Likastía 01 by Rubi Elhalyn - HTML preview

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Ares de rainha

- Isso não parece normal pra mim. – Tigrésius dizia com um olhar irritado para a figura encolhida no chão, completamente perdida em seus próprios pensamentos insanos. –

Como ela pode ter enlouquecido do dia pra noite à toa?

- Não foi bem ‘à toa’, majestade. – Leviatã disse, olhando com um pouco de pena para a ex-magnífica tigresa que até bem pouco tempo era rainha. Agora era só um resquício fedorento, insano e horrível da antiga Tiger poderosa. – Ela passou por muita coisa...

- Está criticando meu trabalho, mago? – Tigrésius rosnou. A raiva dele pelo que Khara teoricamente tinha feito não estava saciada, mesmo depois de toda a crueldade contra ela.

Ele iria descontar essa raiva no primeiro idiota que pudesse encontrar.

- Não, majestade. – Leviatã respondeu calmamente. – Estou apenas respondendo sua pergunta. Ela passou por coisas que nunca nem poderia ter imaginado e não tinha nenhum tipo de preparo psicológico para isso. Ela não é como uma serva que já está acostumada com dores e pode aguentar um pouco mais. Mesmo o nosso... Bem, nosso fugitivo, tinha uma certa resistência justificada e, portanto, aguentou mais sem perder totalmente a cabeça. Não seria melhor acabar logo com ela? Afinal ela nem mesmo tem consciência...

- A velhice está amolecendo você, mago. Mas talvez você tenha razão. Você vai me ajudar a tirar ela daqui.

- Então vamos matá-la?

- Mais ou menos. Prepare tudo. Saímos à meia-noite. – Tigrésius saiu de bom humor. E

isso nunca era bom.

A noite caiu e a madrugada não demorou. Uma carroça simples com dois servos de vestes simples saiu do palácio para jogar fora o feno sujo de fezes de cavalos dos estábulos.

Um mendingo bêbado dormia na calçada a certa distância do palácio e acenou para os servos que guiavam a carroça, balbuciando um ‘boa noite’ desconexo. Depois de um tempo a carroça se desviou do caminho normal dessa tarefa e seguiu para a floresta próxima, saindo da estrada e usando uma trilha pouco usada. Quando a carroça parou alguma coisa caiu de baixo da carroça e rolou para a floresta tão rápido que mal deu para ver. Os dois servos desceram de seus postos, abriram a traseira do veículo simples e puxaram algo do meio do feno. Algo que, incrivelmente fedia mais do que as fezes dos cavalos. Algo... Não.

Não ‘algo’. Alguém.

- Traga logo ela. Não quero perder minha noite toda aqui. – Qualquer um em Likastía reconheceria aquela voz. O servo não era servo. Era o rei Tigrésius.

Se aquele é o rei, aquele com ele só pode ser o braço direito, a víbora inseparável.

Leviatã. Quem será a criatura azarada que eles estão trazendo?

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- Incrível como os loucos são mais pesados que os normais. – Leviatã disse puxando a criatura pra ficar de pé e dando empurrões leves pra ela andar.

Tigrésius andava ao lado do mago e a criatura à frente. Só quando passaram perto da

‘sombra’ que os observava discretamente e a luz lunar de Kharys passou por entre as árvores, ficou evidente quem era a criatura fedorenta.

Khara!

Ao sinal do rei, eles pararam. Leviatã (e o ser curioso que os seguia) sabia o que havia naquela região. Ali, naquela época do ano, os crocodilos-das-árvores usavam pra cuidar dos filhotes recém-nascidos e, obviamente, era extremamente perigoso, principalmente à noite quando eles caçavam para alimentar seus filhotes. Leviatã empurrou Khara fazendo ela cair no chão. Tigrésius tirou um frasco do bolso e derramou na cabeça dela. Tudo que ela fez foi se encolher mais e gemer. Ela mal tinha noção do que estava acontecendo. Ela via apenas seus pesadelos diante de seus olhos.

- Espero que isso disfarce o cheiro de podre em você, querida. Do jeito que você está nojenta nem essas feras famintas devem querer você. O que você acha, Leviatã? Vamos fazer o teste? – Tigrésius perguntou todo sorridente.

- Acredito que para eles isso não vai importar muito, senhor. Basta uma fonte de calor para chamar atenção.

- É mesmo, meu bom amigo. – O rei respondeu em todo o seu sarcasmo. – Isso é perigoso pra gente. Mas não podemos deixar uma pobre e indefesa tigresa sozinha aqui.

Vamos ter que criar uma fonte de calor pra distrair eles.

O mago pegou alguns poucos gravetos e colocou empilhados na frente de Khara.

Tigrésius convocou as chamas de Éris e acendeu os gravetos, uma pequena fogueira. Não demorou nada. As folhas das árvores farfalharam, as feras estavam chegando. O rei e o mago deram alguns passos para trás, ambos atentos, prontos para se defender caso fosse necessário, e ficaram quietos só observando a cena. Khara ouvia o som e o medo crescente a fez ficar de pé. Talvez fosse medo pelas alucinações que via ou talvez ela tivesse uma gota de consciência do perigo ao redor, ou uma combinação das duas coisas. Não importava.

Logo um bando inteiro de crocodilos-das-árvores estava pendurado nos galhos, de cabeça para baixo ao redor dela. Ela tentou correr de seja lá o que for que a mente dela via, mas os ferimentos, aquela calcinha grotesca, o tempo presa sem muitos movimentos, as febres, tudo deixara seu corpo fraco, dolorido e confuso. Ela tropeçou e caiu gritando por socorro.

Seu grito se tornou pior quando um dos animais cuspiu ácido em seu rosto. Suas mãos foram instintivamente nos olhos para se proteger, mas os animais saltaram sobre ela nesse instante, arrancando suas mãos com os dentes afiados. O que parecia ser o líder do bando deu uma mordida no pescoço dela, a matando quase instantaneamente. Daí por diante nenhum deles parou de morder e arrancar partes do corpo dela para devorar, mesmo

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algumas partes estando podres, atraídos pelo líquido jogado em cima dela. Nesse ponto Tigresius e Leviatã saíram de fininho para não atrair a atenção dos animais.

- Quem diria. Sua ideia do molho de carne em cima daquela vagabunda funcionou mesmo. – Tigrésius comentou sorrindo enquanto voltavam para a carroça. – Nenhuma palavra sobre isso com Eltar, entendido? Vamos inventar alguma bobagem qualquer para o garoto. Ele não é muito esperto mesmo.

Que belo presente. E hoje nem é meu aniversário. O ‘mendingo bêbado’ que seguira e vira toda a cena comemorava internamente enquanto voltava para a cidade.

No dia seguinte, Leviatã contou para Eltar que sua mãe estava presa numa prisão secreta próxima do litoral por ordem do rei que recebera a informação de uma possível tentativa de resgate dela por parte dos leoninos.

~o~

- AHAHAHAHA! Não acredito que eu perdi isso. – Eltar ria e bebia feliz com Lino.

- Imaginei que gostaria dos detalhes. – Lino comentou.

- Eles não perceberam você? Tem certeza?

- Sim, senhor. Tenho certeza. Confesso que fiquei preocupado quando eles saíram com a carroça porque eu estava terminando a missão que o senhor me deu. Mas mantive a cabeça baixa e cumprimentei eles com a voz mais bêbada possível. Acho que eles estavam preocupados demais em se desfazer da ex-rainha. – Lino disse.

- Ótimo. Eles estão confiantes. Isso é bom. – Eltar disse pensativo, e logo sorriu de novo. – Conta de novo a parte do molho de carne. Eu tenho que admitir, Leviatã é um canalha criativo.

Lino repetiu, pela quarta vez, tudo que vira naquela noite. E de novo, pela quarta vez, Eltar ria tão alegre como a muito tempo não se lembrava de ter estado.

- Acredito que essa é a primeira vigança com molho que eu já vi. – Lino comentou com curiosidade.

- AHAHAHAHAHAHAHAHA! Vingança com molho! AHAHAHAHA! – Eltar deu um tapa amistoso no ombro de Lino que, muito franzino, se inclinou pra frente. – Você devia ser comediante, Lino. Vingança com molho!

~o~

- Você precisa mesmo ir com ele? – Rádara perguntou pela milionésima vez.

- Ele é meu chefe, Rád. – Carya respondeu.

- Sei. Chefe.

- Qual é o seu problema? Eu vou subir na carreira e você fica aí só dando um show de ciúmes.

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- Nossa, porque será, ne?

- Não está feliz por mim?

- Você sabe que estou feliz por você, Carya. Não é esse o problema.

- Então qual é o problema?

- Você sabe muito bem. Rodan só falta lamber o chão onde você passa. E eu sei que você também não é indiferente.

- E?

- Como assim “e”?

- Pode parar, Rádara. Eu nunca disse que não continuaria me divertindo com quem me desse vontade. Não temos nenhum compromisso e deixei isso claro desde o início. Você não me vê te impedindo de sair com quem você quiser. – Carya estava cansada do ciúmes de Rádara.

- Eu não preciso sair com mais ninguém.

- Bom, isso é uma escolha sua. Mas não venha me cobrar por algo que não temos. No dia em que eu quiser ficar com um felino só, nesse dia eu não terei problema nenhum em assumir um compromisso. Mas esse dia não é hoje. Quer saber. Tchau. Cansei dessa cobrança chata. – Carya saiu feito um furacão antes que Rádara pensasse em qualquer coisa pra mantê-la ali.

- Que bom que te encontrei. – Seth passou o braço ao redor do ombro da irmã. –

Rádara reclamando sobre sua viagem de novo?

- Pra variar. Porque estava me procurando?

- Descobri uma forma de ampliar os efeitos de ‘você-sabe-o-que’.

- Ótimo. Temos que dominar logo. O tempo está acabando. – Carya comentou.

- Tempo de que? – Devon surgiu do nada.

- Devon! Tempo pra tomar uma cerveja. Me acompanha? – Seth disse a primeira coisa que veio à cabeça, nervoso. Devon fingiu acreditar e acompanhou os irmãos à taverna.

~o~

- E ele parecia nervoso? – Rodan perguntou focado em mexer a panela no fogo.

- Sim. Seth não é um mentiroso muito bom. Carya estava mais calma, mas... – Devon comentou. No fundo ele achava que era só mais uma travessura dos irmãos, talvez até envolvendo Rádara.

- Se Seth está escondendo algo, Carya está junto. Esses dois sempre foram inseparáveis. – Rodan comentou. Isso não é uma travessura. Tem algo muito errado aqui.

Alguém bateu na porta e Rodan foi atender esperançoso, deixando Devon na cozinha.

Quando ele abriu a porta, não era quem ele queria.

- Alteza.

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- Comandante. Temos que conversar. – Rádara disse.

- No meu escritório. Por aqui. – Ele sinalizou para uma sala no lado oposto ao da cozinha que, graças aos céus era bem distante da sala.

O escritório dele era simples, mas muito bem organizado, como tudo aliás naquela casa. Tinha uma mesa grande de trabalho, três estantes cheias de livros, uma mesa de xadrez, três poltronas e alguns enfeites que Rodan colecionara de sua época como espião, quando ele viajava muito.

- Então? – Ele disse assim que fechou a porta.

- Eu vou ser bem clara e espero que você seja inteligente o bastante para obedecer sua futura rainha. – Ela disse de frente pra ele, o encarando com o ar altivo da realeza.

- Hum.

- Deixe suas mãos cheias de dedos longe da Carya. Ela nunca mais vai ficar com você, não importa o quanto você tente criar oportunidades pra isso. Se encostar nela, se sonhar em tocar nela, vou fazer até o impossível pra você perder seu posto. Fui clara?

Rodan estava de braços cruzados nas costas, rosto sisudo como sempre, mas aparentemente calmo, mas seus olhos denunciavam sua raiva crescente.

- Carya é adulta. Não acho que ela tenha te concedido o direito de falar por ela. – Ele disse.

- Isso não é da sua conta. O que interessa aqui é que eu estou mandando você ficar longe dela. Você teve sua chance e perdeu. Não pense que eu não derrubaria você de seu posto só porque conheço você desde criança. Pra tirar você de perto da minha Carya eu faria qualquer coisa.

- Acabou, alteza?

- Acabei, comandante. – Rádara passou pela porta do escritório e saiu da casa dele antes que falasse demais.

- Mais essa agora. Devon!

- Oi. Quem era? – Devon veio até a sala.

- Ninguém importante. Eu vou sair. Arrume tudo. – Rodan disse e saiu antes que o jovem pudesse perguntar qualquer coisa.

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Inimigo do meu inimigo

- As vilas litorâneas do Norte do território Tiger estão pedindo asilo. – Lordok entregou a mensagem por escrito que recebera. – As taxas altas de impostos cobradas pelo rei Tiger alcançaram níveis insuportáveis para eles, sem falar na crueldade crescente das tropas que apoiam ao rei.

- Se atender ao pedido deles, as coisas ficarão bem feias. – Fagrir completou o pensamento do rei.

- Exatamente. Mas também não posso simplesmente ignorar o pedido dele. Muitos felinos daquela região estão fugindo para as cidades leoninas próximas e estão vivendo nas ruas por falta de abrigo suficiente para todos. Se eu não tomar logo uma atitude meu próprio povo se revoltará com a pobreza crescente.

- Então não há como evitar um conflito. – Teira comentou. – Se você não fizer nada, nosso povo se revoltará em algum momento, se fizer algo, o conflito com Tigrésius é garantido.

- Faz tempo que tento colocar as mãos naquele idiota de qualquer forma. – Lordok disse pensativo.

- Pelo que vejo, majestade, o senhor já sabe o que fazer. – Fagrir disse. – Só precisa aceitar.

- Hum. Obrigado pela ajuda, meu amigo. Vá encontrar sua família. – Lordok dispensou Fagrir que saiu com uma leve reverência.

- Vou cuidar dos preparativos para o jantar e mando Rádara vir aqui. – Teira deu um beijo na testa franzida do marido e saiu para buscar a filha que, como futura rainha, precisava ser informada sobre a possibilidade da intensificação dos conflitos.

Rádara foi encontrar o pai, mas a expressão dela não estava das melhores. Naquela manhã, de novo, ela discutira com Carya pelo motivo de sempre: ciúmes. Carya saíra para seu treino com Rodan e estavam o dia todo fazendo os preparativos para a viagem no dia seguinte e Rádara ainda não tivera tempo para se desculpar. Ela estava tentando não fazer uma cena de ciúmes toda hora, mas as constantes tentativas de Rodan em se aproximar de Carya, os olhares, as indiretas, tudo a tirava do sério.

- Pai. – Ela cumprimentou o pai com um beijo no rosto.

- Rád, qual o problema? Está chateada de novo, seu rosto não nega.

- Bobagens, pai. O senhor mandou me chamar para algo importante, com certeza.

- Nada é mais importante que o bem estar da minha filha. Agora, me conte. O que aconteceu?

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- Briguei com Carya hoje de manhã. Mas vou resolver mais tarde, não se preocupe. O

que está acontecendo?

- Desde que você começou a sair com ela você vive brigando com essa moça. Se você não se controlar, querida, vai perder mais do que apenas a amante. Vai perder a amiga também. – Lordok disse e se decidiu. Daquele dia não passava. Ele precisava conversar com Rodan. – Mas, vou respeitar sua privacidade. Vamos conversar sobre o que eu decidi.

Ele resumiu a situação caótica no litoral Norte e como isso os afetava. Rádara ouviu tudo com atenção e concordou com a decisão do pai. Ela teria que se preparar para assumir o controle do reino enquanto ele próprio iria para a batalha que sem dúvida aconteceria em breve. Os dois acertaram os detalhes e, como se convocado pelo pensamento do rei, Rodan entrou no palácio para acertar os detalhes finais da viagem. Logo atrás dele, Seth apareceu chamando Rádara para sair um pouco. Ela pediu licença e saiu com um olhar feroz para o comandante.

- Que bom que você apareceu. Precisamos conversar. – Lordok disse, sério.

- Estou ouvindo. – Rodan disse e meio que imaginou do que se tratava. Ele não estava mesmo sendo sutil ultimamente. Estava ficando bem óbvio o interesse dele em Carya.

- Eu tenho notado seu interesse em uma felina aqui e, por um lado, fico feliz que você finalmente esteja se abrindo para essa área da vida. Mas, por outro, não acho que seja sensato. – Lordok começou.

- E porque não? Porque ela é muito mais jovem?

- Claro que não! Que bobagem! Teira é muito mais jovem do que eu, esqueceu? Não é esse o problema. É que, quem você quer... Sabe... Ela está interessada em outra pessoa. Eu sei que é difícil, mas você precisa aceitar...

- Ela não está interessada em ninguém. É só teimosa e confusa. Em breve ela vai perceber que é comigo que ela quer ficar.

- Rodan, eu acho que conheço ela melhor do que você e posso garantir que ela está realmente interessada na Carya...

- O que? Espera... Lordok de quem você está falando? – Rodan perguntou confuso.

- Da Rádara, é claro. É por ela que você está todo enrabichado, não é? – Lordok perguntou mais confuso.

- O que? Não! Claro que não. O amor da minha vida é a Carya.

- Puta merda! – Lordok disse quando todas as peças finalmente se encaixaram e tudo fez sentido. Ele coçou o queixo, meio sem jeito e disse: - Bom, de qualquer forma, acho que você não deveria se envolver entre elas.

- Somos amigos a década, Lordok, então acho que posso ser sincero com você, como amigo, não como comandante falando com seu rei.

- Claro. Acima de tudo, você é meu amigo.

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- Então, Lordok, não vou mentir. Eu não pretendo desistir da Carya. Eu sei que ela me ama, mas é jovem e tempestuosa demais pra perceber.

- Você não está se iludindo?

- Não. Eu esperei a vida toda por uma mulher que eu nem sabia que estava esperando.

E essa mulher é a Carya. O que eu sinto por ela é único, é inconfundível, e não vou desistir.

Não quando sei que sou correspondido. Se ela precisa de tempo pra perceber que é comigo que ela é realmente completa, eu posso esperar por esse tempo. – Rodan disse e, pelo seu olhar, Lordok soube que não havia discussão sobre isso.

- Rádara é minha filha e você é meu amigo e meu comandante. Já lutamos juntos mais vezes do que posso me lembrar e você me salvou muitas vezes mais. Não vou me meter nessa confusão entre vocês desde que você não resolvam sair na porrada. Vocês são adultos e vou confiar nisso. Isso quem tem que resolver são vocês três. Mas, uma vez que Carya tiver tomado sua decisão, que ela resolva ter uma relação firme e séria com alguém, quero sua palavra de que você irá respeitar essa decisão.

- Tem minha palavra, Lordok. – Rodan disse e sabia que o rei diria a mesma coisa para Rádara.

- Eu estou tentando, juro. Mas aquele imbecil não se afasta dela! – Rádara estava na taverna, numa mesa num canto mais afastado de todos, junto com Seth.

- Rád, eles trabalham juntos. Você precisa ser paciente. – Seth disse.

- Não é só trabalho, Seth. Ele fica igual um idiota babando. Ele acha que ninguém nota?

- Ele meio que não tem porque esconder. Tecnicamente, Carya é livre.

- Ela não é livre! Ela está comigo!

- Não foi o que vocês combinaram ne. Você disse que não queria compromisso...

- Se eu dissesse que queria algo sério ela nunca teria acitado... Eu não tive escolha.

- Sempre temos uma escolha, Rád. Você podia ter dito a verdade. Quem sabe, com o tempo...

- Eu só quero que Rodan pare de insistir. Sem ele, sei que logo convenço a Carya a assumirmos algo mais sério. Mas ele não se afasta, caramba! – Rádara dizia tão irritada que não percebeu Seth, desesperadoramente, fazendo sinal pra ela calar a boca. - Nem mesmo depois que fui lá ameaçar ele de perder o cargo de comandante se ele não se afastasse dela...

- Você fez o que? – Carya perguntou de pé atrás de Rádara. Seth deu um tapa na própria testa, prevendo o desastre.

- Carya...

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- Repete. – Carya disse quase espumando de raiva. Mas o olhar culpado de Rádara foi o suficiente. Carya saiu antes que apertasse o pescoço da amiga.

- Melhor você esperar ela se acal...mar. – Seth disse, mas Rádara já tinha corrido atrás da amiga.

- Carya, espera.

- O que você quer? – Carya parou no meio do caminho, de costas, o ombro trêmulo de raiva. Ela sabia que precisava se controlar para não fazer besteira. Havia muito em jogo.

- Deixa eu explicar...

Carya virou-se para encarar a amiga. Seth já estava vindo um pouco atrás de Rádara. –

Vai. Fala.

- Eu só fui conversar com ele porque ele fica se metendo entre nós, dificultando nossa vida juntas.

- Só vi uma pessoa dificultando nossa vida juntas. Você. – Carya disse, a raiva borbulhando. – Ai você foi ameaçar ele com o cargo dele. Que tipo de rainha você quer ser, Rádara? Uma déspota como Tigrésius? Isso foi baixo, bem no nível dele. Você não pode me controlar o tempo todo, sabia.

- Eu não estou te controlando. Mas você precisa entender que você é minha namorada...

- Não, eu não sou. Eu nunca disse que era. Eu não te cobro esse tipo de relação porque não quero ser cobrada. Você é minha amiga. Ou, pelo menos, eu achei que era. – Carya sentiu aquele calor atrás dos olhos e soube que tinha que se afastar dali naquele minuto. –

Não posso ser amiga de alguém que usa seu cargo, seu poder de forma tão baixa como meu pai faria.

Rádara sentiu isso como um soco no olho. Seth a segurou impedindo que ela seguisse a irmã dele. Ele sabia o quanto Carya precisava se afastar naquele momento antes que a raiva a fizesse colocar tudo a perder.

No dia seguinte, antes do nascer do sol, Carya e Rodan partiram em uma viagem à trabalho, ambos silenciosos, focados em seus próprios pensamentos.

- Você está bem? – Rodan perguntou depois de algumas horas de viagem, estranhando o silêncio da tagarela Carya.

- Uhum. – Ela respondeu.

- Hum. Vamos encontrar um informante no reino Tiger no ponto marcado. Fique atenta. Ele é um pouco desconfiado.

- Você também é. – Carya respondeu, sem conseguir evitar um sorriso.

- Sim. Eu também sou. – Rodan disse dando um leve sorriso.

- Podemos acreditar nas informações dele?

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- Ele nunca falhou até hoje e tem um ódio terrível por Tigrésius. Conhece o ditado: o inimigo do meu inimigo...

- É só mais alguém querendo me matar. – Carya completou do jeito dela.

- É meu aliado. – Rodan completou o ditado do jeito certo. – Algum motivo para você estar com esse humor? Geralmente eu sou o calado e desconfiado aqui.

- Digamos apenas que estou tendo dificuldades pra acreditar nas pessoas hoje. Já já passa. Aliás... Rodan.

- Hum?

- Você não ia me contar, não é? – Carya perguntou.

- Contar o que?

- A ameaça de Rádara.

Ele parou no caminho. Carya parou também e virou-se para ele. Ele olhou nos olhos dela e respondeu com sinceridade: - Não. Eu não ia te contar.

- Porque não?

- Porque eu contaria? Eu nunca quis que a amizade de vocês ficasse trincada. Eu não sou mesquinho a esse ponto.

- Nem mesmo para me afastar dela?

- Nem mesmo para te afastar dela. Sabe porque?

- Não. Porque?

- Porque, Carya, por mais que você negue, por mais que você fuja, cedo ou tarde você vai voltar pra mim. É a mim que você ama. E eu acho que no fundo você sabe disso, só é teimosa demais pra aceitar. – Rodan disse sem ciúmes, sem nenhum sinal de arrogância, apenas pura sinceridade. Ele recomeçou a andar. – Vamos.

Carya viu ele se afastar por alguns segundos, respirou fundo e o seguiu. Não importava o que acontecesse, uma coisa era fato: pelo menos ele sempre respeitava as decisões dela, mesmo quando ela decidia perturbar os desejos dele. Isso era algo que ela sempre gostara nele.

~o~

- Lordok, aquele bárbaro imundo! – Tigrésius jogou a taça de vinho em uma parede.

- Ele com certeza se preparou para um ataque. – Leviatã comentou. – Ele sabe que isso não seria ignorado.

- Claro que não! Eu vou destruir aquela cidadezinha de merda dele no litoral. Ele vai aprender de uma vez por todas que não pode roubar os MEUS territórios. Isso deve ser ideia daquele traidor do Fagrir.

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- Talvez. Vou reunir os melhores magos para nos prepararmos. Temos alguns novos magos escolhidos na última sessão de treinamento...

- Não me interessam esses pormenores. Reúna os melhores e se preparem. Em breve vamos sair para dar uma surra nesses merdas. – Tigrésius disse. – Vamos aproveitar e levar aquele moleque do Eltar também. Está na hora desse garoto lutar do meu lado.

- Ele ficará feliz...

- Ótimo. Então você avisa pra ele. Afinal vocês podem ‘comemorar’ essa alegria toda.

