quase pronto quando Carya se aproximou dele por trás sentindo o aroma da comida, com uma mão apoiada em seu braço e a ponta de sua cauda roçando nas costas dele.

- Pare com isso.

- Parar com o que? – Carya disse com carinha inocente.

- Eu não vou mais ceder, Carya. Você conhece minhas condições.

- Claro, claro. Como se você pudesse resistir. Sabe que eu te excito. – Ela disse acariciando os pêlos amarelo-escuros, muito bem penteados e brilhantes, do peito dele, descendo até abaixo do umbigo. Ele segurou a mão dela, respirando fundo, e a afastou.

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- É tudo questão de força de vontade. Estou decidido e você não está me fazendo sentir nada agora. – Rodan mentiu, rezando para que seu corpo acreditasse em suas palavras.

- Ahaam. – Carya sorriu de orelha à orelha.

O coração teimoso do comandante acelerou com a visão daquele sorriso. Ele apagou o fogo e foi para a sala sisudo. – É melhor você ir embora. Carya ignorou as palavras dele. Na sala ele se sentou na poltrona arrumando um fiapo imaginário em sua calça escura de algodão. – Feche a porta quando sair.

Mas ela não saiu. Ao invés disso, ela se aproximou de Rodan que se forçou a manter a cara amarrada de sempre, mas olhando para baixo no seu fiapo imaginário. Nunca mais vou ceder. Não sou o brinquedinho de ninguém! Essa garota não me interessa. Ele repetiu mentalmente, quase em desespero para acalmar os efeitos que ele tinha em seu corpo só de o olhar. Mas Carya não facilitou. Ela pegou a mão dele para tirar do fiapo imaginário, sentou em seu colo, uma perna de cada lado, e soltou a mão dele.

- Quer mesmo que eu saia, Rodan? – Ela disse baixo no ouvido dele, se mexendo provocativamente em seu colo. Ela sabia que ele adorava ouví-la falar seu nome.

- Carya, eu não vou continuar com isso. – Rodan disse, mas seu corpo já estava cedendo, suas mãos instintivamente seguraram a cintura dela.

- Claro... Com certeza... – O rebolado dela no colo dele estava fazendo o efeito desejado.

- Porra, Carya. Isso é golpe baixo. – Rodan disse já visivelmente excitado.

- Por que? Achei que eu não te fazia sentir nada. Onde está sua força de vontade, Rodan? – Carya disse olhando nos olhos dele com a excitação evidente.

Ao som do próprio nome na boca de Carya, ele esqueceu de sua decisão. – A força de vontade que vá para o inferno! – Ele a puxou num beijo possessivo, apaixonado, quase desesperado pela necessidade de tê-la de novo.

- Senhor? – Devon chamou pela sexta vez Rodan que estava sentado no sofá da sala, no mesmo lugar onde Carya o havia feito perder a cabeça de novo dias antes.

- O que? – Rodan saiu de suas lembranças.

- O que há com o senhor? Está distante, preocupado... Naquela noite, depois do passeio com a princesa e os gêmeos, o senhor estava caído nesse sofá, bêbado. O senhor nunca bebe assim, mesmo porque em nosso ramo de trabalho sempre estamos atentos. –

Devon disse. – O que está acontecendo, senhor? Sabe que sou seu amigo, lhe devo minha vida e minha educação. Pode contar comigo.

- Eu sei. – Rodan respondeu e era verdade. Ele amava aquele rapaz como filho e amigo. Ambos tinham uma história de vida parecida e isso os aproximara desde o início.

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Mas ele não conseguia falar disso. Não queria, pelo menos não antes de abrir o jogo com os pais de Carya e se resolver com ela. – Digamos... – Rodan tentou dizer algo, mas ficou vermelho só de lembrar as inúmeras vezes que Carya tinha o provocado e o quando ela era sexy. Dias sem tocá-la já o deixavam louco, descontrolado desse jeito.

- Pelas Luas Irmãs! É uma fêmea! – A perspicácia de Devon deixou Rodan mais vermelho ainda. – Isso só pode ser fêmea. Quando um felino fica aéreo, descontrolado, meio louco assim... Quem é ela? Ou ele?

- Ela.

- Bem... E quem é? Já falou com ela? Precisa falar logo. Sei que essas coisas não são seu forte, mas posso ajudar.

- Ela já sabe.

- E...?

- É complicado. Não queremos as mesmas coisas. Mas sei que ela me ama.

