Likastía 01 by Rubi Elhalyn - HTML preview

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Mais de 40 anos antes...

- Caryo, você não precisa sair assim que o sol se ergue no horizonte. Admiro sua dedicação, mas você é jovem. A vida não é só trabalho, magias e estudos, sabia. – Corel disse com aquela voz grave e, ao mesmo tempo, gentil.

- Eu sei, pai. Mas eu pretendo ser o mago chefe um dia. Preciso me dedicar. Só ser um bom telepata não basta. Tem tantos Tiger com muito mais magia do que eu... – Caryo disse, um pouco inseguro, como sempre.

- Ô Caryo! Vamos! – Velu, companheiro de estudos de Caryo chamou.

Caryo deu um abraço rápido no pai e correu ignorando os protestos paternos por ele sair sem comer. Velu era um Tiger poderoso e ambicioso, namorador, forte, atraente e focado. Órfão, fora criado no templo de Kallisti e gostava de Caryo porque ele era calmo, gentil e nunca o tratara diferente por sua condição órfã. Os dois estavam estudando juntos a dois anos e, apesar das inúmeras diferenças de personalidade, tinham em comum a dedicação extrema. Nenhum dos dois tinha grandes poderes mágicos, Caryo era um poderoso telepata com nível de magia médio, Velu era um telepata um pouco menos poderoso que Caryo com a magia no mesmo nível. Se quisessem ser grandes magos,

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precisariam praticar muito para evoluir suas magias. Outro ponto que os unia, talvez até mais que o anterior, era a constantemente perseguição e ridicularização que sofriam por parte do mestre-mago que ensinava a turma deles. Velu odiava o mestre e sempre deixava isso claro para ele, o que lhe rendia punições ainda mais severas. Caryo não gostava do mestre, mas não o odiava, apenas ficava curioso pra entender o porquê do mago ter cismado com eles. Naquele dia na aula nada foi diferente. Velu derrubara seu lápis sem querer e o mestre parou a aula o encarando.

- Quer ensinar no meu lugar, senhor Velu? – O mestre perguntou ironicamente.

- Talvez. – Velu disse erguendo o queixo.

- Velu...não. – Caryo murmurou do seu lado.

O mestre se aproximou mantendo o olhar cruel nos olhos de Velu, mas o rapaz não se intimidou. Ele sabia que seria punido de qualquer forma.

- Pegue esse lápis. – O mestre ordenou.

Velu, ainda sentado na cadeira, abaixou o braço pra pegar o lápis. O mestre pegou seu cajado e colocou violentamente sobre a mão do rapaz, a prendendo no chão. Com força e lentidão, ele começou a girar o cajado sobre o próprio eixo, em cima da mão de Velu. O

rapaz sentiu a dor se intensificar e chegar a um nível quase insuportável, alguns de seus ossos quebrando ruidosamente. A turma toda, como sempre, permaneceu em silêncio.

Ninguém nunca defendia os dois porque não queriam a inimizade de mestre e, verdade seja dita, todos também adoravam perturbar os aprendizes menos poderosos da turma. Velu estava tentando não chorar ou gritar de dor, mas seu rosto o traía.

- Pare, mestre, por favor. Ele não fez nada. – Caryo disse.

O mago olhou para Caryo com um brilho sádico nos olhos. Velu, orgulhoso como a maioria dos Tiger, se sentiu ao mesmo tempo grato e ofendido. Ele olhou para o amigo com um olhar que deixava claro que ele não queria piedade. Mas Caryo não se importou.

- Ora, vejam só. Parece que nosso pequeno Velu tem um defensor, alguém pra salvar ele dos males já que ele é incompetente demais pra salvar a si mesmo. – O mestre disse. –

Me desculpe, jovem Caryo, não sabia que Velu era seu escravo de cama.

Toda a turma riu e começou a ofender os dois rapazes que ganharam o apelido cruel de “amantes frágeis”.

Velu ficou furioso. – Viu o que você fez, idiota!?

Caryo olhou pro amigo, não com raiva, mas sim com pena pela dor que ele devia estar sentindo, cada vez mais ossos se quebrando em sua mão.

- Senhor, o que lhe fizemos? Já chega disso, por favor. A mão dele está quebrando.

Puna a mim então, mas chega disso com ele. – Caryo disse com tanta piedade na voz que Velu teria preferido uma facada.

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- Que bonito. Não sabia que os amantes desse tipo eram tão unidos. – O mestre disse zombando e fazendo a risada da turma aumentar.

- CALA A BOCA, CARYO! – Velu gritou.

- Não grite na minha sala, viadinho! – O mestre disse, ergueu o cajado e abaixou de novo na mão do rapaz com tanta força que entrou na pele enquanto mais ossos se quebravam, formando um coro grotesco com o grito de Velu.

EU MANDEI PARAR! Caryo gritou mentalmente, enviando a mensagem por toda a sala, causando um grito coletivo entre os colegas de turma e o mestre. Todos caíram de joelhos no chão com as mãos na cabeça, uma enorme enxaqueca, o grito mental de Caryo ecoando em suas mentes. Quando ele percebeu o que havia feito olhou ao redor assustado com tanto poder. Mas, o pior, foi o olhar de medo em seu amigo. – Velu...

- Não se aproxime! – Velu gritou assustado.

Todos ainda se contorciam de dor ao seu redor, quando Caryo percebeu o mestre se recuperando e levantando apoiado em seu cajado. Aquilo, agredir colegas e, principalmente, um mestre poderia significar não apenas a expulsão da classe dos magos, mas também a desonra entre a sociedade Tiger.

Com pena de seus colegas e medo de si mesmo, Caryo enviou uma mensagem telepática calmante, desfazendo o efeito da mensagem anterior. – Eu...eu...sisinto muito. –

Ele disse cabisbaixo.

- Quando eu pensei que você tinha finalmente se tornado um Tiger digno da classe dos magos, você age como uma menininha pedindo desculpas. – O mestre disse. – Muito bem.

Eu poderia expulsá-lo com desonra, mas não vou.

Todos olharam com espanto.

- Gante, - o mestre chamou um dos alunos – vamos testar sua magia. Use seus dons de cura e restaure completamente a mão desse garoto.

O Tiger alto demais pra sua idade se aproximou e puxou Velu pra outra sala onde haviam poções e todos os materiais necessários pra ele cumprir sua tarefa.

- Caryo, seu castigo será servir como um mero escravo garçom durante 25 dias em minha casa, toda noite. Todos estão liberados, por hoje, desde que se lembrem da regra número um.

- O QUE ACONTECE NA TURMA, FICA NA TURMA. – Todos, incluindo Caryo, disseram como um mantra.

Mais tarde, naquele dia, o jovem Tiger chamado Gante voltou com Velu com a mão curada, deixando apenas uma mancha escura circular. O mestre avaliou o trabalho do rapaz e o dispensou com um gesto, ainda segurando a mão de Velu. – Porque você anda com aquele moleque fracassado, rapaz? Tanto potencial nunca será aproveitado, nunca evoluirá com essas companhias.

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Velu olhou desconfiado pro mestre. – Ele é meu amigo.

- Ele é seu amigo, mas escondeu que tinha todo aquele poder e ainda o ridicularizou como se você fosse uma donzela fraca.

Velu não respondeu, mas aquilo alimentou seu orgulho ferido. E o mestre sabia disso.

- Sabe, Velu, você tem talento. Pode se tornar um mago sombrio, trabalhando com os espíritos e a morte. Basta evoluir e eu gostaria de ajudar nisso. Mas você não se ajuda.

Caryo é fraco. Ambos sabemos disso.

- O que o senhor quer de mim? – Velu disse irritado. – Me ferir mais?

- Não, pelo contrário. Eu tenho uma proposta pra lhe fazer. O que você está disposto a fazer pra se tornar um grande mago?

- Qualquer coisa. – Velu disse, o brilho ambicioso em seus olhos.

- Muito bem. Então eu vou parar de perturbar você em minhas aulas e vou treinar você pra ser um dos magos mais poderosos que este reino já viu. Mas você terá que provar que merece isso cumprindo duas missões.

- Estou ouvindo.

- Primeiro você terá que vingar seu orgulho punindo Caryo pela afronta. O orgulho de um Tiger é tudo em sua vida. Segundo, você terá que provar sua confiança em seu mestre, pois a confiança é a base do trabalho entre mestre e aprendiz.

- Como vou fazer essas coisas?

- Sobre Caryo, explicarei quando você me provar sua confiança. Sobre isso... Tranque a porta e tire a roupa. Completamente. – O mago ordenou. Velu podia ter saído, podia ter se recusado, ele imaginava o que o mago queria, mas sua ambição falou mais alto. Ele trancou a porta, retirou completamente as roupas enquanto o mestre o observava como um predador faminto e deixou o mestre fazer com seu corpo o que quisesse.

Dias depois, Velu mantinha a amizade com Caryo como se nada tivesse mudado, ambos conversando sobre como o mestre tinha parado de perturbá-los talvez com medo do poder de Caryo. Apenas Velu sabia a verdade. Cada palavra gentil de Caryo, antes tão queridas, agora só aumentavam a raiva e a inveja que Velu passara a sentir pelo amigo.

Naquele dia Velu cumpriria uma parte importante no plano do mestre. Uma jovem Tiger muito bonita e sedutora apareceu cumprimentando calorosamente, como se fosse amiga de longa data de Velu.

- Velu, meu querido! Faz tantos anos...

- Oi, Ilena. Que saudade! Quando você voltou? – Velu perguntou, embora nunca tivesse visto a garota antes.

Caryo ficou bobo vendo a tigresa tão bonita, simpática e com um aroma delicioso. Ele nunca teve muita sorte com as garotas porque era tímido demais e tigresas não eram muito fãs de machos tímidos.

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- Quem é seu amigo lindinho? – Ela se voltou pra ele com um olhar adorável.

- Nossa, foi mal amigo, como eu sou desleixado. – Velu disse. – Ilena este é meu grande amigo Caryo. Caryo esta é Ilena, filha do ex-comandante Tiger do litoral Sul.

- O...oi. – Caryo disse sem graça, estendendo a mão para pegar a dela e dar um beijo respeitoso. A jovem, invés disso, se aproximou e o puxou pra um abraço apertado, fazendo seus seios volumosos pressionarem o peito de Caryo.

O plano do mestre era tirar um futuro e poderoso mago de seu caminho, pois ele tinha planos de ser o mago mais poderoso do reino Tiger. Pra isso ele precisava eliminar a força de vontade dele e só existia um meio conhecido pra fazer isso, um que envolvia algo que nenhum mago era burro o suficiente pra permitir. O feitiço não tinha cura e precisava de três itens: uma mecha do pelo do alvo (fácil), um pouco de sêmen do mesmo (mais ou menos fácil) e a pedra do mago. Ai que estava a dificuldade. Nenhum mago entregava sua pedra nem mesmo pra sua mãe! E, quando alguém tentava pegar sorrateiramente, mesmo dormindo o mago despertaria com o alerta em seu íntimo. Mas Ilena mudaria isso. Bastaria dormir um dia com ele e conseguiria todos os itens que ele, fraco, daria à ela de bom grado como prova de confiança. Depois era só entregar pra Velu que aguardaria do lado de fora da casa, o mestre faria o feitiço e pronto. Ninguém nunca perceberia nada, achariam que Caryo só ficou mais fraco do que já era. Mas, pro azar de todos, Caryo se apaixonou pela doce, gentil e alegre Ilena. Ele a amava tanto que não aceitou ter nenhum tipo de relação sexual com ela, a menos que ambos se casassem. Claro que ela aceitou, mas tentou de todas as formas levar ele pra cama antes, cumprir sua missão e depois chutar ele. Mas o rapaz nem mesmo aceitava ficar sozinho com ela na sala! Ele fez tudo como manda o figurino, até pediu ajuda à seu tio e amigo, o rei Estefan, para pedir a mão dela aos pais.

Estefan tentou convencer Caryo a não se casar tão jovem, ter certeza de que Ilena era uma boa moça, mas ele a amava demais e não quis ouvir o tio. Enquanto isso, já que a missão não havia sido cumprida, o mestre não começara a ensinar Velu e o rapaz, tentando compensar isso pra convencê-lo a começar as aulas, passou a se oferecer para o sexo com o mestre que aproveitava com prazer e sadismo.

No fim do terceiro mês do casamento entre Ilena e Caryo ela finalmente conseguiu o que queria. Usando uma droga que o mestre comprara e lhe dera, fez Caryo apagar de tal forma que mesmo o alerta de sua pedra não o despertaria e, na manhã seguinte, ele acreditaria que havia sido um pesadelo causado pelo cansaço por dias de treino intenso.

Ilena entregou os itens para Velu que levou às pressas pro mago. Na manhã seguinte, Caryo acordou cansado, desanimado, se sentindo fraco. Ele se levantou e vestiu com dificuldade, pegou seu amuleto com sua pedra de mago presa em um colar e saiu. Seu desânimo era tão grande que nem mesmo pensou em chamar pela esposa que não vira em lugar nenhum da casa. Aquele foi o último dia que ele compareceu no templo pros treinos. Seu desânimo

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o fez desistir completamente do sonho de ser mago. Ilena foi até o quarto do mago assim que Velu voltou com a pedra mágica de Caryo e entregou pra que ela colocasse no mesmo lugar. Ela cobrou a grande caixa de joias que o mago lhe prometera pra que ela finalmente fosse embora e desse uma desculpa qualquer para o fim do casamento. Ela queria alguém muito mais poderoso, alguém que se sentava no trono do rei. O mestre entregou a caixa de joias e sua mão tocou levemente a dela. Ele puxou a mão dela de volta e colocou a outra em seu ventre.

- O que é? – Ilena perguntou de péssimo humor.

- Você pode ir, mas vai criar essa criança sozinha?

- Que... Merda! Não, não, não, não! – Ilena disse furiosa e desesperada pela cria que nunca desejou e nunca desejaria.

- Calma, Ilena. Pense. Se você ficar com essa criança pode usar ela futuramente em algo útil, afinal ela será parenta próxima do rei que, garanto, nunca terá herdeiros.

- Mas eu vou ter que conviver com aquele molenga do Caryo que agora está mais idiotizado ainda e não sei quanto tempo mais consigo fingir ser boazinha.

- Você não precisa mais fingir. Já pegamos o que queríamos. Também não precisa ficar só com ele. Ele é uma lesma inútil agora, não vai fazer nada contra você. Além disso, sei que você quer ser dona daquele bordel onde te conheci. – O mago disse, lembrando à ela sutilmente que ele conhecia o segredo dela, a filha de um nobre, que se prostituia por diversão. – Essa criança é uma menina. Você vai poder usar ela pro seu lucro de um jeito ou de outro.

Dois meses depois, a filha de Caryo nasceu dando uma gota de ânimo ao seu espírito tão frágil que ele nem mesmo conseguia mais usar sua telepatia com frequência ou força.

Sua vida sem cor parecia ter ganho algumas tonalidades mais brilhantes quando sua pequena Hunna foi colocada em seus braços. Ilena nunca mais foi carinhosa ou se permitiu ser tocada por ele, destruindo ainda mais sua vontade de viver. Hunna, para orgulho e desespero de Caryo, herdera sua natureza bondosa que Ilena tentou destruir a todo custo.

Ele nem mesmo tinha forças pra brigar com ela ou pedir ajuda ao tio e rei quando Hunna passava fome, era torturada física e psicologicamente pela mãe. Nem mesmo quando Ilena anunciou que casaria a filha com um Tiger que Caryo não gostava nem um pouco. Contra sua vontade, Hunna foi casada com Tigrésius e ele sabia que a filha sofria com o marido, mas ela sempre negava. Dois anos depois do casamento da filha, Caryo finalmente reuniu forças para pedir ao rei que cuidasse de Hunna por ele e ficasse de olho em Tigrésius que ele desconfiava que agredisse sua filha. Mas a conversa foi ouvida por quem não deveria ter ouvido.

- Esse fraco está de novo interferindo no meu caminho, Ilena. Dê um jeito nele! Você já podia ter matado esse idiota.

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- E como espera que eu faça isso sem ser presa?

- O coração dele está fraco, é um dos efeitos do feitiço. Force-o a parar de vez.

- Faça você! Eu fiquei presa com esse molenga e uma filha estúpida por sua culpa!

- Olhe aqui sua prostitutazinha de merda, ou você dá um jeito nesse estrupício ou vou revelar ao rei quem é a cafetina que comanda grande parte do comércio das putas neste reino.

- Muito bem, Leviatã, mas não se esqueça que eu também posso revelar ao rei o motivo e o causador da apatia de seu sobrinho e seus planos pra ele próprio. Não se preocupe. Vou fazer isso, mas só porque eu quero muito me livrar desse traste. – Ilena disse e saiu.

Naquela mesma noite, Ilena colocou mais condimentos e gorduras no alimento do marido para enfraquecer mais ainda seu coração. Quando ele começou a passar mal com um formigamento no braço, ela tirou as roupas sensualmente, fazendo os batimentos dele acelerarem, se sentou com uma taça pequena de vinho tinto e observou ele se debatendo no chão, quase sem conseguir falar. Mas não era suficiente e ela sabia. Ele não morreria só assim. Era a hora dela se vingar por todos aqueles anos obrigada a viver com um tigre que ela desprezava. Então, calmamente, ela relatou tudo o que fizera pra ajudar o Leviatã seu antigo mestre, a traição de Velu, os crimes de Tigrésius desde a infância até o que ele fazia com Hunna, sua relação com o marido da filha, os planos de Leviatã pra matar o rei e colocar Tigrésius no lugar, o plano dela de matar a filha e se casar com o marido dela pra ser a nova rainha, seu trabalho como prostituta e depois cafetina, seu plano inicial de usar Hunna nos bordéis que ela gerenciava... Tudo. Caryo, fragilizado e horrorizado, infartou e morreu ali, no chão, pedindo por socorro à mulher que ele amara e confiara, e que se mostrara tão desprezível.

~o~

- HAHAHAHAHAHA! Eu devia imaginar que você tinha alguma coisa a ver com isso.

HAHAHAHAHAHA! – Tigrésius ria, se contorcendo, como se tivesse escutado a melhor piada da história.

- Não foi nada demais, na verdade. Eu nunca permitiria que um moleque fraco roubasse o posto que eu queria. – Leviatã respondeu calmamente.

- Credo... Imagine um mago-chefe do reino Tiger com esse jeitinho de donzelinha sensível. HAHAHAHAHA! Séria ridículo. – Tigrésius disse. – Mas então...

O rei se calou quando uma batida suave ecoou na porta.

- Majestade, senhor mago. Ele acordou. – Nyela disse da porta.

- Bem, é melhor eu ir ver. Não queremos que o merdinha desconfie, não é. – Tigrésius disse e saiu acompanho de Nyela.

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- Já pode sair. – Leviatã disse, calmo, esticando o braço pra pegar mais chá que estava em uma jarra um pouco distante.

Eltar saiu do armário de roupas onde estivera escondido, pegou a jarra e serviu o mago. – Quase ele descobre minha presença aqui durante seu sono.

- Obrigado, meu rapaz, por me proteger de qualquer merda que seu pai quisesse fazer.

Ainda estou desconfiado com essa proibição da sua presença aqui durante meu sono. Senta aqui.

Eltar obedeceu, sentou no chão aos pés do mago e apoiou a cabeça em seu colo.

- Agora, vamos trabalhar. – Eltar disse. – Mas só depois que você se recuperar, meu amor. Velho nojento da desgraça! Ele pensou, acariciando a coxa do mago, propositalmente o excitando.

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Aliados

Quando chegou, Rádara correu para o palácio, ansiosa para ver sua mãe. Antes, no entanto, ela precisou enfrentar a onda de abraços, choro e perguntas. Ela contou como fora levada e mantida em uma cela fétida durante todo aquele tempo, como o rei a tratara mal a surrando todos os dias, mostrou os ferimentos fungando com as lágrimas, explicou que não vira o príncipe em momento nenhum, que não sabia onde ele estava, mas que parecia não estar bem já que lhe disseram que o trabalho de vigiar prisioneiros importantes era dele, contou que até os escravos eram permitidos descer até as masmorras pra cuspir nela.

Que a única vez que vira o príncipe foi quando o portal apareceu e o rei mandou chamar o rapaz que parecia doente. Contou como Seth aparecera e tivera seu cajado mágico preso em uma substância líquida em uma grande caixa trancada pra ele não poder convocar o objeto, mas sempre mantida perto pra ele não ser inútil magicamente. Contou como fora ameaçada o tempo todo pelo mago Leviatã e pelo rei que parecia mais irritado e, ao mesmo tempo, triste. Por fim, contou como, quando Seth apareceu no portal, o rei mandou ela voltar pra casa, disse que só queria que Seth confortasse Eltar, que achava que o filho não tinha mais cura, e depois cortou os pulsos na frente de todos. Seth, segundo ela, correra pra ajudar, conseguira estancar o sangue e o rei balbuciara que não queria viver sem o filho caçula, pedira desculpas à Seth por não ter acompanhado a vida dele. Seth prometera que ficaria ali e tentaria salvar o meio-irmão e acalmar o coração do pai e mandara um recado por ela de que não era pra ninguém ir atrás dele até que ele pelo menos tirasse o pai daquela depressão, que isso era seu desejo e missão como mago.

Durante todo o relato, Rádara chorara muito e se culpara por não ter conseguido convencer Seth a vir com ela e deixar o rei pra lá. Lordok e Carya a acalmaram, consolaram, e Hunna levou a princesa pra ver a pedra bruta e cristalina onde a mãe era mantida em sono profundo. Em momento nenhum ninguém desconfiou da palavra de Rádara. Não havia motivos pra isso. Ela era a princesa do reino inimigo ao de Tigrésius, era a melhor amiga de Seth e da irmã dele a quem amava não apenas como amiga, e ela estava toda machucada. Porque ela mentiria? Ninguém iria desconfiar dela.

~o~

- Ainda não acredito que não vamos resgatar o Seth. – Devon disse, mastigando distraidamente sentado à frente de Rodan na mesa da casa do comandante.

- É. – Rodan respondeu simplesmente, ainda lembrando do quanto fora difícil pra todos essa decisão depois do que Rádara contou.

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- A gente não conviveu muito, mas gosto dele. É impossível não gostar daquele mago.

– Devon comentou. – Quando Rádara disse que o Seth decidiu ficar lá com o pai porque ele está deprimido e ameaçou se matar, eu quase não acreditei.

- Hum. Rádara não tem motivos pra mentir sobre isso. Ela e Seth são quase como irmãos. – Rodan comentou.

- É. Mas entendo se o rei Tiger estiver tão mal. Se o filho, o único que ele reconheceu, seu herdeiro, está desenganado, talvez isso realmente tenha abalado ele. – Devon comentou.

- Talvez.

- Se Rádara não tivesse visto com seus próprios olhos o rei cortar os pulsos eu não acreditaria nessa tentativa de suicídio.

- Hum. – Seth sempre foi muito emotivo, sensível. É seu maior dom e seu pior defeito ao mesmo tempo. Mas acredito nele. Se ele diz que precisa ficar lá até que aquele rei imbecil esteja menos triste, ele ficará. Ninguém discute com a sabedoria de um mago. Seria heresia. Mas, isso não vai durar muito. Quando o rei melhorar...