Eu vou atrás da minha escravinha nova, presente desse moleque que finalmente está sendo útil. – Tigrésius saiu, sem dar mais nenhuma atenção ao mago.

Leviatã saiu em busca de Eltar e não demorou para encontrar o príncipe treinando no campo de treinamento sozinho. Àquela hora todos estavam almoçando, mas Eltar era tão dedicado aos treinos que muitas vezes esquecia as horas de comer. O mago parou encostado em uma árvore admirando os músculos tão suados do príncipe que deixaram os pêlos da pele estavam úmidos. Eltar sentiu que alguém o estava observando e, num reflexo, jogou uma de suas espadas na direção do espião. A espada parou no ar, apontada pro rosto do mago, com um fluxo suave de magia de luz branca.

- Sempre atirando primeiro e perguntando depois. – Leviatã comentou admirado com o instinto aguçado do príncipe.

- Sempre me espionando. – Eltar comentou colocando rapidamente sua máscara de

“te adoro” pra ocultar o nojo que tinha do mago. Ele se aproximou e o mago lhe entregou a espada. A tentação de enfiar a lâmina no meio da cara do velho Tiger, mas isso atrapalharia seus planos. – O que está fazendo aqui? Pensei que ia almoçar com o rei.

- Seu pai está de mal humor e preferiu e comer aquela mocinha que você entregou de presente ontem.

- Bom pra ele.

- E pra nós também. Vamos almoçar juntos? Aposto que você não comeu nada desde cedo.

- Claro. – Eltar aceitou logo, sentindo que Leviatã queria conversar algo importante.

Ele odiava e, ao mesmo tempo, adorava essa sensação de que sempre sabia o que o mago queria.

Eles caminharam lado a lado, sem se tocar, mantendo sempre uma distância educada.

Embora todo mundo soubesse para onde eles estavam indo, o quarto de um dos dois, e que tipo de relação eles tinham, não era aceitável ver dois tigres de mãos dadas, ou dando qualquer demonstração de afeto público. No quarto do mago, um pequeno e elegante almoço fora posto na mesa da varanda, com um arranjo de flores azuladas no centro. Um banho fora preparado na banheira de madeira, no banheiro do mago. O mago dispensou os servos, como sempre, que saíram fechando a porta silenciosamente. Sem perguntar nada,

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Leviatã começou a ajudar o príncipe a tirar suas roupas e entrar na banheira, pegou uma esponja e passou a esfregar as costas de Eltar. A água estava quente, do jeito que ele gostava, perfumada no grau exato e ele relaxou rapidamente. Alguns minutos se passaram nesse banho silencioso, até que a curiosidade falou mais alto.

- Vai me dizer o que está acontecendo? – Eltar perguntou, de olhos fechados, relaxado enquanto o mago ainda esfregava a esponja suavemente em seu corpo.

- Tenho um plano.

- Você sempre tem um plano, querido. De qual está falando?

- O rei vai levá-lo para um combate com Lordok, possivelmente. Em breve.

- O que aconteceu? Tem a ver com aquele problema no litoral Norte?

- Adoro sua perspicácia, meu jovem. Sim. Seu pai, obviamente, ficou furioso com a interferência do rei leonino. O que nos será muito útil.

- Não que eu não esteja feliz em ver o rei irritado e perdendo territórios, mas isso também é ruim para mim. Não posso herdar um reino se Lordok roubar todo o meu futuro reino para ele mesmo.

- Não pode mesmo. Mas, pense um pouco, meu garoto. Lordok com certeza vai defender pessoalmente aquele território. – Leviatã disse.

- Sim. Assim como Tigrésius também vai. Ninguém vai querer perder um território tão rico em pedras mágicas.

- Sim, mas mantenha seu foco nos leoninos, por agora. Se Lordok vai estar lá, quem estará no comando das Montanhas Amarelas?

- A rainha Teira ou a princesa Rádara em treinamento. Ela já assumiu o reino uma vez.

- Exato. Então só precisamos descobrir se Rodan irá proteger o rei ou a futura rainha.

Sabemos que ele costuma seguir Lordok como uma animalzinho adestrado, mas existe uma pequena chance dele ficar e proteger sua rival, o que, confesso, é um pouco irônico. –

Leviatã comentou.

- Se ele sair junto com o rei Lordok então teremos uma chance de chegar perto o bastante para falar com ele. E é quase certo que Carya esteja por perto. – Eltar comentou.

- E se ela estiver?

- Podemos fazer a proposta ao casalzinho de uma vez. Como dizem por aí: o inimigo do meu inimigo...

- É meu amigo. – Leviatã completou o pensamento, segurou o pescoço de Eltar com força, dando uma lambida no rosto do jovem, descendo a outra mão pelo tórax molhado. –

Garotinho esperto.

Velho nojento. Eltar pensou em resposta. Sua hora vai chegar...

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Medindo forças

- Vocês dois, juntinhos como sempre...

Carya e Rodan ficaram um de costas para o outro, com garras afiadas à mostra, olhar atento e espadas nas mãos procurando ao redor tentando encontrar a fonte daquela voz.

Era quase noite e os dois estavam preparando suas barracas, prontos para acampar e descansar. O dia tinha sido árduo e o próximo prometia mais exaustão ainda. A dois dias eles viajavam pela mata densa, em uma região que nem mesmo os habitantes da vila próxima se aventuravam, em busca das luzes brancas e misteriosas citadas pela população.

Podia ser só um boato, um tipo de histeria coletiva, mas, dada a falta de quaisquer pistas sobre a luz branca que causara aquele caos durante o rapto de Teira, qualquer pista maluca era melhor do que nada. Quando ambos ouviram uma voz baixa e rouca, ambos ficaram em alerta e em silêncio, observando, aguardando, mas nem mesmo com a poderosa visão felina eles enxergaram o dono, ou dona, daquela voz.

- Tão tentador... Mas, infelizmente... – Uma figura felina saltou de uma das árvores mais altas, aterrissando sobre os dois pés, meio agachada, em frente à Carya. - ...Não posso matar vocês. Nada pessoal, Rodan. Meu problema não é com você.

Era um tigre? Uma jaguar? Era difícil dizer considerando o estado da criatura sem pêlos, cheia de marcas, cicatrizes e uma voz tão rouca e baixa que era difícil dizer se era macho ou fêmea, embora usasse roupas masculinas. Rodan, num movimento mais rápido do que os olhos podiam acompanhar, se colocou na frente de Carya.

- Se seu problema é com ela, então é comigo também. – Ele disse baixo, quase rosnando.

- Calma, galã mal humorado. Já disse que não posso matar vocês. Mas, onde estão meus modos... Permitam que me apresente. Muito prazer, caro casalzinho estranho. Eu sou Lino.

- Eu me apresentaria, mas parece que você já nos conhece. – Carya disse, parcialmente oculta por Rodan que não movera um músculo para sair da frente dela. - E o que você quer conosco, Lino?

- Pelo menos a idiota da sua mãe te deu alguma educação. Bom. Muito bom. – Lino disse com um brilho sinistro nos olhos e uma careta que parecia uma tentativa de sorriso.

- De onde você conhece Hunna? – Rodan perguntou, seu instinto de alerta gritando que eles deviam sair dali.

- De uma outra vida. – Lino disse enigmaticamente. – Mas, respondendo à jovem dama ali, eu estou aqui para dar um recado de um... amigo. Prestem atenção. Meu chefe deseja

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encontrar os dois para uma conversa amistosa. Ele tem uma proposta irrecusável para ambos. Sugiro que me sigam e eu os levarei até ele.

- Nem ferrando. – Rodan respondeu.

- Quanta falta de classe. Não entendo como você pode se envolver com isso, jovem Carya. – Lino disse.

- Não sei do que está falando. – Carya tentou desconversar. Não era prudente deixar um potencial inimigo saber a profundidade do relacionamento entre os dois. – Mas concordo com ele. Não vamos com você à lugar nenhum.

- Vão. Vão sim. Ou meu chefe não ficará feliz e, bem, isso não seria legal.

- Vamos arriscar. – Rodan respondeu, calculando mentalmente suas possibilidades de ataque naquela posição.

- E quem é seu chefe? – Carya perguntou, também pensando em possibilidades de ataque.

- Nossa. Sua inteligência é tão curta quanto à da sua mamãezinha. Quem mais poderia ser? Seu meio-irmão, Eltar, rei dos Tiger. – Lino respondeu com um veneno na voz.

- Você quer dizer “príncipe” Tiger. – Rodan corrigiu.

Lino respondeu apenas com aquela careta que parecia ser a tentativa de um sorriso. –

Vamos. Eu garanto que a proposta dele vai interessar à vocês.

Rodan e Carya não precisaram nem mesmo trocar um olhar. Ambos sabiam o que o outro estava planejando. Num ataque tão bem combinado que parecia mais uma dança, os dois saltaram para cima de Lino, em um movimento de zique-zaque, ora Carya na frente, ora Rodan, e trocando apenas para confundir o inimigo. Lino, muito melhor preparado do que parecia, tirou uma mão do bolso de seu manto largo e soprou algo no rosto de Rodan quando ele parou cara a cara, pronto para atacar pela frente enquanto Carya surgia por trás dele, num salto, passando por cima de Lino para atacá-lo por cima e imobilizá-lo. Rodan caiu passando a mão pelos olhos que ardiam como se brasas estivessem atrás de suas pálpebras e confuso. Ele lembrou dos anos de treinamento árduo e da única vez em que fora atingido por um pó com esses efeitos. Naquela época o ataque fora lançado contra Lordok, ainda um príncipe leonino, e Rodan, como seu amigo e guarda pessoal, tomara a frente. Ele sabia bem os dias de tormento que o aguardavam, as febres, alucinações, dores de cabeça, náuseas... Mas nada disso importava agora. Sua única preocupação tinha um nome lindo: Carya. Ele se guiou pelos treinamentos, focando em sua audição e tentando ignorar as dores e a confusão mental. Mas o efeito era violento demais. Ele não conseguia manter o foco poor mais do que meio segundo. Então ele focou na única coisa que ele realmente não poderia ignorar, nem sob tortura. As sensações que ele tinha quando estava perto de Carya eram inconfundíveis e isso teria que ser o suficiente.

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Quando Carya percebeu o ataque à Rodan na sua frente, pouco abaixo já que ela estava em pleno salto, ela desceu em cima de Lino com uma fúria difícil de conter. E, verdade seja dita, ela não era muito boa em conter as próprias emoções, fosse qual fosse a situação. Por um instante ela até esqueceu que o propósito era apanas prender Lino e interrogá-lo, talvez até levar sob custódia. Naquele momento ela só queria ferir o felino deformado e vingar a dor que Rodan parecia estar sentindo, embora ele sofresse em silêncio e completa confusão. Carya, sempre com uma resposta pronta ou um comentário na ponta da língua, agora só rugia e dava golpes ferozes, rápidos e tão cheios de fúria que deixou Lino com medo da morte, escapando apenas por um triz de cada golpe, alguns o atingindo de raspão.

- GRRRRR! – Era o único som que Carya emitia entre os golpes. Lino nem conseguia falar, explicar qualquer coisa, ele apenas sabia que se parasse de se mover, se diminuísse a velocidade, ela iria matá-lo. No fundo de sua mente conturbada pela raiva, ela sabia que precisava se controlar antes que fizesse algo idiota. Mas saber que Rodan estava sentindo dor, e era quase como se ela pudesse sentir um pouco da dor dele também de alguma forma intuitiva, a deixava furiosa, descontrolada. Ela tentou focar nas palavras de seu irmão durante os treinos secretos deles, mas apenas algumas palavras desconexas passaram rapidamente por sua memória. Lino nunca teve tanta certeza de que morreria como naquele momento. Nem mesmo quando Tigrésius e Leviatã o torturaram durante anos.

O calor agora tão familiar começou a surgir no estômago de Carya, algo em sua mente pulsou. Ela tinha que se controlar. E rápido.

- Car...ya... – Rodan murmurou tão baixo que nunca soube como ela conseguiu ouví-lo àquela distância. Mas ouviu.

- Rodan. – Ela se virou alguns centímetros quando ouviu o baque no chão. Uma lâmina brilhou sob a luz crepuscular, passando meio palmo ao lado dela. Ela seguiu a lâmina apenas para vê-la acertar a perna de Lino que, aproveitando o breve momento de distração de sua furiosa algoz, já corria para dentro da mata a uma boa distância. Rodan ainda estava com o braço estendido depois de lançar sua faca de caça na direção do vulto negro que corria para a floresta, se afastando de outro vulto que lhe trazia tão fortes e intensas sensações. Sua consciência já estava vacilando, as dores começando a tomar conta de sua mente, quando duas mãos macias, com alguns calos pelo manejo das espadas, e muito, muito, quentes o agarraram. Ele sentiu que alguém falava com ele, mas quem ou o que ele não sabia dizer. As mãos o soltaram e algum tempo depois um líquido pastoso desceu por sua garganta. Mais um tempo depois, não sabia dizer quanto, uma compressa morna e pastosa fora colocada sobre seus olhos e ele caiu num sono conturbado de novo.

~o~

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- Eles chegaram. – Devon disse. – O exército, como previsto, é liderado pelo próprio rei.

- Ele quer demonstrar força, tornar essa batalha um exemplo, causar medo em qualquer outra cidade ou vila que tente se livrar do domínio Tiger. – Lordok respondeu.

- Pelas minhas contas, eles superam nosso exército em números. A diferença é de 100

para cada soldado nosso.

- Já lutamos com números piores. – Lordok disse, meio divertido. Era um fato conhecido que os leoninos lutavam em menor número, afinal os Tiger dominavam praticamente toda Likastía, mas era justamente isso que eles usavam à seu favor. Enquanto os ataques Tiger eram numerosos e organizados, os ataques leoninos usavam o terreno e armadilhas à seu favor. Tigers eram mais hábeis em batalha, seus corpos eram melhor preparados para o combate natural, cada tigre lutava com maestria e força de combate porque aprendiam desde cedo a lutar sozinhos, sem ajuda de ninguém, eram treinados para ser, sozinhos, tão eficazes quanto um exército inteiro. Isso tornava cada tigre uma verdadeira máquina de matar eficaz por si mesma. Mas os leoninos eram um povo acostumado à viver em grupos, a pensar como um grupo. Cada pequeno grupo leonino funcionava como uma máquina bem lubrificada, cada um agindo num ataque bem treinado e rápido. Os leoninos também eram um grupo bastante miscigenado, especialmente nas últimas décadas, com outras espécies felinas que, por um motivo ou por outro, se uniam à eles. Isso lhes garantia uma unidade, um pensamento de união tão grande quanto uma família. Era aí que estava a verdadeira força do exército leonino.

- A mensagem de meu pai chegou. Eles estão a caminho da floresta, seguindo uma pista. – Devon entregou o papel pequeno e escrito em códigos.

- A que ponto chegamos... Investingando uma lenda local porque não temos nenhuma pista melhor. – Lordok disse. – Quero que continue de olho no exército inimigo. Vamos nos preparar para o ataque. Aqueles que não podem lutar já estão protegidos nos esconderijos, Rádara enviou um alerta de que o príncipe Tiger está no palácio, então não teremos que nos preocupar com ele no momento.

- Os espiões precisam ficar de olho nele. Eltar é mais perigoso do que parece. – Devon disse, pensativo, alguma coisa o incomodando, embora ele não soubesse dizer o que era.

Pela cara que Lordok fez, ele sentira a mesma coisa.

- Não saia ainda. – O rei leonino disse, fazendo um sinal pra um de seus guardas na porta. – Chame Seth aqui.

O guarda saiu, mas, antes que ele tivesse tempo para dar mais do que alguns passos do lado de fora, Seth surgiu na porta com expressão alarmada. – Carya.

Não precisava dizer mais do que isso. Lordok conhecia bem o afilhado e a lendária união entre os gêmeos. Alguma coisa estava errada. Mas Devon era o responsável pela

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espionagem pré combate, ele próprio era o rei e estava comandando aquela missão, Seth era seu mago chefe, nenhum deles podia sair dali naquele momento. Tudo o que eles poderiam fazer era rezar às Luas Irmãs e à Kallisti para que Rodan e Carya estivessem bem, afinal, ambos eram militares e teimosos como o diabo.

- Vou enviar uma mensagem com ajuda da minha magia... – Seth começou.

- Não. – Lordok disse e Seth o olhou entre o desespero e a incredulidade.

- Mas...

- Seth, - Devon chamou – eu sei que você está preocupado com sua irmã. Mas Rodan é meu pai e amigo do rei. Nós também estamos preocupados. Mas é perigoso enviar uma mensagem mágica com o exército inimigo tão próximo. Leviatã está com eles...

Seth sabia que eles estavam certos. Ele tentou se controlar, pensar no treinamento secreto com Carya e rezou mentalmente para que Kallisti a protegesse. Ele não podia arriscar as vidas de todas aquelas pessoas na vila que eles estavam protegendo. – Eu...sei.

Não se preocupem.

- Assim que derrotarmos nossos inimigos, mandaremos uma mensagem para Rodan e Carya. – Lordok garantiu.

Uma hora depois, enquanto a lua verde-água Kallys surgia no horizonte, o exército Tiger parou a 20 metros dos muros recém-construídos ao redor da vila, na frente da única entrada, o pesado portão de aço. Toda a estrutura do muro de pedra e seu portão era grossa, com mais de 2 metros de espessura, protegida magicamente por um escudo invisível idealizado por Seth e construído por magos sob seu comando. Nas guaritas acima do portão e em cima do muro em toda sua extensão haviam leoninos e habitantes da vila, armados com arcos e bestas, prontos para atacar os inimigos. No chão, do lado de fora dos muros o exército leonino, liderado pelo rei Lordok à frente de seus soldados, estavam parados em linhas, aguardando atentamente por qualquer movimento do exército Tiger.

No lado Tiger, linhas de soldados bem armados estavam à postos, formando grupos retangulares à frente de outros esquadrões formados apenas por magos de menor patente.

Após 3 fileiras de soldados e mais 2 de magos, ao fundo de todos eles, na mesma direção de Lordok, estavam Leviatã e Tigrésius.

- Covarde. – Lordok murmurou ao ver Tigrésius lá longe, com sua armadura vermelha com detalhes dourados, visíveis mesmo à noite. Não que fosse uma surpresa porque o rei Tiger sempre mantinha essa posição relativamente protegida em combates de exércitos desde que a história dos felinos existia.

- Burro. – Tigrésius comentou alto o bastante para que Leviatã e outros militares de alta patente, mais próximos pudessem ouvir. Todos eles riram. Esse hábito dos reis leoninos

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sempre tomarem a frente de seus exércitos durante os combates era a base de uma piada sobre a burrice leonina entre todos os Tiger do mundo.

E então um silêncio caiu sobre o terreno. Nem mesmo o vento passava. Não se ouvia mais os sons dos animais noturnos nas redondezas, ninguém falava, ninguém tossia, ninguém parecia sequer respirar naqueles minutos. Dois minutos de total silêncio, de quietude tensa, passaram e então, ao longe, Seth viu o rei Tiger e o mago Leviatã erguerem o braço direito. Seu corpo se arrepiou involuntariamente e ele, posicionado em uma das guaridas acima do muro, enviou o alerta sutil ao seu rei e padrinho.

- Ataque! – Seth murmurou para sua própria pedra mágica no topo de seu cajado e a pedra mágica no pescoço de Lordok recebeu a mensagem.

Tudo aconteceu muito rápido. Lordok ergueu a mão com a palma aberta. Todo seu exército no chão e no muro se preparou. Quando uma cinco esferas escuras se ergueram e fluturam acima de Tigrésius como cinco sombras tão distantes que apenas a visão felina poderia enxergar, Lordok ficou tenso. A mão erguida de Tigrésius brilhou com chamas, as chamas de Éris, e cinco rastros de fogo crepitaram saindo de sua mão, se elevando e atingindo as cinco rochas que flutuavam, formando cinco esferas de rocha incandescente.

Quando as rochas pegaram fogo o real tamanho delas ficou mais evidente, mesmo à distância. Lordok calculou mentalmente que cada uma devia ter o tamanho de uma casa comum. Quando aquilo os atingisse... Com um rugido extremamente alto, os olhos como dois incêncios violentos, Tigrésius fez um movimento com a mão, a palma acenando para cima e depois para frente. As rochas, seguindo o movimento de sua mão, voaram mais altas no ar e desceram indo também para frente em direção ao exército leonino. Lordok fechou o punho da mão erguida e, como se fossem um único ser, todo seu exército fez um movimento rítmico em espiral, descendo sobre as próprias pernas como se fossem feitas de geleia, e erguendo os escudos acima de suas cabeças. Quando o movimento cessou, no chão só se podia ver um verdadeiro mar de escudos posicionados com a lateral direita acima da lateral esquerda do escudo seguinte. Os habitantes da vila no muros, agacharam-se ao mesmo sinal de Lordok, com menos ritmo e maestria que os soldados do rei, mas muito bem treinados, e protegeram-se com escudos feitos de pedaços de portas, ferro e até caldeirões de cozinha recolhidos em suas casas. As rochas passaram por cima dos soldados, sem atingí-los nem mesmo de raspão, passando muito mais alto que eles na verdade, e atingindo o portão atrás deles. O alvo nunca fora o exército, mas sim o ponto mais fraco do muro em teoria.

Lordok, com uma mão diretamente no solo sentiu um tremor quando as rochas atingiram a barreira mágica de Seth que brilhou em tons esverdeados onda fora atingida e depois ficou invisível de novo. Outro tremor. Dessa vez, vindo do exército inimigo. Antes mesmo de levantar a cabeça ele já sabia do que se tratava e gritou:

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- ARQUEIROS!

Os arqueiros em cima do muro se levantaram rápida e eficazmente, posicionando seu ataque para baixo e se preparando para a ordem. O exército Tiger corria em direção dos leoninos que agora se levantavam com o mesmo movimento em espiral, mas agora no sentido anti-horário, se erguendo e apontando suas espadas e lanças para frente.

- AO MEU SINAL! – Seth gritou. Quando o exército Tiger alcançou o ponto combinado previamente com Lordok, Seth gritou: - AGORA!

As flechas suniram e desceram como uma chuva metálica atingindo muitos soldados Tiger da linha de frente que caíram como sacos de batatas. Os soldados seguintes passaram por cima de seus colegas mortos no chão, prontos para atacar seus inimigos. Os leoninos correram em direção dos tigres, enquanto muitos tigres caíam no chão atingidos pelas flechas que continuavam descendo como uma chuva mortal sobre eles. Quando os dois exércitos se chocaram o estrondo de metal contra metal, corpos caindo, gritos de dor e/ou raiva se misturaram com o som de fogo crepitando acima de suas cabeças, seguindos por estrondos quando mais rochas flamejantes atingiram o escudo mágico de Seth, logo à frente dos portões.

- INFANTARIA LINHA DE FRENTE, ESQUADRÃO 4! – Tigrésius gritou, um de seus comandantes sinalizou, o som de tambores próximos ecoaram e mais um grupo do exército Tiger à frente seguiu furiosamente em direção aos leoninos. – MAGOS, PREPAREM-SE!

Leviatã enviou mais cinco rochas gigantescas para cima, causando enormes crateras no terreno atrás deles de onde elas eram retiradas, e um mago de menor patente fez sua pedra mágica no cajado brilhar três vezes rápidas. Os magos da primeira linha, logo atrás dos soldados sentiram quando a mensagem mágica atingiu suas pedras mágicas e se prepararam.

- MAGOS, JÁ! – Tigrésius ordenou e os magos andaram para frente, criando escudos mágicos de brilho branco como leite à frente deles.

Magos. Seth enviou a mensagem silenciosa para a pedra mágica de Lordok que estava lutando contra quatro tigres ao mesmo tempo com tanta leveza que parecia estar só caminhando na praia.

Envie. Lordok respondeu silenciosamente ao afilhado.

Seth respirou fundo, tentando ignorar a sensação incômoda que tanta morte lhe causava, e enviou o sinal de ataque para os magos leoninos com um leve tremor direto em suas mentes, uma técnica nova inventada por ele que lhe rendera a admiração de todos os mestres e magos mais antigos. Os magos ergueram seus cajados como um só e as nuvens se moveram com uma rapidez anormal. Leviatã sentiu aquele arrepio na nuca que indicava que havia magia por perto, mas o arrepio fora forte demais. A magia não era algo simples ou pequeno. Ele ergueu os olhos e entendeu. O céu que estava limpo e estrelado a alguns

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minutos, estava quase totalmente coberto por densas nuvens tempestuosas. Nem mesmo os anéis Anuin sempre tão brilhantes podiam mais ser vistos. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, raios desceram das nuvens e atingiram os magos diretamente em suas pedras mágicas. De seus corpos apenas um montinho de cinzas ficara para trás e as pedras mágicas, agora sem brilho. Alguns, cujos escudos mágicos eram mais fortes, haviam morrido, mas seus corpos permanceram, queimados, saindo fumaça ou mortalmente feridos. Leviatã enviou uma mensagem rápida para seus magos mais poderosos que tomaram a frente dos mais fracos e criaram enormes escudos na frente deles. Enquanto o próprio Leviatã criava uma escudo mais poderoso do que qualquer outro ali presente, sobre o rei e os comandantes, Tigrésius o olhou com enorme raiva.