- Entendo. Então sugiro que não a pressione. Se ela o atraiu suponho que ela seja uma fêmea de gênio forte, o senhor não se atrairia por ninguém que não tivesse uma personalidade forte. Sendo assim, pressioná-la só vai a afastar do senhor.

- Garoto... Quando você virou esse guru do amor? – Rodan disse pasmo com o conselho realmente sábio do rapaz. Às vezes ele esquecia que Devon não era mais aquele filhote, fedendo à fumaça que ele tirara dos braços da mãe morta em Lhagua.

- É que eu sou bonitão e sabe ne... Experiências. – Devon brincou. – Sério. Seja paciente. Se ela o ama mesmo, por mais que ela fuja desse sentimento, cedo ou tarde ela vai perceber e vai voltar para o senhor.

- Fácil falar. Ela consegue me enlouquecer em segundos e sabe me irritar quando quer.

– Rodan disse enciumado porque, ao invés de passar a noite com ele comemorando a vitória do resgate de Teira, Carya decidira ficar com Rádara.

- Ciúmes... Rodan. – Devon chamou com expressão séria e Rodan olhou para ele. –

Controle isso ou você vai perdê-la. – Ele já imaginava, quase com certeza, que o amor secreto do pai adotivo era a Rádara. Bom pra mim. Eu gostei mesmo foi daquela delícia sensual chamada Carya. Carya... Que nome mais doce... Ele pensou.

- E você? Alguém firme em seu coração? – Rodan perguntou, louco pra mudar de assunto.

- Talvez. Tem alguém que me interessa, mas ainda conheço pouco. Ela é corajosa, honrada, leal, digna e linda. – Devon disse.

- Bom.

- E sua amada? É bonita?

- A mais bela luz no universo. – Rodan disse com um tom sonhador, sua mente vagando de novo para os momentos que vivera com ela, não apenas os sexuais.

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- Por Kallisti! – Devon se espantou. Rodan tão romântico assim? Rádara deve ser um vulcão na cama. Ele pensou e disse: - O senhor está mesmo apaixonado!

- É mais que isso. Essa... moça... é meu ponto mais forte e, ao mesmo tempo, meu ponto mais fraco.

~o~

- Não seria melhor matá-la de uma vez? Ela sabe demais. – Leviatã disse olhando para a tigresa caída no chão sujo cheia de cortes, queimaduras e com uma calcinha feita de concreto.

- Ela vai morrer quando eu quiser que ela morra! – Tigrésius esbravejou. Seu humor havia piorado mais do que o habitual desde que Khara fora desmascarada. – Jogue.

Leviatã pegou o frasco com um líquido quente e salgado, e jogou no único burado na calcinha de pedra, pouco acima da região íntima. Khara rosnou quase sem forças quando o líquido ardido encostou na pele sensível, machucada e queimada. Depois de arrancar os pêlos todos da região com fogo, lentamente, por Tigrésius com seu poder das chamas de Éris, ele colocara um molde de ferro em forma de calcinha e jogou o concreto aquecido. A pele lá dentro, depois de duas semanas, estava corroída pela substância do concreto, as queimaduras infeccionaram e o odor de podre e urina presa naquele objeto tomava conta da prisão oculta onde Lino havia estado por anos. Não satisfeito com isso, Tigrésius levara duas servas que o desejavam e as possuíra na frente de Khara para fazê-la sofrer. Sempre que podia ele ia até ela e fazia cortes profundos no corpo da tigresa bem devagar. Mas nada parecia aplacar sua raiva contra ela. Ele gostava dela, tinha matado e realizado o sonho dela de ser rainha. E como ela lhe pagara? Traindo ela com um verme qualquer e entregando informações ao seu pior inimigo!

- Ela está com febre muito alta. Não vai resistir por muito tempo nesse ritmo. – Leviatã disse sentindo a temperatura de Khara.

- VOCÊ ESTÁ COM PENA? ESTÁ TRAMANDO COM ELA? VAI SALVAR ESSA VAGABUNDA? – Os olhos de Tigrésius se iluminaram em tons de fogo.

- Não foi o que eu disse. – Leviatã disse forçando seu autocontrole. Ele só precisava de paciência. Em breve ele daria o troco nesse rei imbecil. – Mas se quer que o castigo dela continue, precisa abaixar a febre dela ou ela morrerá em breve. – Ele disse com o olhar firme.

Tigrésius o encarou como se quisesse ver algum sinal de traição no semblante do mago. – Muito bem. Cuide dessa puta traiçoeira. – Ele disse e saiu como um furacão.