- Traremos nosso amigo de volta. – Devon disse. – Como se sente?

- Normal.

- Rodan!

- Sério, garoto, estou bem. As alunicações são muito leves e quase nunca acontecem.

Isso também será resolvido, não se preocupe.

- Minha vontade é mastigar a garganta daquele mago pedófilo do inferno! – Devon deu um soco na mesa, frustrado.

- Ei, garoto! Se bagunçar algo você vai arrumar.

- Desculpe. – Devon disse como uma criança que leva bronca do pai. – É só que...

- Eu sei. – Rodan disse e ambos se entenderam nessas poucas palavras. Rodan levantou, pegando os pratos sujos, colocou na pia e pegou uma vasilha envolta em um pano, e entregou pra Devon. – Agora vá treinar e leve isto aqui pra comer mais tarde. E vê se coma na hora certa! É pra treinar e não pra ficar exibindo esses músculos feios para as moças da cidade, viu!

- Sim senhor. – Devon levantou, pegando a vasilha e sorrindo. Ele deu um soco de leve no ombro de Rodan e saiu.

- E NÃO COMA DOCES O DIA TODO! – Rodan gritou, Devon já do lado de fora cumprimentando alguém. O comandante não conseguiu ouvir a outra voz, mas conhecia o tom manso, charmoso e respeitoso que ele usava sempre que falava com alguma moça.

Carya estava treinando os novos cadetes, Hunna estava ajudando Lordok no castelo, então só podia ser uma pessoa. Uma que Rodan preferia não ver ultimamente. Ele começou a lavar os pratos, de costas pra porta. – Entre, alteza.

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- Não precisa fazer nenhuma reverência. – Rádara disse naquele tom arrogante que passara a usar com ele.

Eu não ia, sua princesinha mimada. Rodan pensou, mas preferiu não dizer em voz alta.

Não valia à pena.

- Eu ia vir aqui antes, mas esses quatro dias foram uma confusão. – Rádara continuou, se encostando no batente da porta, ereta e tensa. – Mas não pense que eu esqueci de você.

- Se desejar, tem bolo. Podemos nos sentar e conversar... – Rodan começou, sempre atento à lei do bom anfitrião.

- EU NÃO QUERO SEU BOLO IDIOTA E NÃO VOU ME SENTAR NESSA CADEIRA SIMPLÓRIA! EU SOU A PRINCESA! NÃO ME MISTURO COM GENTE IGUAL À VOCÊ! – Rádara berrou.

Rodan parou o que estava fazendo, virou-se pra ela com sua habitual carranca, mas tão calmo que só deixou ela mais irada ainda. Pra ele, ela não passava de uma menina tola, mimada e que estava se tornando perigosamente egocêntrica. – Então, alteza, em que posso ajudar?

- Me ajudar? Você? – Ela respondeu com desdém. – Você é um inútil pra mim, Rodan.

Pior. Você é um mentiroso. Eu juro que lhe dei o benefício da dúvida, não quis acreditar no que descobri, te dei oportunidades de falar a verdade nesses quatro dias, mas você manteve a mentira descarada! Quando soube do poder de Carya não tive mais como duvidar do que eu sei.

- Precisa ser mais clara, alteza. – Ele disse com um pouco de curiosidade.

- Estou falando dessa mentira cruel que você criou sobre essa maldição! O que você fez pra conseguir a ajuda do mago Leviatã nisso? Entregou nossos planos pra eles?

- O que? – Rodan agora estava visivelmente surpreso. – De onde diabos você tirou isso?

- Isso não é da sua conta! Eu sei e pronto! Você devia ter mais cuidado com seus aliados, imbecil! Não sei como, mas vou provar pra todo mundo o mentiroso de merda que você é!

- Olha aqui, menina tola, - Rodan disse, sua raiva levemente aparecendo na voz –

muito cuidado com as merdas que você fala. Minha paciência com birra de criança não é infinita.

- BIRRA DE CRIANÇA? ESQUECEU COM QUEM ESTÁ FALANDO, SOLDADINHO? – Rádara berrou e seu grito abafou o som da porta principal se abrindo.

- Parece que você esqueceu quem você é. Não vou deixar você me ofender sob meu teto.

- Seu? Eu sou a herdeira de todo o reino! Se quiser te expulso daqui à pontapés! Meu pai pode confiar em você, mas garanto que isso não vai durar muito. Quando ele souber da

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sua mentira, do que você está fazendo com Carya, mentindo pra controlar ela e o poder que ela tem, caramba! Você até roubou a chance de Devon com ela, sabendo que ele gostava dela!

- Isso não é verdade. – Devon disse atrás de Rádara, a alguns passos, olhando surpreso entre os dois. Surpreso e meio duvidoso. – Desculpe atrapalhar, alteza, só vim buscar minha capa que esqueci ali. – Ele apontou pro assento da cadeira. – Mas posso lhe garantir que isso não é verdade. Rodan não sabia quem era a mulher que eu...

- Ele sabia, Devon. Ele sabia e tomou ela de você pra ter mais influência sobre ela. Ele nem mesmo está amaldiçoado!

Devon queria acreditar em Rodan, mas a dúvida reabriu a mágoa pouco cicatrizada. –

Não, ele... Você não sabia, não é? Você me disse que não sabia.

- Eu posso provar isso, Devon. Trouxe isso pra esfregar na cara dele que sei o tipinho que ele é. – Rádara entregou um papel com a letra de Rodan, usando os códigos dos espiões, dando instruções para outro espião continuar de olho em Devon para que ele não se aproximasse muito de Carya. A mensagem era curta, mas deixava claro que ele sabia do interesse amoroso de Devon na moça e que, qualquer tentativa de proximidade devia ser impedida através de acidentes aparentemente inocentes.

Devon leu e tentou com toda a sua alma encontrar alguma falha na letra que indicasse que era uma imitação da letra do pai, alguma interpretação diferente para a mensagem, mas não havia. Quando ele ergueu os olhos com uma mistura de raiva e mágoa, interpretou o olhar surpreso de Rodan como uma reação por ele ter sido descoberto. Devon apertou a mandíbula visivelmente, deixou a vasilha que Rodan lhe dera cair de qualquer jeito. Os punhos se fecharam ao lado de seu corpo, seus pêlos negros eriçaram. Quando Rodan, saindo do choque, abriu a boca pra falar, Devon foi mais rápido e rosnou: - Traidor. – Se virou e saiu antes que perdesse a cabeça.

- O que... Como você pôde? – Rodan disse pra Rádara e dessa vez ele realmente estava magoado com a garota que ele praticamente criara junto com seus amigos.

- Você vai lamentar o dia que me roubou a pessoa que mais amo. – Ela disse e saiu rápido. Lá fora, ela quase correu pra alcançar Devon que já estava a caminho da floresta, louco pra descontar sua raiva em alguma coisa. – Devon, espere.

Ele não queria esperar, mas era cavalheiro demais para deixar uma moça correndo atrás dele, o chamando, e mesmo assim a ignorar. Ele parou, de costas, respirando com dificuldade como se alguém o estivesse sufocando. Rádara colocou a mão em seu ombro e disse: - Precisamos conversar, Devon. Sei o que você fez na viagem.

Ele olhou pra ela, a raiva e a dor estampada em seus olhos enquanto ele tentava disfarçar sua surpresa. – Não sei do que está falando, alteza.

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- Espião disfarçado de comerciante. – Ela disse e, pelo olhar de Devon, ele entendera.

– Sei que ele não morreu de infarto na estrada e você interceptou a mensagem de Rodan pro príncipe Tiger. Sei que você estava viagiando Rodan, sei que você viu ele entregar a mensagem pro primeiro espião, esperou até chegar ao espião mais fácil de derrubar, se aproximou dele como um amigo por ser filho de Rodan que o espião conhecia bem, esperou o momento certo e o matou pra roubar a mensagem e ver o que continha nela.

Devon, percebendo que ela sabia demais e não adiantava negar, perguntou a única coisa que passava por sua cabeça agora: - Você não contou pro rei. Porque?

- Porque, obviamente, não vou contar. Eu te entendo. Sei como é ser traído por alguém que você achava que era como um pai. Mas não podemos deixar assim, não apenas por nós mesmos, por vingança, mas também porque isso coloca meu pai, Carya, todo o nosso reino em risco. Precisamos agir, mas não sei até onde vai a influência corrupta de Rodan. Venha. Precisamos conversar e... nos unir. – Dizendo isso, ambos entraram na floresta.

~o~

- Olá, meu filho. – A voz de Tigrésius fez Seth ficar em alerta na cama.

Seth tentou se levantar, pronto pra lutar com o rei, mas estava tudo escuro, seu estômago parecia que ia sair pela boca.

- Não se levante, filho. Você gastou muita energia. – Tigrésius disse, empurrando gentilmente o rapaz de volta na cama.

- Não me chame de filho. – Seth disse com toda sua calma habitual. – Não é correto.

- Mas você é meu filho, Seth. E, embora você não acredite, me orgulho muito de você.

Mas, respeito seu desejo. Como devo chamá-lo então? Senhor mago ou apenas Seth?

- Seth está bom pra mim. – Seth ainda estava confuso com o que vira desde que acordara. Ele esperava acordar em uma cela, amarrado, ou, pelo menos, em um quarto simples, sem mobília ou qualquer conforto. Em vez disso, ele acordara em uma cama luxuosa, num quarto com varandas, suíte, sala de chá, uma estante repleta de livros e pergaminhos, tapetes macios e o emblema com o lema Tiger estampado na porta. Mas, o melhor de tudo, ele acordara com uma jovem cuidando dele, uma serva gentil e educada, a jovem mais linda que ele já vira, da mesma espécie felina de Teira. – Porque estou aqui?

- Para ajudar seu irmão. Não se lembra? – Tigrésius perguntou, fingindo não entender do que o mago falava.

- Não é isso. Quero saber porque estou neste quarto tão luxuoso.

- Onde mais você estaria? – Tigrésius perguntou o olhando confuso. – Você é meu filho, Seth, é um felino poderoso, um mago, eu jamais o colocaria em uma cela como um felino qualquer. Quero que você descanse pelos próximos dias. Você é mago, sabe como

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essas coisas precisam de repouso e boa alimentação depois. Minha escrava pessoal irá te atender.

- Muito gentil de sua parte. – Seth disse com um tom amargo.

- Sou justo, Seth. Você pode não acreditar nisso, mas quando me conhecer melhor não restará dúvidas sobre isso. Se você cumprir sua parte no acordo, eu não terei motivos pra punir você. – Tigrésius disse num tom gentil. Ao seu sinal, Nyela se aproximou com uma bandeja contendo alguns biscoitos leves, uma jarra de chá e duas xícaras. Tigrésius pegou um biscoito, uma xícara com chá servido por Nyela, comeu e bebeu. – Pra você não pensar que está envenenado. – Ele disse dando uma piscada pra Seth. – Cuide bem dele, querida Nyela.

Quando o rei saiu, Nyela, sempre olhando pra baixo, entregou os biscoitos e uma xícara de chá pra Seth que a olhava curioso. – Obrigado, Nyela. Você vive a muito tempo aqui?

- Não, senhor. – Ela respondeu, sempre olhando pra baixo.

- Você não precisa ser tão formal comigo, sabia?

- São as regras, senhor.

- Eu gosto de olhar nos olhos das pessoas, Nyela. Especialmente quando estou conversando com elas. E garanto que não tenho motivos pra contar algo tão simples pra ninguém aqui. Já que você vai me ajudar aqui, quero poder conversar com você em paz.

Olhe pra mim, por favor. – Ele disse de forma gentil, mas não dando nenhuma brecha pra discussões.

Nyela ainda tinha medo. Ela apanhara muito do rei até aprender a obedecer a regra de não levantar os olhos para ninguém da nobreza. Às vezes ela fazia isso com o rei quando perdia a paciência e lhe dizia umas verdades. Às vezes ela era chicoteada por isso, às vezes Tigrésius apenas gargalhava com a audácia dela e a humilhava. Mas ela não sentia medo de Seth, talvez por ele não ser dali. Ultimamente ela temia mais os nobres daquele palácio do que os horripilantes canibais das Montanhas Amarelas. Tomando coragem, ela olhou pro mago que ainda esperava. O chá que descia pela garganta de Seth pareceu dar um nó em seu esôfago, descendo com dificuldade. Seu coração palpitou de um jeito que ele temeu enfartar. De repente todo o quarto pareceu se iluminar como se antes estivesse tudo à meia luz e agora todas as cortinas se abrissem permitindo a entrada do Sol. Mas, as cortinas estavam todas abertas desde que ele acordara.

- Eu... Eu... Er.. Você... Quer biscoito? – Seth gaguejou de repente nervoso sem saber porque. – Tem... Chá... Também. Chá... Você bebe pra molhar o biscoito.

Nyela sentiu uma onda de calor, um calor bom, como estar sob o sol da primavera em um campo de flores, quando olhou nos olhos do gentil mago. Ela não teve dúvidas: ele era diferente, ele era bom. Ela colocou a mão sobre a boca pra esconder o riso com a frase de

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duplo sentido do mago que ficara ainda mais nervoso quando percebeu o que ele havia dito.

- Não. Não é isso. Me perdoe, senhorita. Eu não quis desresp... – Seth dizia desesperado. Que diabos está acontecendo comigo? Fiquei retardado? Ele pensou.

- Está tudo bem, senhor mago. Eu entendi. Aceito sim, se o senhor não se incomodar.

– Ela disse pra tentar acalmar o mago. – E, por favor, não me chame de ‘senhorita’, sou apenas uma escrava.

- Você é uma fêmea e toda fêmea deve ser tratada como uma dama. – Seth disse quase como se recitasse uma frase sagrada. – Você não precisa me chamar de ‘senhor mago’. Apenas Seth, por favor.

- Então vamos combinar assim: deixo a formalidade para quando estivermos em público e o chamarei pelo seu nome quando estivermos à sós, se o senhor me chamar apenas de Nyela. – Ela disse sorrindo.

Seth quase se esqueceu de como respirar, olhando quase enfeitiçado pelo sorriso gentil da escrava. – Sim. Eu concordo. – Ele sorriu e sinalizou pra ela se sentar na poltrona perto de sua cama. Os dois comeram e conversaram por horas sobre coisas leves e nenhum dos dois percebeu que a manhã se transformara em tarde e depois noite, ambos à vontade demais na companhia do outro pra se preocupar com o caminho que o Sol trilhava no céu.

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Paixões felinas

Duas semanas se passaram. Tigrésius mandou Eltar em uma missão de reconhecimento em um local qualquer e lhe deu ordens expressas pra não voltar até que fosse convocado, mesmo depois da missão completada. Eltar passou os últimos dois dias antes da viagem com Leviatã fazendo...Bem, fazendo o que eles sempre faziam quando estavam juntos. Além, é claro, de perturbar e humilhar Nyela que se tornara o alvo preferido tanto do rei quanto do príncipe. Tudo de ruim no palácio Tiger era feito às escondidas desde que Seth acordara, mesmo ele e Leviatã ainda não podendo sair de seus quartos devido ao esgotamento do feitiço. Quando Eltar viajou, não levou nem dois dias pra terminar a missão, então ele mandou uma mensagem ao rei com seu relatório e seguiu o plano do pai, se escondendo da visão de qualquer um. O que Tigrésius não sabia é que o filho caçula estava, na verdade, aproveitando o tempo para se esconder na casa onde mantinha seu leal espião e colocar seus próprios planos em prática. No palácio Seth fora informado que Eltar estava trancado em seu quarto e só permitia a entrada do próprio pai.

A coisa foi num nível tão absurdo que o rei mandou um guarda com a voz naturalmente semelhante à de Eltar se trancar no quarto, levou Seth até lá implorando que o mago falasse com o meio-irmão pra tentar tirá-lo de lá. Seth tentou todo seu repertório de palavras sábias, mas, claro, não funcionou. Ele decidiu então que, de acordo com os sintomas relatados pelo rei e Leviatã, pesquisaria na enorme biblioteca Ksêniya1, a biblioteca oficial contendo todo o conhecimento Tiger, e tentaria encontrar a causa, tratamento e cura pro meio-irmão.

Toda manhã e noite, Seth acompanhava Tigrésius e Leviatã nas refeições e o rei dava seu show de tristeza profunda pela doença do filho. Seth, comovido com a dor do pai, tentava de tudo para deixá-lo feliz. Leviatã nem precisava fingir tristeza, ele só precisava exagerar ela um pouco, afinal ele realmente sentia falta de seu melhor amante. Durante o dia Seth ficava ocupado em seus aposentos entre inúmeros escritos antigos trazidos da biblioteca Ksêniya por ordens do rei que, segundo ele, não queria que o filho amado se afastasse dele naquele momento, preferindo tê-lo no palácio ao alcance de um chamado.

Nyela serviar Seth de manhã e à noite, ficando o resto do dia, infelizmente, à serviço de Tigrésius que aproveitava pra humilhar a menina o máximo que podia. A verdade é que o rei estava sentindo muita falta da sua paixão por torturas e orgias. Ele até pensou em abusar de Nyela pra satisfazer suas necessidades cruéis, mas ela sempre lhe parecera muito magrela, sem graça. Ele até a humilhava dizendo que ela nem parecia fêmea, que não lhe 1 'Kisêniya' é uma brincadeira com a pronúcia russa do nome 'Xênia' que se pronuncia 'Kseniya', com o 'k' soando como se fosse 'ki'

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causava tesão nem como serva sexual. Mal sabia ele o quanto isso, apesar de ferir seu orgulho feminino, lhe dava certa paz. Mas era arriscado demais torturar e matar qualquer um com Seth por perto. Isso podia destruir seus planos. Então ele estava se contendo, só não sabia por quanto tempo.

Nas Montanhas Amarelas as coisas estavam tensas e tristes. Hunna passava boa parte do dia se ocupando com projetos que Teira cuidava, ajudando Lordok e Rádara na administração do palácio e visitando a amiga pra não pensar muito em Seth. Não adiantava muita coisa já que sempre a imagem do filho sofrendo as piores torturas vinham à sua mente e ela começava a chorar. Fagrir estava focado em seu trabalho e em cuidar de Hunna que havia perdido tanto peso a ponto dos ossos dos braços ficarem mais nítidos sob a pele. Os pais se acalmaram um pouco quando Lordok recebeu o resultado de uma espionagem que dizia claramente o quanto Seth era bem tratado no palácio, não estando mais numa cela. Isso fez alguns conselheiros levantarem a possibilidade do jovem mago ter mudado de lado e se aliado ao rei Tiger, o que causou uma grande confusão na reunião do conselho e Lordok ameaçou expulsar qualquer um que falasse isso de novo de seu afilhado.

Rodan estava tenso com as alucinações aumentando e com sua relação abalada com Devon. Ele até tentou conversar com o jovem espião, mas Devon não lhe deu chance. Os olhares ferozes de Rádara e Devon pra Rodan só passaram despercebidos pelo rei porque eles evitavam olhar pro comandante quando Lordok estava perto. Mas Carya e Fagrir perceberam e estavam atentos para descobrir o que acontecia.

Sempre que Carya perguntava ao namorado qual era o problema e porque Devon nunca mais fora comer com ele de manhã, o leonino mudava de assunto. Ela não queria falar com Rádara sobre isso, estava muito chateada com ela ainda e andava muito ocupada treinando os novos cadetes e treinando para a luta com Tigrésius. Mas ela já estava no limite e iria tirar essa história a limpo muito, muito em breve. Nos últimos dois dias Rodan tivera alucinações um pouco mais frequentes. Preocupada, Carya decidiu, apesar das recomendações de Hunna como se ela fosse uma donzela intocada, dormir na casa de Rodan pra cuidar dele, caso as alucinações causassem algum problema maior. Ou, talvez, só talvez, fosse uma desculpa pra ficar com o namorado e fugir da carência excessiva da mãe desde que Seth fora levado.

- Bom dia, dorminhoca. – Rodan disse, de costas na cozinha preparando algo com um cheiro tão bom que fez Carya salivar.

- Rodan, você devia estar dormindo. Ainda falta uma hora pro sol se levantar. – Carya disse bocejando.

- Não estou mais com sono e tive uma ideia nova pra uma receita de bolo salgado. –

Rodan disse, verificando a massa no forno e o fechando de novo. Ele foi até ela, a levantou

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como se não pesasse nada, a colocou sentada na mesa e ficou de pé entre suas pernas. –

Você não devia andar assim pela minha casa, senhorita.

Carya percebeu que estava só de short, sem nada cobrindo seus seios. Mas ela era tão acostumada a ficar assim em casa ou quando estava com ele que nem prestava atenção nesse mero detalhe.

- Você precisa descansar. – Carya disse tentando ignorar os arrepios causados pelos beijos do namorado em seu pescoço.

- Não estou cansado. Estou faminto. – Ele disse entre os beijos no pescoço de Carya, parou e olhou nos olhos dela maliciosamente. – E não estou falando da comida que se cozinha.

- Rodan. – Carya deu uma tapinha em seu ombro. Ela não era muito boa em resistir às tentações de qualquer forma, então passou a provocar ele com carícias ardentes até ambos cederem à paixão sem nem mesmo sair da mesa. Por pouco o bolo não queimou no forno, quase passando da hora de retirar. A manhã fora calma, ambos tinham o dia de folga e ela o convenceu a ficar o máximo de tempo na cama. Embora o plano de descansar na cama não tenha dado muito certo com o casal apaixonado e fogoso. Depois de um banho, Carya resolveu fazer uma última tentativa antes de sair com a desculpa de ir no palácio ver como seus pais estavam. – Rodan.

- Hum?

- O que houve entre você e Devon? Teve algo a ver com aquele incidente na casa de Vó?

- Não foi nada. Birra de garoto. Logo passa. – Rodan disse e fez o que Carya já previa: mudou de assunto. – Como você está sobre Seth?

- E com Rádara? Ainda a mesma coisa ou ela fez algo novo? – Carya perguntou, ignorando a tática dele.

- Não. Tudo normal. – Ele respondeu já pensando em uma forma de mudar de assunto, mas Carya era como uma fera faminta que não larga o osso enquanto ainda tem carne nele.

Ela não ia parar até encontrar as respostas que buscava.

- Volto mais tarde. – Ela disse, não dando chance à ele de tentar mudar de assunto de novo. Ela deu um beijo rápido nele e gritou da porta: - ME ESPERE PELADO! – E riu imaginando a cara envergonhada dele com esse grito, os vizinhos ouvindo.

- Porra, Carya. – Rodan murmurou pra si mesmo, morrendo de vergonha e um pouco de ego masculino alimentado.

Era quase meio-dia e Carya sabia muito bem onde Devon estaria agora: se exibindo no fim do treino para o grupo de jovens que observavam o fim dos treinos dos soldados, babando feito tontas. Ela esperou o treino terminar e seguiu ele até o vestiário compartilhado pelos rapazes. Passou tranquilamente por um monte de felinos de várias

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espécies, todos seminus ou tentando se cobrir, completamente nus, surpresos ao vê-la passar. Devon estava parcialmente vestido com uma calça preta e a camisa jogada sobre o ombro.

- Carya? – Ele disse surpreso. – Você não devia estar aqui. É o vestiário masculino...