- O que está fazendo! Mande os magos mais fracos seguirem para frente! Eu não ordenei...

- Majestade, isso é magia Tiger. Se eles forem para frente, todos morrerão.

- E daí? Se não podem se defender disso, então são fracos e eu não tolero fraqueza!

Faça o que estou mandando!

- Não seria melhor usarmos eles na próxima fase? – Leviatã disse controlando seu desejo de quebrar o pescoço do rei.

Mais raios desceram, alguns perto demais do rei. Leviatã e Tigrésius, como uma máquina, esqueceram sua discussão e incendiaram mais rochas, mandando-as para o escudo inimigo. Tigrésius já estava ficando cansado com aquele desgaste de energia, mas ele não iria parar até derrubar aquele portão. E, sejamos sinceros, por mais sacana que ele fosse, uma coisa ninguém poderia negar. Perseverante e decidido ele era. Seth e seus magos também não poderiam manter aquele ataque por muito tempo, especialmente Seth que também estava reforçando a magia do escudo à cada ataque recebido. O combate mágico seria vencido pelo cansaço.

No combate corpo a corpo, cada um lutava ferozmente e, contra todas as possibilidades numéricas, o exército leonino estava vencendo. Cada ataque Tiger era tão rápida e furiosamente reprimido por leoninos que mudavam constantemente de posição que alguns tigres eram mortos sem nem perceber que estavam sendo atingidos. Toda vez que um tigre atacava um leonino, um surgia do nada e o atingia no momento de confusão, enquanto o leonino anterior se movia para atacar um tigre ao lado ou atrás dele que estava atacando outro leonino, e assim por diante. Alguns tigres eram derrubados por flechas de seu próprio exército quando um leonino surgia não se sabe de onde e o empurrava para frente da flecha que era dirigida à outro leonino. Isso quando não eram derrubados por flechas de cima do muro que protegia a vila. Incrívelmente, ninguém de cima do muro fora atingido graças ao escudo mágico de Seth. Mas nada em uma batalha é garantido.

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Então os raios cessaram, as nuvens começaram a se dissipar, as rochas flamejantes pararam de voar. Se você já quebrou um copo de vidro da sua mãe sem querer, você já deve ter sentido aquele medo rápido como um raio enquanto via o copo irremediavelmente atingir o chão e se espatifar. Aquela sensação inconfundível de “to ferrado”. Meio segundo, talvez menos que isso, e seu coração palpita sabendo que você fez besteira. Foi exatamente isso que cada leonino sentiu nesse nanosegundo quando os ataques mágicos cessaram. No fundo, mesmo sem saber como ou porque, todos sabiam que a desgraça pousara naquele campo repleto de corpos e odor de sangue. Uma única rocha flamejante sobrevoou o campo de batalha, acertou um ponto do escudo mágico, uma luz esverdeada brilhou no ponto de impacto e pequenos raios verdes, como rachaduras no vidro trincado, surgiram. Os pequenos raios ficaram maiores, se moveram em todas as direções e, apesar das tentativas de Seth e seus magos em fortalecer o escudo, era tarde demais. O cansaço vencera um lado. O escudo se quebrou e a rocha, guiada pela mão de Tigrésius, usando a força mágica mais poderosa do mundo, as chamas de Éris, seguiu para frente com uma força absurda, passando pelo portão de ferro, o atravessando como se fosse feito de manteiga. O portão brilhou como ferro fundido, e, bem, era mesmo ferro fundido. E depois caiu no chão como um líquido viscoso e flamejante.

Seth ficou pálido, mas não só pelo cansaço. Ele sabia que o pior estava por vir. Antes do dia raiar, muitas vidas inocentes seriam perdidas.

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Ingestão de ânimo

Quando o portão derreteu numa massa brilhante e gosmenta, o ânimo dos soldados Tiger se elevou e todos lutaram com mais afinco ante a chance maior de vitória. Os arqueiros acima dos muros lutaram para impedir que qualquer Tiger avançasse para dentro dos muros. Os leoninos em solo lutavam com o mesmo propósito, mas era apenas uma questão de tempo até que algum Tiger invadisse a vila e o caos não pudesse mais ser contido.

- PROTEJAM OS ARQUEIROS! – Lordok gritou e todo seu exército focou na missão de manter os arqueiros, muitos civis que se aliaram à batalha, seguros, longe dos ataques.

Se qualquer Tiger conseguisse escalar os muros ou usar suas lanças e flechas para cima, eles passariam para dentro da vila rapidamente. No portão, os magos que estavam em solo com Lordok se posicionaram formando uma barreira com seus corpos. Qualquer inimigo que avançasse era atingido por golpes hábeis de seus cajados. O cajado não era apenas o instrumento para focar sua magia, mas também a arma na qual todo mago em Likastía era habilidoso. Quando a magia não podia ser usada por qualquer motivo, cansaço principalmente, o cajado podia ser tão perigoso quanto ela nas mãos dos magos. Tigrésius estava apoiado nos braços de Leviatã, ambos abaixados longe do caos da batalha no terreno à frente, se recuperando do desgaste mágico. Quando ele se recuperasse totalmente, avançaria no combate até matar Lordok. Esse era o plano. Mas o temperamento de Tigrésius nunca fora controlado. Quando ele se recuperou o suficiente para usar um pouco a magia das chamas de Éris (e ‘um pouco’ dela já era excessivamente perigoso), ele se levantou quase derrubando o mago e avançou. Leviatã nem tentou aconselhar o rei. Ele não seria ouvido mesmo...

Ninguém precisou ver o rei Tiger pra saber que ele estava entrando no combate em solo. Leoninos passaram aos gritos correndo em chamas até caírem no chão. O odor de carne queimada estava ficando insuportável, a fumaça sufocante. O exército leonino, acostumado com esses ataques do rei Tiger, puxou o lenço que usavam no pescoço para cobrir boca e nariz, evitando a confusão mental causada pela exposição à fumaça. Lordok guiou o exército para trás, andando de costas e atacando os inimigos sem parar, até alcançarem o buraco onde antes ficava o portão. Cordas com ganchos nas pontas foram lançadas para cima do muro e leoninos subiram com a eficácia de seu povo acostumado a se mover em cima das árvores, pegando inimigos desprevenidos em solo. Arqueiros Tiger tentaram atingí-los em meio à escalada, mas a rapidez leonina superou as flechas. Embaixo o som de rodas pesadas no solo foi o único aviso antes que rochas voassem para os muros.

Tigrésius havia convocado sua arma, as catapultas, idealizadas por ele a poucos anos. As

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rochas atingiram o muro e pedaços da estrutura caíram. Mais rochas foram lançadas.

Lordok guiou o exército para dentro dos muros e ordenou a evacuação dos arqueiros e seus soldados lá de cima. Leoninos agarraram um ou dois civis embaixo de seus braços e desceram o muro com saltos fenomenais. Não havia tempo para discussão. Os muros caíriam sob o ataque pesado das catapultas. A questão agora era salvar as vidas lá em cima.

Dentro dos muros com seu exército ainda tentando (e fracassando) impedir a invasão Tiger, partes enormes dos muros caíram formando buracos enormes, grandes o bastante para um grupo de Tiger passar com folga. Muitos leoninos morreram na queda do muro, mas a maioria dos mortos eram civis que estavam com medo demais do salto para se mover, mesmo com a insistência dos leoninos. Outros civis, em meio ao pânico, simplesmente pularam e morreram na queda. Uma onda de Tiger invadiu a vila com rugidos ensurdecedores. O exército leonino, já a postos em solo partiu para frente com o rugido leonino quase tão estrondoso quanto o dos inimigos.

~o~

- Porque? Quem é você? – Carya perguntou quando uma criatura totalmente coberta por roupas escuras, capuz e máscara surgiu do nada ao lado dela, pegando Rodan nos braços e sinalizando para que ela o seguisse. Ela não queria que aquilo tocasse em Rodan, mas ele estava muito mal e ela não era forte o bastante para carregá-lo.

A criatura apenas olhou para ela sem palavras, mas seu olhar parecia querer dizer que não pretendia machucá-los, queria ajudar. Carya podia matar aquela criatura rapidamente, mas como levaria Rodan? Ele precisava de socorro urgente.

- Você correr? – A criatura perguntou, as palavras soando estranho, como se ele não estivesse acostumado à usá-las.

- Sim. Eu posso correr. – Carya respondeu. A criatura acenou e começou a correr como se Rodan não pesasse mais do que algumas gramas e Carya correu ao lado. – Onde vamos?

- Cid.. Cide... Cideada... – A criatura tentou lembrar a palavra.

- Cidade? – Carya perguntou, ambos ainda correndo no mesmo ritmo.

- Sim. Cideade... Cidádi. – Ele respondeu. A criatura usava calças com cintos e compartimentos pequenos nas pernas, uma camisa de gola alta, cinto repleto de pequenos botões, uma capa escura, manto, capuz e máscara, tudo preto com detalhes em um prata escuro. A roupa lembrava a farda dos espiões de elite, mas muitos dos adereços nos cintos e aqueles botões eram estranhos, desconhecidos. Em tempo recorde eles pararam na frente da entrada principal onde havia um arco de madeira com o nome da cidade em cima.

Ele colocou Rodan gentilmente no chão e disse: - Não poder. Eu não lá. Usar isso. Ele meurorár. – A criatura entregou um frasco com líquido escuro e grosso.

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- O antídoto. – Carya murmurou aliviada enquanto pegava o frasco. Um vento leve passou por ela e quando ela levantou a cabeça para agradecer à criatura ela havia sumido.

Mas como e pra onde? Eles estavam na frente da cidade e só havia um prado aberto, com a floresta a alguns quilômetros. Como aquela coisa correra tão rápido sem que ela visse? Ela não tinha tempo para pensar nisso. Gritou por ajuda e uma velha senhora, uma jaguar, surgiu de uma casa próxima. Vendo o estado de Rodan no chão, a idosa gritou e um rapaz forte apareceu. Ela mandou que o rapaz levasse Rodan para dentro e guiou Carya com uma expressão gentil e preocupada que fez a moça se lembrar da dona da fazenda Lhagua.

Ela ficou ao lado de Rodan o tempo todo, administrando pequenas doses do antídoto como aprendera com sua mãe, porque uma pequena dosagem a mais matava em poucos minutos. Sua mente estava a horas dividida entre Rodan e Seth. Ela tinha certeza que algo estava errado com seu irmão, embora não estivesse surpresa, afinal, o rapaz estava lutando em uma batalha ne. Rodan não acordou, mas chamava por ela incessantemente em seu delírio. Ver ele, sempre tão forte, o pilar dela, o mestre, amigo e amante sempre tão poderoso, caído assim, com tanta dor estampada em suas feições, algumas que Carya podia jurar que conseguia sentir também, embora isso não fizesse sentido nenhum... Era como se alguém estivesse esmagando o coração dela dentro de um punho fechado.

~o~

As coisas estavam caóticas. Essa é a melhor palavra para descrever a situação quando os Tiger invadiram a vila. Os númerosos Tiger, não tão numerosos naquele momento, ainda tinham a vantagem numérica e ter seu rei lutando e a invasão da vila finalmente acontecendo funcionou como uma bomba no ego dos Tiger, a vitória era praticamente garantida naquela altura. Os leoninos, por outro lado, tinham sua própria bomba de ânimo.

Saber que não haveriam prisioneiros, que os Tiger matariam à todos ali, deixando apenas alguns civis com força suficiente para se tornarem escravos, tornou a batalha mais do que uma oportunidade de chutar as bundas inimigas. Aquilo era vida ou morte, simples e pura sobrevivência. Acontece que nada dá mais força à qualquer ser vivo do que o instinto de sobrevivência. Nada.

Quando o olhar de Tigrésius finalmente encontrou Lordok, ambos correram um para o outro como dois animais selvagens, descontrolados, rugindo de ódio. Não era uma ideia inteligente enfrentar um Tiger de frente. Leoninos eram seres fortes, indiscutivelmente, mas Tigers eram uma raça superior no combate corpo a corpo, a própria natureza individualista e seus caninos maiores do que os de qualquer outro felino, os tornavam armas perigosíssimas. Os Leoninos tinham a vantagem da juba ao redor de sua cabeça, cobrindo parte do pescoço, o que os protegia um pouco de mordidas naquela região. Mas era uma vantagem que poderia ser facilmente superada, especialmente pelo rei Tiger com

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o poder do rei. Só que nada disso importou naqueles minutos. Tigrésius estava cansado da constante interferência do rei leonino em seus planos, a proteção dada por ele à Hunna durante os anos ainda estava entalada em sua garganta e a recente decepção com Kharia havia piorado seu temperamento difícil. Lordok, por outro lado, estava cansado do rei que era o pior Tiger dentre todos que seu povo enfrentara nos séculos de guerra. O rei leonino nunca conseguira esquecer as coisas terríveis que Teira viveu quando era escrava dele, as humilhações que Hunna passara, o estado deplorável em que encontrara Fagrir, a crueldade contra seus próprios filhos ainda no ventre da mãe, as tentativas de rapto de Rádara, até mesmo as crueldades que Eltar sofrera e que todo mundo conhecia o irritavam.

Eles haviam lutado inúmeras vezes antes de Tigrésius assumir o trono e nesses anos todos, mas naquela noite a raiva entre eles parecia ter alcançado um limite. Nenhum deles iria abandonar a luta antes que o outro estivesse morto. Nada mais importava ao redor.

Tigrésius sentiu que não conseguiria usar suas chamas de Éris, não depois de todo o esforço. Ele quase se arrependeu por não ter esperado para se recuperar totalmente. Agora poderia matar o rei leonino com o fogo, embora seu inimigo sempre houvesse conseguido se esquivar desses ataques em todos esses anos. Quando ele e o rei leonino se chocaram o combate foi como seus ancestrais primitivos usavam: na base do soco, mordidas, chutes e arranhões. Lordok conseguiu se esquivar de uma tentativa de mordida, se abaixou, moveu-se um pouco para o lado, com as duas agarrou a cauda laranja-negra de Tigrésius, firmou os pés ao chão e, com uma força absurda alimentada pela raiva, o girou o inimigo ao seu redor três vezes. Alguns soldados de ambos os exércitos pararam seus próprios combates olhando a cena cômica, os Tiger mais próximos foram atingidos pelo corpo de Tigrésius girando no ar, os leoninos mais próximos se abaixaram ou saltaram sobre o corpo do rei Tiger como se pulassem corda. Tigrésius ficou ainda mais furioso com essa humilhação, mas não tinha como se defender naquela posição. Lordok o solto e o rei Tiger voou alguns metros, atingindo a parede de uma casa, de cara, depois caiu, parando de quatro no chão, a cabeça voltada para Lordok. Seu rosto cheio de arranhões e cortes ficou mais grotesco quando ele rugiu em fúria e, de quatro como um animal, correu em direção à Lordok. O rei leonino saltou sobre ele, encolhendo o corpo em uma bola e parando atrás, de costas, do rei inimigo. Tigrésius notando a falha na posição do outro, sem mesmo se virar, deu uma cotovelada na nuca de Lordok que cambelou para frente, tonto pelo ataque.

Antes que Lordok pudesse se recuperar, Tigrésius deu uma rasteira o jogando ao chão de bruços. Lordok se virou rápido para evitar um golpe, mas o inimigo foi mais rápido e sentou em cima dele o enchendo de socos e usando as garras para tentar cegar o inimigo.

Lordok conseguiu segurar os punhos fortes de Tigrésius e deu uma cabeçada quando o Tiger tentou mordê-lo. Tigrésius ficou zonzo o bastante para Lordok o derrubar. Os dois começaram a rolar na tentativa de ficar um em cima do outro. A mão de Tigrésius, próxima

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à costela de Lordok, esquentou o suficiente para causar um grito de dor do leonino, a marca da mão do inimigo em sua cintura. Tigrésius estava recuperando a energia mágica.

Lordok, durante o grito se levanto e o rei Tiger também. Ambos pararam a certa distância, rodeando um ao outro, ambos ofegantes, feridos e doloridos demais para continuar o ataque. Quem se recuperasse primeiro não esperaria nem meio segundo para atacar o outro. Lordok tinha perdido sua espada cravada no ventre de um mago Tiger. Tigrésius soltara a sua quando correra em fúria para o inimigo, nem mesmo pensando antes de agir.

Quando ambos deram mais uma volta, Tigrésius olhou para trás do rei inimigo com um sorriso diabólico no rosto. Os Tiger estavam quase vencendo a luta, muitos leoninos mortos, muito mais do que Tiger.

- Você...perdeu...bárbaro. – Tigrésius ofegou. Para sua surpresa e raiva, Lordok sorriu de orelha a orelha. Tigrésius conhecia bem o inimigo e sabia que ele não blefava.

Lordok olhou para trás de Tigrésius e de volta para o inimigo. – Seu excesso...de...confiança...é...sua...ruína.

Tigrésius não ousou olhar para trás. Um movimento desses e Lordok o atacaria. Ele correu em direção ao inimigo, tentando o atingir na lateral e sair do caminho dos gritos e passos pesados que ouvira atrás dele. Lordok que parecia mais cansado que o Tiger fez um movimento mais rápido que o de Tigrésius. Lordok estava mais recuperado do que parecia, apenas ganhando tempo. Infelizmente (ou felizmente, dependendo de pra quem você esteja torcendo) Tigrésius percebeu isso tarde demais. Seu soco atingiu o ar e ele cambaleou para frente, o esgotamento físico perigosamente próximo. Um chute de Lordok em sua barriga o fez ofegar, mas ele se recusou a cair no chão. O calor em sua mão estava aumentando rapidamente, a recuperação mágica estava chegando rápido alimentada pelo ódio. Ele pulou para trás e finalmente pôde ver do que Lordok estava falando. Um grupo diversificado de mulheres de várias espécies felinas, espiões de elite e mais soldados surgiam de todas as casas e becos. As pessoas que haviam sido escondidas para evitar o combate, soldados e espiões que as protegiam eram parte do plano de ataque, caso as chances de derrota leonina fossem grandes. Até mesmo alguns velhos que não eram parte do plano se uniram aos atacantes, erguendo suas bengalas e correndo furiosos para expulsar os Tiger de sua vila. Todos ali preferiam morrer à voltar a pertencer ao território do mais insano rei Tiger da história conhecida.

Foi mais uma bomba de ânimo para os leoninos que já estavam lutando. Muitos civis que se aproximavam foram mortos por flechas antes de ter a chance de socar qualquer inimigo, muitos foram mortos por golpes hábeis de espadas e lanças, muitos foram derrubados no soco e tiveram seus crânios esmagados por pisadas fortes. Mas muitos ainda corriam e atingiam os inimigos com todo tipo de arma incomum: frigideiras de ferro, rolos de massa, martelos, facas de carne, pedras, ancinhos... Havia até mesmo dez ou doze

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felinas de corpo rechonchudo que batiam nos inimigos com cintos! Claro que Tigrésius tinha certeza que logo esse povo todo seria morto pelo seu exército. Mas nunca se deve subestimar uma multidão enfurecida. Lordok avançou para atacar o inimigo, mas Tigrésius se virou sorridente, esticou o braço em direção ao inimigo, fechou o punho e Lordok viu uma onda no ar aquecido ao redor do punho do Tiger. Logo o fogo surgiu e crepitou em direção à Lordok que conseguiu se afastar para o lado, mas as chamas atingiram sua juba e sua orelha, ambas inflamando rapidamente. Se ele se jogasse no chão para rolar para os lados e apagar o fogo, Tigrésius o mataria no chão antes que ele pudesse fazer qualquer coisa. Se ficasse parado ou se movimentasse rápido as chamas aumentariam e queimariam seu corpo. Sua única sorte agora era que o inimigo ainda estava com seu poder mágico muito enfraquecido.

~o~

Seth saltara do muro segundos antes de tudo desabar, levando consigo duas felinas que agiam como arqueiras. Ao atingir o chão ele correu puxando as duas pelas mãos, parando apenas quando algum inimigo aparecia em sua frente e ele precisava matá-lo.

Cada golpe dado no inimigo era uma dor em sua alma. Ele não podia se preocupar com isso agora, tinha que salvar as pessoas que lutavam por uma vida mais digna. Ele repetia isso para si mesmo inúmeras vezes, tentando ignorar a dor que sentia sempre que precisava machucar alguém. Deixando as duas mulheres sob o comando do leonino que reunia os arqueiros, ele sentiu um arrepio na nuca, o alarme de magia ao seu redor. Mas quem poderia ser? Os magos de ambos os lados haviam gastado energia demais e não se recuperariam por horas. Mesmo Tigrésius que era o guardião das chamas de Éris, a magia mais poderosa de Likastía, não se recuperaria pelo menos nos próximos quarenta minutos.

Não. Não era magia de ataque. Era só uma presença de alguém com muita magia. Uma presença constante e... parada? Seth deu ordens rápidas (que mais pareciam pedidos do que ordens de um comandante) para os magos agrupados ao seu redor e todos partiram para o combate. Ele derrubou dois Tiger que se aproximaram dele. Um deles morreu na queda ao bater a cabeça em uma pedra no chão. Seth se ajoelhou, pediu perdão mentalmente ao Tiger por ter tirado sua vida e se levantou procurando a fonte de magia que o intrigava. Atrás dele, entre duas casas, havia uma rua escura que e profunda, mas que não tinha saída. Um vulto avermelhado passou rapidamente, seguindo mais para o fundo da rua na escuridão.

- Se Carya estivesse aqui ela me diria pra não ir que isso tem cara de armadilha... –

Seth murmurou, já entrando na rua para encontrar o tal vulto. Ele nunca fora muito racional mesmo e agora ele sentia que devia verificar a fonte de magia. Afinal, ele era o mago chefe, não é?

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O vulto parou e quando os olhos de Seth se ajustaram à escuridão quase completa, apenas levemente dissipada pela luminosidade dos anéis Anuin que cercavam Likastía, ele assumiu a posição de combate.

- Pare com isso, garoto idiota. Se eu quisesse lutar com você faria isso lá fora onde todos poderiam testemunhar minha vitória. – Leviatã disse.

- O que você quer? – Seth perguntou, ainda mantendo a posição de luta com o cajado na diagonal em suas duas mãos à sua frente.

- Apenas entregar uma proposta.

- Estou ouvindo, mas duvido que você tenha algo do meu interesse ou eu do seu.

- Você realmente não tem nada que me interesse, mas sua irmã sim. E nós dois sabemos o que é. – Leviatã disse e, antes que Seth pudesse negar, ele ergueu a mão o silenciando. Mesmo se recuperando do enorme desgaste mágico, mesmo sem convocar sua magia, a onda de poder natural que emanava de Leviatã era enorme e Seth a sentia como uma onda de perigo, uma fumaça densa ao redor de sua própria alma. – Nós queremos a mesma coisa. Você sabe disso e eu também sei.

- Carya não acredita nisso...

- Mas você sim. Sua irmã herdou o instinto desconfiado de seu pai, o que é uma vantagem muitas vezes, mas não agora. Precisamos agir.

- Vá direto ao assunto. – Seth disse tentando usar o mesmo tom que Carya usava quando dizia isso.

- Muito bem. Diga à sua irmã que eu e Eltar estamos dispostos a esquecermos nossas diferenças por enquanto e lutar contra nosso inimigo em comum. Nós a ajudaremos na missão dela e ela vence você-sabe-quem por nós.

- Se ela vencer ele, e sabemos que ela tem a missão de pelo menos tentar, ela terá que assumir o trono Tiger depois. É o que a lei diz.

- Não se mais ninguém souber que foi ela quem o venceu. Basta dizermos que foi Eltar e pronto. Ela não assume o trono que sabemos que ela não quer, cumpre a missão dela, meu garoto assume o trono que já é dele por direito de herança e todos saímos ganhando.

– Leviatã disse.

- E se ela não aceitar?

- Vamos, rapaz. Ela não tem nada a perder...

Além da própria dignidade se aliando à um verme como você... Seth pensou, mas achou mais educado não dizer em voz alta.

- ...E eu acho que sua irmã não vai querer ter a mim como inimigo. Porque, não duvide rapaz, eu a mataria sem pensar duas vezes caso ela tentasse se colocar no caminho do meu garoto. – Leviatã disse com aquele ar perigoso.

- Eu não confio em você.

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- Eu sei. Mas vou te dar uma prova da minha boa vontade e, em troca, você apenas me prometerá que dará o recado para sua irmãzinha.

- Que prova?

- Segure isto. – Leviatã entregou uma pedra azul brilhante, quase cristalina, para Seth.

- A pedra de Anuin? – Seth ficou surpreso.

- Exato, garotinho estudioso. A pedra de Anuin vai restaurar sua energia mágica quase totalmente, mas depois você deve...