- Majestade. – Um servo se aproximou do rei no corredor principal. O coitado tremia visivelmente.

- O QUE É? – Tigrésius berrou.

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- O sargento chegou e deseja vê-lo. Ele trouxe prisioneiros leoninos.

- Sai da minha frente, seu merda! – Tigrésius agarrou o servo pelo colete e o jogou a alguns metros. O servo caiu e o estalo de um osso se quebrando soou. O rei continuou seu caminho sem se preocupar com o servo. Óbvio. Na sala do trono um tigre forte mantinha um pé em cima da pata de um dos prisioneiros. Dois leoninos estavam ajoelhados, rosto colados ao chão, ambos muito feridos. – O que você quer?

- Majestade, trouxe dois prisioneiros como o senhor ordenou. Nós atacamos o destacamento que estava perto da praia. Esses dois são soldados mais baixos na hierarquia, cuidavam dos alimentos, arrumação das tendas, e coisas do tipo. – O sargento disse.

- Pelo menos pra isso você serve. – Tigrésius disse. – Leve esses dois para as masmorras e deixe eles comigo. Estou precisando de um pouco de diversão. Agora tire sua carcaça imunda do meu castelo!

O sargento estava fervendo de raiva, mas se conteve, fez uma reverência humilde e saiu empurrando os prisioneiros. Saindo das masmorras, ele deu de cara com o príncipe.

- Sargento! Finalmente o encontrei.

- Alteza. Em que posso ajudá-lo. – O sargento estava louco para que o príncipe pedisse qualquer coisa que pudesse, mesmo de longe, parecer algo que o rei desaprovaria. Eltar já caíra tanto nesse golpe. Sempre que pedia ajuda à alguém essa pessoa contava ao rei e, assim, conseguia algum benefício do rei. Porém, os erros deixaram o príncipe perigosamente astuto.

- Nada que eu saiba. Mas obrigado por oferecer. – Eltar disse, altivo e gentil. – Estive nas regiões desérticas e encontrei isso. – Ele mostrou uma planta com uma única flor rosa.

– Não me server para nada, mas lembrei que aquele dia, na mesa de jantar dos oficiais, o você comentou que estava precisando de uma dessas para tratar seu problema de enxaqueca. Então... Aqui está.

O sargento o olhou desconfiado. O príncipe lembrara do que um oficial de menor patente, um zé ninguém perto do príncipe herdeiro, dissera em um jantar com um monte de outros oficiais mais importantes? Ele nem percebera que Eltar ouvira... – E em troca o que deseja, Vossa Alteza? – O sargento perguntou ainda com a ideia de usar isso contra Eltar.

- Nada. É só uma planta. Pra mim não tem serventia, mas para você tem. E como você trabalha tão bem, não vejo razão para não lhe dar algo tão simples. Além do mais, quanto melhor de saúde você estiver, melhor será seu desempenho. – Eltar respondeu, sorriu e saiu.

O sargento ficou lá, parado com a planta na mão, olhando para o príncipe sumindo na escada saindo das masmorras.

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- Pelo menos alguém aqui reconhece o bom trabalho nesta droga de castelo. – O

sargento resmungou.

Já no jardim, Eltar tinha um sorriso sutil no rosto, agradecendo mentalmente pela ideia do mago. Mais um ponto fraco atacado com sucesso. Ele pensou.

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Comemoração do feriado

Era o primeiro dia do feriado Tiger nacional, o Ilenostia Kifey que comemorava a morte de Ilena, mãe de Hunna, era a expulsão do demônio Ilena, como ficou conhecida. Nesses dias muitos trocavam presentes entre si como forma de agradecer aos céus pelo fim do demônio que, à essa altura, tinha muitas lendas de realizações cruéis e coisas macabras.

Coisas que nunca aconteceram, mas quem conta um conto aumenta um ponto ne. Uma das favoritas, que corria nos cantos e vielas pobres das cidades, era a de que Ilena enfeitiçara Khara e Tigrésius os fazendo se apaixonar por mera maldade já que o pai de Tigrésius a rejeitara. Era verdade que o pai de Tigrésius teve um caso com Ilena, mas metade do reino teve, e o fato dela não ser uma feiticeira, sacerdotisa ou qualquer coisa que a tornasse expert em feitiços, não importava nos boatos e lendas.