- Me polpe, Devon. Eu conheço os corpos de alguns desses caras como a palma da minha mão e não tenho interesse nenhum neles agora. Deixem de frescura que a maioria de vocês tomavam banho pelados comigo no rio quando só tinham uma coisinha pequena entre as pernas que podia ser escondida em um dedal!

- Mas... mas... a gente era criança e... – Um dos soldados, ainda sem graça gaguejou.

- Tanto faz. – Ela disse sem dar atenção à ele. – Quero falar com você, Devon. E agora.

Ele suspirou e saiu com ela do lado. Os dois pararam perto da saída do centro de treinamento, ele se encostou na parede de braços cruzados, deu seu sorriso mais charmoso e perguntou: - Bem, em que posso serví-la, bela tigresa?

- Guarde seu charminho bobo para suas fãs. Eu vou perguntar e espero que você seja sincero. Que diabos aconteceu entre você e Rodan?

O sorriso sumiu do rosto dele ao ouvir o nome do comandante. – Nada.

- Quem nada é peixe, Devon. Eu não sou idiota. Se vai mentir pra mim, pelo menos capricha na mentira! Se é pelo que aconteceu na casa de Vó, você é um imbecil! Rodan é seu amigo, seu pai! Ele te salvou, te deu abrigo, um lar, te mandou pro melhor centro de espionagem à seu pedido, arcou com todos os seus estudos, te trata como um amigo e um filho, e é assim que você agradece? Fazendo ele sofrer por algo que não é culpa de ninguém?! E não me olhe com essa cara. Você sabe que ele parece insensível e bravo, mas tem um coração enorme. Acha mesmo que ele não sofre com esse seu comportamento idiota?

- Ele não sofre e não é meu amigo. Carya você não sabe do que está falando.

- Então me explica. Me dê uma boa razão, só uma, pra essa merda.

- Não posso. – Ele respondeu. – Eu não sou ingrato, Carya, mas é justamente porque eu o considerava um pai e um amigo que não posso perdoar o que ele fez. Em breve você vai entender.

Devon olhou por cima do ombro de Carya e desviou o olhar tão rápido que se ela não fosse muito bem treinada como militar ela nunca teria percebido. Ele se virou e voltou pra dentro. Estava claro que com ele ela não ia conseguir nada. Ela se virou rápido pra tentar encontrar o que chamara a atenção suspeita de Devon.

- Rádara. – Ela murmurou ao ver a amiga voltando pra casa. Pegando uma rota mais curta, Carya chegou primeiro, desviou de todos os guardas como fazia quando fugia de noite pra brincar escondido com a amiga quando uma das duas estava de castigo. Escalou a parede externa, entrou na varanda e do quarto de Rádara e esperou. – Você sempre foi

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muito previsível. – Ela disse quando a amiga entrou pra tomar banho antes de ir almoçar com o pai como sempre fazia.

Rádara quase sacou a própria adaga. – Carya!? Credo! Você quase me matou de susto.

- Você não tem vergonha do que fez com Rodan desta vez? – Carya blefou.

- Ah, o velhinho indefeso foi correndo se fazer de vítima pra namoradinha, não é? –

Rádara disse já irritada. – Ele não tinha nada que contar pra você. Aposto que ele fez parecer que eu fui a vilã, mas foi ele quem pediu por isso!

- Na verdade, ele não contou nada. – Carya disse e Rádara a olhou confusa. – Foi você quem contou agora.

- O que?

- Eu não sei o que você fez, mas eu vou descobrir. E, desta vez, não tenho certeza se vou manter sua tirania em segredo, Rád. – Carya disse mais decepcionada do que irritada.

- Você acha que Rodan é um santo, mas não é! Você não sabe do que ele é capaz!

- E parece que também não sei do que você é capaz, não é? E eu que achava que você seria uma rainha tão nobre e justa quanto seu pai. – Carya disse. – Porque não me conta o que, supostamente, Rodan fez?

- Em breve.

- Porque?

- Porque...

- Você não tem provas, não é? – Carya disse naquele mesmo tom frio e decepcionado que estava doendo mais em Rádara do que as agressões que sofrera em Tiger. – Ai, Rádara.

Eu lamento tanto que você esteja se tornado isso. Tomara que você perceba e mude, - ela começou a sair pela porta – ou será melhor que tia Teira nem acorde pra não se decepcionar com o ser mesquinho que você está se tornando.

Carya saiu com um peso enorme no coração por ver o quanto sua amiga mudara e o quanto seria difícil, talvez impossível, retomar a amizade com ela. Ela foi até a mãe e quando Hunna a viu, por mais que ela tivesse tentado disfarçar a expressão triste, a mãe percebeu e a puxou num abraço silencioso. Sem dúvida Hunna pensava que a tristeza de Carya ela pela distância do irmão.

~o~

- Boa noite, Nyela. – Seth disse, entrando em seus aposentos onde a moça já estava colocando o chá que ele sempre bebia.

- Boa noite. – Ela disse normalmente.

Mesmo sem olhar pra ela, de costas guardando alguns papeis no armário, ele sentiu que algo nela estava errado. Preocupado ele foi até ela silenciosamente e segurou sua mão que estava despejando o chá na xícara. Visivelmente, ela parecia normal, mas tocando sua

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mão ele percebeu o leve tremor. Ela paralisou no lugar, a tensão pelas lágrimas contidas com dificuldade a deixando rígida e sem reação.

- Qual o problema? – Ele perguntou.

- Nada. – Ela respondeu calmamente, dando um sorriso, mas seus olhos tristes a denunciaram.

- Nyela. Por favor. Me diga. – Seth disse e, sem conseguir se conter, ela começou a chorar e ele a abraçou. Seu pai, Fagrir, sempre lhe dissera que o choro de uma mulher o fazia se sentir o pior dos seres vivos, mesmo que ele não fosse o causador do pranto. Agora Seth entendia. Ele acariciou suas costas, a mantendo firme no abraço, até ela se acalmar.

Depois a colocou sentada em sua cama e lhe entregou a xícara de chá já servido. – Beba e respire fundo.

- Mas...

- Ordens de mago. – Ele disse com um sorriso gentil, o sorriso que a desarmava.

Ela bebeu alguns goles e se sentiu mais tranquila quase imediatamente.

- O senhor deve fugir. – Ela disse de repente.

- Fugir? Porque? De quem?

- Como de quem? Do rei, lógico!

- Nyela, ele não é tão ruim. Meio perdido, confuso e ambicioso, mas ainda tem concerto.

- Você não vê? Ele mentiu pra você o tempo todo. Deuses.... Ele vai me matar quando souber que contei, mas não posso deixar você nas mãos dele. Você é bom, não merece o que quer que esse monstro esteja planejando pra você. – Ela falava quase sem respirar, temendo não ter mais coragem de terminar o que planejara tantas vezes.

- Nyela, calma. – Seth disse, sentou-se na cama em frente à ela, pegou a mão dela, puxando levemente em sua direção. Com o movimento a alça larga de sua blusa de tecido simples caiu deixando o ombro à mostra. Seth olhou horrorizado quando uma marca de queimadura profunda, como se fosse uma mordida feita com dentes de puro fogo, ficou visível. Não havia pêlos e a carne exposta estava vermelha, com pequenas bolhas e minando um líquido amarelado. Nyela tentou colocar a alça de volta no lugar e se levantar, morta de vergonha por ele vê-la assim, mas Seth foi mais rápido. Ele se aproximou ficando a poucos centímetros dela, segurou a alça caída contra seu ombro, a manteve sentada na cama, segurou seu rosto com a outra mão, mas ela manteve os olhos pra baixo. – Nyela.

Quem fez isso.

Ela finalmente olhou em seus, mas não disse nada. Nem precisava. A pergunta era quase retórica. Só havia um ser vivo naquele palácio com poderes pra fazer aquela marca.

Ele engoliu em seco, rezando pra ter alguma explicação pra um ato tão cruel. Ergueu a mão pra lançar um feitiço de cura, mas Nyela o impediu em pânico.

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- Não, por tudo que é mais sagrado!

- Nyela, eu posso curar...

- Não! Se você fizer isso ele vai saber que você viu e vai desconfiar que te contei. Por favor. – Ela tremia visilvemente.

- Eu não posso deixar você assim. Você pode morrer por uma infecção.

- A morte seria um alívio comparado à tudo que o rei fará comigo se desconfiar que você viu isso.

Ver Nyela falar sobre a própria morte com tanto alívio fez Seth entrar em pânico. Ele não podia nem cogitar a ideia de viver em um mundo sem ela. Sem sua doçura, sua beleza, seu companheirismo, sua coragem, sem vê-la ao acordar e antes de dormir, sonhar toda noite com ela e sua sagacidade, sem os sorrisos que ela lhe causava mesmo quando não estava presente... Foi quando Seth finalmente entendeu. Esteve na cara dele o tempo todo.

Ele não sentia só uma amizade por ela, ele havia se apaixonado por ela. Ele ficou em algo parecido com o êxtase ao perceber que amava a jovem que em tão pouco tempo demonstrara o quanto lhe fazia bem. Ele acariciou seu rosto com ternura. Nyela, se sentindo tão em paz como não sentia à muito tempo, sentindo um calor gostoso percorrer seu corpo, seu coração bater apressado como sempre acontecia quando ela pensava em Seth... Ela fechou a distância e roubou um beijo casto de Seth. Depois levantou com uma mão na boca, assustada, temendo as consequências de seu ato impensado. Antes que ela desse um passo pra longe, Seth se levantou, a empurrou gentilmente contra a parede onde a cabeceira da cama ficava, pressionou o corpo contra o dela e, sem pensar em mais nada, a beijou ardentemente.

- Eu amo você, Nyela. – Ele disse com um olhar de adoração quando se afastaram pra recuperar o fôlego.

- Mas eu sou uma escrava...

- Só o que me importa é se você me ama, se tenho pelo menos uma chance ínfima com você.

- Não há mais ninguém no mundo que eu deseje e ame do que você, Seth, por mais insano e apressado que pareça.

- O amor não respeita relógios e calendário, minha bela. – Seth disse, a beijou e, antes que a cautela lhes instruísse à parar, ambos já estavam na cama, entre gemidos de prazer e o som rítimico da madeira e do colchão sob eles.

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A perigosa falta de malícia

- Onde está o príncipe Eltar? – Seth perguntou batendo as mãos na mesa onde Tigrésius estava sentado dando seu selo de aprovação em alguns documentos, Leviatã de pé ao seu lado.

- Bom dia, filho amado. – Tigrésius disse contando mentalmente até 10 pra não queimar o garoto furioso à sua frente.

- Responda, Tigrésius!

- Majestade, pra você, garoto insolente. – Leviatã rosnou.

- Calma, mago. Não precisamos de formalidades entre amigos, não é, querido Seth. –

Tigrésius disse com um sorriso que deveria parecer gentil, mas só deixou Seth mais nervoso.

- Não sou seu amigo, rei.

- Mas é meu filho e me deve respeito. – Tigrésius disse sério, mas controlado, tão calmo que Leviatã temeu que fosse um sinal de que ele iria matar o jovem e promissor mago. – Como sabe, seu irmão está no quarto, trancado, deprimido.

- Não, ele não está. Ele nem mesmo está no palácio e duvido que esteja sequer na capital! – Seth disse.

Tigrésius ergueu as longas sobrancelhas e olhou pro mago ao seu lado. Depois, se voltando pro filho renegado, perguntou desconfiado: - E de onde você tirou isso, rapaz?

- Isso não interessa! Eu vim pra cá APENAS pra ajudar seu filho e acabei ficando porque você parecia deprimido.

- Você ficou porque queria ficar. Você sempre desejou viver no luxo e no conforto que nosso reino tem, filho. Eu te dei as desculpas perfeitas pra você realizar esse sonho.

- Nem todo mundo é um verme ambicioso que nem você, sabia? – Seth disse irritado.

- Você e sua irmãzinha são. Só não têm coragem de admitir. – Leviatã disse com um brilho maléfico nos olhos.

- Seth, se acalme. Eltar está em seu quarto descansando e você ainda tem que encontrar a cura pra ele. Quando terminar, se assim desejar, eu mesmo providenciarei uma carruagem para levá-lo até sua mãe. – Tigrésius disse calmamente.

- Eu não acredito em você! Vou pra casa. AGORA. – Seth disse e se virou.

- Mesmo? Nem vai mais tentar salvar a rainha-escrava, sua madrinha? – Tigrésius disse. Seth se voltou pra ele surpreso. – O que foi, filho? Achou mesmo que eu não sabia que você estava pesquisando isso em vez de cuidar da doença do seu irmão?

- Eu nunca deixei de procurar a cura pro príncipe, mas também nunca disse que não tentaria salvar minha tia.

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- E, como vê, eu não o impedi de dividir seu foco nas pesquisas em prol da mulher do meu pior inimigo. – Tigrésius respondeu. – Fique, filho. Vamos fazer um novo acordo.

- Estou ouvindo.

- Se até o momento em que você encontrar a cura pro mal que aflige a rainha leonina você não tiver encontrado a cura pro meu filho, eu aceitarei como um sinal de Kallisti de que meu Eltar não pode ser salvo. Assim, o deixarei ir para o reino canibal e salvar sua preciosa madrinha.

- Você sabe muito bem que leoninos não são canibais! Isso foi um maldito mito que os Tiger criaram para fazer o povo os odiar e temer. Quanto à sua proposta... Vou pensar. –

Seth se virou e saiu batendo a porta com violência.

- Você não vai libertar o garoto, não é? Ele pode e nos será muito útil, Tigrésius. –

Leviatã perguntou preocupado.

- Mas é claro que não, Leviatã. Esse moleque só sai daqui morto!

- O que não entendo é como ele soube com tanta certeza que Eltar não está no quarto. – Leviatã disse pensativo.

- Eu faço uma ideia. – Tigrésius rosnou. – Não se pode mesmo dar a honra de ser uma escrava de um grande senhor à essas oncinhas pálidas. São todas umas fofoqueiras traidoras.

- Acha mesmo que aquela estrupício da Nyela teve coragem de contar e que Seth acreditaria tão fielmente nela?

- Você mesmo disse ontem, mago. O garoto olha pra ela como se visse a porra de um baú de joias. Só ela tem acesso à ele e o garoto com certeza ia acreditar naquela mosca morta. – Tigrésius disse, sua íris brilhando como se um pequeno lago de fogo se movesse dentro de seus olhos. – Mas essa garota vai pagar caro por isso...

- Se quiser, eu posso dar um jeitinho nela no meu quarto. – Leviatã disse espelhando o sorriso sádico do rei.

- Talvez seja uma boa ideia. Por enquanto, vamos dar um motivo a mais pro garoto pálido ficar do lado do papai aqui.

~o~

- Filha, o que está acontecendo? – Lordok perguntou. A dias ele tentava falar com Carya a sós, mas sempre vinha alguém para lhe consolar pelo estado de sua esposa ou para resolver algo do reino. Nos últimos dias era quase impossível ficar sozinho. Naquela tarde ele designou tarefas para todos bem longe dele e mandou chamar Carya com urgência. Em menos de 10 minutos, a moça atravessou metade da floresta, subiu e desceu duas montanhas, e chegou ofegante na sala do trono. Ele a acalmou e pediu que ela o

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acompanhasse em um passeio pelo jardim, lhe oferecendo o braço que ela aceitou com tanta delicadeza que deixaria Hunna orgulhosa.

- Como assim, tio? – Carya perguntou, ainda confusa e ofegante.

- Eu sei porquê Rádara e Rodan não se dão bem como antes. Metade do reino sabe e a outra metade desconfia. Mas não consigo entender o que se passa entre meu amigo e Devon. Sempre que pergunto os dois mudam de assunto ou dão desculpas muito mal elaboradas. Você sabe o que está acontecendo. Tenho certeza. E vai me dizer. – Lordok disse gentilmente, mas com aquele tom que não permitia discussões ou meias palavras.

- Tio, eu não quero me envolver niss...

- Carya, eu sou o rei aqui, lembra? Rodan é meu melhor amigo, você é minha tentente e minha amada afilhada e vocês são namorados. Devon é um dos mais promissores espiões desta geração. Se algo está afetando a relação entre vocês isso pode também afetar seus trabalhos. Ou pior! Isso pode fazer você ou meu amigo sofrerem. Filha sabe que eu não me envolvo na vida pessoal de vocês, mas não posso ver felinos que amo tanto sofrendo e ficar quieto. – Lordok disse, parando para olhar nos olhos de Carya.

Vendo o quanto ele estava preocupado, ela suspirou e disse: - Tio, essa história não é só minha.

- Então tem mesmo relação com você?

- Sim. Mas não envolve só a mim e não quero falar demais. O mais afetado nessa história toda é Rodan. O senhor sabe como ele é teimoso e metido a forte. Às vezes eu tenho vontade de bater a cabeça dele na parede por não me contar o que o incomoda, esconder as coisas de mim como se não confiasse em mim, como se não fôssemos parceiros na vida. – Carya disse, não percebendo o quanto ela soava como uma esposa e não só namorada.

- Minha linda joia, você sabe que não é isso. Rodan não permite nem a mim dentro de sua casa. E eu sou seu melhor amigo, o amigo mais antigo e rei! Ele teve dificuldades até pra aceitar Devon na casa dele, por isso usou o desejo do menino de ser espião e o mandou pra escola pra que só o tivesse em casa às vezes. Mas você? Carya, por Kallisti! Ele até empurrou as coisas dele num canto e pediu que você levasse algumas roupas pra lá, até colocou uma mesa e móveis que ele mesmo fez no escritório dele pra que você trabalhasse lá. Filha, Rodan te adora e confia mais em você do que nele mesmo. Pra um espião isso é como entregar a alma nas mãos de outra pessoa. – Lordok disse sorrindo. – Mas aquele velho passou a vida toda sendo um chato solitário, calado, até grosso às vezes quando alguém tentava se aproximar dele. Não é fácil se abrir depois de uma vida inteira assim, meu doce.

- Eu sei, tio. Mas estou cansada de ter que advinhar o que há de errado. Não aceitei ser namorada dele pra ficar ali do lado só quando as coisas estão boas. Sei que posso contar

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com ele quando as coisas ficam difíceis, queria que ele me procurasse quando ficam difíceis pra ele também. – Carya disse.

- Seja clara com ele sobre isso, filha. Rodan é um grande militar, excelente estrategista e espião, mas não é muito bom em ler os sinais sutis das mulheres.

- Vou tentar. – Carya disse com um suspiro cansado. – Sobre o que o senhor perguntou, vou conversar com ele pra que ele venha falar com o senhor. Só que antes vou ter que contar pra ele que sei o que está acontecendo.

- Merda. Ele não sabe? Pensei que era algo que vocês tinham vivido juntos.

- Foi...Bem...quase... É complicado. – Carya disse e os dois voltaram a andar, mudando para assuntos mais amenos.

~o~

Quando Seth saiu, Tigrésius deu ordens para que dois guardas que sempre iam buscar os livros para o mago na biblioteca Ksêniya fossem buscar Seth e levá-lo até a biblioteca pessoalmente, pela primeira vez. Seth entendeu que isso era uma forma de Tigrésius tentar convencer ele a ficar na capital Tiger, mostrando boa vontade. Era mesmo, mas não era o único motivo. Se Seth tivesse um pouco da malícia que Leviatã e Tigrésius tinha, teria percebido o principal motivo desse ‘gesto de boa vontade’. Assim que Seth saiu ladeado pelos guardas, Tigrésius mandou chamar Nyela. Ela, sem saber do encontro entre Seth e o rei, seguiu para os aposentos reais, respirando fundo pra se preparar para aturar Tigrésius.

Quando ela entrou, como sempre, ele estava nu com uma escrava praticando sexo oral nele enquanto ele olhava pra Nyela com deboche. Ele queria que ela ficasse com vergonha, reclamasse, corresse pra fora, fizesse qualquer coisa que ele pudesse usar como desculpa pra tortura-la. Como ela nunca esboçava reação nenhuma, apenas um desinteresse educado, continuava seu trabalho, ele a atormentava e feria mesmo sem uma justificativa mesmo.

Ela pegou a garrafa de bebida pela metade e as taças na mesa, com odor de uma droga conhecida por excitar descontroladamente uma pessoa e fazer a resistência dele ao comando sumir, colocou sobre a mesa perto da porta para levar embora quando saísse. O

rei soltou aqueles gemidos que a enojava mais alto que o de costume, nunca tirando os olhos de Nyela, atento à qualquer reação. Quando terminou, a pobre escrava olhou para os lados confusa e chorando. Ele a expulsou arrastanto a coitada pelos cabelos e fechando a porta atrás dela com chave.

- Muito bem, Nyela. Sempre o exemplo da porra do autocontrole. Só não consigo entender porque você não tem esse mesmo autocontrole sobre sua maldita língua.

Nyela tremeu, mas manteve a compostura. – Não sei do que está falando, majestade.

Vim aqui apenas por que o senhor me chamou.

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Ele deu um passo na direção dela e, instintivamente, ela deu dois passos pra trás.

- Eu devia te matar, ou entregar você pra Leviatã brincar com esse seu corpo magricelo que mais parece um menino pequeno. – Tigrésius disse. – Você tinha que abrir essa boca pro mago pálido e feioso que nem você, não é?

Nyela gelou. Seth teria contado o que ela disse? Não. Ele não era mau. Mas também, ele era inocente demais, talvez tivesse dito algo que fez o rei entender... – Eu não...

Tigrésius deu um tapa no rosto de Nyela a jogando no chão. Ele pisou na nuca dela, mantendo-a no chão, se agachou um pouco e disse com aquela voz baixa e perigosa: - Não minta pra mim, garota esquisita e sem graça. Eu sei que você contou, sua puta desgraçada!

Mas tudo bem, querida. Eu não vou matar você. Ainda. Você é mais útil viva. Nada prende mais um macho num lugar do que uma vadia muito desejada e, bem, o tesão daquele garoto por você é óbvio. Então, se você ainda não se abriu pra ele, você vai. E vai fazer isso muito bem. Porque se ele tentar sair deste palácio eu mato ele naquele touro de bronze na sua frente e depois te dou de presente pro Leviatã. Acho que o reino todo sabe o quanto ele gosta de comer garotinhas e garotinhos, não é.

- Eu...eu... – Nyela estava tentando não chorar de medo, mas era impossível e estava ficando sufocada com a pressão do pé do rei em sua nuca. Ela não era burra pra tentar escapar. Ele a mataria com aquele poder de fogo dele.

Ele tirou o pé e mandou ela se levantar. Nyela levantou tremendo tanto que era impossível não ver á distância.

- Tem mais uma coisa. – Tigrésius disse com um sorriso terrível. Destrancou a porta e fez sinal pra alguém entrar. Quando Leviatã passou pela porta, Nyela sentiu o pânico a dominar. O olhar do mago a fez se sentir nua, embora usasse um vestido de tecido simples, mas bem arrumado como convinha à uma serva do rei. Tigrésius pegou uma garrafa de um licor muito caro e esverdeado, encheu duas taças, entregou uma ao mago depois se sentaram no sofá. – Veja você, jovem escravinha, que as pessoas falam bastante quando lhe damos um pouco de comida.