- Descartá-la para que ela não exploda com o choque de energia. Conheço o procedimento, mas essa pedra só existe nas Fontes Termais Sagradas, no centro do território Tiger, e mesmo assim é muito difícil encontrá-la. – Na verdade, era quase impossível encontrá-la, pois ela ficava no fundo das lamas tóxicas na entrada da caverna, embaixo das fezes de animais peçonhentos, e se misturava com outras pedras quase idênticas, mas sem magia nenhuma. - Se me entregar isso, agora que seu povo e o meu estão sem ajuda mágica, eu posso...

- Eu sei. – Leviatã disse com aquele sorriso que Seth achava mais perigoso que um soco no olho. – Vá. E aproveite pra salvar seu rei. Sei que você pode sentir as chamas de Éris voltando... Tigrésius vai matar seu padrinho. – Leviatã disse e Seth pegou a pedra.

- Eu darei o recado, mas não garanto nada.

- Isso é tudo que eu peço.

Seth correu à procura de Lordok. Ele parou encostado na parede de uma casa, ouvindo os sons do grupo de civis que estavam escondidos e protegidos, correndo para o combate.

Então a coisa realmente ficara feia e o plano B teve que ser usado. Seth colocou a pedra em ambas as mãos, as aproximou do peito, fechou os olhos e sentiu o calor reconfortante emanando da pedra. Uma luz fraca e azulada brilhou dentro da pedra e sumiu rapidamente como uma vela apagada por um sopro. A pedra ficou completamente preta e fria. Seth sentiu a força mágica voltando como uma explosão dentro dele, uma que deixou um rastro de energia tão grande que ele mal conseguia ficar parado. Ele usou a base do cajado pra fazer um buraco na terra, jogou a pedra dentro, cobriu com terra e se afastou o mais rápido possível. Mais alguns minutos perto dela e ela teria explodido, levando ele junto. Ele correu, lutou com vigor, derrubou um aqui e outro ali, mas nada de encontrar seu padrinho e rei. Até que as chamas de Éris ficaram mais fortes do seu ‘radar’ mágico. Ele seguiu na direção da fonte mágica, rezando à todos os deuses, implorando para que pudesse chegar a tempo.

A alguns passos Tigrésius estava de pé, um leonino caído com chamas em sua cabeça, girando para tentar apagar.

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Lordok. Foi tudo que Seth pensou antes de erguer o cajado, olhos brilhantes como se raios habitassem dentro deles, um raio caiu no chão ao lado do rei Tiger que, confuso, olhou para cima. Não havia nenhuma nuvem no céu.

- SE AFASTA DELE, MANÍACO DESGRAÇADO! – Nem Seth sabia que podia sentir tanta raiva de alguém.

Tigrésius se virou para encarar o filho, ergueu a mão para enfiar o fogo na cara daquele garoto branco que ousava o enfrentar. Lordok, já com as chamas apagadas, mas fraco demais para se levantar, segurou a perna de Tigrésius, tentando derrubá-lo antes que ele tivesse a chance de matar Seth.

- Me solta, seu bosta! – Tigrésius disse chutando Lordok do rosto uma, duas, três vezes até que, pela dor e cansaço, o rei leonino não conseguiu manter o aperto na perna do inimigo.

- EU. MANDEI. SE. AFASTAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAR! – Seth gritou e as nuvens negras se formaram muito mais rápido do que a magia usada antes.

Tigrésius focou sua atenção para convocar as chamas, o braço estendido, sorriu e...

Nada. Sua força mágica ainda não havia sido recuperada. Ele tentou avançar para atacar o garoto na base da porrada mesmo, mas as nuvens começaram a espalhar raios pra todo lado. Soldados leoninos e civis, animados com essa demonstração de poder, derrubaram e mataram qualquer inimigo que pudessem alcançar. Por incrível que pareça, os ataques mais violentos partiam dos civis, pessoas comuns que só queriam viver suas vidas simples, em paz e com dignidades, mas que eram exploradas pelo governo Tiger a anos. Alguns Tiger correram de homens e mulheres comuns que avançavam contra eles com golpes incertos, imprecisos, mas tão furiosos e assustadores justamente por essa falta de precisão. A multidão civil acabou sendo mais assustadora do que os soldados inimigos. Por outro lado, qualquer Tiger parecia um imã pros raios da magia de Seth, muitos escapando por um triz, guiados para fora da vila por Leviatã que gritava os comandos, parado perto da saída, gesticulando para fora enquanto verificava se todos estavam saindo.

- MAJESTADE....VAMOS! É PERIGOSO... – Leviatã gritou.

- NUNCA! ESSE MOLEQUE! SE EU TIVESSE CRIADO ELE, ELE SABERIA RESPEITAR O SEU

REI! – Tigrésius berrou, as chamas começando a surgir fracas em seus olhos, convocadas por sua raiva.

- VOCÊ NÃO DEVIA NEM TER FILHOS, SEU BABACA! – Seth gritou e trovões ensurdecedores ecoaram.

Um raio desceu na direção do rei Tiger. Ele pulou para direita, deixando uma marca escura no chão. Tigrésius percebeu que o ataque não fora diretamente nele, mas sim em sua frente, o que o teria cegado por alguns dias e causado alguns ferimentos leves. Mesmo em fúria, Seth odiava matar e o pai biológico percebeu. Ele se animou, poderia usar isso

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contra ele. Ou não. Seth odiava matar, mas odiava mais ainda tudo que o pai fazia e tudo que fizera contra sua mãe, seu pai que ele considerava o verdadeiro pai, seu padrinho, sua tia de coração e rainha leonina... Mais raios desceram, um em seguida do outro, todos descendo em frente ao rei Tiger que mal tinha tempo de se esquivar. Seth estava cansado, mas ele não ia parar, mesmo que ele morresse de esgotamento, ele ia expulsar aquela criatura vil dali. Tigrésius quase sem fôlego não sabia mais por quanto tempo poderia se esquivar. Um escudo fraco surgiu em sua frente e, mesmo sem ver, ele sabia quem o criara.

- Majes.... – Leviatã começou.

Tigrésius aproveitou e correu em direção à saída, o escudo de Leviatã o protegendo o máximo que podia, os raios de Seth atingindo o chão pouco atrás dele. Os raios seguiram o rei Tiger por quilômetros e mais quilômetros, mesmo sem a visão física do rapaz, guiados pela sensação da magia de Leviatã no escudo. Quando Seth finalmente parou o ataque, braços fortes com um tecido macio o sustentaram. Gritos ecoavam por toda parte. Gritos de comemoração.

- Meu amigo... Quero morrer sendo seu amigo. – Devon comentou, com a cabeça de Seth apoiada em seus braços.

- Prefiro...que viva...sendo. – Seth murmurou. – O rei...

- Lordok já está sendo levado para os magos cuidarem. Vamos nos preocupar só com você agora. – Devon pegou Seth, colocou um braço dele ao redor de seu pescoço e o apoiou, andando devagar em direção à uma casa mais próxima.

- Carya.... Rodan...

- Vou atrás deles assim que você estiver em mãos hábeis. – Devon disse e precisou parar. Seth desmaiara. – AJUDEM AQUI! Vamos, Seth. Não faz isso comigo, parceiro. Sua irmã vai arrancar minha alma pelos olhos se você morrer nos meus braços.

- Afaste-se, espião. Deixe ele conosco agora. – Um mago mais velho disse. – Não se preocupe. Ele ficará bem.

Devon se afastou, deixando os magos fazerem se trabalho e correu para ver o rei.

Assim que tivesse certeza que Lordok estava sendo bem cuidado iria atrás de Rodan e Carya. Seu pai/amigo e, no que dependesse dele, sua futura namorada.

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Dias de paz…?

- Melhor? – Carya perguntou arrumando os travesseiros simples nas costas de Rodan.

- Muito. Obrigado. Mas você não precisa fazer...

- Cala a boca, Rodan! Não começa com esse papo de novo. Já não basta o susto do cacete que você me deu?!

- Carya eu estou melhor. Já até consigo levanta da cam... – Rodan disse começando a se levantar.

- Se você pensar em sair dessa cama não são as dores que vão te matar... SOU EU!

Rodan deitou de novo como se o próprio rei Lordok tivesse dado uma ordem direta. –

Sim, madame. – Ele respondeu meio divertido, com um sorriso de canto.

- Bom. Termina de comer essa coisa nojenta que vou buscar mais água. – Ela saiu sem esperar por uma resposta. A senhora que a ajudara colocaram os dois em seu quarto de costura, um cômodo pequeno com um banheiro espaçoso, onde haviam arrumado uma cama, um pequeno sofá velho que estranhamente era super confortável, e uma pequena lareira. O quartinho fora construído pelo filho da velha senhora que todos chamavam de Vó com um bônus de pagamento para dar mais conforto e um mimo para a mãe que vivia sozinha enquanto ele passava dias caçando e vendendo a caça nos mercados. Carya estava ali a quase uma semana e só havia visto o rapaz quando ele apareceu para carregar Rodan para dentro à pedido da mãe. A velha senhora era muito gentil e não fizera perguntas.

Qualquer um em qualquer parte das Montanhas Amarelas sabia quem era Rodan e não haviam muitos Tiger ao lado dos leoninos. Assim que vira uma jovem Tiger tão preocupada e ao lado do comandante da Guarda do Rei e amigo pessoal do mesmo, não ficou difícil descobrir quem era a tigresa. Todos os dias a senhora chamava Carya ou ia até o quartinho para entregar comida, bebida, chás ou simplesmente confortar a tigresa que parecia tão mal com o estado do leonino.

Carya atravessou o pequeno quintal correndo e chamou da porta dos fundos: - Vó!

– Ah, boa tarde, docinho. Ainda bem que você veio. Eu fiz esses biscoitinhos. Mas como sou distraída! – Vó disse com uma surpresa fingida. – Veja você, eu fiz biscoitinhos demais. E agora? Quem poderá me ajudar a comê-los? – Ela empurrou a vasilha nos braços de Carya.

- Ai, Vó... – Carya riu pegando a vasilha com biscoitos de mel e pedacinhos de morango, quase caindo da vasilha de tão cheia. – Eu vim só pegar um pouco de água. Nunca vi ele beber tanta água num único dia.

- É norma, querida. Ele passou muitos dias com febre alta, mal bebendo a água que você empurrava na boca dele. – Vó disse pegando a vasilha de barro das mãos de Carya

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para colocar água e guiando a tigresa pra dentro. Carya foi para mesa da cozinha, sentou-se e começou a comer os biscoitos da vasilha enquanto Vó pegava água e falava. A velha adorava falar e Carya adorava suas histórias. Era perfeito. – Meu Jaime, aquele velho rabugento, se envenenou uma vez. Já te contei essa história? – Carya acenou negativamente. – Ele era um idiota. Eu disse que beber água de fonte desconhecida sem ferver era burrice. Mas ele me ouviu? Nãããão. Ele bebeu e, horas depois, ele começou a estrebuchar no chão, gritando como se estivesse parindo um cavalo!

Carya não conseguiu evitar a risada. – E a senhora cuidou dele com todo amor, não foi?

- Que desgraça de amor o que? Eu dei tantas broncas nele, mas xinguei sem dó! Claro que eu cuidei daquele velho chato do inferno porque, bem, ele era meu velho chato do inferno e eu gostava daquele imbecil. Mas eu não ia sentir parte daquela dor como se eu tivesse sido infectada sem dar umas broncas nele também.

Carya parou a mão com o biscoito a centímetros da boca, olhando para Vó meio assustada. Vó, com aquela percepção de quem viveu e viu muita coisa na vida, sorriu pra Carya.

- Você já sentiu isso, não é, docinho? Como se pudesse sentir parte de uma dor que não era sua, como se pudesse ler a mente do outro sem nem mesmo um olhar, mesmo você não tendo aquele dom de ler as mentes.... – Vó colocou o jarro de barro na mesa e sentou na cadeira em frente à Carya.

- Ach... Já. Mas não sei se poderia ter outra explicação. Talvez algum traço de telepatia adormecido. Meu avô Caryo era um telepata fortíssimo.

- Pode ser isso mesmo. Mas pode ser algo mais simples. Quando a gente ama alguém, docinho, a gente pode sentir parte da dor dele, pode sentir o que ele está pensando, e, por mais idiota que a pessoa amada seja ou que a gente brigue com ela, sempre vamos perder a cabeça se alguém tentar ferí-la. – Vó não disse, mas, por seu olhar, Carya sabia que a velha estava pensando na relação entre Carya e Rodan.

- Eu... Vou levar isso pra ele e ver se ele tomou aquele mingau. – Carya se levantou pegando o jarro e a vasilha.

TOC, TOC!

- Espero que não seja aquela fofoqueira da Judite de novo. – Vó se levantou, mas Carya colocou uma mão em seu braço.

- Deixe que eu vou ver. Pode ser algum inimigo. – Carya sussurrou preocupada com os dois estranhos que ela e Rodan encontraram na floresta.

- Não seja boba, docinho. Aqui não temos inimigos. Um monte de gente folgada e fofoqueira sim. Inimigos, não. – Vó se soltou e foi atender a porta. – Ora, ora, mas que bem fiz para a deusa Kallisti me enviar um pitelzinho desses?

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- Boa tarde, jovem senhora. – Devon disse pegando a mão da velha para dar um beijo galanteador.

- Hihihihi. Humm... Jovem... Olha, meu querido, não sou jovem há décadas, mas aprecio sua mentira. – Vó sorriu. – Em que posso ajudá-lo, meu belo rapaz.

- Estou procurando dois amigos e gostaria de saber se a senhora os viu.

- Devon? – Carya disse se aproximando da porta.

- UAU! Isso foi mais fácil do que pensei. Como vai a tigresa mais apaixonante de toda Likastía? E... Onde está meu pai?

- Vamos, vamos. Qualquer amigo desse doce de menina é meu amigo também. Entre rapaz, preciso de mais frases galantes pra me sentir jovem e gostosa de novo. – Vó praticamente puxou Devon pelo braço.

Devon entrou e puxou Carya em um abraço forte, a afastando apenas para verificar se estava ferida.

- Você está bem? Eu... Nós estávamos tão preocupados. – Devon disse.

Vó ergueu uma sobrancelha pra Carya, mas não disse nada. Carya, por sua vez, apenas olhou pra Vó sem entender nada.

- Estou bem. Mas Rodan foi ferido....

- O que aconteceu com meu pai? Onde ele está?

- Ele está bem melhor, mas ainda precisa de repouso e... Merda!

- O que foi? – Devon perguntou.

- Estou aqui a muito tempo. Aquele idiota já deve ter saído da cama e estar fazendo alguma maluquice. – Carya seguiu em direção ao quartinho, com Devon logo atrás, enquanto ela explicava rapidamente o que acontecera. Quando abriu a porta ela quis muito dar uma rasteira em Rodan. – RODAN! QUE INFERNO VOCÊ ESTÁ FAZENDO?

Rodan estava com uma mão na cabeceira da cama se apoiando e, com a outra, estava arrumando os lençóis bagunçados.

- Eu est...

- LARGA ISSO E VÁ DEITAR ANTES QUE EU AMARRE VOCÊ AÍ!

Rodan nem pôde discutir, Carya já estava arrumando ele na cama. Devon tentou ocultar o riso com a mão.

- Devon? – Rodan finalmente percebeu o amigo na porta. – O que aconteceu? Lordok?

- Calma, pa...Rodan. Todos estão se recuperando. – Devon disse e Carya o olhou preocupada. – Seth está bem. Aliás, Carya, seu irmão fez Tigrésius fugir com o rabo entre as pernas depois do rei Lordok ter feito ele de bobo, girando no ar e nosso exército pulando sobre ele.

Carya e Rodan se olharam e ambos desabaram na gargalhada. – Depois quero ouvir cada detalhe. Agora eu preciso ajudar Vó em uma coisa. – Não precisava, mas Carya queria

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dar um tempo para pai e filho conversarem à sós. Ela encontrou Vó lavando os pratos e pegou um pano para ajudar a secá-los, sem perguntar se a velha precisava de ajuda.

- Rapaz bonito. Se eu fosse uns 30 anos mais moça ele não escapava. – Vó sorriu com uma mão na cintura, fazendo pose.

- Ele é mais ou menos. – Carya disse mais focada no alívio por saber que Seth estava bem e na curiosidade sobre como ele conseguiu vencer o pai.

- Ele gosta de você. – Vó disse tirando Carya de seus pensamentos.

- Quem? – Ela perguntou, praticamente tendo certeza de que ela falava de Rodan.

- O felino gostosão de pêlo escuro.

- Devon? – Carya perguntou. – Não. Ele é simpático assim com todo mundo, mas não é sério.

- Docinho, o amor deixa a gente cego para o amor de qualquer um que não seja o dono de nosso coração. – Vó disse piscando. – Já te contei quando eu peguei dois leoninos na cama ao mesmo tempo?

Carya negou com a cabeça, já animada com outra história. – Vó, a senhora fez isso?

Nossa... A senhora era bem danadinha, heim.

- Claro, docinho, agora que to velha e enrugada até na perseguida, ninguém mais me procura. Eu sabia que tinha que aproveitar a juventude pra dar pra todo mundo que eu quisesse. – Vó disse fazendo Carya gargalhar. Se Hunna ouvisse uma coisa dessas ela teria um treco. – Foi assim...

~o~

- Foi tão ruim assim? – Eltar perguntou.

- HAHAHAHAHAHA! Meu rapaz, ruim é pouco! Foi uma humilhação que nunca sairá dos livros de história. – Leviatã mal se continha, fazendo a água da banheira espirrar no chão e em Eltar que estava atrás dele, do lado de fora da banheira, esfregando suas costas.

- Uma pena que nunca poderemos assumir o crédito por isso. – Eltar disse com sinceridade.

- Uma pena mesmo. Tudo seguiu o plano com perfeição. Mas eu confesso que tive dificuldades pra não gargalhar com a cena do rodopio do rei, girado feito um brinquedo nas mãos do rei leonino. Você tinha que ver essa cena, meu rapaz. Nunca vi nada mais engraçado.

- E os soldados leoninos pularam sobre ele mesmo?

- Sim, sim. Aqueles canibais sem classe podem ser qualquer coisa, mas pelo menos bons reflexos eles têm. Indiscutivelmente.

- Acha que o moleque pálido vai dar o recado?

- Vai. Disso não tenho dúvida. Se sua irmãzinha vai aceitar isso é outra história.

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- Ela vai aceitar. – Eltar disse. De um jeito ou de outro, ela vai aceitar.

Do lado de fora gritos começaram a ecoar, seguidos por sons de chicotes e aplausos intermitentes. Leviatã se levantou calmamente na banheira enquanto Eltar colocava o roupão nele. Os dois foram para o sofá no cômodo Oeste dos aposentos do mago que ficava de frente para a varanda, o pôr-do-sol pintando o céu em tons avermelhados e dando um brilho alaranjado nos anéis Anuin no céu. Leviatã, já excitado, sentou e puxou Eltar pro seu colo e começou a abrir a camisa do príncipe enquanto mordia seu pescoço.

Nenhum dos dois se preocupou com os gritos assustadores no pátio abaixo. Nenhum deles precisava sair pra saber o que estava acontecente e nem se interessavam naquilo. Desde que voltara da batalha Tigrésius todo dia arranjava alguém pra castigar por qualquer motivo ou por motivo nenhum. Se o rei já tinha um temperamento difícil, agora ele estava insuportável e levando a crueldade à níveis muito mais altos.

A vítima da vez era um comerciante que estava andando pela praça quando a carruagem do rei passou. O homem parara, assim como todos faziam, abaixara a cabeça e fizera uma reverência para a carruagem do rei. Todo mundo no caminho fez exatamente a mesma coisa, mas Tigrésius cismara com o comerciante, mandara a carruagem parar e ordenou que um dos guardas trouxessem o comerciante até ele. O comerciante se ajoelhou no chão ao lado da porta aberta da carruagem. Sentado lá dentro Tigrésius estava calmo, excessivamente calmo.

- Você me xingou e vai pagar por essa afronta. – Ele disse e o comerciante tremeu de medo visivelmente.

- Majestade, eu não falei nada. Fiquei em silêncio em respeito à sua presença e... – O

homem disse ajoelhado, com a testa no chão.

- Você está me chamando de mentiroso? Eu? O rei Tigrésius, SEU senhor? – Tigrésius disse. – Amarrem as mãos dele e prendam na carruagem.

- Senhor... Por favor... Eu não... Eu imploro seu perdão! Eu juro que não o afrontarei nunca. Por favor, majestade, eu tenho uma filha pra criar.

- Vejam só. Está me oferecendo sua filha como escrava? – Tigrésius disse com um sorriso demoníaco. – Eu não ia pegar ninguém de sua família como escravo, mas gostei da oferta. Eu aceito. Pegarei sua filha e, se você sobreviver ao castigo, prometo que perdoarei seus crimes. – O homem começou a chorar completamente desesperado. – E PONHAM

UMA MORDAÇA NESSE VERME! Odeio fracos chorões.

Assim, o comerciante foi praticamente arrastado por uma corda amarrada na carruagem e em seus pulsos, os cavalos correndo cada vez mais, por ordem do próprio rei.

No palácio Tigrésius estava aproveitando um presente encomendado por Eltar para o pai.

Uma surpresa que Tigrésius adorou e o aguardava no retorno da humilhante batalha com os leoninos. A peça havia sido criada por um artista local era um enorme touro de bronze

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com uma portilhola na barriga, abaixo dele havia uma fogueira cercada por um círculo de pedras. Usando isso de uma a três vezes no dia desde que voltara da batalha, Tigrésius ordenava que a vítima fosse colocada lá dentro pela portinhola, onde ficava com as pernas meio encolhidas e um pouco apertado. O rei usava as chamas de Éris pra acender a fogueira e o metal aquecido começava a cozinhar a vítima lá dentro. A tortura durava entre 10 a 20

minutos, dependendo da condenação que Tigrésius desse. Ninguém havia sobrevivido à essa barbárie até então. Quem não morria queimado pelo bronze aquecido ao seu redor, morria mais rápido pela falta de oxigênio dentro da estátua. A família da vítima era convocada à presenciar o ato e, caso se recusassem, eram trancados dentro de casa e o próprio rei a queimava até que não sobrasse nada além de ruínas. Enquanto os gritos da vítima ecoavam a família não podia tentar ajudar, gritar ou chorar. Se um dessas três coisas acontecessem, o rei ordenava aos guardas ou ele mesmo chicoteava o membro da família em questão. Para complementar a cena intragável, os nobres tinham que aplaudir cada vez que o chicote fosse usado, do contrário, o nobre era queimado vivo ali mesmo pelo rei.

Lógico que o comerciante não sobreviveu. Como poderia? Acontece que a família dele era apenas a jovem filha, uma onça branca de 15 anos de idade. A menina controlou o choro bravamente. Não gritou, não tentou reagir. Tigrésius, querendo assustar mais a menina pra ver se ela chorava pra ele chicoteá-la, bateu o chicote no chão e aos pés dela, mas ela se manteve firme.

- Essa é minha nova escrava, como vocês mesmos viram o pai dela oferecer. –

Ninguém ali estava presente na praça quando o comerciante foi preso, mas ninguém ia discutir com o rei. – Estou me sentindo generoso hoje. Então não vou manter essa mocinha como escrava depois da morte do pai dela, não sem lhe dar uma chance de defesa, de acabar com a própria vida e esse sofrimento. – Ele disse esperando por uma reação. Viu o medo nos olhos dela, mas ela não chorou. Ele estava intrigado e louco pra dar uma boa surra nela. Sinalizando pra um guarda, ele disse: – Você. Mate-a.

A multidão se afastou dela. Ninguém iria ajudá-la. O guarda se aproximou, sacando sua espada. Ela manteve a cabeça baixa e, quando ele se aproximou o suficiente, ela se abaixou e deu uma rasteira, derrubando o guarda desprevenido. A espada caiu no chão e ela pegou, apontando trêmula pro guarda que tentava se levantar.

- Se der um passo, eu te mato. – A jovem disse com uma voz trêmula, mas emanando uma confiança inacreditável. – Não vou morrer sem lutar.

- Quem diria. A menina tem sangue nas veias, afinal. – Tigrésius disse. Agora ele estava mesmo interessado. – Abaixe isso, criança, se não quiser fazer companhia ao seu papai frito. – Ele disse e se voltou para a multidão boquiaberta que assistia à cena. – Vocês viram que dei a chance misericordiosa de poupá-la da vida de escrava. Mas, se ela quer viver, como eu poderia negar?

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Tigrésius deu um soco na costela da menina. Ela mordeu a língua sem querer e cuspiu o sangue no chão. A espada caiu de sua mão e o guarda rapidamente a pegou de volta, colocando na bainha ao sinal do rei.

- Qual o seu nome, garotinha? – Tigrésius perguntou.

- Niely. – A menina respondeu quase sem voz.

- De hoje em diante, escrava, você servirá a mim. – Ele disse perto do ouvido da moça que ainda estava agachada com a mão na costela dolorida.

~o~

- Ele dormiu? – Carya perguntou quando Devon se aproximou e sentou ao lado dela no banco rústico de madeira, ao lado do quartinho.

- Sim. Conversamos muito. – Devon disse e começou a contar em detalhes tudo que tinha acontecido na batalha contra os Tiger. Carya ficou orgulhosa do irmão. Ela sabia o quanto era difícil para ele tirar vidas. Seth era muito pacífico, sempre fora, e isso em tempos de guerra era muito perigoso.