O castelo estava fervilhando em festa, assim como qualquer outro lugar no reino, fosse um lar pobre ou rico. Tigrésius estava curtindo o dia da única maneira que sabia: sendo cruel e devasso. Ele estava no trono real com uma serva ajoelhada, chorosa, lambendo seu pé sob a mira de uma chama na mão do rei. Não demoraria para ele abusar da jovem que não devia ter mais do que 12 anos de idade e tremia apavorada. Leviatã estava realizando um rito de abertura das festividades que, em parte, eram também religiosas já que Ilena era considerada como um demônio. No fim do rito ele almoçaria com o rei num banquete enorme junto com outros nobres e, à noite, em meio às festividades, fugiria para encontrar Eltar, seu brinquedo favorito.

Eltar levantara cedo, vestira seu uniforme militar novo, usara seu melhor perfume e saíra para curtir o presente que daria a si mesmo. Ele andou pelo obscuro e agora conhecido caminho com sua expressão mais calma do mundo. Não esbarrou com ninguém, também ninguém andava pelas masmorras àquela hora, os guardas eram facilmente evitados pelo seu conhecimento daquele lugar onde, muitas vezes, seu pai o prendera e deixara dias com fome por razões ínfimas. Quando parou na porta da cela secreta, seu coração deu um pulo de felicidade.

Chegou a hora, vadia. Ele pensou, arrumou as tranças que fizera nos pêlos da barba.

Tudo perfeito. Então usou a chave mágica, entrou e fechou a porta atrás dele.

- Você está horrível, mamãe. Devo trazer um remedinho? – Eltar disse com um sorriso gigante.

Khara estava se recuperando a alguns dias com o tratamento que Leviatã lhe dava para amenizar as infecções, mas o tratamento não ia muito bem. As feridas estavam muito infeccionadas quando o tratamento começou, algumas partes estavam necrosando, outras estavam com insetos, e não fora possível retirar a calcinha de concreto já que não havia

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nenhum tipo de fecho e quebrá-la com uso da força ou magia poderia (e certamente iria) ferir a pele abaixo do objeto. Assim, o tratamento dos ferimentos em pior estado, aqueles abaixo da grotesca langerie, só poderia ser feito com remédios ingeridos para amenizar o problema o suficiente para que Tigrésius voltasse à sua tortura. Khara estava meio sonolenta ainda quando acordou com a voz do filho.

- El...tar... – Ela murmurou com a voz rouca de sono.

- Quem poderia imaginar? Você lembra meu nome. – Ele respondeu com uma mão no peito e a falsa expressão de surpresa. – Estou perplexo.

- O que...como... Foi... foi você... – Khara disse com medo, um trauma na verdade, porque todas as vezes que ela tentou dizer ao marido que Eltar havia armado contra ela, ele a feriu mais ainda.

- Eu? O que? Que fiz você vir parar aqui? Ha! – Eltar debochou. – Não fui eu que mandei você comer metade do reino como uma puta sem valor. Nossa... Uma rainha se rebaixando assim... Nem as prostitutas que pago nos becos da cidade não são tão nojentas.

Que feio... Não me admira que o rei a odeie tanto. Trair ele assim, ainda entregar os planos dele pro inimigo, e depois de tudo que ele fez por você... Até matando o próprio pai por você.

Khara o olhou em choque. Como ele sabia disso? Só ela, Tigrésius e, talvez, a falecida Ilena sabiam disso. Ilena morrera dois meses antes do casamento de Khara com o meio-irmão, então ela não poderia ter contado. Tigrésius teria dito ao filho? Mas porque?

- Sim, mamãezinha, eu sei disso. Vocês são mais burros do que pensam. Se eu armei pra você? – Ele disse e pegou um frasco com líquido azul. Khara olhou com horror e surpresa suspeitando. – Sim, você está certa, mãezinha, este é o veneno da loucura. Claro que você sabe que, em pequenas quantidades, isso causa alucinações vindas de nossos piores medos que duram horas, e, em quantidades um pouco maiores, podem nos fazer perder completa e irreversivelmente a lucidez. Eu só não entendo que tipo de mãe daria esse veneno para o filho de 9 anos e depois o entregaria para um pedófilo e estuprador que abusava do filho a anos. Ah, sim... Claro. Você é esse tipo de mãe.

- Me desculp... – Khara começou a se desculpar apenas por medo de que o filho lhe fizesse beber aquilo. Ela estava deitada no chão, tentando forçar o corpo a ter qualquer reação, com uma grande corrente em seu pé direito e no chão.