- É muito interessante o que podemos descobrir com isso, amigo. – Leviatã disse para o rei, mas com aquele olhar nojento em cima da jovem que tremia visivelmente com as duas mãos na frente do corpo, tensa.

- Não é?! Quando que eu iria imaginar que essa menina sem graça era uma dançarina tão boa e tão conhecida na vizinhança. – Tigrésius disse e Nyela sentiu o coração acelerar.

Ela não queria que o rei soubesse, não aquele rei com a mente tão podre, que ela pretendia ser uma dançarina sagrada de Kallisti. – Ah, minha nossa, Leviatã, meu amigo, você parece tão triste com a ausência do seu amiguinho Eltar. Eu sou um amigo ruim. Como não percebi antes. – Tigrésius zombou e Leviatã tinha um sorriso perverso no rosto. – Vou corrigir isso

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agora. O que pode ser melhor pra aliviar a tristeza de um macho do que uma dançarina, não é?

- Eu não vou dançar pra vocês! – Nyela disse tirando coragem nem ela mesma sabia de onde.

- Olha só. Você tinha razão, majestade. Ela tem coragem. Onde será que ela esconde tanta coragem? – Leviatã disse com um ar cruel.

- Boa pergunta, meu amigo. Acho que teremos que descobrir. – Tigrésius disse sorrindo e então ficou sério, chamas surgindo em seus olhos e o licor borbulhando na taça em sua mão com o calor emanado. – Você vai dançar pra nós e vai tirar toda sua roupa no processo, como aquelas vadias que Ilana treinou naqueles bordéis magníficos ou então...

Bem, vou ter que entregar você pro mago aqui.

Nyela estava envergonhada, com medo, se sentindo nojenta, mas não queria arriscar ser tocada pelo mago que todos sabiam bem o que fazia com seus amantes, consensuais ou não. Pelo menos, seria só uma dança nojenta. Ela esperava que fosse. Mesmo com lágrimas de raiva, nojo e medo escorrendo pelos seus pêlos faciais, ela dançou e tirou cada peça de roupa até não sobrar nada. Ela era realmente uma grande dançarina. Era preciso ser excelente pra ser convidada à se tornar a dançarina de Kallisti quando se tornasse adulta.

Mas ela nunca teria essa chance enquanto o rei vivesse e a mantesse como escrava. O pior de tudo era sujar uma coisa sagrada como a dança com um propósito tão nojento. O rei e o mago não tiraram os olhos repletos de luxúria de cima dela o tempo todo.

Quando terminou ela se sentia a felina mais suja de Likastía. Ela só queria correr e se esconder numa caverna e passar o resto da vida como os antigos felinos que andavam de quatro, caçando, comendo e rosnando feito animais.

- Ela é muito boa. – Leviatã disse com um desejo selvagem na voz, a olhando não com o desejo misturado com carinho que Seth a olhara. Mas sim um desejo que a fazia se sentir nojenta, violada só pelo olhar dele.

- Eu tenho que admitir, a magricela sabe rebolar como uma piranha que preste. Está decidido. Esta noite você vai dançar no jantar e vai deixar aquele garoto duro como uma pedra. – Tigrésius disse. Não. Na verdade, Tigrésius ordenou. – Mas, seja decente, vadia.

Não tire a roupa na frente do moleque. Não sei se o menino tem capacidade de aguentar uma mulher pelada na frente dele.

Tigrésius e o mago gargalharam com o deboche.

Ele tem muito mais capacidade, é muito mais macho do que qualquer um de vocês dois, amebas, sonhou em ser! Nyela pensou com raiva.

À noite, Seth ficou morto de medo quando chegou em seus aposentos e uma escrava estranha o esperava para ajudar a se preparar pro jantar. Ele estava decidido a ir embora e levar Nyela com ele, nem que precisassem fugir pela perigosa floresta ao redor das Fontes

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Sagradas Termais. Mas, quando não a viu ali e a escrava não soubera, ou não quis, dizer onde a moça estava o pânico se apoderou dele. O que aquele rei poderia ter feito com ela e porquê? Será que Tigrésius sabia que fora Nyela quem o alertara?

Kallisti, Luz na Escuridão, não permita que algo ruim tenha acontecido com Nyela. Eu nunca me perdoaria se ela estivesse... Deuses eu não consigo nem pensar. Mas ele pensava.

Ele seguiu para a sala de jantar com o coração pesado. O rei e o mago estavam à mesa conversando e rindo o jantar todo, até o incluindo na conversa como se a discussão da manhã nunca tivesse acontecido. Ele está me punindo. É isso. Como eu o enfrentei ele tirou Nyela de mim. Será que ele percebeu o quanto a amo? Mas eu fui cuidadoso o tempo todo.

Deuses... Ele deve estar mantendo ela presa. E se ele tiver torturado ela? E se... Não. Eu saberia, eu sentiria se algo estivesse errado com ela...

Quando Seth estava pronto para exigir que o rei contasse onde Nyela estava, resgatar ela e fugir, o rei disse: - Seth, meu talentoso filho, não quero que você pense mal do seu pai. Então resolvi lhe dar um presente. – Tigrésius bateu palmas e Seth sentiu que aquilo não seria bom.

Nyela surgiu linda num vestido transparente, dourado e preto, as cores das vestes de Kallisti, sem nada por baixo, uma tiara dourada na testa, um colar dourado justo no pescoço e pulseiras douradas folgadas nos pulsos e pés. Seth ficou mudo, sem reação. Ela olhava pra ele, mas não em seus olhos. Algo estava errado e ele podia sentir até em seus ossos. Uma música com sons de tambores de diversos tamanhos e estilos começou lenta, provocante.

Quando Nyela começou a se movimentar com uma graça magistral ao ritmo da música, a garganta de Seth ficou seca. Ele nunca imaginara que ela era uma dançarina tão magnífica.

Era hipnotizante. O ritmo aumentou gradativamente, ele, o mago e o rei, acompanhando com palmas e batendo um pé no chão, a tradição que demonstrava respeito e admiração pela dança bem executada. Seth estava encantado e sabia que, naquele momento, Nyela dançava só pra ele, mesmo que ela não pudesse demonstrar isso abertamente por respeito ao rei (ou medo).

Nyela dançou e tentou ignorar os dois Tiger nojentos à mesa, focando apenas no tigre pálido que amava e que a via não como um pedaço de carne sexual, mas sim como ela mesma, com seus defeitos e qualidades, respeitando e valorizando cada pedacinho de sua personalidade. O olhar fascinado, encantado e, ao mesmo tempo, repleto de desejo de Seth era uma massagem no ego feminino dela, não era nojento como o do mago. Enquanto o olhar do mago a fazia se sentir suja, o de Seth a fazia se sentir a joia mais preciosa e adorada do planeta.

Quando a dança terminou, a voz do rei os tirou de seu momento puro e doce: - Eu amo as danças que Nyela sempre fez pra mim em nossa intimidade. – Tigrésius disse com

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um toque sutil de maldade na voz. – Ela só dança pra mim e Leviatã porque, como vê filho, ela é fantástica e não gosto de dividir minhas fêmeas com qualquer um.

Nyela olhou pra Seth como se sutilmente implorasse que ele não acreditasse nas mentiras do rei. Mas não tinha como Seth acreditar. Ele percebera naquela noite que fora o primeiro felino com quem a moça esteve, então ela não tinha sido amante de ninguém e, mesmo que tivesse sido, ele não estava nem aí. Ele a amava e ela o amava. Nada mais interessava pra ele.

- ...Mas vou permitir que ela dance pra você, desde que você nunca a toque como fêmea. Pra isso eu te permito pegar qualquer fêmea, ou machinho se for seu gosto, - o rei acrescentou debochando – deste palácio. Menos ela.

Seth não era tão burro quanto parecia. Ele sabia que essa era uma prova sutil do poder que Tigrésius tinha, que ele sabia da atração de Seth pela moça e poderia tirá-la dele a qualquer segundo. Se Seth fosse embora, Tigrésius provavelmente a entregaria para Leviatã e todos no reino sabiam o que isso significava.

- Eu não pretendo ir a lugar nenhum. Aceito sua proposta e não vou tocá-la, não se preocupe. – Seth respondeu.

Tigrésius ganharia de qualquer forma. Ele conhecia a força da paixão e sabia que Seth não ia resistir à possuir Nyela, principalmente vendo as danças dela. Ele fingiria que não sabia das escapadas do jovem mago com a escrava e, cedo ou tarde, usaria isso pra ferir Seth ou, pior, usar o rapaz como planejava desde aquela maldita e humilhante batalha.

Nyela, mais atenta e acostumada às maldades do rei, ficou grata e, ao mesmo tempo, lamentou a decisão de Seth. Sua falta de malícia será sua ruína, meu amor. Ela pensou com tristeza.

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Boas-vindas

- Eu entendo sua frustração, Lordok, mas não há nada que possamos fazer. A palavra de um mago é sagrada, não se pode desobedecer a uma ordem expressa de um mago. É

errado... – Hunna disse. – Acha que não me dói saber que meu filho, um menino tão doce e puro, está lá com aquele monstro?

- Eu sei, Hunna, eu sei... Mas... AAAARG! – Lordok levantouos braços, agitado. – Minha mulher nesse estado aterrador, minha filha agindo estranho, Seth vivendo com aquele lunático disfarçado de rei, o mago nojento e o príncipe com aquele olhar de serpente dele...

Sem falar na relação entre meu melhor amigo e o filho dele. Parece que todo o reino fugiu ao meu controle! Tudo está desmoronando e eu não consigo ajudar ninguém! Que tipo de rei eu sou?

- O melhor que já conheci. – Hunna disse, puxando Lordok para o sofá de novo, segurando suas mãos entre as dela. – Lordok, vamos, tenha fé. Seth não é bobo, ele sabe se defender. Temos que dar o tempo que ele pediu. Quanto à Rád e Rodan só existe uma solução viável.

- Eu sei. Tenho que conversar com eles, mas os dois estão me evitando. Se o assunto não tem relação com seus respectivos trabalhos, eles fogem de mim. Se Teira estivesse aqui ela saberia o que fazer...

- Desculpem atrapalhar. – Fagrir entrou, deu um beijo na testa da esposa e cumprimentou Lordok. – Tem uma senhora procurando pela Carya, mas ela não está no treino dos cadetes e nem na casa do namorado. Como não a encontrei, trouxe a senhora para falar com você, Lordok.

- Porque para mim?

- Ela parecia ansiosa, preocupada. Acho que é algum tipo de informante, mas não quis confirmar. De qualquer forma, acho que você devia falar com ela. É uma criatura...

Interessante.

- Tem alguma ideia de onde a Carya está? – Hunna perguntou.

- Na verdade, tenho quase certeza que sei onde ela está. – Fagrir disse enquanto caminhavam para o salão do trono com Lordok.

- Então porque não vai buscá-la? – Lordok perguntou.

- Porque, meu amigo, ela sumiu e Rodan também e nós sabemos bem o quanto aquelas cachoeiras deixam as damas de nossas famílias empolgadas. – Fagrir disse com um sorriso brincalhão deixando Hunna vermelha e Lordok rindo. – Não quero pegar o casal num momento íntimo.

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Quando Lordok chegou, precisou se controlar pra não rir. Uma velha felina leonina encurvada com uma bengala rústica estava na porta principal apertando os bíceps fortes de um dos guardas que estava imóvel como uma estátua, mantendo a concentração em seu posto. O coitado estava visivelmente contendo o riso enquanto a velhinha dizia o quanto ele era bonito, dentre outras coisas.

- Boa tarde. – Lordok disse se sentando no trono com Hunna e Fagrir de cada lado e atrás dele. A velha se aproximou com um queixo erguido, olhou bem pra ele, mas não fez uma reverência. Lordok deixou pra lá, afinal ela era muito velha e talvez simplesmente não conseguisse se curvar. – Eu sou Lordok, rei Leonino. E a senhora é....?

- Vó. Pode me chamar de Vó.

- Em que posso ajudá-la, nobre Vó? – Lordok perguntou respeitando a idade avançada da mulher.

- Você? Em nada. Eu nem te conheço. – Ela respondeu e Hunna arregalou os olhos. –

Eu vim trazer uma informação pra menina Carya. Ela eu conheço, você não. E não me olhe com essa cara, menino! Você até é bonitinho, mas eu não dou a mínima se você é rei ou um bobo da Corte. Só dou informações pra quem conheço e confio.

Lordok não sabia se ficava chocado, se ria... Os guardas deram um passo à frente para a velha, afinal ela não estava se comportando exatamente como deveria. Mas Lordok fez um sinal com a cabeça pra eles se afastarem.

- Muito bem, Vó, a senhora não me conhece, mas Carya não se encontra no momento e...

- E eu vou esperar a menina. Agora pare de me olhar como se fosse apaixonado por mim e pegue uma cadeira. Minhas pernas não me sustentam mais tão bem. – Vó disse e Lordok ficou um momento paralisado com o jeito engraçado da mulher. – Anda, menino!

Quer matar uma velha de tanto deixar ela em pé!?

Lordok, divertindo-se, acompanhou a idosa e os amigos até o conjunto de sofás e poltronas na sala próxima e deu ordens para que Carya fosse levada até eles assim que chegasse. Um lanche foi servido enquanto conversavam para esperar Carya, mas mal houve tempo para sentar. Carya e Rodan chegaram logo, ambos com os pêlos ainda úmidos, e entraram com uma reverência. Quando Carya se levantou e viu a visitante, correu e deu um abraço apertado na velha.

- VÓÓÓ!!!! Não acredito!

- Pois é bom acreditar, menina lindinha. – Vó disse afastando Carya pra olhar melhor pra ela. – Minha nossa, criança, como você está bonitona. Acho que imagino o motivo...

Ela olhou para Rodan maliciosamente.

- Senhora, como está? – Rodan disse carrancudo, mas havia um brilho de felicidade em seus olhos.

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- Não muito bem... Meus ossos doem, minha juntas doem, minha bunda dói de tanto cavalgar... – Vó disse dramaticamente.

- Bem, deixa eu apresentar vocês. – Carya se virou para o grupo que observava a cena curioso. – Está é Vó, a bondosa senhora que me ajudou quando Rodan foi covardemente atacado por aquele tal Lino. Vó estes são o rei Lordok que você obviamente já ouviu falar, meu pai Fagrir e minha mãe Hunna.

- Ah, claro. Por isso você se parece tanto com ela. Vem aqui, menina Hunna. Anda, vem logo que não tenho mais tempo de vida pra perder esperando. – Vó disse e Hunna se aproximou. Vó a abraçou com braços mais fortes do que parecia possível para alguém de sua idade. – É bom conhecer a mãe da menina Carya. Ai nossa, minha memória é mesmo horrível! Menina eu vim até aqui pra te entregar uma informação importante.

Carya e Rodan se sentaram lado a lado, perto do rei, em frente à idosa. – Que informação, Vó? – Rodan perguntou.

Vó olhou para os lados como se imitasse um espião, abaixou a voz e perguntou: -

Posso falar na frente deles?

Lordok escondeu o riso enquanto bebia o suco.

– Nós não somos... – Fagrir começou a dizer.

- O que vocês são é o que a menina disser. Não se deve entrar nas conversas dos outros sem ser convidado, menino. – Vó disse balançando a bengala ameaçadoramente.

- Vó, ele é meu pai. – Carya disse apaziguando. – O que tiver pra dizer pode dizer na frente de todos aqui.

- Muito bem. Se você diz eu acredito. – Vó se recostou. – Lembra das luzes estranhas que acontecem naquela vila chata onde moro, não é? Claro que lembra. Você é jovem, tem memória melhor que a minha. Bom, outro dia uma luz dessas apareceu no meu quintal e eu saí com meu rolo de massa pra bater em qualquer fantasma porque, você sabe, ninguém invade a casa da Vó! Mas, pense você, quando eu saí tinha um moço forte, gostosinho, parado na porta dos fundos me esperando. Eu pensei: “Vó, finalmente você morreu e agora um gostoso vai satisfazer todos os seus sonhos sexuais no paraíso”.

Hunna ficou tão envergonhada que abaixou a cabeça no ombro do marido instintivamente pra esconder o rosto.

- Mas claro que não morri. Ainda estou na droga deste mundo! Com a minha sorte é capaz daquele velho chato do meu falecido marido estar me esperando do outro lado com aquele pinto médio dele. – Vó acrescentou e Hunna sentiu o próprio rosto queimar enquanto Fagrir e Lordok tinham dificuldades pra segurar a risada. – Bom, o gostosinho usava essas roupas pretas coladinhas pra gente ver tudo sabe... Essas que os espiões usam, mas, parecia um pouco diferente. Ele disse que eu devia sair da minha casa porque um tal

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de Lino tinha roubado uma coisa dele e ia usar pra me matar se eu não contasse onde estava não sei o que.

- Lino?! – Hunna exclamou.

- Não me interrompa, menina! – Vó reclamou. – Como eu dizia.... Eu não saí. Era tarde e eu estava com frio. Não sei o que esse Lino ai procurava, mas, uma hora depois, o dia já clareando, esse moço gostosinho apareceu de novo, me jogou no ombro com aqueles braços fortes deliciosos, pegou minha bengala e me levou pra fora. A gente já tinha seguido um bom pedaço de caminho quando vi a fumaça na minha casa. Minha linda casinha estava sendo queimada. – Vó se forçou a não chorar, mas se via o quanto isso a abalara. – Ele me levou até a entrada da cidade, me colocou em cima de um cavalo e pediu pra eu entregar uma coisa pra você. Depois ele sussurrou algo pro cavalo e o bicho partiu em disparada que nem maluco, até aqui.

- Vó... Sua casa... Eu lamento... – Carya disse triste.

- É só um monte de madeira e pedra, querida. – Vó disse, mas, obviamente não era só isso. Aquele havia sido seu lar a vida toda e ela o perdera simplesmente por ter ajudado Carya.

- Vó, o que a senhora tinha que entregar pra Carya? – Rodan perguntou.

- Ah, sim! Que cabeça a minha. Aqui querida. – Ela tirou um frasco do bolso e entregou. – O gostoso de preto disse que você vai precisar disso e que vocês não devem procurar mais a luz. Como foi mesmo que ele falou?.... Sim, sim... Ele disse “não procurem a luz; vocês tem muito mais com o que se preocupar; a luz não é inimiga dos justos; a luz te encontrará quando chegar o momento.”. Gostoso, mas meio maluco.

- O que é isso? – Lordok perguntou pra Carya.

- Eu não faço ideia. Mas, tenho a sensação de que Seth pode descobrir.

- Podemos enviar para outro mago aqui analisar. – Fagrir disse.

- Pode ser, mas, não sei porque, sinto que Seth deve ver isto. – Carya murmurou.

- Esperem... Que espião era esse? – Hunna perguntou.

- Não era um espião. – Rodan murmurou. – Só pode ser aquele estranho que ajudou Carya comigo quando fui atacado.

- O que Lino procurava em sua casa, senhora? – Lordok perguntou.

- E como vou saber? Minha receita secreta de bolo de carne? – Vó respondeu brincando. – Menino emburrado, você não esqueceu nada importante lá?

- Não senhora. Isso posso lhe garantir. – Rodan respondeu.

- Precisamos encontrar esse tal Lino e resolver esse mistério. Rodan, Carya, vocês dois devem encontrar esse espião e trazê-lo para mim. Vó, visto que sua residência foi incendiada possivelmente por ter ajudado meus dois soldados e que esse Lino acredita que a senhora sabe de algo, não acho prudente que se afaste daqui. Posso lhe arranjar uma bela

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casa aqui pra senhora ficar até resolvermos esse problema. Prometo que reconstruirei sua casa em sua aldeia depois.

Carya já estava empolgada com a ideia de ter Vó por perto. A velha olhou pra ela, depois se voltou pro rei.

- Só se for perto da menina Carya. Temos muitas fofocas pra colocar em dia.

- Muito bem então. – Lordok disse com um sorriso enorme. Ele realmente gostara daquela velhinha meio doida que tornara seu dia mais leve, apesar das notícias preocupantes. – Seja bem-vinda, Vó.

~o~

Lino entrou pisando forte, espirando fortemente e com uma cara de poucos amigos.

- Bem-vindo de volta. – Eltar disse aparentemente indiferente, sentado lendo um livro, mas, intimamente se divertindo com a cara de Lino. - Nada?

- Nada! – Lino disse irritado, fazendo uma reverência profunda, digna de um rei, para Eltar e indo pegar água. – A maldita velha também não estava lá.

- Isso é curioso. – Eltar o encarou, largando o livro. – Velhos são criaturas de hábitos, eles não se mudam assim, sem motivo.

- Não mesmo. E essa não se mudou. Pelo menos não aparentemente. A cama dela ainda estava desarrumada e as cinzas do fogão estavam quentes.

- Alguém avisou.

- Foi o que pensei. Mas ninguém me viu chegando perto.

- Só consigo pensar em uma opção. – Eltar murmurou. – O espião de quem você roubou essa coisa.

- Droga! – Lino chutou a parede irritado.

- Relaxa, Lino. Eu vou começar a cobrar alguns favores quando voltar para o palácio. Aí resolveremos nossos problemas.

- E quando sua alteza pretende voltar?

- Amanhã.

- Mesmo? – Lino perguntou surpreso.

- Sim. Aquele imbecil do meu pai mandou uma mensagem pra rameira daquele bordel e peguei hoje. Ele quer que eu volte o quanto antes. Parece que os planos com o idiota do mago descolorido mudaram. – Eltar disse. – Você tem sido muito útil. Leal, dedicado... Eu aprecio isso.

- É meu trabalho, senhor. Sabe que é uma honra lhe servir. – Lino disse.

- Sim, eu sei que é. Mesmo assim, eu gosto de valorizar quem trabalha bem. Por isso, paguei o bordel pra que você tenha a puta que quiser, quantas vezes quiser, por um mês.

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Com a sua aparência ridícula, não deve ser fácil arranjar uma fêmea. Lá também tem alguns rapazes, caso você prefira.

- Eu agradeço pelo presente, senhor. Vou aproveitar mesmo. – Lino mentiu, mas nada em sua voz ou postura denunciou a mentira. Ele nunca teria nada com ninguém de um bordel, talvez nem mesmo pudesse entrar em um. Mas o presente poderia ser usado a seu favor? Ele pensaria nisso depois.

- Ah, Lino. A prova do assassinato que aquele tal de Devon cometeu vai ficar aqui com você.

- Pretende entregar o rapaz antes dos planos de seu pai?

- Possivelmente, mas ainda não tenho utilidade pra isso. Só mantenha guardado.

Nunca se sabe quando uma informação nos será útil. Mantenha os olhos em Carya e Rádara, mas fique quieto. Não ataque até minha ordem. Deixa que tento encontrar aquilo usando meus favores.

- Sim senhor. Vou manter a vigilância nas duas. – Lino disse. Ou, neste caso, nas três.

Sua hora vai chegar, Hunna. Ele pensou ansioso pela vingança que planejava a anos.

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Lições mal aprendidas

- Pai eu não acredito! Ele não merece toda essa atenção e o senhor sabe...

- Rádara, pelas Luas Irmãs, qual é o seu problema, minha filha? – Lordok estava impaciente com a implicância da moça. – Toda vez que vou recompensar seu tio agora você...