- Só não entendo como ele se recuperou tão rápido... – Devon comentou. – Eu não sou mago, mas sei que esse tipo de desgaste leva muito tempo para recuperação. O próprio Tigrésius, guardião das chamas de Éris, não se recuperou e nem poderia. Não tão rápido.

- É estranho mesmo. Mas meu irmão é esperto. Vou perguntar isso à ele depois. –

Carya disse olhando para o céu estrelado. O pôr-do-sol havia terminado e não havia nenhuma nuvem no céu para atrapalha a visão dos anéis Anuin e das constelações. - Seth adora olhar pras estrelas...

- E você?

- Eu gosto. Mas prefiro o dia. À noite gosto mais de ver a lua Éris. Ela parece uma pequena fogueira aquecendo o frio da noite...

- Igual você.

- Hã? – Carya perguntou olhando para ele.

- Uma chama aquecendo os corações ao seu redor.

- Deuses! Essa cantada boba funciona mesmo? – Carya riu dando um soco de leve no ombro de Devon.

Ele segurou o punho dela, não com força, mas com firmeza. Ele estava sério como ela nunca havia visto antes. Seu olhar parecia....encantado?

- Não foi uma cantada. É a verdade. É como você faz eu me sentir. Eu quero muito beijar você agora... – Devon disse pra uma Carya boquiaberta. Sem aviso, ele puxou ela pelo punho e a beijou.

Carya estava de olhos abertos, em choque demais pra pensar em qualquer reação, mas a lembrança dos braços de Rodan a sustentando naquela primeira noite juntos lhe deu

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a força pra se afastar de Devon. Sem pensar, levada pelo seu temperamento explosivo, ela deu um tapa tão forte no rosto dele que ecoou pelo quintal.

- NUNCA MAIS FAÇA ISSO!

Devon olhou meio confuso pra ela. De repente o som de galho sendo pisado e quebrado no chão, atrás de Carya, atraiu sua atenção. Carya estava com tanta raiva que nem teve presença de espírito para se virar, ainda focando seu olhar furioso em Devon. -

Pai? – Devon disse e foi quando Carya olhou para trás.

Rodan, já de costas estava indo para dentro do quartinho de novo. Não precisava ver o rosto dele pra imaginar como ele devia estar com raiva e se sentindo traído. A raiva de Carya pela atitude de Devon foi substituída por uma dor que não era física, mas doía muito mais do que um soco no nariz. Devon fez menção de se levantar pra ir ver o pai, achando que ele precisava de algo, mas, ao ver que Devon estava com Carya, não quis interromper.

Mas ela o impediu com um olhar furioso que ele ainda não entendia.

- Vá fazer companhia pra Vó. – Ela disse, sua voz embargada.

- Mas ele pode estar precisando de algo e você já o ajudou tanto...

- VÁ! Você já fez o suficiente! – Ela quase correu pra dentro do quartinho, não se importando mais se Devon percebesse ou não a relação dela e Rodan. Ela só queria explicar, concertar as coisas com ele...

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Palavras que tecem o destino

- Rodan, me deixa explicar, eu nunca faria isso. Nunca me colocaria entre você e o Devon... – Carya estava tentando se manter calma pra não perder o controle e causar o caos, mas o fato de Rodan estar andando de um lado pro outro, nem sequer lhe olhando, não ajudava.

- Eu sei o que aconteceu, Carya. Eu vi!

- Se você viu então sabe que eu não aceitei...

- Eu não sou burro! Não me trate como um idiota! Eu sei que você não ficaria com ele...

- Então eu não entendo porque você está tendo um ataque! – Carya disse e tentou respirar fundo. – Até parece que eu tenho culpa nisso!

- Você tem! É isso que mais me irrita! Você não consegue admitir que quer ficar do meu lado, não quer deixar essa vida de solteira por medo, e dá nisso! – Rodan disse erguendo os braços, exasperado. – Deuses! Será que você não percebe que esconder nossa relação foi o que causou essa merda!? Como se não bastasse a confusão com Lordok...

- Lá vamos nós de novo... Sempre essa conversa chata do caramba de que eu tenho que assumir um compromisso.... Espera. Que confusão com o rei? – O alarme na mente de Carya soou.

- Ele veio me pedir pra deixar você e Rádara em paz e respeitar a escolha da filha dele de ficar com você e não comigo.

- O que? Ele acha que você está interessado na Rádara?!

- Achava. Não acha mais.

Era o que Carya temia. Se Lordok já sabia e seus pais desconfiavam, quanto tempo demoraria até toda Likastía saber? – Que droga... Você não devia ter confirmado nada sobre nós!

- Queria que eu fizesse o que? Mentisse na cara do meu melhor amigo e superior pra que ele acreditasse que eu estava interessado na filha dele? Porque? Pra você preservar sua vidinha solteira? Eu não estou obrigando você a ter nada firme comigo, Carya, por mais que eu deseje isso. A diferença entre nós, menina, é que eu não tenho medo de admitir o que eu sinto. Eu não vivo fugindo de uma coisa que vai acontecer de qualquer forma e nem seduzindo metade de Likastía e atraindo a outra metade sem nem tentar!

- Eu não tenho medo de nada! – Era mentira, mas enfim... – Você não pode jogar isso nas minhas costas! Se esconder é o que causou essa merda com Devon então você também tem culpa. Não proibí você de contar pra ele. Se não contou é porque não confia nele!

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O calor repentino e quase sufocante no quarto deixou Rodan mudo. Mas o fato de Carya não perceber esse calor, tão focada que estava em sua raiva, o deixou em alerta.

Tem algo errado... Rodan pensou, lembrando do fogão na sua casa que acendera sozinho e quase queimara sua comida. Ele tinha pensado que não apagara o fogo, que pensara ter apagado, mas agora...

- Porque eu tenho que viver como uma donzela intocada, sem poder me divertir com quem me der vontade!? Todo mundo resolveu ficar me enchendo o saco com essa história de compromisso agora! Eu não sou obrigada a me comprometer com nada nessa droga! –

Carya nem percebeu que começava a gritar e que Rodan estava com um olhar suspeito.

O olhar suspeito foi substituído rapidamente por um de espanto quando Rodan viu o ar ao redor de Carya ondular como o chão em uma tarde quente de verão. Mas quando os punhos de Carya, ao lado do corpo, se fecharam e duas bolas de fogo se formaram ao redor, suas íris brilhando como brasas, ele não pôde se conter...

- Puta merda... – Rodan murmurou.

Carya olhou pra ele, ainda irritada, mas, notando o olhar espantado do leonino, ela finalmente percebeu o que estava fazendo.

- Ops! – Carya disse, deu um sorrisinho meio sem graça, fechou os olhos, respirou fundo algumas vezes. O calor e as chamas ao seu redor diminuíram até apagar totalmente.

Ela abriu os olhos, agora nas cores amareladas normais e viu partes dos pés da cama, o móvel mais próximo, completamente negros com a queimadura. – Foi mal.

- Foi mal... – Rodan murmurou – Foi mal? Carya... Como? Droga... Não me diga que...

Droga! Mas... Caramba!

- Você pretende terminar alguma dessas frases?

Rodan respirou fundo. – Você... Eu já vi muito isso em batalha, Carya. Eu reconheceria esse poder até na porra do inferno! Você é a nova guardiã das chamas de Éris!

- Bom... É meio que isso ne...

- Meio? MEIO?! Não existe “meio” guardiã, Carya! Você é. Então isso significa que Tigrésius...

- Eu vou ter que enfrentá-lo. – Carya terminou o raciocínio.

O medo de perder Carya nessa batalha inevitável tomou conta dele. Ele fechou a distância entre eles, a abraçou e aproveitou o calor suave que ainda persistia em seu corpo.

– Agora suas saídas misteriosas com Seth fazem sentido... Eu amo tanto você...

- Então porque você quer me aprisionar em um compromisso?

Não era uma prisão. Mas ele não queria discutir isso agora. Não com esse medo de perder a amada em uma luta com um Tiger que não valia nem um ovo podre. – Não precisamos de compromisso. Não agora, pelo menos. Eu já te disse que você e eu vamos viver juntos como um casal no futuro. Não tenho dúvidas sobre isso. Eu posso esperar até

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você entender isso também. – Ele a afastou apenas o suficiente para olhar em seus olhos. –

Mas se continuarmos escondendo nossa relação isso só vai trazer mais confusões e mal entendidos.

Carya sabia que ele tinha razão. E, de qualquer forma, quando cuidava dele agonizando na cama, ela tomara uma decisão.

- Quando voltarmos, preciso conversar com Rádara. O que ela fez eu não posso, não consigo ignorar. – Carya disse. – Depois vamos deixar que todos saibam sobre nós. Mas nada de compromissos. Certo?

- Certo. – Rodan disse. Era uma pequena vitória, mas era uma vitória.

Com o desespero de Carya depois do beijo e a saída de Rodan, Devon começou a juntar as peças. Os olhares sutis que ele não dera importância, as coisas que Rodan falara sobre sua amada misteriosa, os olhares entre Rodan e Rádara... Como ele pudera se iludir tanto? Não confiando em si mesmo nesse estado de mágoa, ele se despediu de Vó e deixou um recado para Rodan avisando que iria entregar uma mensagem para Rádara e se encontrariam na capital do reino leonino. Era melhor não conversar com o pai agora.

~o~

- Levando o jantar pro meu pai? – Eltar disse com todo seu sarcasmo pra jovem que passava pelo corredor e quase derrubara a bandeja, se assustando com o Tiger parado, no escuro, encostado na parede. Ele adorava perturbar a moça. Ela era tão fácil de assustar e tão valente. Era uma mistura curiosa, divertida. – Cuidado pra ele não acabar comendo você também...

Nyela manteve a cabeça levemente inclinada, mas a postura reta. – Algo em que eu possa ajudá-lo, alteza? – Ela se forçou a ignorar a vontade de morder a cara daquele príncipe babaca.

- Você? HAHA! Não. Eu prefiro as servas mais peladas e menos falantes. – Ele respondeu com um sorriso debochado e cruel. – Anda, escrava. Vai lá servir o rei, antes que ele comecesse a queimar comerciantes.

Nyela apertou a mandíbula pra não chorar ou matar ele. Como ele ousava fazer piada com a morte cruel e injusta do pai dela? Ela fez uma reverência, seus ossos pareciam mais pesados do que o habitual, e seguiu seu caminho até o quarto do rei, ouvindo a gargalhada de Eltar ao longe. – Bichinha do mago! Tomara que ele arranque sua pele... – Ela murmurou. Ela bateu sutilmente na porta e, sob o comando do Tiger que mais odiava, ela entrou. – Com licença, majestade...

- Porque demorou? Foi ficar de quatro pra algum soldadinho qualquer? – Tigrésius, pro azar dela, também adorava provocá-la.

- Não vai se repetir, senhor. Aqui está tudo que o senhor pediu.

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- Pedi? Eu não pedi nada. – Ele disse sério se divertindo intimamente com o olhar confuso da menina. – Eu MANDEI. Venha cá. Me dê a comida.

Ela se aproximou de cabeça baixa com o prato na mão. Ele estava sentado seminu na poltrona a encarando com um olhar divertido. Ela entregou o prato, mas ele não pegou. Era hora do segundo round.

- O que? Você espera que eu me alimente sozinho como um comerciante fodido qualquer? – Mesmo de cabeça baixa, ele viu a raiva nos olhos dela. Mas sabia que ela não perdia a compostura facilmente. Ela ainda estava parada em pé, sem saber o que fazer. –

Anda, menina burra. Me dê na boquinha. – Ele sorriu sob o olhar chocado dela. Ele nunca fizera isso antes, nem mesmo Kharia dera comida em sua boca. Mas ele queria muito ver aquela menina perder o controle. Era divertido provocá-la.

Ela se recompôs rapidamente e começou a colocar a comida na boca dele, sem olhá-lo nos olhos, embora ele nem piscasse, a encarando. O garfo tremia ligeiramente na mão de Nyela, mas ela terminou seu trabalho sem mais nenhuma palavra, agradecendo aos céus por finalmente ter acabado. Ela colocou o prato na bandeja e começou a se retirar silenciosamente, a raiva fervendo em seu peito.

- Ei. – Tigrésius disse quando ela já estava na porta. – Não mandei sair. Volte.

Nyela contou mentalmente até três, respirando fundo e se virou.

- Pegue um guardanapo e limpe. – Ele disse sinalizando pra boca que não estava suja, mas ele queria mesmo era fazer ela voltar e obedecer como uma escrava perfeita.

Nyela fez o que fora ordenado.

- Ainda está sujo. – Ele disse sério, mas os olhos divertidos com a provocação.

Ela limpou de novo a sujeira imaginária.

- Ainda está sujo. – Ele repetiu.

De novo Nyela limpou.

- Ainda está sujo.

- Não. Está limpo como da primeira vez. – Nyeli disse com tanta graça e gentileza que ninguém tomaria aquilo como uma ofensa. Nem mesmo o rei que achou graça na coragem dela.

- Seu pai também me chamou de mentiroso. – Ele disse, enfiando o dedo na ferida.

Nyela tremeu visivelmente, seu olhar irado finalmente encontrou o dele. – O que? Vai me matar por ter matado o papaizinho?

- Eu não tiro vidas. Meu pai me ensinou que só os deuses devem dar e tirar vidas.

- AHAHAHAHAHA! Você realmente é uma criatura interessante, escrava. Mas você e seu papai têm razão. Só deuses devem tirar vidas. É por isso que eu posso matar você e qualquer um quando eu quiser. Porque eu sou um deus! – Ele completou pegando o queixo dela.

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- Não. Você não é. Você é um rei, um mortal como qualquer um neste mundo. – Nyela disse com a voz muito calma.

Tigrésius colocou uma mão em cima da cabeça dela, entre suas orelhas pontudas e pressionou com força, fazendo-a se ajoelhar. Sua outra mão brilhou com uma bola de fogo que ele apontou para a menina ajoelhada.

- Mesmo? Então você de novo está me chamando de mentiroso, escrava? Talvez eu deva queimar esse seu lindo rostinho infantil e fazer de você um exemplo. Ou, quem sabe, eu possa abusar desse seu corpinho jovem e depois te matar? – Ele disse com a voz baixa e emanando perigo. Ele queria ver até onde ela podia aguentar antes de começar a chorar e implorar pela vida. Todo mundo fazia isso tão rápido, essa menina só demorava um pouco mais, mas iria fazer também.

- O senhor pode fazer o que bem entender com meu corpo. É o que o senhor sempre faz com todos. Mas, no fim, eu serei livre. Mesmo que me escravize, me torture, abuse de mim, me mate... Na minha alma o senhor não pode tocar, apenas os deuses podem. – Ela ergueu o olhar, sem levantar a cabeça. Era o olhar mais decidido que ele já vira. – E o senhor não é um deus, não importa o quanto diga isso a si mesmo.

- Interessante. – Ele disse, apagando o fogo em sua mão e soltando a menina. – Você não me atrai, de qualquer forma. Muito magricela pro meu gosto. Vá levar isso e esfregar minhas roupas. – Ele disse, ela se levantou, fez uma reverência e foi até a porta. – Ah, menina, só mais uma coisa.

Nyela se virou para encará-lo. Não havia nenhum traço de raiva no rosto dela, apenas de força, de decisão. – Sim, majestade.

- Eu posso e vou tocar sua alma. É só uma questão de tempo. – Ele disse e a dispensou.

Se Tigrésius soubesse o quanto essas palavras ficariam marcadas em seu destino, será que ele as teria dito?

~o~

Assim que Carya chegou na capital leonina, ela correu para encontrar o irmão no templo de Kallisti onde ele trabalhava. Lordok e ele haviam chegado a dois dias e Rodan não conseguia mais esperar para ir verificar seu amigo e rei. Assim que as náuseas de Rodan diminuíram, eles partiram em viagem que levou mais tempo do que o habitual devido o estado dele que ainda exigia cuidados.

- Mas que desgraçado! Olha eu sei que Leviatã e Eltar não valem nem a merda que os cães selvagens cagam. São cruéis, pilantras, estupradores, sádicos (Eltar é sádico e masoquista), tiranos, pedófilos, mentirosos, ambiciosos... Mas traidores? Essa é nova pra mim. Eles sempre parecerem uns pilantras unidos. Nunca imaginei um traindo o outro.

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Leviatã sempre foi tão unido com o rei... Caramba! Tigrésius até entregou Eltar, o próprio filho, pra ser abusado por ele!

- Estou tão chocado quanto você, irmãzona. – Seth disse. – Mas, depois que ele me deu a forma perfeita pra vencer aquela batalha, não tem como duvidar. Eles querem mesmo derrubar o coitado do nosso pai.

- Uou! Coitado? Coitado desde quando? Seth eu sei que você tem essa mania irritante de ver o bem em todo mundo, mas é do Tigrésius que estamos falando!

- Eu sei, mas, pense bem, irmã. Nós nunca falamos com ele em particular pra dar a chance dele se redimir...

- Claro que não! Ele nos mataria em meio segundo!

- O que estou tentando dizer, Carya, é que não me sinto bem julgando alguém com quem nunca conversei calmamente. Não me parecesse justo. – Seth disse. – Mas, deixando isso de lado um pouco... O que você vai fazer? Vai aceitar a proposta?

- Antes de tudo vou seguir seu pensamento em uma coisa. Vamos marcar um encontro em um lugar que nós escolheremos. Apenas nós dois e eles. Quero sentir o terreno, ter certeza de que isso tudo não é só uma armadilha do rei Tiger. – Carya respondeu.

- Me parece prudente.

- Pra mim não parece nada prudente. – Rodan surgiu com seus passos silenciosos.

- Rod... Nós... Errr... Estamos falando de um... um.... livro. Isso. Um livro que eu quero ler. – Seth disse.

- Relaxa, Seth. Ele já sabe. – Carya disse. – Eu meio que perdi um pouco o controle.

Mas fica tranquilo que a única vítima foi a pobre perna de uma cama. Quanto você ouviu? –

Ela perguntou para Rodan.

- O suficiente pra saber que vocês vão encontrar aqueles dois pilantras. E não, eu não estava espionando vocês. Só estava.... Certo. Talvez eu tenha espionado um pouco. – Rodan admitiu, meio sem jeito.

- Preciso fazer isso. Talvez essa seja a chance que espero pra me aproximar o suficiente do rei para vencê-lo. – Carya disse.

- Eu vou com vocês. E isso não está em discussão. – Rodan disse com seu tom de comandante que não abria espaço para discussão. – Vou enviar a mensagem pra Eltar.

- E não é perigoso? – Seth perguntou.

- Claro que é perigoso, né, irmãozinho! Estamos enviando uma mensagem pro filho do pior inimigo do nosso povo. – Carya respondeu.

- Sim. O perigo existe. Mas não se esqueçam que eu fui espião durante anos. Os espiões de elite tem seus truques. Escolha o local, Carya, e o dia. Mandarei a mensagem quando você decidir. – Rodan disse.

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- Bem. Melhor eu ir. Vou encontrar com a Rádara. – Carya disse e olhou para Rodan. A hora deles revelarem sua relação finalmente estava chegando.

Rodan não pôde conter o salto que seu coração deu. Quando Carya já estava longe, Seth se aproximou do lado dele.

- Rodan eu gosto muito de você. Você é como um tio postiço pra mim.

- Também gosto de você, garoto.

- Legal. Mas se vacilar com a minha irmã eu vou lançar um feitiço que nunca mais vai te deixar dormir. Você entendeu? – Seth disse e Rodan viu porque o garoto era um mago tão poderoso. Mesmo sem convocar magia nenhuma, ele emanava autoridade e força quando queria.

- Sim, senhor. – Rodan disse sério, mas por dentro ele estava meio bobo e meio orgulhoso do rapaz.

- Ótimo. – Seth disse e saiu.

- Quem diria que esse garoto esteve morto e era o mais raquítico dos irmãos. – Rodan disse pra si mesmo. – Agora, deixa eu encontrar o meu garoto e acertar as coisas com ele.

Credo, Rodan! Você deu pra falar sozinho que nem um velho caquético agora? – Ele disse pra si mesmo e olhou para os lados, só pra ter certeza de que ninguém testemunhara seu momento de maluquice.

Não demorou muito pra ele descobrir que Devon fora enviado em uma missão fora das fronteiras dos leoninos no mesmo dia em que chegara. De acordo com Teira, Devon praticamente implorara para ir nessa missão. Estava claro que o garoto ainda não tinha se acalmado e não queria conversar com Rodan. Ele ficou triste, mas sabia que era o mais inteligente a se fazer. Devon voltaria quando se acalmasse, eles conversariam e acertariam as coisas. Devon era um grande amigo e ele não iria perder essa amizade.

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Relação abalada

Carya tentou falar com Rádara o dia todo, mas a princesa leonina parecia estar sempre ocupada passando relatórios de tudo que acontecera no reino na ausência do pai, acompanhando a mãe na contagem de suprimentos do palácio ou resolvendo qualquer assunto ligado ao reino. Naquela noite uma reunião entre a família de Hunna, Rodan e a família do rei estava planejada para que Carya e Rodan pudessem informar o resultado de sua missão. Era um costume em Likastía não passar informações pela metade aos superiores, então tudo era dito por completo ou se aguardava o momento ideal para dar toda a informação. O fato é que Carya não queria esperar para conversar com Rádara depois do jantar. Paciência não era seu forte e ela queria resolver logo a situação entre ambas. Assim, Carya correu para casa, se arrumou como uma militar digna de se apresentar na frente do rei, e, horas antes do jantar, foi até a casa da família real leonina, sentou no mirante de madeira colocado no jardim a mais de 12 anos por Rodan como um presente para ela, Seth e Rádara, e esperou. A noite caiu e nada de Rádara conseguir uma brecha nos afazeres reais para encontrar Carya. O que só deixou a futura rainha leonina mais ansiosa.

Ela tinha certeza que ela e Carya iriam conversar e se entender. Tudo voltaria a ficar bem entre elas. Nem Rodan poderia desfazer o laço que Rádara tinha certeza que as unia.

Faltavam alguns minutos para o jantar começar quando Rádara finalmente apareceu no mirante, parecendo 10 anos mais velha com o cansaço.

- Não sei como meu pai conseguiu governar sozinho por tantos anos antes de conhecer a mamãe. Isso é muito cansativo. – Rádara disse se aproximando e tentando forçar um sorriso. Quando ela tentou abraçar Carya, a amiga deu um passo para trás.

- Precisamos conversar. – Carya disse.

O sorriso fraco no rosto de Rádara sumiu. – Eu sei que você ficou chateada...

- Não podemos continuar com essa relação. Apenas amizade... – Carya disse à queima roupa. Sutileza nunca foi seu forte.

O chão sob os pés de Rádara pareciam ter desaparecido. – O que? Porque?

- Como assim? Perdeu a memória? – Carya disse se forçando a manter o tom de voz baixo e calmo.

- Tudo isso só porque eu dei um susto naquele velho? – Rádara estava surpresa e magoada.

- Aquele “velho”, como você diz, salvou minha vida, a de minha mãe e meu irmão.

Praticamente ajudou a te criar, salvou sua mãe e meus pais mais de uma vez, salvou sua vida inúmeras vezes quando Tigrésius enviou assassinos para acabar com você na infância, salvou seu pai mais vezes do que ele mesmo se lembra, sempre cuidou e protegeu nós três

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mesmo quando a gente aprontava e ficávamos de castigo. – Carya estava começando a perder a calma. – Caso você não se lembre, o que você fez não foi dar um susto... Foi uma ameaça clara e que você e eu sabemos que você iria cumprir.

Rádara não tinha como negar isso. Ela sabia que estava disposta a isso e muito mais pra tirar Rodan do seu caminho. E Carya não era burra. Ambas se conheciam a tempo demais para não saber quando a outra estava blefando ou falando sério.

- Mas, Carya, Rodan é um militar, um militar muito bom em seu trabalho e um felino respeitável, não nego isso. Mas é só um militar. Você e eu, por outro lado, somos da mesma classe social e temos quase a mesma idade. – Rádara disse sem pensar e se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca.

- Eu não ouvi isso. Não posso ter ouvido isso. Quem diabos é você? Porque a minha amiga Rádara não é uma babaca capaz de usar seu poder de forma mesquinha pra ter o quer, ou uma imbecil preconceituosa! Você esqueceu de quem é filha? Você é filha de Lordok, o leonino que mais prega contra esses preconceitos de classe ridículos! Pelos deuses, Rádara! Seu pai se casou com uma ex-escrava décadas mais nova que ele! Ambos te ensinaram o quanto as classes sociais ou a idade não têm importância nenhuma nos relacionamentos.

- Eu não quis dizer isso... – Ela realmente não queria dizer aquilo, só estava nervosa por perder Carya assim.

- Mas disse! Deuses! Eu já achava ruim você estar agindo como uma imbecil tirana, como se não tivesse aprendido nada com a nobreza de seus pais, como se tivesse aprendendo com o idiota do Tigrésius! Mas isso...