- Cala a boca, sua puta nojenta. – Eltar, pela primeira vez em anos, finalmente deixou sua raiva aparecer em toda sua glória em sua expressão. Era estranho o quanto isso o deixou mais parecido ainda com Tigrésius. Ele colocou o pé com a pesada bota de couro em cima de uma ferida exposta na barriga de Khara que ainda estava em carne viva. Khara tentou gritar, mas ele tampou a boca dela com uma mão de longas e afiadas garras expostas. – Desculpar você? Pelo que? Pelas surras? Por descontar suas frustrações em

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mim? Por ferir minhas partes íntimas com surras de objetos quentes? Por enfiar um cabo de vassou na minha bunda quando eu só tinha 6 anos? Por me entregar drogado e assombrado para um Tiger violento e abusador? Sabe o que é mais louco nisso tudo?

Leviatã não abusou de mim no dia que você me drogou com isso. Ele cuidou de mim com poções de cura até que o efeito disto passasse.

Khara olhou confusa. Porque Leviatã perderia essa chance? Ele adorava esses abusos.

- Lembra quando você me bateu a primeira vez porque eu vi o quão piranha você era?

Lembra que você proibiu qualquer um de me ajudar? Lembra que matou e colocou a cabeça decepada da serva que me ajudou na cabeceira da minha cama? Sabe como me tratei dos ferimentos? – Eltar olhava com olhos brilhantes e furiosos, o pé ainda em cima da ferida e a mão na boca da tigresa ferida no chão. – Foi ele. Foi Leviatã quem tratou de mim.

O mago que dois anos depois cobraria por isso de maneira tão nojenta, abusando de mim que era só um garoto! Um estuprador, um pedófilo, foi mais cuidadoso comigo do que meus pais! Do que as duas pessoas que deveriam me amar e proteger! Porque? Porque você fez isso comigo?

Eltar soltou a mão da boca de Khara que estava furiosa pela afronta e por Leviatã ter desobedecido ela desse jeito. – Por isso você é fraco. Nunca fez nada por si mesmo. O mago fez. Por isso você é a putinha dele. – A raiva pelo visto superava qualquer outro sentimento em Khara. Eltar olhava pra ela com raiva, mas contido. – Quer saber porque? Eu odiei ver meu corpo mudar por sua causa! Eu só não matei você antes mesmo de nascer porque meu marido precisava de um herdeiro. Só trouxe você ao mundo por ele. Mas nem pra isso você servia. Você sempre foi fraco e emotivo. Sempre tentando proteger as servas, sempre pedindo colo, sempre remelento.

- Eu era uma criança, sua imbecil! Crianças precisam de amor, não de força. Eu era inocente, não gostava de ver o sofrimento de ninguém. Pelas Luas Irmãs! Eu era só uma criança!

- O filho do rei não é só uma criança. O filho do rei tem que ser um mini rei. Não esse nojentinho que você era. Nem os leoninos quiseram levar você como refém quando propus.

- Você o que? – Eltar se surpreendeu. Sua mãe tentara entregar ele aos seus piores inimigos, os bárbaros canibais, só porque não o queria?

- É isso mesmo, molecote de merda. O rei deles recusou a proposta que fiz e ele só teria a ganhar. Ele manteria o príncipe de seu inimigo com ele e, assim, evitaria os ataques de meu marido. Mas ele não quis o moleque remelento de 3 anos e eu fui obrigada a criar você.

- Me criar? ME CRIAR? Você não me criou, não me amou, não me educou, nunca me vestiu, nunca esteve do meu lado quando eu tinha febre, nunca me amparou quando acordava assustado no meio da noite... Pior que isso... Você matou qualquer um que tentou

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demonstrar o mínimo de preocupação comigo. Deuses! Você teria matado até mesmo o mago mais poderoso do reino se soubesse que ele me ajudava. – Eltar enfiou a mão abrindo a boca de Khara e, antes que ela tivesse qualquer reação, derramou metade do conteúdo do frasco na garganta dela. O olhar dela ficou vítreo, aterrorizado com a percepção do que aconteceria a seguir. – Você não sabe o que é ser mãe. Espero que eu esteja em seus pesadelos, mamãe. – Ele deu um beijo na testa dela, se afastou e a observou se contorcer, os olhos se arregalarem como se vissem seus piores temores. E viam. Ele sabia disso. Conhecia bem aquela sensação aterrorizante.