- ELE NÃO É MEU TIO!

- Rádara não me faça perder a paciência! Abaixe o tom pra falar comigo. Ainda sou seu pai e seu rei. Como você parece não me respeitar mais como seu pai, então vou ordenar como seu rei: de hoje em diante não quero mais ver você implicando com o comandante e seu TIO, Rodan. Você deve respeito ao felino que salvou sua vida e praticamente te criou! –

Lordok disse irritado. – E chega de armações contra ele.

- Ah então ele já veio choramingar no seu pé! Aposto que ele falou o que bem quis, distorceu tudo... Claro! Ele é o coitadinho que nunca faz nada de errado e eu sou a vilã que esfregou a verdade na cara do filho dele! Ele não é um santo! Ele é um merda órfão que nem da nobreza não é!

- Por Kallisti, quem é você e o que fez com a minha filha tão gentil? Você é a responsável pela briga de pai e filho? Rádara... – Lordok disse decepcionado.

Rádara percebeu então que o pai não sabia de nada, que só tinha falado sobre armações da boca pra fora, talvez achando que ela ainda fosse armar algo pra separar Rodan e Carya. – Pai...

- Cala a boca, Rádara. Por tudo que é mais sagrado, só...cala a boca. – Lordok fechou os olhos, contando mentalmente pra não dar uns tapas bem merecidos na filha. – Eu não sei o que é mais nojento... Você ter causado uma briga entre pai e filho, amigos, tão séria que ambos nem estão mais se falando, ou você falar como um maldito membro da Corte Tiger com esse preconceito de classes imbecil. Sua mãe era uma escrava, Rádara. Uma ESCRAVA. E isso nunca fez diferença pra mim. Nunca. Eu a amei desde o momento em que a vi cheia de hematomas, cortes mal cicatrizados, roupas esfarrapadas, toda bagunçada, no meio de uma das batalhas mais sangrentas que já enfrentei. Onde errei com você, filha? Eu e sua mãe, até nossos amigos, sempre te ensinamos que não se deve menosprezar ninguém pela classe social ou qualquer merda superficial assim. E você fala com tanto nojo da classe e da condição familiar do seu tio, o felino que lutou por você, que sangrou pra te proteger, que te colocou no colo e cantou pra você dormir quando eu e sua mãe estávamos atendendo aos súditos?!

Rádara manteve a cabeça erguida, mas seus olhos estavam brilhando com as lágrimas, os punhos fechados do lado do corpo.

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- Vá trabalhar, Rádara. – Lordok disse virando de costas, incapaz de continuar olhando pra ela. – E, quando terminar, vá encontrar as lavadoras no rio. De hoje em diante você trabalhará com elas todas as tardes, como uma aprendiz subalterna à líder das lavadoras de roupas, e deverá fazer tudo que ela mandar.

- Mas, pai... Esse não é um trabalho digno de uma princesa...

- TODO trabalho é digno, Rádara. Mas parece que você vai precisar sentir na pele o que é trabalhar duro como os mais humildes trabalham pra entender. – Lordok disse se virando pra encará-la com seu olhar mais fulminante. – E não pense que esse será seu único trabalho. Daqui a alguns dias você deverá ajudar no trabalho dos mensageiros.

- Organizando as entregas?

- Ninguém começa nesse trabalho organizando entregas, menina. As pessoas começam de baixo. Você vai entregar mensagens de casa em casa, como todo iniciante.

- Mas...

- Sem “mas”, Rádara. – Lordok disse com firmeza. – Vai fazer o que estou mandando até segunda ordem. E agradeça aos deuses por eu não enviar você para trabalhar como garçonete dos militares em algum ponto da fronteira ou nos campos colhendo como os camponeses fazem. Agora suma da minha frente ou não respondo por mim.

Rádara saiu e fechou a porta com força. Lordok deixou-se cair no sofá, com um peso no peito quase sufocante. Ele odiava dar broncas na filha. As raras vezes que ela aprontara, eram coisas bobas de criança travessa. Não. Rádara sempre fora muito calma, mas acabava aprontando por influência da Carya que conseguia convencer ela e o irmão a partirem em todas as suas aventuras. Geralmente ele dava pequenos castigos e sempre tirava ela antes do prazo, o que deixava Teira muito brava com ele. Ela era mais rígida com a filha, ele não conseguia e odiava quando precisava dar castigos à sua princesinha. Mas esse comportamente preconceituoso, essa intriga causada por ela, isso ele não podia deixar passar em ninguém, principalmente na jovem que um dia governaria seu povo.

- Preciso falar com Rodan... – Lordok disse pra si mesmo, colocando o rosto entre as mãos.

~o~

- Então o garoto sem cor já sabe? – Eltar perguntou.

- Mais ou menos. Digamos que o moleque não está mais tão iludido sobre minha boas intenções. – Tigrésius disse. – Acredita que ele está tentando me convencer à ser bonzinho?

Eltar não precisou fingir, ele realmente gargalhou. – Jura? Ele acha que nós somos iguais aos leoninos frágeis que agem só com base no coraçãozinho cheio de emoções fofas?

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- AHAHAHA! Pelo visto sim. Por um lado é divertido ver ele falar sobre como eu posso me tornar melhor, que não preciso ser malvadinho pra ter companhia. Acredita que ele veio dizer que eu tenho um bom coração, mas que disfarço isso?

- Deuses! AHAHAHAHA! Que garoto mais trouxa.

- Não fale assim do seu irmão, Eltar. – Tigrésius disse com uma expressão séria. Mas logo a expressão vacilou e ele caiu na risada. – AHAHAHAHAHA!

- AHAHAHAHA! – Eltar riu junto.

- Qual é a graça? – Leviatã perguntou entrando no escritório.

- Seth....AHAHAHA....Coração bom.....AHAHAHAHA! – Eltar mal conseguia respirar.

- Ah sim, vejo que nosso rei já o agraciou com as novidades sobre o mago crédulo.

- Certo, certo... – Tigrésius secou uma lágrima que caíra de tanto rir. – Vamos focar no trabalho. Leviatã tem conseguido roubar parte da magia do garoto toda noite enquanto ele dorme em cima daquela coisa.

- Quanto mais vai demorar? – Eltar perguntou ao mago.

- Um ano se não quisermos que ele perceba.

- É, eu gosto do plano. O molecote vai definhar aos poucos e morrer aqui. Mas estou tão cansado de me comportar... Quero muito usar aquele touro que meu filho único me deu. – Tigrésius disse com um tipo bizarro de orgulho maligno pela iniciativa de Eltar em lhe dar algo que ele gostava tanto. O rei não sabia que aquele uso bizarro não era a ideia original do projeto, ele pensava que Eltar tinha enganado o artista e que aquele era o uso planejado mesmo. – Talvez eu deva usar nosso mago deficiente de cor pra atacar nossos inimigos. Seria divertido ver o sofrimento dele e dos bundões leoninos.

- Com a motivação certa e uma boa dose de engano o senhor poderia usá-lo assim. –

Eltar já estava se divertindo imaginando o caos que isso causaria.

- Poderíamos usar a escravinha nisso. – Leviatã disse, torcendo pra que o rei entregasse Nyela à ele.

Eltar percebeu a sutil animação do mago e olhou feio pra ele. Ambos se olharam por dois segundos sutilmente, mas a mensagem foi bem clara.

- Vou pensar nisso. Por enquanto, Eltar, quero que vá pro seu quarto e fique lá até segunda ordem. Não faça essa cara, rapaz. Eu mando algumas garotas pra você se divertir e tenho certeza que Leviatã vai visitar você para que vocês possam...conversar. – O rei disse com malícia sutil.

Naquela mesma noite, assim que o jantar terminou, Leviatã foi para o quarto do príncipe com um sorriso maligno no rosto. Ele deu três batidas leves e rítmicas, o sinal combinado para que o príncipe abrisse a porta. Eltar abriu e se voltou para sua varanda onde haviam duas cadeiras estilo espreguiçadeiras. Seu quarto e a varanda estavam escuras, sem nenhuma iluminação a não ser a luz das estrelas, o suave brilho dos anéis e a

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luz distante da cidade atrás das árvores do jardim abaixo. Ele se jogou em uma das cadeiras de mau humor, nem esperando que o mago entrasse.

- Alguém está bravo esta noite. – Leviatã disse calmamente. Eltar continuou em silêncio, olhando para o céu estrelado, cortado na diagonal pelas linhas azuis dos anéis do planeta, pouco mais claras que o céu noturno. Leviatã se sentou na beirada da cadeira onde o príncipe estava quase deitado de braços cruzados sobre o peito. – Acho que meu príncipe não vai se importar se eu me sentar aqui.

- Talvez fosse melhor se sentar em seu quarto com algumas garotinhas sem graça. –

Eltar disse com a cara amarrada.

- Ora, ora, meu rapazinho está com ciúmes? – Leviatã sorriu abertamente.

- Não se trata de ciúmes, Leviatã. Eu não suporto aquela menina insoça, sonsa... Ela vai ser um problema, eu sinto isso. Você está perdendo o bom gosto, mago. – Eltar disse enquanto se levantava e andava de um lado pra outro na varanda.

- Claro, claro... Meu rapaz de língua deliciosa, você é meu favorito. Não precisa ter ciúmes. – Leviatã disse e bateu em seu colo. – Senta aqui, meu rapaz.

Eltar olhou pra ele emburrado, mas acabou se aproximando e sentando no colo do mago, ambas as pernas de um lado do corpo do mago.

- Eu sei que você não gosta dela, Eltar. Existem seres que simplesmente não se suportam desde o primeiro momento em que se vêem. É natural. Mas a garota vai ser útil aos planos do seu pai e não posso dar motivos pra ele desconfiar de mim. – Leviatã disse, colocando uma mão na lombar do príncipe.

- É só por isso?

- Não. Não é só por isso. Eu quero me divertir com ela porque ela me lembra a escrava que seu pai ia me dar, mas que a vagabunda da Hunna teve a audácia de levar com ela naquela maldita fuga. Vou descontar nessa menina magrela o que não pude fazer com a escrava fujona. Mas, não se preocupe, não tenho motivos pra ter cuidado com ela e garanto que ela vai morrer depois. Todos esses fracotes morrem incapazes de aguentar minha paixão. Exceto você, meu garotinho resistente e apaixonado.

- Eu acho bom, Leviatã. Porque se ela não morrer nas suas mãos depois que você gastar aquele corpo magricelo, eu mesmo mato aquela piranha no touro que meu pai adora usar. – Eltar disse sério e mudou pra ficar sentado de frente pro mago, uma perna de cada lado. Leviatã tentou, mas não pôde esconder o sorriso satisfeito com o ciúme do rapaz.

~o~

- Rád? – Devon chamou. – É você?

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Rádara colocou o cesto pesado com roupas molhadas no chão, esticou um pouco as costas, tirou o lenço amarrado na cabeça pra amenizar o peso do cesto e olhou feio pro rapaz. – Sou.

Devon olhou a garota de cima a baixo, com aquele vestido simples, surrado, um avental longo, toda molhada e sorriu. – Nossa! Quase não te reconheci. O que está fazendo entre as lavadeiras? Isso não parece nada com você.

- Meu pai foi influenciado por aquele imbecil do Rodan. Ele está tentando minar qualquer apoio que eu possa ter. Primeiro foi a Carya, agora meu pai... Ele quer nos isolar, nos deixar sem opções pra destruir os planos dele.

- Tem certeza? – Devon perguntou com o semblante sério. Se ele não tivesse visto as provas, se não tivesse percebido as coisas suspeitas que o pai fazia... Era tão difícil aceitar que Rodan era um pilantra.

- Absoluta. Ele jogou meu pai contra mim. É por isso que estou aqui, como castigo.

Devon, temos que dar um fim no Rodan. Não só porque ele mentiu pra você, tomou Carya de mim e depois de você, armou essa mentira toda sobre a maldição. Ele está influenciando à todos e tem uma aliança com o inimigo...

- Se continuar assim, ele vai depor seu pai e quem sabe o que mais. – Devon terminou o pensamento. – Rád, eu sei que você tem razão, mas Rodan é esperto. Ele não deixa pontas soltas. Você tem visto como é difícil provar. Precisamos de tempo...

- Não temos tempo, Devon. Você não vê? Ele tem a confiança do meu pai a ponto de fazer o rei se voltar contra sua única filha! Temo que ele possa matar o rei... É por isso que precisamos matá-lo.

Devon se arrepiou. Mesmo ferido, mesmo odiando o comandante por ter se aliado ao inimigo, por ser um pretenso usurpador do trono leonino e por tirar a chance dele com Carya, no fundo de sua mente ele ainda tinha esperanças de que tudo se resolvesse, que Rodan desistisse do plano. – Eu entendo os riscos, Rád. Entendo sua preocupação com seu reino e seu pai, mas Rodan não é idiota pra matar o rei assim.

- E se ele matar, mas jogar a culpa pra cima de mim, ou de você, ou...deuses...até mesmo em cima de Carya ou Seth! Você sabe que tenho razão, Devon. Você sabe que Rodan precisa morrer.

- Eu sei... Vamos fazer o seguinte... Vou intensificar a busca por provas, você evite conflitos com seu pai ou Carya...

- Ela não fala mais comigo...

- Melhor. Assim você evita alertá-la e, consequentemente, ela alertar Rodan. Se em duas semanas eu não encontrar nenhuma prova que incrimine o comandante da guarda, então nós planejamos como tirar a vida dele.

- De acordo. – Rádara disse.

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- Alteza! As roupas não vão se estender sozinhas. – A líder das lavadeiras gritou.

- Velha chata e insolente! – Rádara murmurou e saiu.

Devon sorriu pensando no quanto ela estava diferente sem as joias e o luxo, se virou e seguiu seu caminho pensativo.

Do outro lado, entre os coletores de mel que usavam uma roupa amarela e preta cobrindo todo o corpo e o rosto para mexer nas colmeias em caixas e colher mel e própolis, um dos trabalhadores tocou sutilmente no brinco embaixo da roupa, para diminuir a frequência de captação de som que ele finalmente recuperara das coisas da velha que, pra sua sorte, estava vivendo na capital leonina.

O príncipe vai adorar saber disso... O coletor pensou. À noite, ele entrou na casa do verdadeiro coletor de mel que matara pra assumir seu posto, verificou a casa toda em busca de qualquer invasor, trancou tudo, abaixou as cortinas e só então tirou aquela roupa ridícula. Tomou um banho demorado e foi verificar se alguém havia mexido na calçada de cimento que ele fizera na noite anterior, uma mais bonita e bem feita do que a que havia antes. Qualquer um que visse pensaria que o dono, um homem solitário que perdera os filhos e a mulher durante a primeira invasão Tiger, finalmente tinha decidido concertar o piso da calçada dos fundos que dava para os quatro degraus de entrada na cozinha. No entanto, Lino havia destruído a calçada anterior com um pequeno golpe mágico do anel que Eltar lhe dera, usou uma pá pra cavar alguns metros na terra, jogou o corpo do dono da casa lá dentro, deu um golpe de pá na cabeça do coitado só por garantia, fechou tudo e fez a calçada nova pra apagar qualquer vestígio do crime. Ele terminara quase de manhã, saíra para o trabalho do homem e, à tarde, seu cansaço foi recompensado. A princesa leonina fora mandada pra trabalhar a poucos passos dele, junto com as lavadeiras.

Ele se sentou pra comer e ligou um comunicador pequeno no anel. Deixou o objeto dar um único toque e desligou. Eltar retornou rapidamente.

- Novidades? – O príncipe perguntou, falando baixo.

- Sim. Cheguei aqui ontem de manhã e, imagine só, a velha desgraçada que fugiu do incêndio está aqui.

- Ótimo! Me diga que encontrou.

- Encontrei. A burra velhota estava usando como um broche. Idiota. – Lino respondeu, dando uma pausa pra aproveitar a bebida quente em na caneca rústica preferida do morto, o ex-dono da casa. – Segui aquela velha, esperei ela entrar no banho e fui pra matar ela por ter fugido do meu incêndio. Mas, quando passei pela porta do banheiro e vi a roupa nojenta dela pendurada, vi o comunicador preso na blusa dela como um broche. Peguei e saí logo porque a imbecil da filha da Hunna entrou na casa e começou a chamar pela velhota.

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- Você fez bem. Se ela é tão próxima da Carya, não seria prudente matá-la. Atrairia muita atenção para nós.

- Mas isso não é a melhor parte. – Lino narrou a conversa que captara, tocou num ponto do brinco e o objeto começou a emitir a conversa gravada.

- Perfeito. Vou deixar isso guardado pra quando a hora chegar. – Eltar disse, encostado na porta da varanda. Quando ouviu um som dentro do quarto, ele se apressou e desligou a comunicação com Lino. – Desculpe, querido. Não queria te acordar.

- Tudo bem, rapaz. – Leviatã disse. – Vem deitar e me conte o que aconteceu.

Eltar deitou com a cabeça no peito do mago e narrou apenas o bom andamento do plano com Rádara.

- Hum... Excelente. Esses seus espiões são muito bons, rapaz. Qualquer dia vai ter que me apresentar à escola de onde você os contratou.

- Apresento sim, mas agora quero fazer outra coisa com você. – Eltar disse, habilmente mudando de assunto com carícias abaixo da cintura do mago. Felizmente eu tenho o dom (ou a maldição) de conseguir te excitar e distrair facilmente, mago idiota.

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Motivações

Carya acordou antes do sol se erguer no horizonte, como sempre, tomou um banho rápido e já ia sair sem comer, de novo, quando seu pai chamou da cozinha. O susto foi tanto que ela já tinha sacado sua espada curva, pronta pra matar qualquer possível invasor.

Fagrir tinha o dom de se mover como um espião: silencioso como a neblina.

- Pode sentar, mocinha. – Fagrir ordenou. – Se você sair sem comer de novo sua mãe me mata.

Ela sorriu, deu um beijo no rosto do pai e sentou. Mesmo odiando comer logo cedo, ela gostava da companhia do Tiger que a criara como filha e era seu maior confidente. Os dois levantaram de repente, ao mesmo tempo, sentindo um cheiro discreto, mas inconfundível de suor e mel do lado de fora da casa. O olfato felino era realmente poderoso. Mas ninguém iria visitar ninguém àquela hora em lugar nenhum. Carya pegou sua espada e seguiu silenciosamente até a porta principal, com o pai logo atrás, armado com uma faca de cortar carne. Ela abriu a porta rapidamente, esperando pegar alguém de surpresa, mas não havia ninguém, apenas um papel cuidadosamente dobrado, com o símbolo dos Tiger no topo. Carya já imaginava de quem era aquela mensagem antes mesmo de abrir e ler:

“Leve seu irmão embora, antes que ele torne seu inimigo poderoso demais. Não preciso mencionar o quanto isso não nos convém. Tire a anta do seu irmão daqui ou eu mesmo darei um fim nele antes que sua burrice o torne um empecilho aos nossos planos.

P. E. “

Carya correu para o palácio enquanto Fagrir deixava uma mensagem para Hunna avisando que tinha saído e ia buscar Rodan. Ela não podia deixar seu irmão lá. Não se havia um risco iminente de morte ou seja lá o que fosse que o rei Tiger pretendia. Também não seria prudente não atender à Eltar, não com a vida de Seth e de Rodan em jogo. Ela esperava que Lordok concordasse, mas se não, ela iria buscar o irmão mesmo assim.

~o~

Seth estava ansioso pra terminar sua leitura, a última do dia, pra finalmente voltar ao palácio Tiger. Ele sempre gostara da companhia dos livros e pergaminhos, ainda gostava, mas ele gostava muito mais de ter Nyela ao seu lado. Claro que a proibição de tocá-la só aumentou a vontade que ele tinha de ter ela nos braços. Eles eram extremamente cuidadosos e tinham certeza que Tigrésius nem desconfiava das relações sexuais entre o

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casal. Na cabeça de Seth, assim que o rei sequer desconfiasse, ele teria um ataque de raiva inconfundível. A busca pela cura de Eltar ia de mal a pior. Ele nem conseguira descobrir de que doença eram aqueles sintomas. Mas ele não desistiria. Sempre que podia buscava ajuda para a cura de Teira e até para acalmar a raiva de Tigrésius. Seth havia decidido que curaria o pai do que ele chamava de “doença do ódio”, afinal, ele não tinha dúvidas de que o pai era só doente e precisava de ajuda.

- Finalmente. – Ele terminou as últimas anotações e saiu, seguido pelos dois guardas que o seguiam pra todo lado.

A convivência com o rei não estava fácil. A cada dia ele parecia mais irritadiço, distorcendo tudo que Seth falava como se fosse uma ameaça. Ele não mordia a isca.

Crescer com uma irmã temperamental tinha o tornado extremamente paciente. Sempre explicava com palavras gentis o que o rei tinha entendido errado e não dava importância às ameaças sutis do rei. Naquela noite ele jantou com o rei, o mago e, pela primeira vez, com Eltar que parecia muito quieto e triste. Seth tentou conversar com o meio-irmão caçula a noite toda, mas Eltar respondia com poucas palavras, sempre com o olhar baixo, mexendo a comida sem comer quase nada. E então o príncipe se levantou devagar e pediu ao rei para sair com a voz quase sumindo. Tigrésius permitiu, intimamente satisfeito pela atuação do filho. Quando sumiu do campo de visão da sala de jantar, seguiu pelo corredor passando pela porta do quarto de Seth propositalmente. Quando viu seu alvo, trombou na moça magra fazendo ela cair com a bandeja que carregava, derrubando a xícara, talheres, a vasilha quadrada com biscoitos e a jarra de chá morno. Nyela caiu por cima de tudo isso no chão, parando segundos antes de se ferir gravemente batendo o rosto na borda da bandeja de prata.

- Além de esquelética é idiota. – Eltar disse rindo de orelha a orelha – Como você pode cair sozinha, sem nada no chão que atrapalhe seus caminhar desengonçado?

- Eu não caí sozinha! Você praticamente me jogou no chão! – Nyela disse irritada, cansada das humilhações do rei e do príncipe.

Eltar colocou um pé nas costas da moça, a empurrando mais no chão até seu corpo encostar nos cacos de vidro, na sujeira e nos talheres. – Eu? Eu nunca derrubaria você. Você não é ninguém pra que eu dê atenção a esse ponto. Você caiu sozinha porque é uma imbecil, fraca, dissimulada que nem pra prostituta serve.

- Eu não vou mais aturar isso... – Ela começou a dizer, segurando as lágrimas de raiva.

- Não? E vai fazer o que? Correr chorando pra lamber os pés daquele mago viadinho todo pálido? Não. Você não vai. Porque se você pensar em falar algo eu vou contar essa gargantinha sua e beber seu sangue enquanto dou uns amassos no viado do Seth. – Eltar tirou o pé de cima dela e o sorriso cruel em seu rosto mudou em uma fração de segundos, dando lugar à um semblante genuinamente triste e abatido. Nyela não conseguia entender

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como ele fazia isso tão rápido e com tanta eficácia, mas estava se acostumando com essa estranheza. Eltar disse com voz baixa e cansada: – Agora, levante-se, jovem mocinha e arrume essa bagunça.