- Carya, calma. – Outra vez Rádara se arrependeu. Pedir pra Carya ficar calma era pior do que socar a cara dela.

- Calma? Será que você não percebe mesmo a gravidade das suas ações? Você não vê o caminho que está tomando? Que tipo desgraçado de rainha você vai ser? Eu só queria manter nossa amizade, mas agora... Não sei se eu quero ser amiga de alguém que se parece tanto com meu pai. – Carya disse, mas não havia raiva em sua voz ou sua expressão. Era muito pior. Havia decepção.

Sem esperar por uma resposta, Carya se virou e seguiu para a sala de jantar. Rádara ficou ali parada, os olhos cheios de lágrimas de raiva de Rodan, frustração por não ter saído tudo como ela imaginara, mágoa por Carya não conseguir perceber que ela não queria ter dito aquilo, dor pela decepção nos olhos da felina que mais amava... Levou alguns minutos para ela conseguir se controlar e seguir para a sala de jantar com uma tristeza que chegava a doer no peito. A raiva assumiu o lugar da tristeza assim que ela entrou e Carya e Rodan estavam sentados lado a lado, como era o correto já que trabalhavam juntos e o relatório da missão dos dois seria contado, mas, ambos conversavam em sussurros, muito perto,

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quase como se não estivessem mais tão preocupados em esconder sua outra relação.

Lordok olhou para a filha, mas ela o cumprimentou com um beijo no rosto e se sentou em silêncio, evitando o olhar do pai.

O jantar começou normalmente, as famílias conversando sobre coisas sem importância e rindo. A única silenciosa na mesa era Rádara. Ela queria gritar, descontar aquele turbilhão de emoções em alguma coisa, mas tinha que manter a postura de uma princesa, ser educada e polida mesmo com Rodan que, neste momento, ela odiava mais do que Tigrésius e seu exército.

Se não fosse a interferência dele, tudo teria dado certo... O pensamento rodava na mente de Rádara, mal ouvindo o que se dizia ao seu redor. Sua atenção voltou apenas quando Lordok pediu que Rodan e Carya informassem o que acontecera na missão. Rodan contou detalhadamente, como sempre, e Carya preencheu os detalhes e impressões aqui e ali. Quando ela mencionou a tal criatura que a ajudara, todos lhe deram o mesmo olhar confuso que Rodan fizera quando ela contou isso para ele na casa de Vó.

- Alguma ideia do que era? Um jaguar, Tiger, leonino, pantera, algum felino mestiço....? – Lordok perguntou.

- Nenhuma. A forma física dele, supondo que fosse um macho, era parecida com a de qualquer felino e, ao mesmo tempo, era diferente. Algo na postura, talvez. Mas nãoo posso dizer com certeza já que ele estava todo coberto. – Carya respondeu.

- Carya mencionou que ele usava roupas semelhantes ao fardamento dos espiões de elite, mas havia diferenças sutis, ausência de itens que espiões não costumam tirar porque são como símbolos de orgulho e da eficiência do espião. – Rodan complementou.

- Mas tem uma coisa que me intrigou mais do que isso. – Carya disse. – Mãe, o tal espião de Eltar parecia conhecê-la bem e odiá-la de um jeito que não pode ser apenas por ser uma das inimigas do rei Tiger.

- Isso me deixou preocupado, Hunna. – Rodan disse. – Alguma ideia de quem seja?

- Não. Nunca ouvi falar de nenhum Lino. – Hunna respondeu.

- Amor, tem certeza? Algum inimigo de sua mãe, talvez? Ou alguém que tenha sido prejudicado por seu casamento com Tigrésius? – Fagrir perguntou.

- Ou alguém que invejava sua proximidade com o saudoso rei Stefan? – Teira perguntou.

- Não. Talvez. Mas se existiu alguém assim, essa pessoa não se revelou para mim. Não lembro de nenhum Lino. Bebê, - Hunna se voltou de novo para a filha que revirou os olhos com o apelido fofo – você disse que era um Tiger, certo?

- Sim. Deformado feito os bolos que já tentei assar, mas era um Tiger sim. – Carya respondeu.

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- Eu não tinha muito contato com outros Tiger na minha juventude. Minha mãe não me deixava sair muito. Muito do que eu sabia sobre alguns locais no reino vinham das imagens telepáticas que meu pai me enviava pra me consolar quando eu ficava acorrentada e sem comer nas masmorras. – Hunna disse com uma onda de tristeza com as lembranças.

– Houve uma vez que um Tiger jovem e muito rico tentou me comprar da minha mãe. Não lembro o nome dele, na verdade nem sei se ouvi o nome. Mas minha mãe não quis porque, de acordo com ela eu não valia tão pouco e ela já tinha planos para mim.

- Poderia ser ele. – Teira disse, apertando a mão da amiga por cima da mesa.

- Talvez. Mas ele teria que ter passado por muita coisa ruim para ficar tão deformado.

Lembro que ele era bem bonito. – Hunna comentou.

- Vamos investigar isso a fundo. Qualquer um que a odeie da forma como ele parece odiar, não vai parar só na tentativa de contato. – Lordok respondeu.

- Ao que parece, não temos informações sobre a origem daquela luz misteriosa, então.

– Rádara disse em tom de crítica. Teira olhou feio para a filha, mas ela nem se dignou à olhar para a mãe.

- Não. – Rodan respondeu.

- Na verdade, temos. – Carya respondeu olhando para Rádara, o desafio estampando em seus olhos. Todos na mesa, exceto Rodan, pareciam confusos com o clima pesado entre o trio. – Sabemos que, seja o que for, não é nada fabricado pelos Tiger e nem por nós. O

que só nos deixa duas opções: ou foi criado por alguém num passado longínquo e agora foi reencontrado por nossos inimigos, ou foi criado por algum grupo felino menor, algum tipo de gangue, por exemplo. Claro que Vossa Alteza já tinha pensado nisso e deseja que nós continuemos a investigar. Não é mesmo?

- Claro. – Rádara respondeu irritada.

Carya estava tentada à contar para Lordok e Teira sobre o comportamento preconceituoso e tirano de Rádara, mas ela não faria isso. O famoso trio terror formado por ela, Rádara e Seth que aprontava em todo reino na infância e juventudo, tinha desenvolvido neles o senso de união. Eles nunca delatavam um ao outro. Pelo contrário.

Um sempre defendia e protegia o outro, mesmo que precisassem assumir a culpa para isso.

Embora Carya não tivesse mais tanta certeza se queria continuar defendendo Rád, ela não delataria a amiga, a menos que fosse necessário, que o comportamento tirano dela aumentasse e se tornasse realmente um problema para o reino. Lordok e Teira se entreolharam e, captando a ideia do marido, a rainha mudou o rumo do assunto pra aliviar o clima. Quando o jantar terminasse, ela conversaria com Rádara.

O jantar terminou sem problemas, apesar do humor de Rádara e de Carya evitar olhar pra ela. Seth tentou aproximar as duas envolvendo elas em conversas, mas nada dera certo.

Quando o jantar terminou, todos resolveram tomar um chá na outra sala onde haviam

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sofás e uma lareira e sempre se reuniam para conversar. Rodan pegou a mão de Carya sutilmente e olhou para os pais dela que conversavam a alguns metros. Carya acenou com a cabeça, ele saiu e foi conversar com Hunna e Fagrir. Rádara observou tudo isso disfarçadamente e com raiva, especialmente quando a ideia lhe atingiu feito um raio.

Rodan ia falar com os pais de Carya sobre sua relação. Sem pensar duas vezes, ela se aproximou de Carya e discretamente a puxou pelo braço para uma sala menor que funcionava como sala de costura de Teira.

- O que é? – Carya perguntou de mal humor, torcendo para a amiga dizer que se arrependia e que não ia mais agir como tirana e preconceituosa, que reconhecia a gravidade de seus erros.

- O que é? Você ainda pergunta? Você não queria ter nada sério comigo, mas vai se comprometer com aquele velho babão?! – Rádara disse entredentes, mas queria mesmo era gritar, arrancar a cabeça de Rodan e pendurar numa estaca na praça principal.

Carya olhou para a amiga primeiro com surpresa, depois com raiva. Ela sabia que precisava se controlar. Uma faísca naquele quarto cheio de tecidos, novelos de linhas diversas e livros com desenhos de roupas, e seria um incêndio feio. Ela respirou duas vezes bem fundo, sabendo que Seth e provavelmente o próprio Lordok podiam sentir o toque de magia no ar. – Você também não queria nada sério, caso não se lembre.

- Eu menti! E daí? Se eu tivesse dito a verdade você não teria ficado comigo!

- Não, porque, ao contrário de você, eu não iludo ninguém sobre o que estou ou não disposta a dar.

- Mas com ele você quer ne! Foi por isso que terminou comigo, pra ficar com esse idiota!

Carya não queria nada sério com Rodan e estava prestes a dizer isso, mas...

- Você não vai ser a namorada daquele velhote! Como sua futura rainha, eu sou superior à você e à ele e eu não vou permitir que vocês tenham um relacionamento sério.

Eu proíbo! – Rádara disse em meio à magoa e ao desespero por perder quem amava.

Carya a olhou de cima a baixo com um olhar perigoso, um olhar que fez a princesa leonina se lembrar do olhar de Tigrésius nas poucas vezes que ela o vira no campo de batalha. A fúria contida com dificuldade, a expressão decidida... Nesse momento ela percebeu o erro que cometera. Carya se virou, sem mais nenhuma palavra, andou com aquele passo firme e sedutor, parou ao lado de Rodan que ainda conversava com seus pais sobre assuntos aleatórios à procura do melhor momento para falar o que queria. Sem avisou, Carya entrelaçou seu braço no dele. Ele a olhou confuso.

- Mãe, pai, faz um tempo que queremos te dizer uma coisa. – Ela começou.

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Seth, perspicaz como sempre, viu Rádara trêmula na porta, olhando para Carya e Rodan como se fosse arrancar a cabeça do comandante. Ele se aproximou dela, colocou uma mão em seu ombro e sussurrou: - Calma, Rád.

Todos tinham se voltado para Carya e Rodan. Rodan começou a dizer o quanto respeitava Carya, a admirava e amava.

- Faz algum tempo que estamos tentando uma relação, conversando sobre isso... –

Rodan estava prestes à dizer que eles eram amantes, mas nada mais do que isso, por opção dela.

- ... E decidimos que é hora de assumirmos uma relação mais séria. Rodan e eu decidimos namorar firme. – Carya completou e Rodan quase não conseguiu controlar seu olhar de surpresa.

- I...Isso. – Ele disse.

Lordok se virou instintivamente para Rádara, mas ela já tinha saído com Seth em seu encalço. – Fico feliz por vocês. – Ele disse abraçando os dois. Era verdade. Ele ficava mesmo.

Rodan sempre fora tão solitário e Carya parecia fazer bem à ele e o amar. Se não fosse pelo sofrimento de Rádara...

Hunna quase explodiu de alegria. Finalmente a filha iria tomar jeito na vida.

- É melhor você não brincar com minha filha, Rodan. Eu vou ficar de olho em você. Ai de você se você fizer qualquer coisa para magoar minha filhinha. E não pense que por você ser meu amigo vou pegar leve não. – Fagrir disse sério.

- Eu morreria antes de magoar minha amada, Fagrir. – Rodan respondeu num tom que mais parecia um juramento.

- Acho bom mesmo.

- Pai! – Carya disse.

- O que? Não estou brincando, Carya. – Fagrir respondeu. – Ai dele se...

- Querido, é o Rodan. Tenho certeza que ele ama nossa bebê e vai cuidar dela muito bem. – Hunna disse, já pensando em festa de casamento, nos netos, as roupinhas de bebê...

- Eu fico contente pelos dois. Carya, Rodan é um grande felino, espero que vocês se amem e que esse namoro se torne algo mais sério ainda. – Teira disse, abraçando Carya.

Caramba! Nem bem comecei a namorar e já querem mais compromisso? Carya pensou.

- Ele planejou tudo, Seth! – Rádara disse, sentada no mirante com Seth ao seu lado, acariciando suas costas.

- Rád... Isso nem faz sentido. É só sua raiva falando e a raiva é uma péssima conselheira. – Seth disse, morrendo de pena da amiga.

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- Não, Seth! Eu sei que ele planejou. Ele sabia que ela ia acabar assumindo algo comigo e ele planejou tudo pra gente não dar certo. Eu vou matá-lo, Seth! Pode não ser hoje, pode não ser logo, mas um dia eu vou matá-lo. Juro que vou!

Seth não levou à sério. Ela só estava com raiva, mas Rád tinha um bom coração, ele sabia que ela nunca mataria alguém por pura vingança.

~o~

Dias mais tarde, Eltar voltou de uma batalha com uma gangue de leoninos que roubavam a residência de uma família nobre em território Tiger. Ele chegou de madrugada, entregou as cabeças de todos os membros da gangue em um saco de náilon para o pai, passou o relatório de tudo que acontecera e foi até os aposentos do mago. Era tarde, mas Eltar tinha que dar a boa notícia, a tão aguardada mensagem que ele finalmente recebera.

- Levi, querido. – Eltar usou sua voz mais doce e apaixonada, embora sentisse nojo e raiva pelo mago a cada nanosegundo.

- Entre, meu rapaz. – Leviatã respondeu. Sua intuição o acordara assim que Eltar passou pelos portões do castelo. Era quase como se ele pudesse sentir a excitação do jovem príncipe apenas pela união que sentia com o rapaz desde que ele era um garotinho.

Eltar se surpreendera por ver o mago de pé, com um roupão luxuoso, pêlos molhados do banho recém-tomado, a fragrância de sândalo em contraste com o cheiro de terra e sangue nas vestes do príncipe. Não era comum o mago estar acordado a essa hora. – Não conseguiu dormir? – Eltar perguntou trancando a porta.

- Acordei a alguns minutos. O que aconteceu? – O mago perguntou.

- O leonino bajulador do rei canibal mandou uma mensagem codificada. Ele e a tigresa querem nos encontrar na base da Montanha do Sol o quanto antes. – Eltar disse com um sorriso.

- Território leonino... Inteligente... – Leviatã comentou sorrindo. – Tire a roupa.

Eltar conhecia o tom de ordem e não queria confrontar o mago, não quando ele ainda servia como um grande aliado. Ele tirou as roupas, jogou num canto e se deixou levar pela mão para o outro cômodo. A grande banheira dourada estava cheia de água perfumada, velas acessas ao redor e um frasco de poção de relaxamento estava vazio na borda.

- Preparei um presentinho de boas vindas para meu menino obediente. – Leviatã sussurrou no ouvido de jovem, o abraçando por trás, com as garras lentamente formando linhas sangrentas no peito peludo de Eltar.

- Vo..Você é tão perfeito... – Eltar disse aguentando a dor no peito. Um sorriso fofo se espalhou pelo se rosto quando ele se virou para beijar o mago, tirando o roupão e o entrando na banheira com ele. – Vamos comemorar nossa pequena vitória, meu amor. –

Ele disse, sentando entre as pernas esticadas de Leviatã dentro da água, e pensou entre as

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carícias e as mordidas do mago em seu pescoço: Espero que morra afogado, velho filho de uma rameira comida por mil serpentes!

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Temos que conversar

- Querida, você não pode usar esse tipo de roupa tão colada e nem andar com a calda tão levantada. Você é uma moça comprometida agora...

- Mãe, não começa. Eu uso o que eu quiser e ando como quiser. O corpo é meu, não do Rodan. – Carya tinha essa discussão com a mãe quase todas as manhãs desde que assumira o namoro com Rodan. O namoro em si não estava sendo ruim. Na verdade era surpreendentemente bom. Eles tinham algumas brigas bobas aqui e ali, mas em geral era muito bom estar com ele, andar de braços dados com ele exibindo o namorado forte e bonito que ela tinha... E tinham as reconcialiações... Ah, as reconciliações. Às vezes Carya brigavam com Rodan por um motivo bobo, sem nem estar brava mesmo, só pra aproveitar os mimos e o sexo de reconciliação que sempre tinham. Rodan já tinha percebido isso, embora não tivesse contado pra ela porque ele adorava esse jogo entre os dois. Mas o que ela mais gostava era o apoio que ele demonstravam em ações. Seth continuava ajudando ela a treinar e fortalecer sua magia, já Rodan ampliou a intensidade dos treinos físicos pra dar mais resistência e força física para a batalha que ela travaria um dia.

- Ai que bonitinho! – Hunna disse, tirando Carya de seus pensamentos, abraçando e beijando o rosto da filha. – Minha bebê está apaixonadinha e sonhando acordada! Fagrir!

Amor! Vem ver isso!

- Mãe! – Carya tentou em vão se soltar.

- O que foi, docinho? – Fagrir apareceu na porta da cozinha com vários papéis na mão e uma caneta de pena presa no cinto.

- Nada, pai.

- Minha bebezinha está sonhando acordada com o amorzinho dela. Não é bonitinho?

- Pai, me ajuda. – Carya olhou com as pupilas grandes implorando por socorro, ainda presa entre os beijinhos da mãe.

- Amor, deixa nossa filha respirar. – Ele piscou pra Carya e disse se contorcendo procurando alguma coisa.

- Ah, querido... Mas ela tava tão lindinha. Você tinha que ver.

- Carya, vamos. – Seth apareceu na porta.

- Seth, eu te amo. Você acaba de salvar a minha vida. – Carya disse quando Hunna finalmente a soltou.

- Vão, meus nenêns. Vão lá brincar. – Hunna disse.

- Mãe, não brincamos. Não somos mais crianças ne. – Carya disse já saindo. – Vamos, Seth!

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- Alguém viu minha caneta? – Fagrir perguntou, ainda se contorcendo e chacoalhando seus papeis. Seth sorriu, pegou a caneta do cinto do pai, entregou pra ele e se virou pra sair.

- Ei, garotinho da mamãe. Não esqueceu de nada?

Seth voltou quase correndo e deu um beijo no rosto da mãe. – Te amo, mamãe.

- Também te amo, meu bebê. Cuida da sua irmã viu. – Hunna disse e Seth correu pra acompanhar a irmã que já gritava de fora da casa.

- Amor. Você sabe que eles não são mais bebês, ne? – Fagrir perguntou puxando Hunna num abraço carinhoso.

- Pra mim eles são meus bebês eternamente.

Seth e Carya corriam, brincando meio tentando derrubar um ao outro no caminho, quando ambos pararam com pêlos eriçados, ouvindo um som leve de folhas farfalhando.

Segundos depois um vulto desceu de uma das árvores.

- Buh!

- Devon! – Seth gritou feliz por rever o colega.

- Oi Devon. Você nos assustou. – Carya disse, meio insegura ainda. – Não sabia que você tinha voltado.

- Isso é porque não contei pra ninguém ainda. Acabei de chegar e queria falar com vocês dois antes de contar pro rei o que descobri.

Os irmãos não se olharam, mas sabiam o que estava na mente um do outro.

- Pode falar. – Carya disse usando seu tom mais desinteressado possível.

- Olha, se é sobre minha irmã e seu pai... – Seth disse, tentando desviar a conversa do provável assunto diferente.

- Quieto, Seth! – Carya disse.

Devon colocou as mãos atrás das costas e começou a andar ao redor dos irmãos com um olhar astuto. – Eu estava me perguntando o que vocês dois tanto faziam escondido de todos. Claro, vocês são irmãos e poderiam só estar se divertindo juntos, mas, com a fama que vocês tem, isso com certeza incluiria a princesa Rádara. Mas não. Vocês estavam sozinhos sempre. Então tentei seguí-los algumas vezes. Não levem para o lado pessoal.

Sabem como é. Curiosidade de espião. – Devon disse com um sorriso de canto. – Mas, toda vez, vocês conseguiam se esquivar e eu os perdia de vista. Então fui viajar à trabalho e, vejam só como é a vida. Acabei encontrando um espião da velha guarda, um velhote aposentado. E imaginem minha surpresa quando o velho infartou, bateu as botas e dentro de uma bota estava uma mensagem criptografada do meu pai pro príncipe Tiger.

Carya e Seth se olharam e perceberam onde isso ia dar.

- Ah, mas claro que meu pai, desconfiado como é, tinha enviado instruções para que apenas um espião de elite soubesse o que fazer com aquela mensagem. Devo dizer que se

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eu não tivesse estudado técnicas ultrapassadas de espionagem na escola, apenas por prazer, eu nunca teria entendido a tática. – Devon continuou. – Traduzir a mensagem então... Uau! Levou dias! Mas pensem como foi surpreendente ver que meu pai estava marcando um encontro com o príncipe e o mago inimigos e com vocês dois. Eu entreguei a mensagem, não se preocupem. Mas eu pensei: “Poxa, Devon, Rodan não é traidor. Ele é mais leal ao rei Lordok do que o próprio rei Lordok se brincar...” E quando à Carya....Bem, não preciso nem dizer nada, não é? Então ele só podia estar protegendo vocês de algo. Eu atrasei meu retorno o máximo que pude pra descobrir o que era. Mas aí eu fiquei mais confuso porque o príncipe Eltar parecia muito interessado na irmãzinha, mas o mais chocante é que o mago também. E então, depois de muito pesquisar, espionar e coisas do tipo, imaginem minha surpresa quando percebi o motivo de tanto interesse. Carya é a próxima guardiã das chamas de Éris. Vejam só! Eu descobri o segredinho de vocês.

- E o que você quer? Uma estátua em sua homenagem? – Carya debochou na defensiva.

- Devon você contou pra alguém? – Seth perguntou preocupado.

- Ainda não. Mas vou. E acho que vocês sabem pra quem.

- Tio Lordok. – Seth disse.

- A única coisa que não entendo é porque vocês não contaram isso ao rei. E pensem bem na justificativa que vão me dar porque estou começando a achar que vocês estão querendo usar esse poder contra os leoninos. – Devon disse, agora tão sério que nem parecia o mesmo felino negro sorridente de sempre.

- Você é louco ou o que? Eu crescí aqui! Sou mais leonina do que Tiger! – Carya disse já irritada.

- Carya, você tem que admitir que, olhando de fora, é meio suspeito mesmo. – Seth disse.

- Olha aqui, espiãozinho chato do caramba, nós não contamos pra ninguém justamente pra evitar que tentassem me usar contra o reino leonino. Pra me dar tempo de aprender a dominar e fortalecer mais esse poder pra ter chances de derrubar Tigrésius do poder, como é meu trabalho! Eu nunca faria nada contra nosso padrinho que salvou a vida do meu irmão e nos deu um lar aqui! – O ar ao redor de Carya começou a ondular e esquentar.

- Carya, respire. AGORA! – Seth disse no tom que usava quando fazia qualquer magia.

- Eu sei me controlar, Seth. Não sou idiota. – Carya disse e, como se desligasse, o calor e a ondulação no ar sumiram. – Viu?

- Eu não tenho razões lógicas pra duvidar de vocês. Principalmente porque sei que meu pai já sabe e ele não apoiaria isso se tivesse a mais remota chance de afetar negativamente nosso rei. Mas espero que entendam que, como espião do rei, tenho a

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obrigação de passar toda informação que coleto e que possa ter algum interesse pra ele. –

Devon disse.

- Sim, mas... – Seth tentou evitar a revelação.

- Concordo.

- O que? – Seth ficou confuso. Carya era quem mais queria manter isso em segredo.

- Seth, a ideia era me fortalecer antes de contar justamente pra não me usarem contra o tio Lordok. Mas dois de nossos maiores inimigos já sabem, aquele tal de Lino provavelmente, Rodan também e agora Devon... Não é mais um segredo se mais de duas pessoas sabem, irmão. Está na hora de revelar pro tio e talvez pros nossos pais também.

Quem sabe eles não possam nos ajudar a evoluir mais essa coisa das chamas?

- Ela está certa, Seth. Nosso rei e seu pai são felinos sábios com muito conhecimento sobre muitas coisas. Eles podem conhecer técnicas antigas que ajudem Carya a cumprir sua missão. – Devon disse.

- Devon eu só peço que você nos dê alguns dias. Como você sabe, já que bisbilhotou a mensagem secreta, temos um encontro com Eltar e aquele mago pedófilo em alguns dias.

Precisamos de todo sigilo pra isso. Você sabe que o tio Lordok iria nos enviar com um exército pra nos proteger nesse encontro. Isso se ele nos deixasse ir. Esse encontro pode nos dar a maior arma pra lutar contra aquele rei Tiger tirano. – Carya disse.

- Não sei, Carya. Vão lá treinar. Vou conversar com meu pai e depois com o rei. Pro bem de vocês, é melhor que os dois estejam na sala do trono quando eu estiver lá dando meu relatório. – Devon disse e saiu silenciosamente.

- Ele vai contar só pra se vingar por você não ter ficado com ele e sim com o pai dele? –

Seth perguntou.

- Não sei, irmãozinho. Sinceramente, não sei.

~o~

Antes que Devon entrasse na casa de Rodan, o leonino mais velho já o tinha visto no topo de uma árvore distantes, se movimentando furtivamente.

- Oi garoto. – Rodan disse de costas, regando algumas plantas que mantinha na varanda.