Quando o veneno da loucura fez efeito completamente, Khara se debatia vendo sabe-se-lá o que, sua mente se fragmentando, perdendo qualquer sinal de lucidez. As pesquisas de Lino ajudaram Eltar a contar o tempo exato em que a mente se fragmentaria por completo e nada poderia ser recuperado. Eltar observou calmo e feliz o tempo todo, de pé com as mãos cruzadas no peito. Quando o tempo suficiente passou, ele se aproximou, colocou sua mão direita sobre a cabeça dela, os olhos da ex-rainha estavam perdidos e sem nenhum traço de inteligência. A pedra laranja da pulseira de Eltar, o presente de Leviatã no seu rito de passagem para a vida adulta, começou a brilhar como um pequeno lago de fogo.

A luz se expandiu para a palma de sua mão na cabeça da mãe e depois se apagou. Khara não mudou em nada, nem mudaria. Não era esse o propósito. A joia de Eltar curava, mas não ferimentos tão profundos e graves quando o estado da mente de Khara. Mas serviu para remover os traços do veneno da loucura do corpo dela, evitando outros males. Ele a empurrou com um pé, a fazendo cair de volta no chão, e se afastou andando de costas, com os olhos vitoriosos ainda focados nela. Deitada em posição fetal, a urina vazou pelas laterais da calcinha de concreto de Khara e ela não esboçou nenhuma reação sobre isso.

- Agora sim você parece tão nojenta quanto sua alma. Feliz Ilenostia Kifey, mamãe. –

Eltar disse e saiu.

~o~

Naquela manhã Carya saíra do quarto de Rádara bem cedo e quase trombara com Rodan. Ele tentara de novo convencê-la a ficar com ele, mas ela não tivera tempo de responder. Devon se aproximou e a chamou para treinar com ele antes do desjejum. Ela sempre rejeitava seus convites, mas era isso ou ficar ali com Rodan e ela sabia que não conseguia resistir à tentação de beijá-lo. Um beijo sempre levando a muito mais depois. Por mais que ela e Rádara não tivessem nada sério, fossem apenas amantes ocasionais, ela não queria ficar com Rodan porque eles dois pareciam não se dar bem ultimamente. Ou era porque ela não gostava do poder que Rodan exercia sobre seu corpo, sempre tão irresistível? Assim, Carya saiu com Devon e passou uma manhã surpreendentemente

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agradável com o jovem divertido. Sem pressão, sem cobranças, sem desejos sexuais, apenas dois amigos treinando e tomando o desjejum falando besteiras.

Era a tarde do segundo dia do Ilenostia Kifey, mas nas Montanhas Amarelas isso não fazia diferença. Lá esse feriado não existia e todo o reino evitava sequer mencioná-lo em respeito à Hunna que era filha de Ilena e, por pior que a mãe fosse, sentia falta dela. O

coração bondoso de Hunna era admirado pelos leoninos das mais diversas classes. Agora que Teira havia se recuperado, o grupo se reunira para discutir sobre aquele dia estranho com Eltar.

- Ele pode só querer conversar. – Seth disse, sentado à mesa com Lordok, Carya, Teira, Rádara, Fagrir, Hunna, Devon e Rodan.

O clima entre Rodan e Rádara não melhorara e o fato de Carya estar sentada entre os dois não ajudava muito. Lordok observava os olhares sutis, ou a falta deles, entre o trio, mas não dissera nada. Antes ele pretendia conversar com o amigo.

- Eu duvido. – Carya disse.

- Eu não. – Teira respondeu.

- Querida... – Lordok começou, mas Teira já estava falando de novo.

- Eu vi como ele reagia. Posso não ter os poderes de Seth ou sua perspicácia, querido, mas convivi por muito tempo com a nobreza Tiger para entender os sinais sutis. Aquele garoto é muita coisa, mas feliz eu garanto que ele não é, embora ele seja muito bom em mascarar isso. Carya, Seth, eu sei que pode ser difícil ouvir isso, mas o fato é que crescer sendo educado pelo pai biológico de vocês com certeza deve ter sido pior do que o que os boatos dizem. Tigrésius é um monstro, mas Khara não fica atrás. Aquela ali é cruel e sádica tanto quanto ele. Imagino o que esse garoto deve ter passado... – Teira disse com um tom triste e piedoso. Lordok apertou a mão dela embaixo da mesa. – Carya, você é militar, então me diga. O que faria no lugar do seu meio-irmão se descobrisse que tem dois irmãos do lado inimigo?

- Eu os usaria contra meu pior inimigo. – Carya admitiu.

- Mas o rapaz nunca nos deu o menor indício de ser contra seu pai, pelo contrário. Ele sempre foi o mais feroz soldado em batalha, sem mencionar que ele é bastante cruel. –

Lordok admitiu.

- Ele pode estar fingindo, ganhando a confiança do rei Tiger, esperando o momento certo de atacar. – Devon comentou.