Eltar seguiu seu caminho sorridente e assoviando uma antiga canção alegre. Nyela correu até o quarto de objetos de limpeza mais próximo, limpou tudo trêmula de raiva, voltou pra cozinha, fez mais chá, pegou alguns doces e arrumou tudo na bandeja. Quando voltou ao quarto de Seth, entrou resmungando, colocou a bandeja no lugar e sentiu o vento frio entrando pela janela.

- Mas... Eu não fechei essa janela mais cedo? – Nyela se perguntou, ainda trêmula. –

Droga. Esses idiotas vão acabar me enlouquecendo.

Ela fechou a janela, arrumou as cortinas e sentiu algo estranho. Ela se virou num pulo, pronta pra se defender pensando que Leviatã tinha decidido abusar dela. Um punho forte a empurrou contra a janela e a manteve ali, com uma mão abaixo da coleira mágica que a prendia ao palácio e uma espada curva afiada em sua barriga.

- Se der um pio eu mato você. – Carya disse.

- Quem diabos é você e como entrou aqui? – Nyela disse com tanta coragem que surpreendeu Carya.

- Você tem muita coragem pra quem está com uma espada apontada pra barriga.

Devia ter pra enfrentar aquele idiota lá fora também. – Carya disse lembrando do que vira e ouvira pelo canto da porta.

- Você não respondeu minha pergunta. – Nyela disse envergonhada só de lembrar da humilhação de Eltar... Mais uma dentre muitas.

- Porque você não me diz seu nome primeiro? Não tenho interesse em matar uma mera escrava inocente sem motivos.

- Eu não tenho porquê te dizer nada! Agora saia daqui ou vou matar você se tentar machucar o Seth. Por que é pra isso que você está aqui, não é? Claro. O rei imbecil não vê mais utilidade no meu Seth e agora manda uma assassina de quinta pra matar ele na calada da noite! Mas, escute bem, eu mato você antes!

- Seu Seth? – Carya perguntou surpresa. – Uau! Acho que nem minha mãe teria um ataque histérico assim.

- Nyela? Cheguei. – Seth chamou da porta principal.

- Ah, então esse é seu nome. – Carya murmurou com um sorriso que fez Nyela lembrar de Tigrésius pela semelhança. – Olá, Nyela.

- SETH, FUJA! – Nyela gritou e deu um soco no rosto de Carya que parecia não ter sentido nada. – Mas... Você é feita de ferro ou o que?

- Pelo visto “ou o que” resume bem. – Carya disse enquanto Seth entrava correndo no quarto.

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- Nyela! – Ele entrou chamando desesperado e parou abruptamente. – Irmazona?

- Ela... Ela é sua irmã? – Nyela perguntou confusa.

- Oi irmãozinho imprudente que revela facilmente nossa ligação sanguínea. – Carya disse. – É sua amiguinha? – Ela fez um sinal com a cabeça em direção à Nyela, ainda com a espada firme na barriga da jovem escrava.

- Ela é minha namorada. – Seth disse estufando o peito com orgulho.

- Uau! – Carya soltou a moça. – Quem diria. Finalmente você arranjou alguém pra tirar você dos livros. E uma moça bem bonita. – Carya piscou pra Nyela fazendo a menina abaixar a cabeça timidamente.

- Carya o que você está fazendo aqui? – Seth perguntou ainda desnorteado.

- Perdeu a noção de perigo, garoto? É assim que você cumprimenta a irmã que não vê a meses? – Carya disse séria, então abriu um sorriso e os irmãos quase correram um na direção do outro, terminando num abraço apertado.

- Sério, irmã, o que faz aqui? É perigoso.

- Exatamente, cabeça de vento! É perigoso. – Carya disse e deu um tapa no braço do irmão que começou a alisar o lugar. - O que deu em você pra vir ficar com essa corja? Ficou doido?

- Eu precisei... Carya, eu fui bem explicito, dei uma ordem como mago pra que não interferissem...

- E o tio Lordok leva isso à sério. Eu também, como qualquer felino em Likastía, mas as coisas mudaram. Você tem que vir comigo. Devon está lá embaixo escondido e Rodan está na estrada com nossos cavalos. Vamos. – Ela disse já pegando a mão dele e puxando.

- Não. – Seth disse.

Carya olhou séria. – Ah, entendo. Sua namorada... Não se preocupe. Vamos levar ela também. Nunca deixaria uma gracinha que nem essa aqui, muito menos se ela tem o poder de fazer seu coração bater forte. – Ela deu um soco de leve no irmão. – Agora vamos.

- Não, Carya. Você não entende?

- Não. É você que não entende. Você corre risco de vida aqui. Esse rei de merda está planejando usar você contrá nós de algum jeito e... Bem... Você sabe que isso atrapalharia os planos de você-sabe-quem.

- Não importa. Irmã, riscos aqui eu sempre corri. Mas não posso deixar nosso irmão e nosso pai sem ajuda...

- Oi? Nosso irmão quer te ver morto! E nosso PAI está lá em casa com a mãe morrendo de preocupação com você. Esse bicho monstruoso travestido de rei não é nosso pai, Seth.

Nunca foi. Nosso pai se chama Fagrir, um sábio de quem tenho muito orgulho. – Carya disse já perdendo a paciência.

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- Carya, por mais que você não goste, Tigrésius é nosso pai. Você não pode achar que chamar a pedra de água vai fazer com que ela seja menos pedra.

- Me polpe da sua sabedoria irritante, Seth. Pai ou não, quero mais que ele vá pro inferno! Agora pare com essa palhaçada e vamos pra casa!

- Eu não vou.

- GRRRRR! – Carya rosnou, frustrada.

- Irmã, nosso irmão está doente e nosso pai também.

- Duvido. Tanto de um quanto do outro. E, mesmo se fosse o caso, eles que se virem com os magos daqui. Porque você tem que ajudar esse bando de lunáticos?

- Porque é minha missão, irmã. Nosso pai não é mau porque quer, ele está doente, ele precisa de alguém que cure essa raiva que o deixa louco.

- Tá vendo só? Fica o dia todo nos templos e bibliotecas, sem tomar sol direito e termina assim. Completamente maluco! Você só pode estar maluco se acredita nessa merda! Seth ele é um sádico, um maníaco, e Eltar não fica muito atrás.

- Seth, ela tem razão... Você precisa ir com ela. – Nyela disse.

- Eu não vou, muito menos sem você.

- Já disse que ela pode vir com a gente. – Carya disse.

- Não posso. Essa coisa me prende aqui. Se eu tentar tirar ou sair isso aqui vai me matar. – Nyela disse apontando pra coleira. – Mas Seth precisa ir. O cajado dele fica naquele compartimento que sela a magia, deixando só um fragmento passar pro meu Seth.

Leve isso com vocês.

Carya olhou o baú e sabia que daria trabalho, mas poderia levar.

- Vocês não entenderam? – Seth disse, sua voz vibrando num timbre diferente, um que parecia falar dentro da alma delas. – Eu disse que não vou.

Carya sentiu a magia do irmão passar por ela como um fio de eletricidade. Um mago só usava aquele tom quando fazia um feitiço, ritual ou dava uma ordem explícita. Não adiantava discutir. Ela soube que nada faria Seth mudar de ideia naquele momento.

Ela suspirou irritada e disse: - Você é um idiota, Seth. Mas é um idiota mago, então, que seja como você quer. Mas eu não preciso ter o dom da vidência, irmãozinho, pra saber que você vai se arrepender dessa decisão. Eu te amo, Seth, e quando essa corja ferir você eu vou caçar e matar cada um deles com minhas próprias mãos. Carya foi até a janela, abriu e se voltou pra Nyela. – Não esconda coisas desse burro do meu irmão. Ele é uma anta, mas pode ajudar você.

Nyela sorriu fracamente e assentiu. Carya pulou e a jovem escrava fechou a janela se perguntando como ela pulou daquela altura enorme e não se espatifou lá embaixo, nem mesmo fez barulho quando atingiu o chão. Ela sentiu braços magros e fortes abraçarem sua cintura por trás e um beijo em seu pescoço a fez se arrepiar.

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- Eu te amo. – Seth murmurou.

- Eu também te amo. – Nyela respondeu.

- Sabe que pode confiar em mim, não é?

- Eu sei, querido.

- Do que Carya estava falando?

- Nada importante. – Nyela disse. Ela temia que Seth pudesse ir confrontar Eltar e terminar pior do que a conversa com Tigrésius. Ela se virou, colocou os braços ao redor do pescoço dele e o beijou com paixão.

~o~

- Como assim ele não veio? – Lordok perguntou frustrado.

- Ele acha que pode salvar o rei idiota! Ele acha que Tigrésius está doente e por isso é aquele monstro dos infernos! – Carya estava de pé, mãos atrás das costas, a postura reta como uma profissional dando um relatório ao seu rei, mas seu pé batia nervosamente no chão, denunciando o humor agitado da moça.

Rodan e Devon, um de cada lado, mantinham a postura igual à dela, rostos impassíveis, um evitando olhar pro outro.

- Ele ficou maluco. Meu filho estudou tanto que perdeu o juízo. – Hunna disse, em pé ao lado do rei, com Fagrir segurando sua mão. Do outro lado de Lordok, Rádara estava séria, o olhar de ódio às vezes caindo sobre Rodan.

- Seth é um sábio. Talvez ele tenha visto algo que não vimos e percebeu que o comportamento do rei Tiger é uma doença. – Rádara disse.

- De que lado você está, alteza? – Carya perguntou irritada. – É do rei Tiger mais monstruoso da história que estamos falando.

- Eu entendo seu raciocínio, alteza. – Fagrir disse rapidamente antes que aquilo se tornasse uma discussão. – Mas convivi muito tempo com Tigrésius, muito antes dele se tornar rei, e posso garantir que aquilo não é doença. Ele sempre foi assim.

- Concordo. Por isso nunca quis ser esposa dele. – Hunna disse.

- Ele deu uma ordem explícita? – Lordok perguntou.

- Sim, majestade. – Carya disse.

- Então, por mais que me doa dizer isso, não há nada que possamos fazer. Seth tomou uma decisão e espero que não seja por outros motivos. – Lordok disse. Ele não queria pensar isso do afilhado que tanto amava, mas estava começando a parecer que o rapaz tinha mudado de lado.

- Ele tem outro motivo pra ficar lá também. – Devon comentou.

- Que motivo? – Lordok perguntou com um nó na garganta.

- Uma garota. – Rodan disse.

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- Uma bem bonita, por sinal. – Carya disse. – Ele está caidinho por uma escrava e ela por ele. Ela até me deu um soco, mesmo com uma espada apontada pra ela, só pra tentar salvar Seth do que ela pensou ser uma tentativa de assassinato.

- Tinha que ser... – Lordok disse bem humorado. – Um felino quando faz besteira é porque está apaixonado.

Ele e Rodan trocaram um olhar e deram um sorriso quase imperceptível.

- Se ela cuida do meu filhinho pode não ser tão ruim. – Hunna disse.

- Ela parece com a tia Teira. – Carya disse meio triste com a situação da tia.

- Majestade, alguma novidade nas investigações sobre como a mensagem chegou até a porta de Carya? – Devon perguntou, olhando de canto pra Rodan do outro lado, desconfiado.

- Nada ainda. – Lordok disse. – Mas não vou descansar até descobrir o que aconteceu.

Agora sugiro que descansem. Ah, Carya.

- Sim, senhor?

- Traga Vó amanhã para almoçar conosco, por favor. Adoro aquela velha maluca. –

Lordok disse.

- Claro, senhor. – Ela disse e se virou pra sair, mas parou no caminho quando ouviu sua mãe.

- Como assim? – Hunna disse indignada. – Vai ficar por isso mesmo? Vocês vão desistir do meu filho?

- Querida, calma. – Fagrir disse.

- Calma coisa nenhuma! É o meu bebê que está nas mãos daquele bandido! – Hunna chorava de raiva e medo.

- Mãe, Seth não é mais um bebê. Ele é meio inocente demais às vezes, mas não é burro. E, acredite, aquela escrava não é idiota e tem uma coragem do caramba. Eu sei que ela fará tudo o que estiver ao alcance dela pra alertar meu irmão. Quando ele perceber o erro dele, vai nos chamar. É só questão de tempo.

- Você não entende, Carya? Não há tempo! Tigrésius matou nossa amiga quando éramos crianças! Imagina o que ele fará com meu Seth!

Fagrir soltou a esposa, olhando incrédulo. – Que amiga, Hunna?

Ela estava chorando demais para falar e apenas olhou pra ele com um olhar que era mais eloquente que um dicionário inteiro. Ele sentiu um frio percorrer sua espinha. Todos observavam confusos, esperando que Hunna ou Fagrir explicassem, mas Lordok já imaginava do que se tratava. Rádara deu alguns passos e abraçou Hunna tentando acalmar a crise de choro dela que ecoava pelo salão do trono.

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Quatro crianças e uma tragédia

- Creio que esse caso foi conhecido até mesmo nas Montanhas Amarelas. – Fagrir começou, olhando para Lordok que acenou positivamente com a cabeça.

Hunna ainda soluçava, mas estava calma o bastante pra explicar. Rodan estava sentado de mãos dadas com Carya; Devon e Rádara estavam sentados um ao lado do outro com um olhar sério e meio irritado pra Rodan, mal disfarçando; Lordok estava sentado entre os quatro, tentando amenizar com sua presença o clima tenso entre eles. Hunna e Fagrir estavam sentados de mãos dadas de frente para os cinco, ela um pouco curvada pra frente, olhos vermelhos de tanto chorar, um pouco vidrados de medo ainda.

- Eu... Eu acho que devo contar... – Hunna respirou fundo sentindo o aperto reconfortante do marido em sua mão. – Por quase quatro anos eu fui casada com o felino que temia. Mas, meu medo de Tigrésius vem de muito antes... Minha mãe e o pai de Tigrésius tinham algum negócio que não entendo bem, então acabamos sendo apresentados. A gente brincava juntos, mas ele sempre foi.... Estranho. Tinha algo nele que eu não sabia explicar... Ele era gentil e educado, mas, às vezes, ele parecia se divertir com acidentes, ou gostar de ver algum escravo sendo executado por roubar seus mestres... Mas, era algo mais profundo que isso. Algo que não sei explicar. Nós éramos um grupo de quatro crianças: eu, Tigrésius, Omar e Elim.

- Eu me lembro do caso. Se tornou uma lenda em toda Likastía. Lembro que, na época, meu pai, mesmo com as relações tensas entre nossos povos piorando, chegou à oferecer ajudar ao rei Tiger. – Lordok comentou.

- Sim. Me lembro que o rei Estefan quase aceitou, mas seu conselheiro-chefe, na época já era o pilantra do Leviatã, o aconselhou a não aceitar e foi quem sugeriu que seu povo tivesse relação com o caso. – Fagrir comentou.

- Eu não estou entendendo nada. – Carya confessou e Rádara e Devon balançaram a cabeça concordando.

- Isso porque você foi criada aqui, amor. – Rodan respondeu. – Entre os leoninos a história caiu um pouco no esquecimento e só nós que acompanhamos o caso na época lembramos com maior frequência.

- Em compensação, no reino Tiger os pais contam essa história como uma lenda pra assustar crianças desobedientes. – Fagrir disse.

- Quem dera fosse só uma lenda... – Hunna murmurou. – Omar era um doce de menino, sempre muito solícito, atencioso e um cavalheiro. Tigrésius era muito egocêntrico e sempre tinha alguma coisa desagradável pra dizer, sempre menosprezando todos nós, às vezes nos assustando à ponto de termos pesadelos, tudo porque ele achava divertido. Elim

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era a caçula. Tinha 6 anos na época, um ano a menos que eu, e a gente se entendia muito bem. Éramos sonhadoras, meio bobas e inocentes, sonhávamos com príncipes gentis e românticos mesmo nem entendendo direito o que isso significava. Sempre dizíamos que seríamos madrinha do casamento uma da outra. Lembro que a gente só andava de mãos dadas na rua, jurando que uma ia proteger a outra de todos os monstros das florestas. –

Hunna sorriu, nostálgica. – Omar adorava alimentar nossas fantasias bobas. Os dois me apoiaram muitas vezes quando minha mãe me colocava pra dormir por dias, sozinha, sem comida ou água, por algum motivo tolo. Elim uma vez se esqueirou pra dentro da minha casa, não sei como, e levou comida pra mim na masmorra.

- Parece uma descrição do Seth. – Rádara sorriu.

- Sim. Meu garotinho tem muita semelhança com Elim nesse sentido. – Hunna concordou. – Houve uma vez que saímos os quatro pra brincar no riacho e Tigrésius propôs que a gente tomasse banho. Elim parecia meio peixe, nadava com perfeição. Mas eu tinha medo e ainda estava aprendendo. Ele e Elim tiraram a roupa e entraram na água. Eu e Omar ficamos pra trás enquanto ele me acalmava e me dava dicas de como entrar e nadar.

Foi rápido, mas juro que vi Tigrésius parado de pé olhando pra Elim seminua com o olhar mais assustador que já vi. Ele olhou pra mim e, percebendo que eu estava olhando, ele fez um sinal com a unha na garganta, de um lado a outro, como se ameaçasse cortar minha garganta. Omar e Elim não viram e fiquei com medo de contar.

– Pelas Luas Irmãs... E ele só tinha 9 anos? – Devon perguntou boquiaberto.

- Sim. – Hunna respondeu e a voz falhou de emoção.

- No dia em que eles foram nadar, os pais de Elim contam até hoje que ela voltou pra casa com arranhões na barriguinha, mas disse que foi durante o mergulho no riacho e eles não duvidaram dela. Elim não era do tipo que mentia. Ela jantou com os pais e foi deitar dizendo que estava cansada. Eles acharam ela um pouco triste, mas pensaram que ela tinha discutido com os amiguinhos e deixaram ela descansar pra perguntar no dia seguinte o que tinha acontecido. – Fagrir disse. – Acontece que, na manhã seguinte, a menina não estava na cama. Sua blusa foi encontrada ensanguentada num beco à alguns metros da casa dela.

Buscas foram feitas em todos os lugares imagináveis. Hunna, Omar e Tigrésius, os amigos mais próximos foram entrevistados pela guarda da cidade em busca de pistas, lembro que eles até ajudaram nas buscas, mas nada foi encontrado. A menina nunca mais foi vista em lugar nenhum.

- Quase. – Hunna disse tremendo repentinamente. Fagrir olhou confuso pra ela, mas ela não teve coragem de levantar a cabeça. – Muitos meses depois que Elim tinha sumido, eu fugi de casa porque estava sem comer ou beber a quase duas semanas. Minha mãe tinha me dado isso como castigo por eu estar chorando pelo sumiço da minha melhor amiga.

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- Mas... Isso não faz sentido, mãe. E a senhora era pequena... Como ela pôde deixar uma criança de sete anos... – A raiva de Carya parecia que ia fazê-la explodir.

- Minha mãe era assim. – Hunna deu de ombros. – Não foi a primeira e nem a última vez. Bem, então eu fugi. Não sabia pra onde ia, eu só queria sumir de perto dela.

Inconscientemente meus pés me levaram ao bendito riacho e eu segui sua margem até perto das Fontes Sagradas. Eu estava morrendo de medo dos crocodilos-das-árvores e das coisas estranhas dali, mas tinha muito mais medo da minha mãe e de Tigrésius que vivia indo lá em casa e me olhava de um jeito... O mesmo jeito que ele olhara pra Elim no riacho.

Aquilo me dava calafrios. Não sei quanto tempo andei, mas provavelmente já era madrugada. Começou a chover forte e me escondi da chuva em uma abertura na pedra, uma pequena caverna.

- Me lembro do desespero do senhor Caryo quando ele apareceu para conversar com o rei Estefan, implorando ajuda pra encontrar você. – Fagrir disse, alisando as costas da mulher que ainda não levantava a cabeça.

- Eu me senti muito mal por ele depois. – Hunna confessou. – A chuva só piorava e eu já estava pensando em voltar pra casa quando ouvi alguém se aproximando, assoviando alegremente. Era estranho alguém estar ali, feliz, com aquele tempo. Pensei que era um bandido ou os leoninos que já tinham fama de serem canibais e de terem sequestrado a Elim pra comer.

- Sujar reputações sempre foi o maior dom do Leviatã. – Rodan disse mal humorado.

- Só que eu fiquei mais surpresa ainda quando Tigrésius apareceu no meu campo de visão, carregando um embrulho no ombro, algo enrolado num lençol, algo disforme. –

Hunna disse e seus pêlos se eriçaram de medo. – Eu pensei que ele tinha pedras ali... Como criança é inocente ne. Mas pelo formato pareciam mesmo pedras. Me encolhi mais ainda contra a parede da caverna pra que ele não me visse. Então ele parou no topo de uma rocha, o rio já bem cheio por causa da chuva, abaixo alguns metros da rocha. Ele abaixou o embrulho e eu quase gritei de susto quando uma cabeça rolou de dentro do embrulho, desceu rolando na rocha, vindo em direção da caverna onde eu estava. Tigrésius correu atrás da cabeça e parou ela com o pé, centímetros antes dela entrar na caverna. Deuses...

Quando penso que mais alguns centímetros e ele teria entrado na caverna e dado de cara comigo...

- Amor... De quem era a cabeça? – Fagrir perguntou, rezando pra que ela não dissesse o nome que ele temia.

- Da Elim. – Hunna disse e soluçou, tentando conter as lágrimas. – Ela ainda tinha uma expressão de dor no rostinho... Ele ficou lá, embaixo da chuva, assoviando alegremente enquanto furava cada parte do corpinho dela que estavam separados, passava uma corda nos buracos e amarrava como se tivesse construindo uma boneca. Quando ele terminou,

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mesmo àquela distância, pude perceber que ele tinha cortado as partes íntimas dela de um jeito que a pele tinha ficado em retalhos, como se fossem tiras penduradas entre as perninhas dela. Ela tinha tantos hematomas....

Ninguém conseguia falar, um bolo na garganta impedindo. Todos só conseguiram olhar pra ela boquiabertos, meio chocados e horrorizados.

- Ele colocou a cabecinha dela dentro de um saco de náilon, pegou as rochas mais pesadas que encontrou por perto, colocou dentro do saco, amarrou no corpinho dela e jogou no rio. – Hunna continuou, as palavras saindo apressadas, temendo que perdesse a coragem de contar. – Nunca vou me esquecer do som dela atingindo a água turbulenta lá embaixo, os segundos que demoraram desde que ele jogou o corpinho dela até atingir a água. Ele passou um bom tempo lá, olhando pra baixo. Eu queria correr e empurrar ele pro rio também, mas... Não tive coragem. Quando ele foi embora, ainda sob a chuva, eu fiquei lá, paralisada na caverna. Só quando amanheceu, horas depois, eu consegui caminhar até a cidade, meio entorpecida, mal percebendo onde estava indo.

- Hunna foi encontrada na manhã seguinte à sua fuga, pelos pais de Elim que ajudavam nas buscas à ela, na beira da estrada principal pra capital, molhada, suja de lama, ardendo em febre, magra e desidratada. – Fagrir completou.