- Oi velho. – Devon disse de pé a alguns passos.

- Temos que conversar.

- É estranho ouvir o idiota mais silencioso das Montanhas Amarelas dizer isso. – Devon disse sério. Rodan se virou com aquela sua habitual carranca e os dois se encararam como se pudessem se matar a qualquer segundo. – Ah, velhote! Vem cá!

Devon deu um abraço de urso em Rodan que, se o mais velho não fosse tão forte, teria caído no chão. Rodan retribuiu o abraço, meio sem jeito, e afastou-se.

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- Então... Sobre o que aconteceu...

- Esquece isso, velho. Você é meu melhor amigo sob os anéis Anuin e não vou perder isso por causa de uma felina, por mais linda e sexy que ela seja. – Devon disse, evitanto chamar ele de pai com muito custo.

- Hmmm. – Rodan disse com toda a sua “eloquência”.

– Eu não nego que fiquei ferido no meu orgulho de galã bonitão, mas passou. Eu realmente achava que ela seria minha esposa porque ela tem aquele jeito birrento que eu adoro, mas, a bem da verdade é que ela nunca me deu chances mesmo. Eu que sonhei demais.

- Garoto, eu lamento. Mas você é um rapaz mais ou menos interessante, vai encontrar alguém. – Rodan disse dando um empurrão de leve no jovem felino. – Eu sei que você sempre quis casar e ter família, mas não precisa ter pressa.

- Você não pode falar nada. Sempre quis isso também, mas é um felino chato pra caramba. Ninguém te aturava. – Devon riu e os dois entraram na casa, indo para cozinha.

- Onde estão suas coisas? – Rodan perguntou enquanto pegava os itens pra fazer comida pros dois.

– Deixei numa casinha que comprei a um tempo. – Devon disse, sentando na cadeira com os pés em cima da mesa. Rodan olhou feio e ele se sentou corretamente. – Desculpa, velhote, mas não vou ficar na sua casa. Não é nada contra você ou sua namorada. Eu só preciso de tempo pra me desacostumar a pensar nela desse jeito, sabe.

- Entendo. – Rodan disse calmo, mas, por dentro ele estava um pouco chateado. Ele entendia, mas também gostava de ter Devon em casa, como uma família.

- Mas, você tem razão. Precisamos conversar. – Devon ficou sério, assumiu a mesma expressão que usava quando estava trabalhando: impessoal e prático. Ele contou tudo o que fizera desde que começara a seguir o velho espião disfarçado de mascate, até a descoberta do poder de Carya e sua conversa com ela e o irmão mais cedo. Rodan ouviu a tudo de braços cruzados sobre o peito e com aquela carranca de sempre, sem nenhuma alteração que indicasse uma emoção diferente.

- Carya tem razão e você sabe disso. – Rodan disse.

- Eu tenho obrigação de contar. Você não é mais um espião, mas já foi e conhece a lei.

- Não estou dizendo para não contar, Devon. Estou pedindo por um tempo. Você também sabe que não se deve dar relatórios pela metade. Se não nos der tempo para ir ver o que o garoto e o mago querem realmente, não teremos a informação completa.

- Rodan, Carya disse que há uma chance de transformar esse encontro numa arma poderosa a nosso favor. Isso é verdade?

- Sim.

- O encontro será...

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- Daqui a dois dias.

Devon se levantou, parou na frente de Rodan e disse: - Três dias, Rodan. Nenhum a mais. Se, em três dias, vocês não contarem ao nosso rei sobre isso, eu mesmo contarei.

- Três dias então. – Rodan disse, agradecendo com um aceno de cabeça. – Agora sente-se pra comer. Já que você não vai mais ficar aqui, pelo menos coma algo pra não morrer de fome ou comendo bobagens na sua casa.

- Mas eu venho comer todo dia de manhã aqui. – Devon disse com um sorriso arteiro.

- Não vem não! Não vou levantar cedo pra cozinhar pra marmanjo. – Rodan disse. Mas sabia que Devon iria e ele se sentiu grato por isso.

~o~

- Ela não virá. – Eltar disse, parado meio oculto atrás de uma pequena elevação rochosa.

- Paciência, meu garoto. – Leviatã disse ao lado dele.

Faltava cerca de meia hora para o sol se erguer no horizonte, perto dos anéis Anuin.

Logo o sol nasceria e seguiria os anéis no céu no dia do Solstício de Verão. O tempo nessa época era quente, mesmo àquela hora na grande cordilheira de montanhas que se extendiam por metade do planeta, as chamadas Montanhas Amarelas. Três guardas da confiança de Leviatã estavam estrategicamente posicionados atrás de algumas árvores próximas. Árvores farfalharam tão suavemente que parecia ser apenas a brisa crepuscular.

Três vultos desceram das árvores num pulo, a alguns metros à frente de onde Eltar estava.

Os guardas e o príncipe sacaram suas armas no susto. Os três felinos à frente se mantinham em alerta, mas sem sacar suas armas, as mãos afastadas do corpo pra demonstras que não pretendiam atacar.

- Abaixem as armas. – Leviatã gritou. Assim como um dos felinos recém-chegados, ele mantinha seu cajado mágico num suporte preso às costas, atravessado na diagonal.

Eltar e os outros obedeceram. As três figuras deram alguns passos cautelosos à frente para ficarem mais visíveis. Eltar confirmou a suspeita quando reconheceu os três felinos: Carya no centro, Seth à direita e Rodan à sua esquerda. Ele e Leviatã saíram cautelosamente de trás das pedras, deram alguns passos e pararam a cerca de 3 metros do outro grupo, a distância correta para conversarem sem que pudessem ser ouvidos por seus guardas, a menos que falassem alto. O grupo de Carya sabia que os guardas estavam escondidos ali. Era esperado isso. Tigers não costumavam agir sem um plano B, mas os leoninos se garantiam em lutas em que eram a minoria, mas um grupo unido.

- Fico feliz que tenham vindo. – Leviatã disse, piscando pra Seth.

Carya precisou se conter pra não pular na garganta do mago mais velho, só de imaginar que ele pudesse olhar pro irmão daquele jeito nojento que ele olhava pra Eltar.

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- Não vamos perder tempo. – Carya disse. – Digam logo quais as suas condições para essa aliança, se é que ela é real mesmo.

- Certo, garotinha apressada. Vamos conversar. – Leviatã disse, agora completamente sério e sinistro.

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Verdades malditas

- A resposta é não. – Carya disse sem rodeios depois que Eltar repetiu a proposta que Leviatã havia feito por alto para Seth.

- Acho que você não entendeu. – Eltar disse.

- Ah, eu entendi muito bem. Vocês querem a minha ajuda pra destronar e matar seu pai tirano, sem que ninguém saiba que fui eu, pra que você assuma o posto dele. – Carya disse. – Se eu não topar o que vocês vão fazer? Contar pra ele que eu sou a nova guardiã do poder Tiger? Vão em frente. Contem. Não vou trair meus princípios por causa disso.

- Nosso pai, Carya. Você também tem o sangue desse tirano. – Eltar corrigiu com um sorriso sarcástico.

- Você realmente não entendeu, menina. – Leviatã disse. – Acha mesmo que existe a opção de rejeitar nossa proposta?

Carya olhou desafiadoramente, Rodan permaneceu com sua carranca habitual, mas Seth tinha um olhar assustado, desconfiado.

- Do que está falando? – Seth perguntou o mais calmo possível, sua voz em nada denunciando o medo e desconfiança em seus olhos.

- Ele está só tentando nos assustar, Seth. – Carya disse.

- Estou? Estranho porque achei que seu amante alí seria mais perspicaz com o veneno em seu corpo. – Leviatã disse, sorrindo com olhos de predador.

- Não existe veneno em meu sangue, apesar do espião do seu amiguinho ter tentado.

– Rodan disse. – Vocês não são os únicos com antídoto para pó de amatoxina.

- Possivelmente, mas não era amatoxina naquele pó. Não sozinha, pelo menos. – O

sorriso de Leviatã se tornou mais cruel. – É interessante o que se pode fazer com alguns venenos misturados e um pouco de magia de maldição.

Carya mal conseguiu disfarçar o pânico em seu rosto. – De que diabos você está falando, seu mago desgraçado, filho de um bode com uma demônia!?

- Comandante, você por acaso não percebeu que suas alucinações ainda estão acontecendo? – Leviatã perguntou.

- Rodan? – Seth chamou.

- Sim. Muito leves, apenas alguns vultos ou pequenas imagens intrínsecas na imagem real. – Rodan disse. – Pensei que era efeito do veneno ainda.

- Você já foi envenenado por amotoxina antes e sabe que não existem esses resquícios após a cura. – Leviatã disse. – É interessante como os plebeus adoram se iludir...

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- SEU... SEU... – Carya mal conseguia falar em meio à raiva e ao medo, suas mãos estavam fechadas em punhos ao lado de seu corpo, aquele ar oscilante e quente começando a surgir ao seu redor.

- Não precisa ficar nervosa, irmãzinha. Nós não queremos machucar seu amante. Na verdade, eu nem tenho nada contra ele. – Eltar disse zombando. Era óbvio que ele e Rodan se odiavam, afinal já tinham se enfrentado em batalha antes! – Eu até vou pedir pro meu amigo aqui salvar ele. Quer ver só? Leviatã, meu querido amigo, por favor, salva esse leonino velhinho. Não seja assim tão mal.

Carya deu um passo à frente, com dentes e garras à mostra, pronta pra estraçalhar Eltar e arrancar aquele tom zombeteiro dele na unha. Rodan e Seth seguraram ela com dificuldade, cada um por um braço.

- Ah, Eltar, eu até queria, meu garoto... – Leviatã entrou na zombaria, ignorando a fúria de Carya como se não fosse nada. - ...mas, você sabe como é ne... produzir o antídoto pra essa mistura não é barato. Mas eu estou de bom humor hoje, acordei me sentindo generoso, então vou dar dois presentinhos pra esse trio de felinos tão adorável. Vou dar duas informações úteis.

- Desembuche, mago. – Rodan disse quase cuspindo a última palavra como se fosse um inseto nojento em sua boca.

- Primeiro de tudo, acho que será interessante ver nosso bom amigo Seth tentar descobrir um antídoto, então vou lhe dizer os dois venenos que formavam aquele pó, mas não o feitiço de maldição. Os venenos são amatoxina, óbvio, e mercúrio. – Leviatã disse visivelmente divertindo-se com aquele jogo. – Segundo, Rodan tem seis meses antes que o veneno comece a transformar seu cérebro em uma gosma nojenta e ele vire um retardado, incapaz de fazer até o mais simples movimento sozinho. Depois, claro, a morte.

- SEU MONSTRO DESGRAÇADO! EU VOU ARRANCAR O ANTÍDOTO DE VOCÊ! – Carya se soltou de Rodan e Seth, pulou em cima de Leviatã, com chamas brilhando em seus olhos. –

NEM QUE EU TENHA QUE ARRANCAR SUA CARA EM MORDIDAS!

Leviatã criou um escudo protegendo ele e Eltar e fez um sinal para que os guardas não se mexessem. – Acha mesmo que eu traria ele comigo, criança?

- VOU MATAR VOCÊ, SEU PEDÓFILO DO INFERNO!

- Faça isso e seu namoradinho nunca mais terá uma chance de se salvar. – Leviatã disse com aquele sorriso que Carya estava odiando, e esperou ela se acalmar pra abaixar o escudo.

- Vamos, Carya. Não é um mau negócio. Você cumpre sua missão divina, não precisa subir ao trono que Likastía inteira sabe que você nunca quis, salva seu leonino esquisito e livra o mundo de um tirano. Vê? Todo mundo sai ganhando. – Eltar disse.

- Como vou ter certeza de que essa desgraça de antídoto funciona?

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- Não vai, Carya. Ou acredita em nós e tenta salvar seu queridinho ai ou deixa ele morrer. Basta matar o rei com seu foguinho aí e, no mesmo instante, te entrego o antídoto pra liberar seu namoradinho da maldição. – Eltar respondeu.

- Carya, não aceite. – Rodan disse.

- Aceito. – Carya respondeu entredentes.

- Porra! Porque ela nunca me escuta? – Rodan murmurou.

- Porque ela é a Carya. – Seth respondeu baixinho.

- Mas, escutem bem seus merdas, se Rodan não for salvo, se vocês armarem pra gente, se derem qualquer vacilo e quebrarem a porra desse acordo, eu garanto que Tigrésius vai parecer uma mocinha santa e indefesa comparado comigo e o que vou fazer com vocês!

- Eu não duvido. – Leviatã disse. – Você se parece mais com seu pai do que pensa, menininha nervosa.

~o~

- O que aconteceu aqui? – Rodan perguntou assim que chegaram perto da cidade de Jubay. Tudo estava um alvoroço. Pessoas choravam, sussurravam consolando umas às outras, guardas estavam armados e alertas muito mais do que o habitual, comércios estavam fechados, janelas e portas das residências também, poucas pessoas transitavam nas ruas e as que o faziam estavam assustadas e tristes.

- Guarda! – Seth chamou. – Boa noite, senhorita cadete. Poderia me dizer o que está acontecendo.

A cadete, reconhecendo Rodan e Carya, endireitou a postura e falou como se respondesse à um general. – Senhor Mago, Comandante, Tenente. Houve dois ataques simultâneos. Um na base da montanha e outro acima, na praça. Tudo que sei é o que ataque na base foi uma distração.

- O que aconteceu com o ataque na praça? – Rodan perguntou.

- Foi caótico, senhor. Não sabemos muito ainda, apenas que levaram alguém cativo.

Uma das felinas da família real.

Os três nem esperaram a cadete terminar, correram todo o caminho até o palácio de Lordok. Quanto mais perto do palácio chegavam, mais o lugar parecia fúnebre. Ao entrar no palácio, Rodan e Carya nem se lembraram da reverência, ou mesmo de cumprimentar alguém dentre os militares e magos ao redor da mesa onde haviam vários mapas.

- Quem? – Rodan perguntou se aproximando às pressas de Lordok.

- Rádara. – Lordok disse abatido. Seus olhos estavam vermelhos e fundos. Ele acrescentou, com a voz quase sumindo, para Seth: – Teira está muito mal, foi atingida no peito.

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- Onde ela está? – Seth perguntou.

- No quarto. Eu... Eu senti a vida dela... Seth... Está muito fraca. – Lordok disse e, silenciosamente, todos os militares e magos saíram, deixando só os amigos ali pra consolar Lordok que mal estava conseguindo se controlar.

- Meus filhos! – Hunna finalmente conseguiu abraçar os filhos, Fagrir vindo logo atrás.

- Pensamos que eles tinham levado vocês. – Fagrir disse quase soluçando.

- Eu não sei se suportaria perder vocês também, crianças. – Lordok se aproximou, pegando os dois pelas mãos.

- Estamos bem, senhor. Eu vou ver a rainha agora. Não perca a fé. – Seth disse e literalmente correu para tentar fazer algo por Teira.

- Onde vocês estavam? – Hunna perguntou enxugando as lágrimas de alívio.

- É. Onde vocês estavam? – Devon, de pé na porta, perguntou com um olhar que dizia muito mais do que se ele tivesse gritado.

- É melhor todos se sentarem. – Carya disse, usando o tom profissional de um militar.

Lordok olhou pra expressão séria de Rodan, deu um suspiro cansado imaginando que catástrofe aconteceria ainda naquela noite, se sentou em sua cadeira habitual. Hunna e Fagrir, de mãos dadas, se sentaram ao lado do rei. Devon ficou de pé encostado em uma pilastra perto da porta a trancando. Rodan olhou pra ela e acenou com a cabeça em agradecimento, olhou pra Carya e sinalizou pra que ela começasse, ambos de pé ao lado um do outro, em frente ao trio de amigos.

- Vocês conhecessem, mas é bom lembrar. – Carya começou. – Todos conhecem a lei que rege as chamas de Éris, o poder máximo de Likastía, dado ao rei Tiger através de um amuleto, o anel real. – Hunna acenou com a cabeça afirmativamente, Lordok e Fagrir só franziram o cenho tentando entender onde essa conversa ia dar. - Em casos raros, como punição divina de Kallisti a um rei que usou o poder indignamente, outro felino pode ser escolhido pela deusa e desenvolver esse poder sem o uso do anel do rei, e, assim se tornar o novo guardião das chamas. Nesse caso o indivíduo em questão fica em pé de igualdade para lutar contra o rei indigno e tem a obrigação de lutar contra ele, vencer e assumir o trono para governar e concertar as merdas que o rei anterior fez.

- Seria tão bom se a deusa Kallisti nomeasse alguém... Mas, até onde sei, não há registros confiáveis de que isso já aconteceu alguma vez na história. Isso é só um mito. –

Hunna disse tristemente.

Carya fechou os olhos, pensou no ódio que sentira horas antes quando Leviatã sorriu e soltou aquela verdadeira bomba sobre a maldição em Rodan. Ela sentiu o calor em seu estômago aumentar e usou a técnica que aprendera com seu irmão para direcionar o fogo à um único ponto de seu corpo. Seus olhos por trás das pálpebras se aqueceram e quando

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ela abriu os olhos, aquela visão avermelhada que lhe permitia enxergar o calor nos corpos à sua frente era o indicativo de que seus olhos agora eram duas chamas furiosas.

Hunna, Lordok e Fagrir se levantaram como um só de seus assentos. Olhos e bocas arregalados, incapazes de pronunciar uma única palavra. Carya respirou fundo, focou em suas memórias mais tranquilas com seu irmão, sua amiga, Rodan, seus pais e com seus padrinhos Lordok e Teira. As chamas lentamente retrocederam em seus olhos e sumiram.

- Poderosa Kallisti, menina! Você é a guardiã das chamas de Éris! – Lordok exclamou, uma gota de esperança surgindo.

- Minha...minha... Nossa... Amor, nossa bebezinha! – Hunna não sabia se sentia orgulho, medo, preocupação... Ela não queria nem mesmo que Carya fosse militar porque era perigoso. Agora então...? – Deuses... Você terá que lutar contra aquele monstro.

- Carya, querida, quando isso aconteceu? Você não é muito auto-controlada para ter tanto controle assim sobre tamanho poder em pouco tempo. – Fagrir disse.

- Já faz um tempinho, pai.

- Desde o ferimento em Lhágua. Durante aqueles sonhos. – Rodan complementou.

- Querida, eu amo você como se fosse minha filha, mas, infelizmente, não posso pedir que você se esconda ou não lute contra o rei Tiger. – Lordok olhou como se pedisse desculpas à Hunna. – Você é a guardiã escolhida por Kallisti e não podemos ir contra nossa maior divindade, não teríamos chance de qualquer forma. Além do mais...

- Eu não poderia ficar quieta vendo as atrocidades que aquele ser imundo comete sem lutar contra ele. Eu me tornei militar, sabendo que poderia fazer algo contra ele mesmo sem ter magia nenhuma. Agora que tenho esse poder, não posso, não quero e não vou fugir de uma boa briga. – Carya disse.

- Mas... – Hunna já começava a chorar com medo de perder a filha.

- Querida, Kallisti não escolheria alguém que não tivesse chances de vencer a luta pelo trono Tiger ou sem honra. – Fagrir tentou consolar a esposa.

- Mas isso não é tudo. – Carya disse, a voz falhando de emoção.

- Tem mais? – Lordok olhou surpreso.

- Estou amaldiçoado. E é uma maldição mortal. – Rodan disse sem rodeios.

Devon, silencioso até então, se afastou da pilastra e deu alguns passos à frente, assustado, o chão parecendo ter sumido sob seus pés. Lordok colocou a mão nas costas da cadeira pra se apoiar, o mundo girando ao seu redor. – Primeiro Rádara é levada por um bando de espiões mercenários, depois Teira é gravemente ferida tentando proteger nossa filha e agora meu melhor amigo....

Hunna se aproximou de Lordok colocando uma mão em seu ombro enquanto Fagrir se aproximou de Devon e apoiou o rapaz com um braço ao redor de seu ombro. Rodan contou detalhadamente tudo que acontecera no encontro com Eltar e Leviatã. Quando o relato

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terminou, Lordok e Devon pareciam prontos pra matar qualquer um, mas não adiantaria.

Era hora de pensar antes de agir.

~o~

As buscas por Rádara só confirmaram o que todos já imaginavam. Os espiões haviam sido contratados por Tigrésius e a jovem princesa leonina estava presa em suas masmorras.

Seth havia conseguido estabilizar Teira, mas ela precisaria de muito tempo para se recuperar e, principalmente, de tranquilidade. Mas que mãe ficaria tranquila sabendo que sua filha estava nas mãos do ser mais cruel que conhecera? Sabendo disso, Lordok e Seth concordaram que o melhor era manter ela em um tipo de sono profundo, dentro de um objeto mágico parecido com uma pedra preciosa lapidada, até que fosse seguro despertá-la de seu sono mágico. Mas quando seria isso? Ninguém sabia.

A capital leonina, Jubay... Não. Todo o reino leonino parecia estar em luto. O desânimo na população em geral pela tragédia com sua rainha e o futuro incerto de sua princesa era tão denso que até mesmo as crianças não brincavam mais nas ruas, as tavernas cheias de clientes estavam estranhamente silenciosas, os comércios tinham o mesmo clima, o palácio então...

No reino Tiger a história era outra. Assim que Rádara foi trazida à presença do rei, um palco foi montado na praça principal e Tigrésius fez seu show se gabando da captura como se ele próprio tivesse ido até as Montanhas Amarelas, ferido mortalmente Teira pejorativamente chamada de ‘rainha-escrava’ e capturado a herdeira lençar de Lordok.

Com Eltar e Leviatã de cada lado, alguns passos atrás, ele apresentou a jovem felina lençar com roupas mais esfarrapadas do que a dos escravos, um saco de tecido sujo na cabeça, pulsos e tornozelos presos com correntes mágicas e um colar de ferro no pescoço que se apertavam quando ela tentava se soltar ou lutar contra seus captores, cheia de cortes e hematomas. Quando Tigrésius ergueu o saco de tecido, exibindo o rosto da menina, o povo jogou pedras, tomates, ovos, até pedaços de madeira na direção dela. Tigrésius deu alguns passos para o lado pra não ser atingido, segurando uma corrente presa ao colar de ferro, gargalhou com a cena. Nobres no palanque, como já era habitual, riram junto com seu rei.

Rádara conseguiu desviar de alguns objetos lançados contra ela, recebendo uma onda de vaias e xingamentos que ela nunca ouvira antes em sua vida.

Depois do que pareceu uma eternidade, ela foi levada com puxões em sua corrente, mas mantendo sua cabeça erguida, apesa de sua situação deplorável. Ela precisou de toda sua coragem pra não chorar, gritar, espernear em pânico só de pensar em tudo que sua mãe sempre contara ter vivido com aquele Tiger travestido de rei. Ela tinha certeza que passaria pelo mesmo nas mãos dele, mas ficou confusa quando ele a jogou (literalmente) na cela fedendo à esgoto, escura e fria de uma masmorra protegida por grades de ferro,

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com ordens expressas do próprio Tigrésius pra que ninguém tocasse, nem mesmo olhasse ou dissesse uma palavra ofensiva à ela ou ele mesmo queimaria vivo o idiota que fizesse isso. Sem lhe direcionar nem mesmo um olhar, ele saiu. Nesse momento Rádara teve certeza de que aquele Tiger tinha algo muito maior em mente. Ela se encolheu em um canto onde havia uma pequena janela quadricular alta e gradeada, pensou no ferimento que vira sua mãe sofrer enquanto ela perdia a consciência, em seu pai sofrendo por ambas, no quanto seu amigo Seth sempre tão sensível sofreria e... Carya. Sua amada Carya...

Mesmo sendo ignorada ou, pior, sendo tratada por ela com excessiva formalidade, Rádara tinha certeza que Carya a amava e sofreria por ela.

- Se não fosse o imbecil do Rodan... – Ela murmurou, quase sem voz.

- Você estaria com ela até agora. Talvez nem tivesse sido capturada. – A voz de Eltar a despertou de seus devaneios.

- O que você quer? Me apedrejar também? Vai ter que entrar na fila! – Rádara gritou.

- Você tem uma ideia muito errada sobre mim, alteza. – Eltar disse e, para surpresa de Rádara, não havia ironia em sua voz, apenas um toque de tristeza levemente disfarçada. –

Mas teremos tempo para conversar sobre isso mais tarde. O rei me enviou para lhe entregar isto.

Rádara viu o pacote nas mãos dele e se aproximou desconfiada.

- Vou levá-la onde possa se arrumar decentemente. – Eltar disse.

- Me arrumar? Você está de brincadeira com a minha cara?

- Garanto que não. São roupas dignas de uma princesa para que você não ande maltrapilha pelo palácio. Meu pai não acha correto tratar uma nobre assim.

- Isso só pode ser piada. – Rádara disse.

Eltar abriu a cela e pegou a corrente no pescoço de Rádara puxando sem grosseria, mas com firmeza. – Não tente nada, alteza. Não quero ter que machucá-la, mas vou se for preciso.