- Não confio nele. Ele não vai se aproximar desses dois. Sem chances. – Rodan foi incisivo.

- Eu concordo com Rodan. Não vou deixar meus filhos se aproximar daquela gente. –

Hunna disse.

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- A teoria de que ele pode estar armando contra o rei é tão provável quando a teoria de que ele está agindo em prol do rei. – Fagrir ponderou. – Não posso arriscar meus filhos.

- E não vamos. – Rádara disse, mesmo sem saber ou se importar com a opinião de Lordok.

- Não estou dizendo que essa seja ou não uma opção. – Teira disse. – Meus afilhados não vão se arriscar à toa e tenho certeza que meu amorzinho concorda.

Lordok concordou. – Mas devemos analisar a situação com calma. É evidente que o príncipe Tiger não vai desistir. Ele parecia bastante empenhado em conversar à sós com os irmãos. Empenhado o suficiente para sequestrar a rainha de seu inimigo e, até o momento, não temos certeza se isso foi ordem do rei Tiger ou mesmo se ele sabia. Precisamos entender o que esse garoto quer com vocês dois.

- As chances de Tigrésius estar por trás disso são grandes já que o pilantra do Leviatã estava lá também. – Fagrir disse.

- É isso que me deixa intrigado. – Lordok disse pensativo. – Leviatã sempre foi leal à Tigrésius. Tenho certeza que foi com a ajuda dele que Tigrésius subiu ao trono. Eles estar lá é um forte indicativo de que o rei Tiger estava por trás disso.

- Mas ainda não encontramos nenhum sinal de que ele armou isso. – Devon reinteirou.

- E talvez não encontremos porque não existe. – Rodan disse com um brilho sutil naquele rosto carrancudo. Todos olharam para ele ansiosos. – Pensem um pouco. Leviatã é o mago e conselheiro leal de Tigrésius, mas também é o amante de Eltar. E só eu sei o que uma paixão pode fazer com um felino. Ele pensou em Carya e as tentativas malfadadas de resistir à ela.

- Merda. – Carya murmurou e ignorou o olhar de reprovação da mãe pela falta de classe naquela simples palavra. – Existe uma chance de Leviatã estar armando contra o rei e em favor de seu amante. – Ela e Seth se entreolharam com uma suspeita. Rodan foi o único a perceber esse olhar e algo em sua mente gritou em alarme. Ele decidiu que falaria com os dois mais tarde sobre isso.

- Devon e Rodan. Vocês vão focar em revirar Likastía de cabeça para baixo até termos certeza de que isso foi ou não ordenado por Tigrésius. Se não foi então saberemos que Leviatã e o príncipe estão agindo pelas costas do rei. Seth, alguma novidade na investigação sobre aquela luz maluca? – Lordok disse.

- Nada, o que sozinho já diz muito. – Seth respondeu.

- Traduz pro nosso idioma, irmão. Não falo ‘sethiês’. – Carya brincou.

- Eu investiguei todos os possíveis aspectos mágicos das plantas que recolhemos naquele terreno. – Seth, por ser o mais promissor aprendiz do mago falecido, agora o substituía até Lordok selecionar um novo mago chefe oficial. – E não existe nenhum

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vestígio de magia nelas além das magias de ataque e defesa que ambos os exércitos usaram e a magia natural das plantas.

- Então não era uma luz mágica. – Fagrir comentou.

- Também não era uma bomba de nenhum tipo conhecido. – Rodan disse olhando para Carya que fizera os testes com ele em busca de qualquer substância residual de uma bomba.

- A substância encontrada nelas, aquela estranha, vocês já descobriram o que era? –

Hunna perguntou.

- Não. – Carya e Devon responderam juntos.

- Nem sinal. – Seth respondeu.

- Então é nisso que devemos focar. Se não era mágica, só pode ser algum tipo de substância explosiva nova. – Rádara comentou.

- Ou antiga demais. – Teira comentou e todos olharam para ela.

- Rodan, isso é possível? Uma substância antiga de guerra, perdida no tempo pelo desuso? – Lordok perguntou.

- Improvável, mas possível. Mesmo as substâncias menos eficientes não são abandonadas por completo, não quando alguns soldados só tem isso para se defender de ataques mágicos. – Rodan respondeu. – Vou investigar. Mas precisarei ir até a escola militar secreta.

- A viagem não pode ser realizada sem companhia nesta época do ano. É arriscado com as tempestades de neve no caminho. – Devon comentou.