- Me lembro de ter visto os rostos dos pais da Elim na estrada, meio sonhando, e apaguei. – Hunna disse. – Eu pensei em contar inúmeras vezes, mas Tigrésius me dava muito medo. Eu comentei com o Omar se ele pensava que Tigrésius podia ter feito algo com Elim, até pensei em contar, mas desisti. Ele passou a ficar atento à Tigrésius e, pouco tempo depois, morreu durante um jantar com vários membros da nobreza. A comida dele tinha um tempero que ele era altamente alérgico. Não houve tempo pra socorrer meu amigo. Uma escrava que preparava os alimentos daquele jantar foi executada por esse erro, embora ela tenha morrido negando que usara o tempero nas receitas. Nunca acreditei que fora culpa dela. Quando Omar começou a passar mal, Tigrésius, a algumas mesas de distância, tinha um sorriso diabólico, o mesmo que ele tinha quando jogou o corpinho de Elim no rio.

- Tem alguma chance de não ter sido ele? Dele só ter ajudado quem realmente matou a menina? – Lordok perguntou.

- Sempre acreditei que alguém matara e ele ajudara a se desfazer do corpo. Mas, na noite que fugí dele, Teira comentou uma coisa que destruiu qualquer dúvida sobre a culpa dele. – Hunna disse e finalmente ergueu a cabeça pra olhar pra eles. – Ela disse que, numa das muitas noites que ele...ele....fizera mal pra ela, ele disse que ela, pelo menos, aguentava mais do que os 12 dias que ele abusara, seguidamente, uma tola mongoloide.

Era assim que ele chamava a Elim quando éramos crianças.

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Quando a ficha caiu de que Tigrésius, com 9 anos de idade, havia abusado de uma criança de 6 anos por nove dias a ponto de deixar o corpo dela naquele estado, Carya sentiu o estômago embrulhar e correu pra fora com uma mão na boca. Assim que alcançou um corredor aberto e arejado ela vomitou até começar a se sentir sufocada. Uma mão forte pousou em seu ombro. Sem pensar, ela se virou, afundou a cabeça no peito forte do namorado e chorou até a raiva passar. Rodan ficou quieto, alisando a cabeça dela, só deixando ela desabafar. O que ele poderia dizer pra acalmar o coração da mulher que amava e que tinha um pai tão terrível?

~o~

Infelizmente, essa revelação macabra, fez os planos de Rodan e Hunna serem adiados até o clima melhorar um pouco. A ansiedade era enorme, principalmente porque as alucinações da maldição estavam piorando. Então, o dia finalmente chegou. O clima parecia bom, Carya tinha voltado a sorrir depois de semanas distante, irritadiça e triste, e ele não ia mais perder tempo. Nos últimos meses ele havia sondado ela pra ter certeza de que estavam na mesma vibe, e, para surpresa dele, estavam mesmo. Hunna lhe dera conselhos preciosos e Vó, para desgosto do ciúme materno de Hunna, havia se envolvido na história também.

Ele preparou um pique-nique do jeito que Carya gostava, no lugar preferido dela, perto das cachoeiras, fez de tudo pra que estivessem de folga no mesmo dia (o que era muito raro, mas Lordok ajudou)... Enfim, preparou o maior clima de romance que Hunna e Vó (a última se preocupou mais com um clima de sexo, mas, considerando que era com a Carya que ele ia se encontrar, ajudou também) imaginaram, levou a namorada para uma suposta missão urgente e a surpreendeu. Rodan não se lembrava de suas mãos terem suado tanto assim, nem mesmo antes de batalhas onde as chances de sua morte eram enormes.

- O que você tem? Parece tenso? Quer uma massagem no... – Carya disse com um sorriso muito safado.

- Carya. – Rodan não sabia se se sentia lisonjeado ou morto de vergonha. Então sentia as duas coisas.

- ...Ombro, Rodan. Eu ia dizer “ombro”. – Ela respondeu sorrindo. – Que mente podre você tem...

- Eu ne... Sei... – Ele respondeu. – Se dependesse de você nenhum de nós dois teria tempo pra vestir uma única peça de roupa.

- Com certeza. – Ela riu. – Mas, me conta. Pra que isso tud... Rodan?

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Os olhos deles começaram a se revirar pra trás, náuseas subindo por seu esôfago. Ele lutou pra se focar no som da voz de Carya o chamando alarmada, respirou com dificuldade, usou todas as suas táticas de autocontrole e, aos poucos, conseguiu voltar a si.

- Tudo bem... Minha...amada...Estou...Bem... – Ele disse, se recusando a estragar o clima que lutara tanto pra criar.

- Bem? – Carya disse, as lágrimas surgindo e caindo sem que ela se preocupasse com isso, sua voz falhando. – É isso que você chama de “bem”?

- Carya...

- Não. Eu me recuso a deixar você morrer agora. Não seja idiota! Ainda temos tempo.

E... – Faziam semanas que ela lutava contra a tristeza teimosa que tentava se apoderar dela com a descoberta do que o pai fizera, seu irmão correndo riscos, Rodan à beira da demência....Ou pior...

- Ei. – Rodan, trêmulo, segurou o rosto dela entre suas mãos. – Eu não vou à lugar nenhum.

- Rodan, - Ela olhou pra ele como se o visse pela primeira vez, uma resolução firme no olhar – você quer se casar comigo agora?

- Porra, Carya. – Rodan soltou o rosto dela, e passou a mão pelos pêlos escuros da juba. – Que droga. Eu tive todo esse trabalho pra te pedir isso e você pede antes?

- Então....você....quer? – Ela perguntou soando irritantemente insegura.

- É claro que eu quero. Por Kallisti, menina, não existe nada que eu queira mais que isso a anos. – Rodan disse e a abraçou com força. – Mas, espera. Você disse “agora”?

- Sim. Só precisamos ir até um mago, pedir a bênção dele, colocar as pulseiras de casamento e pronto.

- Mas precisamos organizar uma festa, arrumar roupas pra isso e...

- E eu não quero perder tempo com nada disso, Rodan. Já faz tempo que eu queria isso, mas tinha medo de como seria, do que eu teria que abrir mão, se você queria mesmo... – Carya disse – Mas não quero mais perder tempo com medos bobos. Eu sei que amo você e sei que você me ama. Eu vivo mais na sua casa do que na minha, trabalhamos juntos, conhecemos as manias um do outro, os sonhos, os medos... Eu não preciso e não vou esperar mais nada. E você?

Rodan olhou pra ela pensativo, tentando entender que brilho diferente havia nela nas últimas duas semanas. E então respondeu: - Que se danem as festas e as roupas.

No fim do dia, eles apareceram na casa de Carya onde Lordok e Vó também estavam jantando. Vó e Hunna soltaram um grito uníssono assim que o casal passou pela porta, de braços dados, ambas percebendo à distância as sutís pulseiras de casamento.

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Coração de mãe

Alguns dias após o casamento, Carya tinha cada vez mais certeza de que tomara a decisão certa. Conviver com Rodan não era pacífico. Ela morreria se fosse. Eles discutiam por coisas bobas... Bem, na verdade, Carya discutia, Rodan ficava sempre daquele jeito sério e sábio que a idade lhe ensinara. Era raro ele responder ou discutir por algo, exceto o assunto de sempre: ciúmes. Mas ela não se incomodava mais, ela sabia que ele não tentava controlar o jeito dela ou como ela agia com todos. Ele só se incomodava quando alguém realmente tentava mexer com ela e, nesse caso, quase sempre esse alguém era Rádara. A princesa leonina ficara furiosa com o casamento e discutira feio com Rodan de tal forma que Lordok precisou apartar a briga quando Rádara deu um soco no queixo do comandante. Nos dias que se seguiram, ela mudou de tática. Ao invés de brigar abertamente com Rodan, Rádara passara a dar em cima de Carya abertamente, investindo cada vez mais. A própria Carya estava incomodada com isso, mas nada que dissera fizera a amiga (ou ex-amiga?) respeitar seu novo status. Devon, por outro lado, passara a evitar até mesmo os treinos habituais onde todos os soldados de alta patente treinavam juntos, tudo para não encontrar com ela ou Rodan. Quando se viam, ele mudava seu rumo ou dava qualquer desculpa pra se afastar. A mágoa emanava de cada gesto e olhar dele.

Que se dane. Carya pensou indo pra casa. Não vou deixar essas coisas pequenas atrapalhar minha felicidade com meu comandante bonitão.

Vó e Hunna discutiam diariamente. Hunna não se conformava com o casamento apressado, sem uma festa bonita e digna de uma princesa. Vó, por outro lado, apoiava a presa de Carya porque, de acordo com a velha, não se podia perder tempo com festas quando o melhor do casamento acontecia quando o casal finalmente estava sozinho.

Embora ela tenha dito isso com menos palavras sutis. Carya sorriu lembrando da discussão entre a mãe e aquela velha que ela amava. As duas viviam brigando, mas só andavam juntas o tempo todo. Carya não vira sua mãe andar tão grudada nem mesmo com sua madrinha Teira. As duas eram muito diferentes, mas se adoravam, por mais que Hunna vivesse reclamando de Vó o tempo todo.

- Carya, amor, você viu sua mãe? – Rodan perguntou da varanda.

- Não. Porque? – Carya perguntou preocupada.

- Ela devia ter encontrado Rádara hoje de manhã para organizar algumas coisas no castelo, mas ela não apareceu.

- De manhã? E porque só avisaram agora? – Carya perguntou, o sol havia sumido no horizonte a mais de 6 horas.

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Rodan olhou pra Carya sério. – Advinha... Rádara não contou porque eu estava de plantão no palácio e ela não queria falar comigo.

Carya se virou, arrepiada de raiva, pronta pra arrancar a cabeça de Rádara com os dentes. Rodan a seguiu, evitando abrir a boca ou tocar na esposa. Ele sabia como ela explodia fácil com qualquer um quando estava com raiva.

~o~

- Confesso que quando meu espião informou sobre sua proposta fiquei surpreso. –

Eltar disse, parado ao lado do cavalo onde a tigresa havia vindo.

Dias antes, Hunna percebera alguém espionando a casa de Carya e Rodan.

Infelizmente, o espião a descobrira e quase a matara. Ela queria ter visto o rosto dele, mas ele usava aquela roupa dos coletores de mel, totalmente coberto e nunca retirara a espécie de capacete de tecido grosso. Fosse quem fosse, pela voz rouca quase animalesca, ela podia jurar que era o tal Lino que a filha descrevera. Isso explicaria porque ele parecia emanar ódio contra ela o tempo todo e, quando saíram das Montanhas Amarelas, ele usava um capuz e um pano escuro cobrindo boca e nariz. Ela só não sabia o motivo de tanto ódio, mas, já que ele se escondia tanto, ela devia conhecer ele. Mas, olhando naqueles olhos deformados, ela não conseguia reconhecer ninguém ali. Tudo que via era um ódio dificilmente contido. Pensando nisso, quando ele tentara matá-la dias atrás, uma ideia lhe ocorreu. Ela poderia salvar a própria vida e a de seu filho. Então, assim que Lino confirmou que Eltar aceitara a proposta dela, ela deu um jeito de sair sorrateiramente de casa, mudou seu caminho habitual, se embrenhou na mata e vestiu uma calça-saia de montaria e casaco simples de camponesa, uma bolsa simples com poucos mantimentos e uma espada que ela sabia usar um pouco, apenas o suficiente pra se defender. Ninguém naqueles tempos andava desarmado em Likastía. Não era prudente.

- Eu só quero falar com meu garotinho. Ele precisa saber o risco que corre e, pelo que sei, você também não quer meu menino no palácio Tiger. É lucrativo pra nós dois. – Hunna disse com a cabeça erguida. Ela sobreviver à própria mãe, ao lunático do Tigrésius e até à louca da Khara. Não seria um moleque como Eltar que iria assustá-la.

- Se tiver armando algo...

- Não estou. – Hunna cortou.

- O que me impede de entregar você pro meu pai e receber uma boa recompensa do velho por isso? – Eltar perguntou com um sorriso cruel parecido com o de Khara.

- Não vou atacar você, rapaz. Não sou uma guerreira e não pretendo ser. Sou uma dama e me orgulho disso. Mas você não é idiota e sabe que Carya mandaria o acordo de vocês pro inferno se algo acontecesse comigo. Ela mataria você e você sabe que ela tem poder pra isso. Você perderia sua chance de ser rei e Seth continuaria ao lado do seu pai

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até minha filha resolver as coisas. Não seria bom pra nenhum de nós. Então pare de bancar o macho alfa tentando me assustar e vamos logo. Tenho um filho pra resgatar. – Hunna disse com a mesma firmeza que usava quando tinha que dar bronca nos filhos. Ela estava assustada, mas não ia deixar esse garoto que tinha idade pra ser filho dela a intimidar.

Eltar riu abertamente. – Caramba, você não é tão bundona como meu pai dizia ou a convivência com os canibais fortaleceu seus nervos. Lino!

- Sim, majestade. – Lino respondeu, parado a alguns passos de Hunna, seu olhar focado nela com tanta raiva que ela agradeceu aos céus por ele não ter poder de lançar fogo pelos olhos.

Majestade? Mas Eltar é só um príncipe. Hunna pensou.

- Vá para nosso local habitual e espere por minhas ordens. Vou levar nossa... Dama, -

Eltar disse zombeteiramente – para enfiar juízo no rabo daquele garoto feioso.

- Sim, majestade. – Lino disse, fez uma reverência profunda, que só se fazia pra um rei, olhou pra Hunna como se pudesse cuspir ácido na cara dela, se virou e saiu. Lino agradeceu mentalmente à todos os deuses que se lembrava por Hunna ter visto sua espionagem no único dia que ele fizera seu trabalho usando aquela roupa ridícula de coletor de mel.

Apesar de não ter mais pêlos, apenas uma pele vermelha e um cabelo branco crescendo em parte da cabeça, a possibilidade de Hunna o reconhecer sempre existia e ele não podia arriscar. - Isso servirá pra me deixar mais alerta e cuidadoso.

Eltar montou em seu cavalo castanho e seguiu ao lado de Hunna, a guiando por caminhos estranhos no meio da floresta. Ele não a ajudou a subir de novo em seu cavalo como um cavalheiro devia fazer com uma dama, mas ela não esperava que ele fizesse.

Afinal, ele era filho de Tigrésius. Ele nunca devia ter visto um gesto de gentileza na vida. Seu coração materno não pôde evitar de se sentir mal pelo rapaz. Não devia ser fácil crescer com os pais que ele teve. Eles estavam a meio-dia de viagem até a Smilon, capital do reino Tiger, a cidade natal de Hunna. Ela conhecia aquele trecho da floresta porque crescera brincando ali, mas o caminho que Eltar seguia não era o normal, era um caminho dentro da floresta densa, não nas rotas planejadas pra trilhas e passeios. Os cavalos seguiam um ritmo calmo, fazendo o mínimo de barulho. Qualquer felino brincando nas proximidades não tão próximas nem mesmo conseguiria ouvir os cavalos com aquele passo. Ela não precisava ser estrategista pra entender que era assim que o garoto se movimentava sem atrair atenção pra si mesmo e, possivelmente, seu espião também. O caminho foi seguido em silêncio e ela agradeceu mentalmente por não precisar conversar com o rapaz desagradável.

Quando chegaram, ele a levou pelos jardins, ocultando-se nas sombras das árvores frutíferas. Sempre que algum guarda ou servo passava perto demais, ele a empurrava contra a árvore mais próxima e ficava na frente dela como se estivessem namorando.

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Ninguém era imbecil pra parar e perguntar qualquer coisa à ele e, mesmo os mais velhos no palácio que a conheciam, não poderiam ver quem estava ali com o corpo praticamente todo escondido pelo corpo forte e mais alto do príncipe. Eles passaram pela estátua de bronze do touro e ela estremeceu lembrando das histórias. Eltar sorriu e a puxou pela mão sem nenhuma delicadeza. Quando finalmente pararam ele apontou para cima.

- Aquela é a varanda do quarto do seu menino. – Eltar disse. – Ele deve estar chegando pra se arrumar e ir jantar. A serva horrorosa dele está lá agora. Eu vou distraí-la e você entrará pela sacada.

- Você quer dizer...Escalar? – Hunna perguntou. – Eu não escalo nada desde a juventude.

- Problema seu. Já te trouxe até aqui. Sugiro que seja rápida. Se meu pai ou qualquer um aqui fora a vir escalando, você vai ser descoberta e entregue ao rei e eu não vou mover uma unha pra te ajudar. Sua filha não vai poder dizer que a culpa foi minha. Se vira.

- Sua mãe nunca te ensinou a ser gentil com uma dama? – Hunna perguntou indignada.

- Minha mãe era uma puta e nem sabia o que era essa coisa de gentileza. – Eltar sorriu meio zombando, mas Hunna viu o brilho sutil e rápido de mágoa no olhar do rapaz. -

Arraste aquela anta do seu filho pra longe daqui. Mandarei ajuda pra vocês voltarem pra casa. Mas APENAS se você tirar ele daqui. Se não, se você sair sozinha daquele quarto, vai se virar pra voltar pro seu grupinho de canibais. Fui claro?

- Claro como um raio. – Hunna disse com visível desprezo.

Eltar riu e seguiu para a entrada mais próxima do palácio. Ela olhou ao redor, respirou fundo, e começou a escalar. Seus braços pareciam geleia quando ela finalmente chegou à varanda e se escondeu, esperando a serva sair. Ela podia ter entrado já que a moça, pelo que Carya dissera, era apaixonada por Seth, mas não queria que Eltar desconfiasse da menina. Ela espiou pelo canto da porta entreaberta. Realmente a moça se parecia com Teira, embora fosse bem mais magra e os traços do rosto fossem diferentes.

- Olha só, a imprestável está aqui ainda arrumando essa cama. – Eltar disse, encostado na porta.

- O senhor não deveria estar aqui.

- Mesmo? E você é quem mesmo? Ah sim.. Uma simples escrava burra demais pra ficar do lado vencedor. Ou seja, ninguém que possa me dizer o que devo ou não fazer. Agora pegue vinho pra mim, escrava.

Nyela respirou fundo pra não dar uma resposta grosseira, caminhou com passos firmes, a cabeça baixa, saiu do quarto e foi até a sala de descanso pegar vinho.

- Daí não, sua burra dos infernos! Odeio esse vinho de pobre. – Eltar disse, apesar do vinho ser um dos mais caros do planeta. – Quero o vinho azul.

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- Mas ele fica do outro lado do palácio, na adega principal. – Nyela disse.

- E é por isso que as putas escravas que devem ir buscar, e não os príncipes como eu. –

Ele disse sorrindo.

- Mas eu devo esperar o mago Seth aqui para serv...

– Você deve servir primeiro a mim, o herdeiro, seu futuro rei. O maguinho de quinta pode esperar você dar banho nele como se fosse um bebê incompetente. – Eltar disse, olhando as unhas distraidamente, encostado no batente da porta do quarto. - Agora vá logo antes que eu mande açoitar essa cara de estúpida que você tem e leve pra mim no quarto do mago Leviatã. E não demore, estrupício!

Ela saiu e ele olhou para a varanda e sinalizou com a cabeça pra Hunna entrar. – Você tem cerca de meia-hora. Use-a sabiamente.

Não demorou cinco minutos depois que Eltar saiu. Seth apareceu chamando pela moça.

- Nyela.

- Oi filho. – Hunna disse quando Seth entrou no quarto.

- Mãe? – Seth olhou pra ela como se visse um fantasma. Então correu em direção à única pessoa que sempre entendera seu jeito amoroso e os dois se abraçaram emocionados. – Mãe, a senhora está mesmo aqui.

- Claro, meu bebezinho. – Hunna disse chorando, acariciando o rosto do filho. – Seth, meu querido, escute a mamãe. Você precisa vir embora comigo.

- Mãe eu não poss...

- Eu sei, eu sei... Você ama essa moça e você quer cuidar do seu pai. Eu amo esse coração bondoso que você tem, meu lindinho, mas você não sabe com quem está lidando.

Nós podemos descobrir um jeito de salvar sua amada depois, mas você precisa vir comigo.

– Hunna levantou a mão pra silenciar o filho que já abria a boca pra contestar. – Filho, Tigrésius sempre foi mal, desde criança. Ele não é doente, filho, ele é cruel.

Eltar, escondido em uma passagem secreta atrás de uma estante ouvia a tudo atenciosamente. Hunna contou detalhadamente tudo que sabia sobre a morte de Elim e Omar décadas atrás enquanto Seth ouvia a tudo boquiaberto, lágrimas escorrendo pelo rosto, sofrendo pela morte de duas crianças que pareciam ter sido tão boas e inocentes.

Mas também por seu pai biológico. Quando terminou de contar, Hunna olhou pro filho quase implorando.

- Entende, bebê? – Hunna perguntou secando as lágrimas do filho. – Você precisa vir com a mamãe.

- Mãe... Eu não posso.

- O que? – Hunna perguntou incrédula.

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- Você não vê, mãe? Nenhuma criança nasce má assim. Ele obviamente está doente.

Eu rezei à Kallisti pra me mostrar se eu tinha razão sobre a doença dele e ela me enviou a senhora, mãe. A senhora me trouxe a prova de que ele é doente. Eu posso cuidar dele, eu sei que posso.

- Seth...

- Não, mãe. Me escuta. Eu tenho algumas teorias sobre o que causa essa doença nele.

Vou testar e comprovar qual está correta e então criarem uma cura. Mas... Não é só isso.

Nyela está grávida, mãe. Eu preciso protegê-la. Se eu for embora...

- Pelas Luas Irmãs! Eu vou ser avó? – Hunna quase tremeu de euforia.

Olha só... O garoto já fez uma merda tão grande em tão pouco tempo? Leviatã vai adorar isso... Eltar pensou.

- Vou libertar ela daquela coisa que prende os escravos aqui em breve. Ela vai embora pras Montanhas Amarelas e terá nosso filho lá. Cuide dela, mãe. Por favor. Eu vou assim que cumprir minha missão com meu pai e meu irmão.

- Meio-irmão que te odeia. – Hunna corrigiu.

- Ele não é obrigado a gostar de mim, mas eu tenho obrigação de ajudá-lo. Agora, aproveitando que a senhora está aqui... – Seth correu para o banheiro e voltou com um frasco. – Leve isto e entregue ao tio Lordok. Ele deve seguir estas instruções à risca... – Ele começou a anotar algumas coisas num pergaminho às pressas.

- Filho, Eltar não...

- Mãe, não temos tempo. Fuja antes que alguém a encontre aqui. Eu nunca me perdoaria se a senhora fosse ferida por minha causa. Amanhã, à noite, Nyela vai fugir junto com o carregamento de tecidos sujos que são levados para fora da capital. Um mago do templo de Kallisti próximo à fazendo Lhágua vai esperar por ela no caminho e a levará em segurança. Meu filho não vai nascer escravo, de jeito nenhum.

- Quanto tempo até a criança nascer?

- Algumas semanas. Infelizmente, ela é tão magrinha e come tão pouco aqui que demoramos demais para perceber. Pelas nossas contas ela deve estar com um mês e meio de gestação.

- Kallisti a proteja, filho. Isso lhe dá cerca de 15 dias pro nascimento! – Hunna ficou realmente assustada. – Vou esperar por ela em Lhágua.

Eles ficaram tensos ao ouvir passos no corredor. Seth deu um abraço rápido na mãe e a levou até a varanda.