Rádara seguiu Eltar, alerta para qualquer coisa que pudesse pegar e esmagar o crânio dele. Mas Eltar era esperto e conhecia o palácio como a palma da mão, incluindo as masmorras onde ele mesmo fora jogado tantas vezes na infância. Ele seguiu o caminho tendo sempre cuidado para não deixar ela se aproximar das paredes e não ter como agarrar alguma tocha ou enfeite e usar contra ele. Ambos pararam em frente à uma porta ricamente decorada. Sem bater, ele apenas entrou e a puxou para dentro. Havia uma sala de estar elegante com poltronas, mesa de centro, mesa com um jogo de xadrez armado, dois sofás, uma estante com livros e pergaminhos, uma porta lateral que dava para uma varanda de uns 20 metros de altura, um jardim com flores silvestres e macieiras abaixo. Do outro lado do cômodo haviam duas portas abertas. Uma dava para um quarto com uma enorme cama forrada com uma colcha com o emblema Tiger em cima, poltronas, criados-

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mudos de cada lado da cama, uma janela coberta por grossas cortinas cor de vinho, um baú enorme aos pés da cama e um tapete que parecia afundar sob seus pés. Na outra porta havia um banheiro com uma serva parada discretamente ao lado de uma grande banheira cor de cobre, cheia de água quente esfumaçando e pétalas de flores amarelas exalando um perfume delicioso.

Confusa, Rádara quase deu um salto quando Eltar pegou suas mãos e soltou as correntes, se abaixou e soltou as dos tornozelos. – Calma, princesa. Não vou machucá-la.

Temos mais em comum do que pensa.

- Eu duvido. – Rádara murmurou.

- Bem, você ficará apenas com essa coleira de ferro aí, mas sem a corrente. Se tentar alguma gracinha essa coisa vai se apertar até que meu pai ou Leviatã usem o encanto pra fazer ela parar ou até arrancar sua cabeça do pescoço. Por favor, não tente nada. Não quero que se machuque. – Eltar disse com uma expressão muito preocupada.

- Aham... Sei... Me polpe, Eltar. Porque você se preocuparia comigo? Sempre tentou me capturar!

- Apenas porque devo obediência ao meu rei e pai. Não quero ver você ferida porque sei o quanto minha irmã te ama. – Eltar disse baixo, tão triste que daria até vontade de abraçar e consolar ele. – Esta é Nyela, escrava pessoal do meu pai que ele colocou à sua disposição. Ela vai cuidar de você.

Nyela fez uma reverência profunda como fazia para o príncipe Eltar e, de cara, Rádara soube que gostaria da jovem onça branca, a mesma espécie felina de sua mãe. Eltar deixou as duas sozinhas e Nyela se aproximou silenciosamente para ajudar Rádara a tirar as roupas. A princesa percebeu que a jovem estava trêmula e se perguntou que atrocidades Tigrésius havia feito com a jovem e quais ela própria sofreria. Distraidamente, seus olhos vagaram pelo quarto e pousaram no quadro acimada porta com o lema Tiger estampado sobre o desenho de um escudo com duas espadas atravessadas:

- Um tigre nunca recua, um tigre nunca se rende, um tigre sempre se defende com garras e dentes... – Ela disse em voz alta. – Dependendo do caráter do tigre, esse lema pode ser uma maldição.

- Especialmente se ele se tornar rei. – Nyela deixou escapar e ficou pálida.

- Hahahahaha. É uma grande verdade. – Rádara riu e Nyela relaxou.

As duas começaram a conversar e logo se sentiram à vontade uma com a outra.

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Pacto com o demônio

Duas horas depois, Eltar foi buscar Rádara em seu quarto com um sorriso gentil e palavras amáveis e preocupadas, dando dicas de como ela deveria se comportar para evitar problemas. Rádara estava furiosa com sua situação, mas, principalmente, curiosa sobre onde tudo aquilo ia dar. Quando os dois entraram na sala de jantar havia um jantar que mais parecia um banquete na mesa retangular, Tigrésius na cabeceira, Leviatã na cadeira à direita, ambos conversando baixo enquanto servos muito bem vestidos aguardavam em pé na parede lateral para servir.

- Majestade. – Eltar entrou e fez uma leve reverência que Rádara copiou.

O rei se levantou, puxou a segunda cadeira à sua esquerda e Eltar sinalizou sutilmente pra Rádara se sentar ali. Sua curiosidade era maior do que seu medo, então ela se aproximou e sentou enquanto o rei falava: - Alteza, está muito bonita esta noite.

Rádara nem se preocupou em dar alguma resposta cortês. Eltar se sentou ao seu lado, na cadeira em frente ao mago. Tigrésius se sentou e, com olhos fixos em Rádara e um sorriso no rosto, sinalizou para os escravos que começaram a servir.

- Espero que Nyela tenha lhe servido bem. Ela é meio lerda, mas se esforça e eu respeito isso. – Tigrésius disse tentando parecer simpático.

- Ela é uma serva muito boa, na minha opinião. – Rádara disse num tom bem mordaz, encarando o rei.

Eltar e Leviatã trocaram um olhar silencioso. Era a primeira vez que Eltar se lembrava de ter uma refeição naquela sala sem um monte de nobres, orgias, torturas e crueldades na mesa. Obviamente, o mago estava pensando o mesmo. Ambos com rostos calmos por dentro estavam se divertindo ao imaginar o quanto estava custando à Tigrésius não queimar a cara de Rádara por aquele olhar irado dela. Até os servos tremeram levemente ao ouvir o tom da princesa leonina.

- Talvez os escravos em seu reino sejam menos competentes em comparação com os nossos, mas... – Tigrésius disse com simpatia, como se não quisesse tornar aquilo ofensivo.

Mas seu auto controle quase quebrou quando Rádara o interrompeu.

- Nós evitamos possuir escravos, a não ser os inimigos aprisionados que não queremos matar, preferindo lhes dar uma chance de mudar. Essa mania deplorável de roubar a liberdade de outros apenas por prazer é nojenta! – Rádara respondeu irritada.

O silêncio tomou conta da sala. Os escravos pararam com pratos e bandejas a meio caminho da mesa, o príncipe e o mago que provavam uma taça de vinho pararam com elas a meio caminho dos lábios, todos pareceram segurar a respiração sem perceber, até o fogo nas tochas pareceu silenciar. Rádara tremia por dentro, cada uma das atrocidades que

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Hunna e Teira contavam começou a rodar em sua mente, o medo fez seu estômago revirar, mas ela não abaixou o olhar. Ela era uma princesa leonina, herdeira de Lordok, ela não ia dar o gostinho àquele Tiger nojento de vê-la com medo. Eltar, prevendo a desgraça que aconteceria quando o pai soltou a taça aparentemente com calma em cima da mesa, encostou levemente o pé na perna do rei embaixo da mesa. Tigrésius não olhou para o filho, em vez disso ele colocou as mãos em cima do colo, recostou mais na cadeira e olhou Rádara de um jeito que ela quase podia jurar que ele estava lendo sua mente.

- Vejo que você não gosta muito de mim, embora eu não entenda o porquê. –

Tigrésius disse calmamente. – Nunca fiz nada ao seu reino que qualquer outro rei não faria em guerra.

- Meu pai é um rei e nunca mantou assassinos atrás do seu filho. – Rádara disse.

- Talvez, mas ele tirou muito de mim. Incluindo minha esposa. Imagino quantas mentiras ele deve ter dito para explicar porque foi amante dela. – Tigrésius disse com um ar triste. – Ah, deuses! Você não sabia?

- Isso é mentira!

- Não preciso mentir sobre isso, minha jovem. – O rei fez um sinal e os escravos, visivelmente aliviados, voltaram a servir. – Ele foi amante dela durante meses antes da fuga. Era assim que ele sabia meus planos.

- Me polpe das suas mentiras idiotas! Nunca iria duvidar da palavra do meu pai por sua causa.

- Sabe, menina, eu poderia ter deixado você presa naquele lugar deplorável, mas nunca faria isso com uma jovem tão linda.

Rádara quase vomitou com aquele olhar excitado levemente disfarçado. – Sei, você é um santo. Eu lembro muito bem do que aconteceu à algumas horas naquela maldita praça!

- Ah, sim. Isso. Bem, foi necessário. Se eu não fizesse isso o povo não iria entender. Se eles soubessem que a filha de Lordok estava aqui presa, mas com todos os luxos dignos de sua classe social, eles seriam capazes de se rebelar até que eu a matasse. Eu sei que foi difícil, mas eu enviei minha escrava pessoal para cuidar de você, não foi?

Por um lado, todos naquela mesa sabiam que isso era verdade. Mas Rádara não estava com humor pra joguinhos.

- Que droga você quer afinal?

- Rádara, eu não sou o diabo que pintam, sabia? E vou provar isso. Tenho notícias de sua mãe. – Tigrésius disse com gentileza. – Aparentemente ela está em um tipo de sono mágico. O estado dela é estável, mas ninguém sabe por quanto tempo ela viverá assim. Eu sei o carinho que você tem pela tenente Carya e ela não está bem. A vida dela está em tanto perigo, talvez até mais, do que sua mãe.

- Como? – Rádara perguntou, tentando disfarçar sua ansiedade.

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- Rodan. – Eltar disse. – Ele está mentindo sobre uma maldição qualquer, apenas para ficar mais próximo de Carya. Não sabemos bem os detalhes, mas parece que ele quer usar algum talento dela para tomar o poder de seu pai.

- Ele descobriu que um jovem espião, um garoto que ele educou ou algo assim, estava interessado na moça e procurou se reconciliar com ela pra que o rapaz não tivesse chances e não fosse um empecilho nos planos dele. – Leviatã disse tranquilamente.

- Não acredito em nada que venha de vocês. – Rádara disse, mas a dúvida começou a se enraizar em sua mente.

- Imagino que não. É inteligente de sua parte. Mas, o fato é que temos um inimigo em comum. Sei que esse Rodan também atrapalhou seus planos e você quer ficar de olho nele.

Mas não poderá fazer isso estando aqui. Eu, por outro lado, preciso de ajuda para tratar uma doença misteriosa que nem meu mago conseguiu descobrir.

- Bem feito. Espero que você morra. – Rádara respondeu.

Tigrésius gargalhou tentando parecer divertido, mas, para a princesa ele parecia mais monstruoso rindo do que sério. – Gosto do seu bom humor, alteza. Mas não estou doente.

É meu filho que está morrendo, infelizmente.

Eltar abaixou a cabeça com olhos tristes e Rádara o olhou assustada. Ele era realmente um pilantra e todos sabiam disso, mas a gentileza e a constante tristeza que ela via nele desde que chegou ali a fizeram sentir pena do rapaz.

- Sinto muito, alteza. – Rádara disse e se voltou para o rei. – Bem, não quero ser indelicada, mas o que isso tudo tem a ver comigo?

- Simples. Eu vou enviá-la sã e salva de volta para casa para você ficar perto de sua mãe. Não quero que você esteja longe, caso sua mãe morra. Isso não é correto. Mas, tenho duas condições. – Tigrésius disse e continuou antes que a menina perguntasse algo. –

Primeira: quero que fique de olho em Rodan. Não suporto traidores, mesmo que não estejam traindo a mim. Não preciso que me informe de nada, apenas me prometa que ficará alerta com ele. Segunda e mais importante: quero que envie uma mensagem para o mago Seth.

Rádara ouviu a explicação do plano do rei horrorizada. Ela estava dividida, mas sabia que as chances de ser morta, torturada ou algo do tipo, eram enormes se ela continuasse ali. Por fim, o rei deu-lhe até a manhã seguinte para dar uma resposta à ele. Eltar acompanhou Rádara até seu quarto e, na porta, disse: - Não faça isso.

- Porque? Isso vai ser útil pra você também, não é?

- Sim, claro. E sim, estou com medo de morrer. Mas não quero que isso aconteça. Já basta o que eu passei a vida toda aqui. Você pode fugir...

- Eu vi a quantidade de guardas neste lugar. Mesmo se eu tentasse, morreria em poucos passos. Eu sei lutar, Eltar, mas não sou militar. – Só a ideia de ser tocada por

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Tigrésius deixava Rádara a beira do desespero. Ela lembrava bem o que sua mãe contava e as vezes que ela acordava aos gritos no meio da noite depois de pesadelos com o rei Tiger.

Ela nunca contara aos pais que ouvia os gritos da mãe no meio da noite. - Talvez minha única chance seja fazer aceitar o pacto com esse demônio que você chama de pai. Eu vou pensar com calma. Boa noite.

- Boa noite, alteza. – Eltar suspirou tristemente, fez uma reverência respeitosa e saiu.

Naquela noite, Rádara se revirou na cama confortável, mas não dormiu nem por 5

minutos. Na manhã seguinte, Nyela bateu na porta levemente, nas primeiras horas da manhã, trazendo uma bandeja com sucos, frutas, sanduíches e biscoitos doces. Assim que terminou de comer, como um demônio oniciente, Tigrésius apareceu na porta com Leviatã e Eltar ao seu lado.

- Bom dia, alteza. – O rei disse com aquele sorriso que fazia Rádara tremer por dentro.

– Desculpe atrapalhar a calma da manhã, mas creio que entenda o desespero de um pai.

Preciso saber sua resposta. E então? Temos um pacto?

~o~

Era o meio da tarde quando Seth se levantou, as costas doloridas de tanto ficar debruçado sobre pergaminhos tão antigos que podiam se despedaçar ao menor toque mais firme. Ele estava procurando um meio de contactar Rádara à distância, mas não era fácil já que os inimigos arrancaram a joia mágica dela e jogaram aos pés de Teira durante o rapto.

Teira... Essa era a outra razão pela qual ele praticamente não saía mais do escritório real.

Ele precisava encontrar um meio de curá-la, mas os conhecimentos mágicos dos leoninos não era tão amplo. Ele foi até a mesa e pegou um chá que estava ao lado de dois sanduíches ali desde aquela manhã quando uma serva levou e fez ele prometer que comeria algo. Ele nem levantara a cabeça de cima dos papéis depois disso até aquele momento. De repente ele largou a xícara na bandeja, completamente arrepiado, e se virou para a janela fechada por causa dos ventos fortes. Um pássaro negro voou até ali e começou a bicar o vidro insistentemente.

Mesmo se o comportamento da ave não fosse tão doido, ele já saberia o que significava pela sensação que tivera. Aquilo era magia. Ele abriu o vidro cautelosamente. A ave voou para a mesa, virou-se para ele, abriu o bico e uma voz bem conhecida saiu da garganta do animal.

Seth, meu filho amado. Sei que você pensa o pior de mim e sei que mereço seu ódio.

Mas estou desesperado e não tenho mais a quem recorrer. Meu filho caçula, seu irmão está morrendo. Nem mesmo Leviatã conseguiu descobrir a origem de sua doença. Por favor, filho, eu imploro que venha nos ajudar. Em troca, como sinal de boa vontade, libertarei a princesa Rádara sem mais nenhuma condição. Se você aceitar a proposta, sussurre no

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ouvido da ave e me dirá. Leviatã disse para você usar a pedra de seu cajado para o cajado dele exatamente 3 horas depois que enviar o pássaro. Ele disse que você saberá o que significa.

Seu pai que tantos erros já cometeu e lamenta,

Tigrésius, Rei Tiger, Guardião divino das chamas de Éris.

~o~

- Não. Nem pensar! – Lordok disse incisivamente depois de ouvir a mensagem mágica na ave que Seth lhe mostrara.

- Mas...

- Mas coisa nenhuma, Seth! É evidente que isso é uma armadilha! – Lordok disse. –

Quem me garante que ele vai mandar minha filha de volta? Ou mesmo que ela voltará com vida? Não. Eu não vou arriscar mais ninguém sem necessidade. Rodan, Carya e D evon já bolaram um plano de ataque e vamos recuperar Rádara nem que eu precise queimar todo o reino Tiger pra isso!

- Majestade, me escute, por favor. O senhor sabe que muita gente inocente vai morrer nesse ataque. Já não morreram inocentes demais naquela vila? E quanto aos inocentes mortos nesta maldita guerra interminável? Se há uma chance de salvar Rád sem derramar uma gota de sangue, não vale a pena aproveitar?

- Não. Não vale. Porque, meu afilhado querido, o sangue ainda seria derramado. O seu quase com certeza.

- E se eu puder salvar a rainha Teira? – Seth respondeu. – Tio, pense com calma. Os Tiger possuem muito mais conhecimento mágico. Eu posso aproveitar essa chance pra pesquisar uma cura para minha tia.

- E se essa coisa toda for mentira?

- E se for verdade? – Seth respondeu. – Eu já vi muita tristeza camuflada sob a raiva de Eltar e até mesmo do rei Tiger naquela batalha, tio. Pode ser mentira, mas tem uma chance de que não seja.

- Uma chance minúscula. Não. Você não vai. E essa é minha última palavra sobre isso.

Não estou pedindo que não vá, Seth. Estou ordenando. – Lordok disse, muito mais rude do que pretendia. O rei leonino pegou a ave tranquila, aguardando a resposta de Seth, e entregou para um guarda que levou a ave em uma gaiola para o quarto do próprio rei.

Seth fez uma reverência e saiu sem mais nenhuma palavra. Lordok, porém, não era idiota e conhecia bem os afilhados, especialmente Seth com quem tinha uma ligação muito maior. Imediatamente ele mandou chamar os pais e a irmã de Seth, além de Rodan.

Quando chegaram ele, sem rodeios, contou o que acontecera e lhes instruiu a conversar com Seth e ficar de olho nele. Mas havia uma falha nesse plano. Seth já tinha saído e o rei

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se esqueceu de mandar algum guarda ficar sutilmente de olho no garoto. Quando se deu conta do erro, Lordok chamou Devon que estava numa sala próxima e o mandou encontrar Seth imediatamente.

- Não precisa, majestade. Eu o vi indo em direção ao seu quarto. Acredito que ele tenha ido buscar mais algum item da rainha pros feitiços. – Devon disse tranquilamente.

- Não... – Lordok murmurou, levantou e correu com Carya e Rodan logo atrás. No quarto a gaiola da ave estava aberta, mas não havia nem sinal do animal ou de Seth.

~o~

- Porque aqui? – Rádara perguntou, entrando de novo naquela cela nojenta que estiver no dia anterior.

- Porque você não quer que ele desconfie que você colaborou comigo, não é? –

Tigrésius disse. – Você lançará a ave dessa janela mesmo e aguardaremos aqui. Quando ele responder o mago vai usar a pedra dele e do garoto pálido pra fazer uma coisa qualquer que vai trazê-lo aqui e enviar você de volta pro seu papai.

- Está tudo bem, alteza. – Eltar disse pra tranquilizar Rádara.

Ela não tinha muita escolha de qualquer forma. Então obedeceu. Pegou a ave, passou ela com cuidado pelas barras da janela e soltou. Tigrésius trancou a grade prendendo ela lá dentro e um tremor a sacudiu. Tigrésius e o mago sorriram obviamente divertindo-se com o medo dela. – Calma, alteza. Quando o garoto chegar ele precisa acreditar que você não colaborou comigo, lembra?

Rádara ergueu o queixo e acenou afirmativamente, usando sua expressão mais corajosa possível, apesar do pânico crescente em sua mente. As horas se passaram e ela começou a temer que a ave não tivesse chegado ao seu destino, Seth não tivesse topado a proposta, ou qualquer coisa do tipo. Tigrésius e Leviatã conversavam tranquilamente do lado de fora da cela e nem pareciam sentir aquele odor terrível de esgoto. Eltar, encostado na grade, estava conversando com ela sobre coisas leves, obviamente tentando tranquiliza-la. Um bater de asas chamou a atenção de todos para a pequena janela gradeada. O

pássaro negro pousou no concreto da janela do lado de fora, abriu a boca e a voz de Seth ecoou nitidamente:

“Eu aceito.

Mas o matarei se Rádara não for enviada de volta, mesmo que eu seja morto depois.

Seth, Mago-mor ao serviço de Sua Majestade, Rei Leonino, Lordok.”

- Curto e grosso. Parece que ele herdou algo de mim, no fim das contas. – Tigrésius disse com um orgulho machista.

- Eu disse. – Leviatã comentou, ambos de bom humor.

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As três horas se passaram. Tigrésius e Eltar se afastaram e Rádara encostou mais fundo na cela nojenta. O mago entoou um encanto enquanto parecia soprar a pedra de seu cajado. Ele entoou uma, duas, três vezes bem baixinho. Então a pedra começou a brilhar e a voz de Seth entoando a mesma coisa, ao mesmo tempo como se formasse um coro bizarro com o mago, surgiu de dentro da pedra. Ou era das paredes? Não dava pra dizer ao certo. A pedra brilhou mais forte, um vento frio surgiu do nada no chão como se uma grande porta tivesse sido aberta, mas tudo continuava escuro e não haviam portas ali. Poxa, afinal era uma masmorra no subsolo! As vozes dos dois magos ficaram mais fortes, aumentaram um pouco o volume, e um raio literalmente caiu do teto fora da cela, atingiu o chão e um buraco brilhante, perfeitamente redondo, se abriu. De baixo Seth, com olhos fechados e seu cajado à sua frente, enquanto ele entoava ainda o encantamento, foi surgindo como se alguém o erguesse lentamente pelos pés. Totalmente fora daquele buraco esquisito, ele abriu os olhos e deu um passo para trás, ficando fora do círculo brilhante de onde viera, mas longe de Leviatã, do rei e do príncipe Tiger.

Seth olhou de canto para a cela e viu Rádara ainda parada lá no fundo, com a boca aberta e cara de besta olhando aquilo tudo. – Você está bem? – Ele perguntou.

- Eu? Eu ne... Si..sim. Estou. – Ela respondeu.

- Abra a cela, Eltar. – Tigrésius ordenou.

Eltar abriu a cela e saiu da frente para Rádara passar. Quando ela chegou perto ele sussurrou para que só ela ouvisse: - Cuide bem da minha irmã. Por favor. – Seth também ouviu, mas não demonstrou. Depois ele tiraria aquilo a limpo. Rádara acenou levemente confirmando.

- Rád, vá. Passe e cuide-se bem. – Seth disse, alerta à qualquer movimento dos inimigos que pudessem ameaçar a vida da amiga.

- Não. Ainda não. – O rei disse. – Primeiro me dê sua palavra de que não vai pular nessa coisa com ela.

- Eu não vou.

- Prometa.

- Eu prometo. Vou ficar e tentar salvar seu filho. – Seth garantiu.

- Bom. Pode ir, alteza. Dê lembranças minhas à minha esposa e à seu pai. – Tigrésius disse com um sorriso sarcástico.

- Rápido. – Seth disse e Rádara percebeu que aquilo parecia estar tomando muita energia de ambos os magos.

- Obrigada, Seth. Nós vamos resgatar você. – Rádara disse.

- Não. Tenho um trabalho a cumprir. – Ele não acrescentou que pretendia buscar a cura pra Teira, mas seu olhar fez a princesa perceber que o amigo não estava falando só da missão de salvar Eltar.

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Ela deu um último olhar grato ao amigo e pulou no buraco. A luz branca quase cegante a cercou por poucos segundos. Ela pensou que cairia por metros e morreria ao cair no chão.

Não era um pensamento lógico, era só medo do desconhecido. Quando a luz sumiu ela sentiu a neve macia sob seus pés. Piscou algumas vezes e percebeu que estava de pé nos fundos da casa da família de Carya.

No palácio Tiger, ambos os magos esperaram a princesa passar. Então as luzes de suas pedras e aquele círculo brilhante apagaram abruptamente, mergulhando as masmorras de novo na semi escuridão. Do lado de fora grilos começavam a cantar e esse foi o último som que Seth ouviu, antes do estrondo duplo. Seu próprio corpo e o de Leviatã caíram de costas no chão, a estafa do feitiço cobrando seu preço. Levaria dias para que qualquer um dos dois abrisse os olhos de novo.

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Relacionamentos dos sonhos

- Nunca entendi como a vagabunda da Ilena se casou com o sobrinho de um rei. A família dela era nobre, claro, mas ela não era uma princesa e nem muito gentil. – Tigrésius comentou.

Leviatã acordara a algumas horas depois de dias num sono profundo para recuperar a energia gasta no feitiço duplo que trouxera Seth. O rei estava bebendo um vinho azulado, sentado em uma das poltronas na sala dos aposentos do mago, enquanto Leviatã bebia um poção-chá na outra, ambos numa conversa fiada como não tinham a muito tempo e a conversa acabou voltando ao passado de Caryo, avô de Seth, pai de Hunna. Não havia muito o que fazer enquanto Seth não acordasse, de qualquer forma.

Leviatã bebeu um gole calmamente, fechou os olhos focando em suas lembranças e disse: - Caryo... O maior imbecil que já conheci. A história dele com aquela piranha é ridícula e cômica.

- Ótimo. Estou mesmo precisando rir. – Tigrésius respondeu, se recostando na poltrona com um olhar curioso e animado. Essa era uma das coisas que Carya herdara do pai, o interesse insaciável por histórias.

- Muito bem... – Leviatã sorriu levemente pensando no quanto Carya odiaria saber que herdara qualquer coisa do pai, e então começou: – Caryo estava estudando para ser mago...