- Rodan, não. – Lordok disse já prevendo a recusa do amigo em ter alguma companhia no caminho. – Sozinho você não vai. E isso é uma ordem.

- Não pretendo ir sozinho. Quero aproveitar para treinar a pessoa que escolhi como meu tenente. – Rodan disse calmamente.

Todo mundo o encarou surpreso. Ninguém sabia que ele finalmente, depois de meses levando seus soldados ao limite dos testes rigorosos (muitos até desistiram e saíram chorando), ele finalmente tinha escolhido alguém. Rádara levou alguns segundos para captar a ideia de Rodan e fechou um carranca tão feia que podia competir com a do comandante da Guarda do Rei.

- E quem será essa pobre alma que vai precisar aturar você todo dia? – Teira perguntou sorrindo.

- A única pessoa que passou em todos os testes com louvor. – Lordok disse lembrando dos relatórios de treinos e das vezes que observara de longe os testes, ambos tão secretos que nem mesmo os pretendentes ao cargo tinham acesso e só eram divulgados junto com o resultado, como prova de que o selecionado merecia o cargo.

- Sim. – Rodan disse.

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- Quem será? – Devon perguntou.

- Carya. – Rodan disse simplesmente, mas por dentro estava saltitante de orgulho e alegria como uma criança que ganhara um brinquedo novo.

- Hã? – Carya disse, a ficha não caindo logo.

- Grande Kallisti! Minha nenêm! – Hunna levantou da cadeira e agarrou a filha num abraço.

- Mãe! – Carya reclamou. – Seth, me ajuda.

- Tentar separar a mamãe de você no momento ‘mamãe coruja’? Desculpe, irmãzona, mas esse poder nem o mais poderoso dos magos da história teriam. – Seth respondeu.

- Estou muito orgulhoso de você, querida. – Fagrir disse com um sorriso e um abraço respeitoso, como se a moça fosse uma colega de trabalho e não sua filha. Carya adorava isso no pai, sempre a tratando como adulta.

– Vocês dois são os melhores presentes que Kallisti poderia nos enviar. – Teira disse orgulhosa.

- Parabéns, Carya. Você é realmente uma guerreira fantástica e uma militar respeitada por todos. – Devon disse com um paerto de mão de companheiros militares.

- Estou muito feliz por você, irmã. – Seth deu um abraço e fungou no ombro de Carya.

- Seth se você chorar eu juro que vou chutar seu saco. – Carya sussurrou em tom de brincadeira. Seth se afastou e sorriu para a irmã.

- Não preciso dizer que apoio sua escolha, Rodan. Os testes não poderiam ser mais satisfatórios. Embora isso me surpreenda um pouco. – Por que você anda tão irado com ela por ciúmes da minha Rád. Lordok pensou, mas não falou. – Porque você é tão chato como chefe, mesmo com os melhores.

- O cargo foi conquistado e merecido. Mesmo meus outros soldados apoiam e respeitam Carya como superior, embora ela ainda não fosse superior hierárquica deles. Não usar isso à favor do exército leonino seria tolice. – Rodan disse e o orgulho em sua voz ficou evidente para todo mundo.

- Você não pode querer arriscar a vida dela agora que sabemos que aquele maluco está atrás dos gêmeos! – Rádara disse com fúria mal contida, levantando tão ferozmente que a cadeira caiu para trás.

- Rád, eu sei me cuidar. – Carya disse enquanto todos olhavam entre Rádara e Rodan que se encaravam como se fossem matar um ao outro.

Rádara rosnou e saiu furiosa da sala.

- Eu vou falar com ela. – Carya não esperou pela permissão de ninguém e saiu atrás da amiga e amante.

Rodan aprofundou mais a carranca dele e fez uma reverência para o rei, pronto para sair.

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- Todos estão dispensados por hoje. – Lordok disse e todos começaram a sair. – Você não. Você fica, Rodan. Temos que conversar.

Rodan que já estava de costas perto da porta, parou e voltou para a mesa. – Sim.

- Venha comigo. Vamos conversar no jardim, meu amigo. – Lordok disse e começou a andar, com Rodan pouco atrás dele. Mas não foram longe. Logo um grupo de mensageiros chegou pedindo, implorando para falar com o rei, em busca de ajuda contra os ataques dos Tiger que estavam oprimindo sua cidade, pertencente aos Tiger. Era mais uma cidade em busca da proteção leonina. Lordok não podia deixar essa gente sem ajuda, rejeitar aliados.

Sua conversa com Rodan mais uma vez foi adiada. Por enquanto.