- Mãe... O que houve com Carya? Tenho tido algumas sensações muito felizes sobre ela. – Seth perguntou.

- Nunca vou me cansar de admirar essa ligação entre meus bebês. – Hunna disse toda boba. – Ela e Rodan se casaram a algumas semanas.

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- Finalmente! Como ele conseguiu convencê-la? Algum milagre de Kallisti?

- Por incrível que pareça, foi sua irmã quem propôs à Rodan. Coitado. Planejou tanto o pedido e ela acabou pedindo antes. Casaram no mesmo dia, sem uma festa digna... –

Hunna disse emburrada, e depois abriu um sorriso. – Mas sua irmã está feliz e isso é tudo que me importa. Vou embora, mas só porque preciso cuidar de sua namorada e meu netinho. Tenha cuidado, bebê.

- Eu vou ter, mãe. Te amo. – Seth disse e deixou a mãe partir.

Eltar seguiu seu caminho quase vomitando com a cena amorosa.

~o~

Eltar bateu na porta do quarto de Leviatã e entrou. – Você precisa ouvir isso.

- Olha só, meu rapaz vindo ver seu mago antes do jantar. Sai, escravo de merda! –

Leviatã rosnou para o escravo que o ajudava a se vestir. O escravo saiu como se mil demônios estivessem perseguindo seu rabo cortado. Eltar se aproximou e começou a ajudar o mago a se vestiro. – Então...? Desde que seu irmãozinho entrou neste palácio nunca mais tivemos um tempo pra nós dois antes do jantar. Saudades de sexo antes do jantar, meu garoto?

- Sempre, querido. Mas hoje temos prioridades maiores. – Eltar disse, lambeu o pescoço do mago provocando e se afastou o olhando nos olhos. – E se eu te disser que sei quem matou a lendária Elim?

- Hummm. – Leviatã gemeu e o olhou com interesse. – Suponho que seus misteriosos espiões tenham uma forte suspeita...

- Não, meu amor, desta vez o crédito não é deles e não é uma suspeita. É uma certeza.

– Eltar narrou tudo que acontecera desde que buscara Hunna como ele havia combinado e contado pro mago dias antes, contou a conversa de mãe e filho no quarto a alguns minutos... Tudo, exceto o nome de seu espião.

- Interessante... – Leviatã sorriu largamente. – Meu rapaz, depois do jantar acho que preciso te recompensar. Bem que estranhei aquela menina me trazendo um vinho em seu nome.

- Vamos jantar, querido. Quando terminarmos o teatro patético lá embaixo, voltamos pra comemorar aqui com esse vinho e planejar nossos próximos passos. – Eltar disse com um sorriso provocante.

- Um passo já sabemos. Seu pai imbecil não pode saber de nada disso e vamos garantir que ele não descubra sobre a piranhazinha escrava. – Leviatã disse, apertando a bunda do Tiger mais jovem que suspirou alto.

- Exatamente. – Eltar respondeu realmente feliz pelo mago pensar como ele.

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O preço da inocência

Seth desceu pro jantar, sempre sendo pontual como a boa educação mandava.

Infelizmente, não dera tempo pra falar com Nyela que estava muito atarefada naquela noite. O jantar tinha começado a poucos minutos e o clima já estava muito pesado.

Tigrésius estava com um humor terrível, distorcendo tudo que qualquer um dizia. A verdade é que ele estava à beira de um ataque de nervos por causa da abstinência de torturas que ele quase não fazia mais desde que Seth chegara. O rei era, basicamente, uma bomba de fúria prestes a explodir. Atrás de Eltar e Leviatã, sentados lado a lado como sempre, Seth viu a mãe tentar passar na frente da enorme varanda aberta pra fugir do palácio. Mas, se ela tentasse, com certeza o rei veria já que o espaço era muito grande e bem iluminado. Então Seth fez a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Um servo estava enchendo sua taça de suco e ele levantou um braço, batendo no braço do jovem que o servia. O servo, sem querer, acabou derramando toda a jarra no colo de Seth que se levantou pra deixar um pouco do líquido cair de seu corpo.

- Sen...senhor...me..me..perdão...perdão, senhor. – O servo tremia pedindo desculpas à Seth que via sua mãe aproveitar a distração e passar correndo.

- Tudo b... – Seth começou a dizer.

- INFEEEERNO! – Tigrésius gritou e lançou uma rajada de fogo na direção do servo que estava de costas.

Seth puxou o rapaz para baixo e se agachou com ele. O fogo passou por cima deles e queimou a cortina na parede oposta. Isso deixou o rei mais fulo da vida ainda. Tigrésius deu dois passos rápidos, pegou o servo pela nuca, cravando as garras ali até furar a pele e tirar sangue, e o puxou pra longe de Seth tão rápido que o rapaz não conseguiu segurar o jovem.

O rei o jogou longe, atingindo uma pilastra com um som de osso quebrando. Ele se aproximou e deu chutes violentos na barriga do rapaz que já vomitava sangue. Seth ficou parado, horrorizado, olhou pro irmão e Eltar estava com a cabeça no ombro de Leviatã, parecendo chorar, enquanto o mago o consolava baixinho.

- Inútil! VERME! – Tigrésius gritava enquanto chutava descarregando toda sua frustração pelo tempo sem torturas, esquecendo de seu plano com Seth.

- Já basta disso! – Seth finalmente gritou, mas o rei não pareceu ouvir. – Eu disse BASTA! – Seth enviou um raio branco em direção ao pai, mas Tigrésius, mais forte e mais experiente com ataques e defesas enquanto Seth estava enfraquecido pelo distanciamento de seu cajado e a energia levemente sugada por armadilhas em seu quarto, criou uma bolha de fogo que absorveu o raio de Seth, antes mesmo de se virar.

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Quando Tigrésius se virou lentamente pra encarar o filho, ele tinha o brilho de fogo nos olhos e um semblante assustador, doentio. – Moleque ingrato... Você ousa atacar seu próprio pai que te recebeu com tanto amor em seu lar?

- Você não pode atacar tão cruelmente um pobre rapaz que não fez nada demais. –

Seth disse.

- Eu...Não... Posso? – Tigrésius falou e tinha algo naquele tom de voz muito mais assustador do que o poder ígneo que ele carregava. – Eu sou o rei aqui, moleque. Eu POSSO

tudo! Mas, talvez... Talvez você esteja certo, no fim das contas. Talvez esse pobre merda não mereça minha fúria. Afinal... Foi só um acidente... Não foi, meu jovem? – Tigrésius perguntou pro escravo que estava num estado deplorável aos pés do rei.

- Si...sim, senhor...foi...acidente... – O servo murmurou, chorando.

- Deixe ele sair pra ser tratado, majestade. Por favor. – Seth pediu com toda gentileza que pôde.

- Levante-se, rapaz. Vá se cuidar. – Tigrésius disse e se sentou calmamente na cabeceira da mesa enquanto o servo se levantava com dificuldade.

Seth continuou parado, tenso, em pé olhando o rei voltar a comer tranquilo enquanto o escravo se levantava e andava com dificuldade em direção à saída a alguns passos atrás da cadeira onde Seth ficava. Quando o escravo chegou a menos de um passo de Seth, quase passando ao seu lado, o crepitar violento do fogo foi ouvido. Uma labareda enorme atingiu as costas do escravo com uma intensidade tão grande que Seth pôde ver a luz atravessar o corpo do rapaz e seus ossos e órgãos ficarem visíveis através da pele dele. Durou pouco segundos. O escravo olhou pra Seth com tanta dor e terror... Segundos depois o corpo caiu, negro como carne de churrasco queimada, aos pés de Seth que tremia de susto, indignação e culpa. Tigrésius, ainda sentado, mastigando um pedaço de carne, olhava pra ele com um sorriso triunfante.

- Eu posso TUDO, moleque. – O rei disse.

Seth se virou e saiu tremendo, ouvindo a gargalhada bizarra do rei à mesa. Quando chegou ao quarto, Nyela o aguardava. Eles decidiram fugir juntos no dia seguinte.

~o~

O dia seguinte veio e Seth levantou de uma noite sem dormir, a última imagem do rosto do escravo passando várias vezes por sua cabeça. Ele deixara Nyela descansar o máximo que podia, afinal ela carregava uma vida dentro dela e isso era cansativo. Mas ele levantou indignado, revoltado demais pra ficar quieto. Então se arrumou silenciosamente e desceu pra encontrar o rei em seu escritório. O guarda o anunciou e ele entrou torcendo pra que o pai estivesse triste e arrependido, ou com qualquer sinal de que podia se

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arrepender. Ele ainda não se conformava por não curar o pai. Tinha que ter um jeito. Ele não ia desistir sem tentar pelo menos mais uma vez.

- Bom dia, garoto. Dormiu bem? – Tigrésius perguntou, Leviatã, como sempre, a alguns passos dele.

- Não.

- Mesmo? Eu dormi bem como a porra de um bebê. – Tigrésius disse, provocando o rapaz, louco pra que ele o enfrentasse e tivesse mais um alvo pra ferir.

- Creio que o senhor deva se desculpar com a família do rapaz morto ontem.

Tigrésius olhou bem sério pro mago como se ele tivesse desenvolvido uma segunda cabeça. – AHAHAHAHAHAHA! Me desculpar? AHAHAHAHAHA! Ei, Levi, você ouviu isso também ou esse pão que você me trouxe tinha alguma droga?

- Eu ouvi sim, majestade. Acho que ambos estamos drogados, então. – Leviatã respondeu com um sorriso que estava começando a fazer Seth perder a paciência.

- Eu falo sério.

- AHAHAHAHAHAHA! CARAMBA! AHAHAHAHA! ELE FALOU SÉRIO!

AAHAHAHAHAHAHAHA! – Tigrésius segurava a barriga que começava a doer de tanto rir.

- Não vejo qual é a graça. – Seth disse indignado com tamanho desrespeito pela vida.

- Deve ser a falta de sexo... – Tigrésius disse enxugando uma lágrima de tanto rir. –

Você nunca manda chamar nenhuma vadiazinha, nem mesmo um rapaz.

- Isso não vem ao caso. O rapaz morto merece o mínimo de respeito. Era um ser vivo como você! – Seth estava no limite da paciência.

- AHAHAHAHAHA! UM SER VIVO COMO...COMO EU!!!!! Deuses... Garoto, se você gosta de rapazes eu posso fingir que não vejo... Vou chamar alguns aqui pra você se aliviar e voltar a pensar.

- EU... – Seth começou a gritar, trêmulo de raiva como nunca sentira antes, mas respirou fundo e recomeçou. – Eu não gosto de rapazes, senhor. Agora, tenha o mínimo de consciência e vamos dar ao rapaz um sepultamento digno, pelo menos. Assim o senhor dará o primeiro passo para se c...

- Ah... Entendo. Pobre garoto... Criado por um bando de selvagens e aquela mulherzinha... Então é esse o problema. Você é incapaz de ficar erguido, durinho...

Coitado... Ei, Leviatã, acha que pode fazer uma dessas poções pra fazer esse garoto não ser mais um broxa? – Tigrésius aproveitou pra perturbar mais o rapaz.

- Sou tão broxa que... – Seth quase se entregou.

- Que...? – Tigrésius disse com aquele olhar que parecia saber todos os segredos do mundo. – Termina, moleque? Não tem coragem não é? Você é um fujão covarde como a rameira da sua mãe. Mas, adivinha... Eu sei tudo o que se passa neste palácio. Tragam essa vagabunda!

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Quando Tigrésius gritou isso com um sorriso sádico, Seth estremeceu. A porta abriu e o mesmo guarda que permitira sua entrada, carregava Nyela quase arrastada pelo braço.

Ela não estava ferida, pelo menos não visivelmente, mas estava assustada tanto quanto ele.

- Achou que eu não sabia que você tinha descumprido minha única regra, garoto? E

logo com...isso?

- Nós não tivemos nada. Ela dança pra mim às vezes. Só isso. – Seth disse com a voz trêmula e amaldiçoou mentalmente sua incapacidade de mentir.

- Você poderia pelo menos tentar mentir direito pra salvar a vida da puta que você escolheu como mãe do seu moleque. – Tigrésius disse e a diversão brilhava em seus olhos cruéis.

Seth e Nyela sentiram o frio subir por suas espinhas. Leviatã ergueu uma sobrancelha.

- Majestade, não está falando sério, não é? – Leviatã perguntou. – O garoto não pode ser tão burro pra engravidar uma escrava...

- Mas foi. Pelo menos vou fazer um bem pra ingrata da Hunna. Vou evitar a vergonha de ser avó de um escravo. – Tigrésius disse e caminhou na direção de Nyela que começava a gritar e se debater.

Seth pulou na frente dela e do guarda, os raios brilhando em sua mão e acertando o rei no rosto em cheio, deixando uma linha de queimadura na lateral do pescoço dele.

Tigrésius olhou pra ele como se vencesse uma guerra.

- Eu só ia polpar você de ser pai de um bosta qualquer. Mas...É a segunda vez que você me ataca, moleque impertinente. Talvez você precise de um lembrete maior sobre quem manda aqui. Faça. – Tigrésius sinalizou com a cabeça, sem desviar os olhos de Seth que não entendeu nada.

Seth sentiu uma pancada forte na nuca e caiu desacordado.

- Ih, olha só. O defensor das escravas sem graça caiu fácil. Nem deu pra aproveitar. –

Eltar disse, caminhando pra ficar ao lado do pai sorrindo feito idiota pra Nyela que estava completamente em pânico.

~o~

Durante os dias que se seguiram, Nyela ficou sob poder de Leviatã que não teve pena pelo estado dela. Ele abusou dela de tantas formas diferentes que ela não tinha dúvidas de que ele tentava matar o filho que elea carregava com esses abusos. Mas a criança resistia.

Quando ele cansava de abusar dela, Tigrésius assumia o lugar ou Eltar a chicoteava com um chicote triplo de couro molhado. Enquanto isso, Seth estava preso nas masmorras e apanhava tanto, com tantos golpes na cabeça que perdera a visão de um olho no fim do terceiro dia. Ele tentou argumentar com o pai, tentou fazer ele perceber que estava doente, mas, quando Leviatã contou tudo que tinha feito com Nyela até ali, o quanto o rei

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adorava torturar a moça enfiando objetos nas partes íntimas dela, Seth sentiu que iria enlouquecer.

No quarto dia ele foi levado pra ver Nyela ser abusada. Quando entrou arrastado e acorrentado no quarto de Leviatã e viu a mulher que amava, ele desejou que ela morrese pra escapar daquele sofrimento. Ela estava presa à correntes que desciam do teto até seus pulsos, e dois suportes com correntes no chão que deixavam suas pernas esticadas e abertas. As costas dela estavam tão dilaceradas que quase não tinha mais pele, seus seios estavam deformados e ele nem conseguia olhar pro estado que a virilha dela estava. O

rosto dela era a única parte de seu corpo que não tinha sido tocada, embora ele não entendesse o motivo.

- Pare...pare...ou não vou...não...não vou curar seu...filho... – Seth disse entre lágrimas quando Tigrésius pegou uma garrafa de vidro pra começar a abusar da moça.

- Curar? Quem? – Eltar disse e só então Seth o viu, parado no canto atrás dele. – Eu?

Pai, ele está falando de mim? – O príncipe disse com voz inocente e um sorriso infernal.

- Parece que sim... Você está doente, Eltar? – Tigrésius perguntou sorrindo.

- Eu não. Oh, pai... Coitado. O idiota não percebeu que foi usado enquanto drenávamos a energia dele pra deixar nosso mago mais forte.

- Será? – Leviatã zombou e pegou o queixo de Nyela. – Nyela, minha garotinha, você tem um namorado burro demais. Devia ter escolhido a mim pra dar um jeito em você.

- NÃO TOQUE NELA! – Seth berrou. – EU VOU TE MATAR! EU VOU MATAR TODOS

VOCÊS!

- Você ainda não aprendeu, não é, garoto branco? Você não manda em nada aqui. Eu mando. Se eu quiser comer sua namoradinha até ela morrer de exaustão, eu vou. E você é fraco demais pra fazer qualquer coisa sobre isso. – Tigrésius disse. – Tão fraco quanto sua mãe.

- LAVA ESSA BOCA IMUNDA PRA FALAR DA MINHA MÃE!

- Ui, ferimos os sentimentos do bebezinho da mamãe. – Eltar zombou. – Se você não tivesse pedido ajuda à uma escrava pra salvar sua piranha e seu fedelho, se não tivesse contado que ela estava prenha, ela não estaria ali agora. É tudo culpa sua. – Eltar disse na nuca de Seth como um demônio sussurrando.

- Você não é assim, Eltar. Eu vi bondade em você. Você ainda tem cura.

- Que saco. Esse moleque com essa conversa de cura já me entediou. – Tigrésius disse.

– Meu filho, meu único e verdadeiro filho, não é um merda sentimental igual a você. Quem você acha que me contou que você tinha engravidado essa vagabunda?

Seth olhou pra Eltar que sorria como um maldito espelho do pai. Mas seu olhar de repente se voltou pra Nyela que o olhava como se implorasse pra ele desviar o olhar.

Infelizmente, Leviatã percebeu que Seth a olhava confuso e focou sua atenção na moça.

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- Ela vai ter a criança. – Leviatã chamou a atenção. Sem dizer mais nada, ele soltou a mulher que estava suando frio aguentando a dor sem fazer barulho, uma vã esperança de salvar seu filho de alguma forma. Nyela foi deitada no chão e, sem dificuldade nenhuma porque a criança já estava saindo, Leviatã puxou o menino de dentro dela, cortou o cordão umbilical com habilidade.

- Me dá... Me dá ele... – Nyela chorava em pânico.

- Porra! Acertou em alguma coisa, pelo menos. É um menino forte. – Tigrésius disse segurando a criança.

- SOLTA MEU FILHO, SEU BASTARDO DE MIL DEMÔNIOS! – O instinto paterno superou a sabedoria de Seth.

- Finalmente! Olha só, o moleque pode agir feito homem. – Tigrésius zombou. – Mas...

Não. Você não merece esse pivete não. Talvez, se você me implorar de joelhos...

Eltar teve um flashback claro de quando implorara à seu pai e fora tão ferido que ainda tinha a cicatriz clara no pescoço. Ele, melhor do que qualquer um, sabia onde isso ia dar e por um instante sentiu pena de Seth. Seth, desesperado pra salvar o filho, aguentou as dores dos hematomas, o peso das correntes, se ajoelhou, colocou ambas as mãos juntas e implorou.

- Por todos os deuses, por tudo que o senhor mais gosta, deixe meu filho e minha mulher irem embora e prometo que farei qualquer coisa que desejar. – Seth disse em prantos.

- Tentador. Mas, sabe... – Tigrésius olhou pro bebê calmo em seus braços e ficou ainda mais irritado pela calma da criança. – Eu odeio gente que implora.

O rei saiu carregando a criança. Nyela começou a gritar e se levantar, ainda fraca por tudo que sofrera e pelo parto, Seth se levantou pra correr atrás do rei e, quando Leviatã e Eltar o seguraram pelos braços, Nyela acertou Eltar na cabeça com a garrafa que seria usada pra abusar ela.

- Sua... – Leviatã soltou Seth e agarrou Nyela, mas Seth foi rápido e pegou a própria corrente entre suas algemas e prendeu ao redor do pescoço do mago por trás, o sufocando.

Nyela correu tropeçando, aos berros, atrás do rei. Ele não estava mais à vista, mas, com uma intuição que ela não sabia de onde vinha, ela soube exatamente onde o rei tinha ido. O medo foi seu combustível pra correr muito mais rápido até o jardim. No quarto, Seth ainda mantinha Leviatã preso, quase o matando sufocado, mas desistiu. O mago Tiger já estava desacordado e, por mais que o odiasse, Seth não conseguia matá-lo, ele não era assassino. Ele soltou o mago e correu, por sorte, não topando com nenhum guarda no caminho, apenas servas assustadas e um rastro de sangue no chão.

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SEEEEETH! A voz de Nyela soou na mente de Seth como um grito desesperado. Ele correu mais rápido, rezando pra que ela estivesse com seu filho. O problema é que a prece de Seth foi atendida.

Quando Nyela finalmente chegou no jardim, o touro de bronze crepitava, gritos infantis emanavam do interior da estátua e depois sumiram. Ela ainda pôde ver as perninhas, bracinhos e o pequenino rabo branco e preto se contorcendo dentro do objeto que o rei largara com a portinhola aberta. Tigrésius estava parado de pé a poucos passos, olhando fascinado pra criança morrendo lá dentro, como se tivesse tendo algum tipo de êxtase bizarro.

- Não...nãonãonãonãonão... SEEEEETH! - Nyela gritou e correu enlouquecida até o rei, começou a dar socos nele, desesperada, aos prantos, mas ele apenas sorria como se a dor dela fosse um divertimento extra.

- Nyela... – Seth chamou vendo o estado da mulher. Quando seu olhar se virou pra famosa estátua de bronze, o odor de sangue queimado, Tigrésius sem seu filho, o pequeno cadáver esturricado lá dentro... O mundo dele simplesmente desabou. –

Seu....Seu....MONSTRO DESGRAÇADO!

Tigrésius olhou pra ele sorrindo como maluco, pegou Nyela pelos ombros e cravou os longos caninos em seu pescoço. O sangue espirrou a mais de 3 metros e ela caiu morta antes que Seth pudesse processar o que tinha acontecido. O rei a jogou dentro do touro de bronze e fechou a portinhola. Seth tremia tanto que não sabia como estava conseguindo ficar de pé, ele mal se lembrava do próprio nome. Tudo que ele sabia é que precisava sair dali. Sem saber bem o que fazia, ele se virou e correu. Tigrésius não o seguiu, se divertindo muito com seus novos cadáveres no touro de bronze. Mas nenhum guarda o parou. Nem mesmo apareceu nenhum guarda. Ele só continuou correndo, correndo, correndo...

~o~

- Seth? – Carya chamou, mas a voz dela parecia vir de tão longe... – Seth, acorda, caramba! – Carya deu alguns tapas leves no rosto do irmão, tentando fazer ele reagir, mas foi inútil.

Carya havia encontrado Hunna na fazenda quando viera procurar a mãe e ela estava assustada porque Nyela deveria ter aparecido três dias atrás. Carya, sentindo que o irmão estava com problemas correra com um pequeno exército que reunira na fazenda pra resgatar Nyela e Seth, mas acabara encontrando o irmão andando pela estrada, sujo, acorrentado, apático, lágrimas caindo de seus olhos desfocados.

- Vamos levá-lo pra fazenda. – Um dos rapazes que viera com ela falou e colocou Seth na garupa de seu cavalo.

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- O que é isso? – Carya perguntou pegando um brilho sutil dentro da algema de Seth.

Ela puxou e viu que era um pequena adaga.

O olhar meio desfocado de Seth finalmente reagiu, mas não com total consciência. Ele esticou a mão e pegou o objeto das mãos da irmã, abraçou a adaga como se fosse um bebê e murmurou chorando: - Nyela...

Era a adaga que ele dera a Nyela pra se defender, caso Leviatã invadisse o quarto em busca dela, semanas atrás. Ele só não sabia como aquilo tinha ido parar em sua algema.

Sinceramente... Ele não se importava. Nada mais importava.